quarta-feira, 29 de julho de 2009

Capítulo XIX - Fantasmas

Trovões, chuva se chocando contra as janelas grandes do corredor, cheiro de hospital, de morte, pensamentos negativos, aquelas mãos brancas segurando a maldita rosa negra.
O que eles fizeram com Erin? Pra onde a levaram?
Foi nessa hora, com o risco de perdê-la pra sempre, que a morena percebeu que gostava muito mais do que achava daquela menina tão alva. O simples pensamento de terem feito algo com ela ou nunca mais vê-la fez a garota de preto se desesperar. Ela tinha que fazer algo, tinha que proteger aquela menina. Não sabia como, mas tinha que achar um jeito. Nunca iria se perdoar se não conseguisse.

-Calma Sayonomi, o que demais pode ter acontecido? – O rapaz barulhento de cabelos longos loiros não sabia de nada, da gravidade da situação.

-Eu to calma. – Não estava. Ela saiu apressada pro banheiro feminino ignorando as perguntas de Ryo, ela tinha que tentar achar Erin sozinha, não podia confiar nele pra isso.

Porem depois de poucos passos outro rapaz surgiu na sua frente, Jin Kusanagi, seu par no baile, seu primeiro romance “normal”. Ele tinha acabado de dobrar o corredor e a abordou gentilmente. Mas ela não se agradou nenhum pouco com isso.

-Elisha, tava te procurando. A Emily acordou e...

-Agora não, a Erin sumiu.

-Relaxa, eu e o Ryo vamos procurar. Você vai ver a professora, tem mais intimidade com ela do que eu. – Relaxar? Aquele idiota não entendia... Ele a segurou pelo braço de uma forma leve e mudou seu rumo, era uma péssima hora pra tocarem nela. Por pouco ela não agrediu o garoto. O quarto de Emily estava perto.

-Vocês não entendem... Só eu posso resolver isso!

-Já falamos disso antes. Não precisa fazer tudo sozinha, Erin deve ter ido beber algo. Deixa que a gente resolve isso, a professora ta precisando de consolo. – Elisha tentou se soltar, mas ele era mais forte e teimoso.

Foi arrastada pro quarto e colocada lá dentro de frente pra cama, foi agressiva e rude com Jin e ele saiu dali a deixando sozinha com a mulher acidentada. Seu sangue ferveu a tal ponto que só conseguia sentir raiva de Jin, poderia chutá-lo com gosto se o encontrasse ainda hoje. O que ela iria fazer? Como poderia encontrar Erin agora? Se pelo menos Victoria estivesse lá...
Decidiu respirar fundo e se resolver com Emily logo pra poder voltar ao que tinha que fazer. Tentou ao máximo manter a calma, mas a professora que ainda estava deitada ali em pedaços não ia cooperar nenhum pouco. Sua feição era séria, mas sua voz irônica e venenosa. Ia ser uma noite e tanto...

-Oooh... Você ainda está aqui.

-Me contratou como psicóloga lembra?

-Não é de uma psicóloga que eu preciso Srta. Sayonomi, é de um ceifador.

-Quanta vontade de viver... – Emily parecia não lembrar da conversa com Erin.

-O que eu tenho pra me motivar a viver Elisha? Nada. Agora eu perdi tudo!

-Você pode conseguir outras coisas. – Não estava com cabeça pra isso, bancar a menina paciente e amorosa – Você tem a Erin e a mim.

-Nenhuma das duas tem algo a ver comigo.

-Sangue não diz nada. Se fosse assim eu não odiaria meu pai...

-Ele te amava! Você é quem nunca enxergou ou soube dar valor pra isso! Jovens nunca sabem. Já pensou em parar de se fingir de “menininha odiada” pelo menos uma vez?

-Isso é problema meu. –
A morena foi seca, Emily estava a irritando.

-Oras você não está se metendo nos meus problemas agora? Eu tenho todo direito de me meter nos seus e falar o que eu acho!

-Hunf...-
Elisha ficou sem resposta, aquela desgraçada era mais esperta que ela.

-Por que eu não morri nesse acidente? Por que só eu tenho que ficar viva observando as pessoas que eu amava morrerem? Tem uma resposta mórbida pra isso também?

-Vai ver você ainda tem assuntos aqui nesse mundo...

-Quero que todos eles vão pro inferno! – Elisha ia tentar argumentar de novo.

-Eu também nunca tive motivos pra viver até agora, mas...

-Por que você sempre se usa de exemplo Elisha? “Eu isso...”, “Eu aquilo...” Acha que sofreu mais que eu ou que as outras pessoas? Se acha melhor que nós meros humanos por isso é? –
Mas Emily cortava tais argumentos antes mesmo de ela falar.

-E aquela ladainha toda que você disse no baile? – Elisha estava se esforçando pra não perder a linha com aquela mulher – A merda toda sobre pessoas especiais e esperança?

-Como você mesma acaba de dizer, era só merda. – Dessa vez a professora é quem foi muito seca – Começou a acreditar em contos de fadas só porque se apaixonou pela primeira vez? Esperança é sonhar e um dia você acorda dos sonhos e cai de cara na mais pura realidade! Nada de final feliz, então não seja ingênua agora.

-Idiota... – Ela não sabia contradizer, estava muito irritada e de punhos cerrados.

-Quer me bater como faz com suas colegas Elisha? Vá em frente, eu mereço.

-Sabe de uma coisa professora? – Ela respirou fundo novamente e pegou o copo d’água de Emily, o quebrando na mesinha de remédios e escolheu o maior caco de vidro – Você ta certa, não tem final feliz. – Jogou o vidro afiado e molhado sobre a cama, ao lado da professora – Então se você não tiver peito, não os de silicone, mas coragem, pra encarar esses finais ruins... Pode chamar seu ceifador Emily Locke. Eu não posso ajudar você, superar isso tudo é escolha sua.

-Eu já sei que você nunca gostou de mim Elisha, corte esse discursinho indiferente.

-Me disseram mesmo que eu não sou boazinha, cansei de bancar a heroína e tentar convencer os outros das coisas. Se acha que morrer é a solução, otimo.

-Desculpa, mas não funcionou dessa vez. – Emily fechou os olhos, e a morena pode ver a frustração e a dor que estavam dentro daquela mulher. Não podia fazer nada, a própria Emily havia desistido de tentar.

-Ok então... Tenho que ir. Salvar alguém que quer viver.

-Não disse que ia parar com o heroísmo? – Elisha já estava na porta, mas respondeu.

-Isso é egoísmo. Se acontecer algo com ela eu vou sofrer e não quero sofrer mais. Não quero perder mais ninguém... Não posso deixar isso acontecer.

Elisha saiu e fechou a porta, deixou Emily sozinha e se apressou por aqueles corredores escuros e sinistros, torcendo pra não encontrar Jin no caminho. Se ele a tocasse de novo não iria dar certo. Mas algo dizia que ela ia entrar numa situação pior... Muito pior.
As luzes do corredor do banheiro feminino estavam falhando e quando ela viu aquilo um frio horrível lhe atravessou a espinha, ela hesitou, tinha algo de errado ali. Lembrava um dos cenários daqueles filmes de terror hollywoodianos. Elisha ficou paranóica, parecia que estava sendo observada. Sentia um tipo de vento em suas costas e ouvidos que parecia uma respiração fraca, mas sempre que virava pra olhar não enxergava nada alem de sombras... Concentrou-se e encarou a flor que ainda estava na sua mão mesmo depois da discussão com Emily, então avançou pra dentro do banheiro. Se fosse preciso ela desceria até o inferno, mas voltaria com Erin.
Depois de dez passos pro interior daquele banheiro todas as luzes queimaram no mesmo tempo, coisa que a fez recuar, não conseguia ver mais nada, só o que as luzes de fora que ficavam piscando clareavam. Naquela hora o grande e luxuoso banheiro parecia esconder dezenas de vultos na sua escuridão, Elisha queria sair dali, mas antes que o fizesse ela viu a luz lunar, indicando que o tempo estava se abrindo novamente. A luz da lua vinda das janelinhas nos cantos superiores dali iluminava curiosamente um único espelho... A morena caminhou lentamente até ele e murmurou pra si mesma:

-Foi você quem fez isso?

-Não. – O riso que se seguiu a assustou, mas a garota pôs-se de frente pro espelho. Não foi nenhuma surpresa encontrar Irene ali. Talvez fosse melhor ter encontrado fantasmas, mas não... Lá estavam ela com seus olhos completamente negros com exceção da íris, mais profundos que nunca – Foi falha no sistema elétrico.

Elisha sentiu uma leve aceleração no coração, ainda se recusava que era real, mas talvez aquele “delírio” fosse sua solução. Elisha podia nem saber por onde começar, mas seu outro eu... Sempre sabia.

-Eu preciso de você agora, sabe como achar Erin não é?

-Talvez, coloquei um bat-localizador nas calcinhas dela.

-É sério. – Se ela não estivesse tão abalada mentalmente até iria rir daquilo.

-Desde quando você pede ajuda? Sempre fez tudo sozinha, tá apavorada assim?

-Eu não sou paranormal pra descobrir onde ela tá sem pistas! – Estava se alterando com o espelho, era loucura, mas a paciência dela estava por um fio. Usou toda com Emily, precisava da ajuda de Irene agora nem que fosse a força – Não estou conseguindo pensar ou deduzir isso direito, não tenho a mínima idéia de onde podem ter levado ela a não ser praquela floresta. Mas a intuição diz que não é pra lá... – A garota tremia por completo e apertava aquele lavatório, irritada, nunca estivera tão desesperada assim. Irene sabia disso - Você sempre diz “eu sou você” então faz um bem pro nosso “eu”e me diz o que fazer agora. Preciso achar... Eu preciso dela. Não posso nem pensar em perder aquela guria, ela é a única pessoa que eu tenho. Eu não me importo com o preço, mas, por favor...

-Não. –
Aquela interrupção negativa tão direta foi o que a fez perder a cabeça de vez e erguer os olhos enfurecidos praquele suposto “demônio”. Irene achou divertido e provocou mais ainda, sabia o quanto aquilo era importante pra garota – Se eu te contar toda historia perde a graça. Ficou bravinha por que? Medo da solidão a essa altura, depois de uma vida toda solitária. Você é patética guria, deixa ela morrer! Elisha Sayonomi era menos otária sem essas vadiazinhas fedorentas!
-Cala a boca! – Ela falou baixo, mas seu tom de voz nunca soou tão assustador e agressivo, não admitiria que ela falasse assim de Erin.

Irene riu como se fosse piada, a cabeça da morena doeu, mas seu ego a manteve firme. Então a imagem decidiu ceder um pouco por ter adorado aquela determinação.

- Quer uma pista paranormal?! Ok, lá vai.

Elisha viu aquele reflexo demoníaco levantar um pouco o antebraço esquerdo, deitando-o horizontalmente e tocou nele com o indicador negro e pontudo da outra mão... Mas o interessante foi depois, Irene começou a escrever algo no próprio braço, deixando rastros de sangue, estava o dilacerando com o dedo. Sorriu pra Elisha com aquela boca costurada por fios metálicos.
A morena por sua vez ficou olhando pro espelho tentando enxergar o que Irene escrevia, aquela cena era forte, mas ela só se apavorou ainda mais quando sentiu seu próprio braço esquerdo gelar.
Seu coração quase saltou pela boca quando ela viu sua carne rasgar sem mais nem menos numa dor destruidora e seu sangue quente escorrer sujando quase o braço todo, bem diante dos seus olhos.
Agüentou a dor gemendo baixo e abafadamente, até Irene terminar de escrever, mas depois seu “demônio interno” começou a riscar o que tinha escrito, cortando o braço todo e arrancando quase toda carne dali. Elisha acertou um soco no espelho pra que seu braço não acabasse do mesmo jeito, o vidro cortou feio sua mão direita e ela não ficou mais nenhum segundo ali.
Puxou um rolo de papel higiênico e saiu de lá correndo, tropeçando nos saltos. Correu sem rumo, com a única intenção de se afastar daquele lugar. Gastou o rolo de papel todo no braço esquerdo pra conter o sangue, era bizarro que nenhum funcionário estivesse por lá. Ela não tinha visto uma única enfermeira naqueles corredores. Sem duvidas aquele hospital devia ser uma parte do inferno.
Elisha ainda estava nervosa demais, aquilo só serviu pra deixá-la mais agitada. Nem percebeu alguém na sua frente, trombou com Jin no corredor quase o derrubando. E isso por que ele jogava futebol americano... As pessoas de fato chegavam a extremos nesses momentos. Ela passou por ele correndo, o deixando preocupado e perguntando o que houve. Ele a perseguiu quando viu aquele sangue todo, a aflição do garoto foi visível, Elisha o mandou ir embora e deixa-la em paz, mas ele não obedeceu.
Então a garota entrou na primeira sala aberta e com luz acesa que viu, não ia conseguir correr dele naquele estado. Caiu de joelhos lá dentro por causa dos sapatos elegantes e conseguiu se levantar rapidamente pra fechar a porta. Pra ter certeza que Jin não ia entrar ela derrubou um armário pesado de metal que estava ali em cima da porta, derrubar com certeza era mais fácil que mover aquilo. Quebrou milhares de coisas naquele lugar e jogou ainda mais peso em cima do armário, desde baldes com coisas que ela nem imaginava o que fossem a caixas cheias de livros.
Seus braços ficaram ainda mais doloridos depois desse esforço, os cortes deviam ter aberto ainda mais, latejavam, ardiam a ponto de ela tremer. Jin começou a esmurrar a porta pedindo pra Elisha deixa-lo ajudar, as suplicas dele entravam por uma orelha da morena e saiam pela outra. Ele não podia ajudá-la, nem que ela quisesse...
Deu alguns passos de costas se afastando da porta e o salto quebrou, a morena caiu de costas no chão. Ficou deitada falando palavrões e retomando o fôlego e quando se recuperou um pouco tirou os sapatos e os arremessou bufando de raiva, amaldiçoando aqueles saltos altos. Um deles acertou a vidraça, a atravessando e indo parar na rua lá em baixo. Falou “Merda!” repetidas vezes pra si mesma e para aquela situação, sentou-se e não ligou pra Jin lá fora, ainda não sabia o que fazer a respeito de Erin. Ia ser presa por dano ao patrimônio publico provavelmente e como se não bastassem seus braços estavam a matando de tanta dor. Retirou os cacos fincados na mão direita, mas não adiantou muito. Só fez arder mais.
Elisha abraçou os joelhos, sentada em posição fetal e escondeu o rosto neles, deixando os cabelos negros lhe caírem pelas pernas. Poderia até chorar de tanto nervosismo. O que ia fazer? Agora tinha ido tudo por água abaixo, só podia esperar entrarem ali e a arrastarem pra algum lugar.
Tentou respirar, controlar a respiração e deixa-la mais lenta. Nunca tinha agido assim antes, não podia surtar agora. Ela mesma não estava se reconhecendo, se queria sair dessa e salvar Erin teria que manter a calma.
Então ela se lembrou do braço, Irene tinha escrito algo nele, uma pista. A morena tirou o papel com cuidado, estava meio grudado nas feridas e ia doer a beça se tirados bruscamente. Depois de limpar o sangue ela pode identificar duas palavras ali, no idioma do país “Get out”. Irene disse pra ela sair do hospital? Como isso ajudaria?
Não havia um jeito fácil de sair dali agora... Se fosse pelos corredores iria ser agarrada e trancafiada em alguma outra sala do hospital e sob vigia e Elisha não tinha esse tempo. Precisava achar Erin depressa, ela sentia que não podia ser algo bom, por isso a urgência. E aquela rosa negra... Sua única opção era a janela.
Usou o sapato que atingiu a parede daquela dispensa pra quebrar os restos de vidro e passar pela janela, ficando de pé naquelas curtas beiradas abaixo dela no lado de fora, estava no segundo andar. Era alto demais pra pular.
A primeira ironia que lhe veio naquela situação foi: “O que Jackie-chan faria?”
Sim, tinha um cano descendo pra rua ali. Era loucura, mas se até Irene se provou real nesse dia... O que ela tinha a perder? Pensou na resposta pra isso e não hesitou, teve que usar o velho método dos bombeiros e foi mais fácil que parecia. A descida foi suave e rápida, ela brincava de escorregar assim antes de perder a mãe. O que complicou foi a aterrisagem, seus braços estavam tão ferrados que perderam a força no meio do caminho e ela não resistiu, soltando-se por sorte estava perto do chão e caiu de pé, estar descalça era bem melhor que de saltos. Dava pra se ter algum equilíbrio, porem seu vestido de baile enroscou numa parte do cano e rasgou. Elisha sempre soube que comprar aquilo ia ser um terrível desperdício de dinheiro mesmo, agora sua coxa estava completamente a mostra, com algum vento suas roupas intimas também.

-Que otimo... – Aquela ação toda era demais para a sedentária Elisha Sayonomi, nunca se acostumaria com isso. Estava acabada, suando e exausta, mas não podia parar ainda. Tinha que sair dos arredores do hospital imediatamente ou iriam alcançá-la, ela caminhou depressa e avistou um carro de porta aberta, vazio.

Depois de todos os crimes daquela noite, roubar um carro era o de menos. Parecia que aquele mustang preto estava preparado pra ela, até com chaves no contato. Elisha achou aquilo estranho demais... Irene não podia ter feito cair um carro do céu e ela conhecia aquele carro.
Pra finalizar a noite mais louca da sua vida só faltava isso, ela estremeceu quando cruzou a esquina naquela rua fria e deserta, mas não por causa desses adjetivos. E sim por causa da voz que ouviu quando se aproximou mais do veiculo.

-Perdeu o sapatinho voador Cinderela?

Sua agitação e nervosismo morreram ali, tudo parou.

A morena notou que seus sapatos que foram arremessados pela janela estavam pendurados nos dedos dela e aqueles olhos hipnotizantes estavam a encará-la. Elisha se sentia nua diante deles, mas estranhamente tinha se viciado naquele olhar.
Victoria Sullivan tinha perdido um pouco da sua aura infantil encostada ali na virada da calçada, vestida com uma jaqueta preta que cobria um top vermelho, saias e botas também pretas. Tinha comprado outra gargantilha, mas essa possuía um pingente na forma de um coração rachado, de prata pura.
Elisha ficou muda na hora, Vic notou que ela estava alterada e largou o sapato no chão, talvez devesse ter avisado que vinha... Ou não.

-Sem crise, eu vim ajudar você.

-Me ajudar? – Elisha tentou ser irônica, aquela garota só trazia problemas.

-Entra no carro, a gente conversa no caminho.

A garota de olhos amarelados não sabia se era boa idéia, mas talvez fosse esse o plano de Irene, encontrar Vic. Como estava esgotada e confusa ela se entregou mais uma vez aquela guria... Sua tontura ia piorar, mas ela precisava imediatamente sentar e descansar.
Elisha nem imaginava onde Victoria aprendeu a dirigir, mas ela tinha se aprimorado desde o ultimo passeio. Já tinha passado da meia-noite faz tempo e algumas partes do centro da cidade ainda estavam a todo vapor. Luzes de diversas cores, principalmente azuis, verdes, roxas ou vermelhas passavam pela janela, um ótimo ar condicionado, roupas rasgadas, um forte cheiro de sangue vindo do braço que latejava incomodamente e uma linda jovens de olhos verdes ao lado. Um anjo caído... Ou um demônio em ascensão.
Sorria discretamente de um jeito diferente do habitual, não falou mais uma palavra nos momentos seguintes. E Elisha também não, mais por não conseguir falar com ela.

-O que foi nos braços? – Como se ela se importasse de verdade. Elisha foi irônica na resposta, queria mostrar que mudou um pouco.

-Desde que fui apunhala pelas costas por alguém que eu gostava entrei em depressão profunda. Laminas ficam mais atraentes.

-Você parece melhor que antes, mas fisicamente está horrível.

-O que você quer aqui dessa vez?

-O mesmo que você, achar alguem. E nós vamos achá-la.

-Nem começa. – Lá vinha ela com o “nós” de novo... O que a garota de cabelos curtos queria de Erin? Elisha estava disposta a protegê-la até de Victoria se fosse necessário... Por mais difícil que fosse.

-Ok ok... – Mas o que veio a seguir não era esperado – Eu vou achar, porque você não sabe de nada pra variar. E eu não vou contar, coitadinha de você...

-Acho que é a primeira vez que você é sincera comigo. –
Vic soltou um risinho gostoso, parecia estar insinuando algo com o que disse, mas Elisha levou aquilo a sério. Pretendia deixar claro o quanto Vic tinha ferido ela.

E a dona dos olhos verdes tomou uma postura não irônica, fitando as ruas. Tinham saído do centro e entrado nos subúrbios.

-Sabe por que não te contei nada?

-Por quê? – Era o que ela queria saber. O que torturava sua cabeça por todos aqueles meses...
Vic tinha percebido o que fez. Pelo menos parecia.

-Medo.

Aquilo sim foi uma surpresa. Victoria Sullivan, a “princesa” da impiedosa Black Rose admitindo que teve medo? Elisha quis ouvir mais.

-Não queria te envolver muito, a influencia da minha família é maior do que você imagina. Anita pode colocar um país inteiro atrás de você fácil, achei melhor não arriscar. – Não era algo que cabia a Vic escolher, Elisha estremeceu e continuou ouvindo – Você mesma quase morreu só por descobrir nossa existência. Mas se você quer tanto saber, eu não posso impedir. Pelo menos ainda não.

- E o livro? Os sedativos? –
Não queria ficar com nenhuma duvida sobre isso. Será que ela devia acreditar nessas desculpas? Ia adorar acreditar...

-Eu queria que você fosse lá pra fazer uns furos no Kasu-chan também. E o livro... – Ela riu, olhando pra Elisha de lado – Eu nem sei o que é chave de Salomão ou ler em latim, nunca tinha visto aquilo. Só peguei nas coisas da Anita pra irritar ela, daí lá na floresta eu mandei uns blefes pra ele e você levou a sério. Não acreditei que você engoliu aquela piração sobre demônios que o bonequinho de neve psicótico inventou. Mas prometo nunca mais dar presentes que eu não conheça pra você tá? – Era engraçado que ela não acreditasse em demônios, Kasuya não tinha inventado aquilo, mas Vic parecia sincera.

-Por que não me disse isso antes? – A outra menina ficou “séria” quando ouviu isso.

-Eu quis sair da sua vida. Você tem mais chances de ser feliz levando uma vida normal, namorando alguém normal. Eu notei como o loirinho olhava pra você e sabe Elisha, eu não sirvo muito pra isso. Sou solitária demais assim como você ou até pior, e como gatos pretos eu trago azar. Você só precisa de empurrõezinhos, o resto você faz sozinha.

-Por que eu deveria acreditar em tudo isso? – Ela tinha se esquecido dos braços, até do que ia fazer. Estava acreditando em Victoria.

-Não te pedi pra acreditar. – Piscou pra Elisha, do jeitinho que fazia antes – Só disse isso porque faz eu me sentir melhor. Vai que cola... – Tinha “colado”, novamente Elisha se sentia nas mãos daquela garota insana. De uma forma diferente, mas estava. Não soube responder e ficou quieta, Vic falou algo mais – Vou pegar roupas pra você.

-Minha casa explodiu, então estou na vizinha agora. –
Ficou pensando se Emily teria se matado àquelas horas... Todos eles deviam estar agitados no hospital.

-Ah é, detalhes. – Vic sorriu de forma desumana.

-Você é a pessoa mais egoísta que eu conheço. – Só então a garota olhou pra outra. Dessa vez sem raiva ou nervosismo... Victoria tinha domado seu espírito. Como ninguém mais conseguia.

-Azar seu ter se apaixonado por mim então. – A menina de olhos verdes sorriu, retribuindo aquele olhar.

-É... Muito azar. – Tinha admitido algo também embaraçoso pra ela, o que queria dizer mas não teve coragem. Elisha Sayonomi, a “rainha da insensibilidade” também tinha dado o braço a torcer e admitido que tinha mesmo se apaixonado. Do seu jeito, que soava como um “Eu te amo” aos ouvidos de Victoria. A morena de cabelos curtos até ficou em silencio, por pouco tempo, mas ficou.

-Quer fazer igual aos vídeos eróticos em carros?

-Vai se ferrar. – Agora sim estava tudo “normal” entre elas. Vic até mostrou a língua a provocando, talvez outro dia... Elisha sorriu por dentro, sentiu vontade de agarrar aquela garota ali mesmo e acabar num acidente de transito, mas segurou esse impulso estranho – Anita tem que cortar sua internet. Está te fazendo muito mal.
“Senti sua falta... Guria louca e sádica...”

Elisha acreditou tanto que elas iam voltar a ser como eram que estranhou quando Victoria não invadiu o quarto quando ela estava apenas de roupas intimas vestindo seu jeans, a outra garota tinha mudado um pouco também. Parecia mais madura... Foi Elisha quem não entendeu por que no fundo ela queria que Vic entrasse lá. Talvez fossem seus hormônios fora de uso agindo.
Manteve a gargantilha, era sua marca registrada, e colocou uma camiseta preta regata que tinha ganhado de Erin. A própria Victoria tinha feito os curativos em seu braço e mão, costurado onde foi preciso e a sangue frio. A garota nunca decidiu nunca mais se deixar cortar assim pra não passar por aquilo de novo sem anestesia. Odiava agulhas, segurou a dor como pode, só soltando alguns gemidos abafados. Colocou uma pulseira de couro preta com botões metálicos por cima das gazes pra enfeitar e saiu do quarto.

-Aprendeu o significado de privacidade? – Ela colocou uma das mãos nos quadris demonstrando estranheza ao ver Vic comportada olhando pela janela da casa de Emily.

-Uh la lá! – A garota de olhos verdes parecia entretida com algo que via na rua, antes de olhar pra Elisha – Acho que vou esquecer rapidinho. – Ela caminhou até a garota de longos cabelos negros como quem não queria nada, a observando com aqueles olhos. Os batimentos aceleraram com a aproximação de Vic, que parou de lado para o rosto da garota e sussurrou algo – Escolheu bem o visual, a noite vai ser marcante.

-Vai? –
Elisha estava sem jeito com razão. Tinha esquecido que aquela maluca não resistia a tentações e se viu tentadora no momento. Vic fingiu brincar com as próprias mexas e bateu a palma da mão subitamente ao lado da cabeça da garota, sem fazer barulho. Aproximou-se dela, a encurralando na parede. A distancia entre os lábios das duas já era mínima quando Vic voltou a falar.

-Hoje o caso de Yuna Kayoshi vai ser encerrado linda. – Elisha ficou muda, sentiu aqueles lábios envolventes e quentes tocarem os seus brevemente, mas não num beijo, apenas um toque – Oh... Vamos nos comportar, tem gente olhando. – A morena quase beijou Vic por iniciativa própria quando ouviu aquela voz baixinha e sentiu aquele hálito fresco e sedutor tocar seu rosto, mas quem estava olhando? – A coisinha cor-de-rosa. – Vic respondeu exatamente, Elisha deduziu que fosse Sadako. Victoria sorriu e disse uma ultima coisa – Se confiar nos olhos só vai vê-la quando ela quiser. Aquela guria é invisível.

E foi pra frente como se tomasse impulso, Elisha semi-cerrou os olhos, mas não sentiu um beijo, apenas uma mordida delicada no lábio inferior. E Vic se afastou.
A deixando mole encostada naquela parede gélida.

Depois de retomar o fôlego ela foi até a janela, enquanto a outra tinha ido assaltar a geladeira da sua ex-professora, não viu nada cor-de-rosa na rua. Estava quieto demais... Sentia até alguma ansiedade por isso. Vic voltou e abriu a porta de saída, mas antes de segui-la Elisha foi abordada por alguém. Era sua Morrigan.
Esfregou-se contra as pernas da menina, miando, até que ela se abaixasse pra dar alguma atenção.

-Você é mesmo sem graça... – Acariciou a cabeça da gata – Mas foi minha primeira amiga. Nunca tinha reparado nisso... – O carinho que ela sentiu pela gata na hora foi estranho. Parecia uma despedida. Como se nunca mais fosse a ver.

-Não querendo interromper o momento “Elisha e seus amigos da natureza”, mas a gente tem que ir rápido. O picolé de creme não é paciente. – Vic cortou o clima.

-Ok. – A gata chiou para a outra menina.

Elisha saiu dali, olhando demoradamente para Morrigan, querendo até levá-la consigo. E quando finalmente saiu foi Vic quem falou com o animal, a encarando:

-Viu? Ela gosta mais de mim, gato estúpido.

Morrigan soltou outro chiado longo pra Victoria, como se estivesse respondendo. A garota se cansou e saiu da casa também.

Mais uma vez estavam no carro, Elisha incomodada com os pontos e insegura caso fosse precisar do braço. Então foi Kasuya quem levou Erin.. Ela tinha medo de que ele fizesse algo com aquela menina.

-Pra onde ele levou a Erin?

-Adivinha. – Vic riu-se de novo, mas notou que Elisha não tinha um palpite – Pra onde tudo começou, edifício Blue Sky.

Parecia uma encenação... E aquele era o cenario perfeito pro ato final da tal peça.

Foi fácil entrar no prédio, Vic passou com o carro por cima do portão. O que fez Elisha xingar bastante.Estava tudo aberto e escuro, a garota dos olhos verdes apanhou uma lanterna e jogou pra de olhos amarelados, adentrando aquela torre de pedra.

-Vazio. – Não tinha nem sinal dos fantasmas que Elisha via por ali.

-Me disseram que o prédio tinha sido fechado, mas não imaginava que estava tão abandonado assim. A mobília ainda tá toda aqui. Nem quero imaginar o que ele fez com os vigias noturnos. – Elisha achou aquilo macabro como tudo em Sleepy Hill, cidades normais não tinham prédios fantasmas.

Lembrou-se dos anúncios na TV que mencionavam o prédio e o condomínio, da frase “Venha encontrar seus sonhos aqui”. Aquilo agora era um lugar de sonhos perdidos, destruídos...

-É irônico. – Vic caminhou sem pressa para a recepção vazia, sobre aquele tapete azul e sob as paredes e teto feitos de um tipo de pedra branca extremamente lustrada. A decoração era clara com detalhes dourados, tanto em sofás como em telefones, todos ocultos pela escuridão.

-E esse pingente?

-Ah, isso... – Victoria sabia que ela ia perguntar daquele mini-coração partido acima do seu peito

– Tem fotos de duas pessoas mortas que eu amei. Pelas escadas?

Elisha achou melhor não perguntar mais, uma das tais pessoas devia ser Yuna. Concordou com a cabeça, elevador era péssima idéia, isso se ele estivesse funcionando. Durante a subida para os últimos andares ela foi ficando ansiosa demais. Principalmente quando viu Victoria puxar uma pistola da jaqueta e destravá-la. A morena suspirou e pensou consigo mesma:

-(Adeus normalidade.)

-Como se você gostasse dela. – Quem respondeu foi Irene. Era estranho falar com ela depois do incidente no hospital. Ver o estado do seu braço e falar com a culpada como antes, como se nada tivesse acontecido.

-(Ainda estou de mal com você.)

-Haha... Fere meus sentimentos.

Elisha tentou não pensar em nada encarou o braço praticamente mutilado. Até que Vic tinha tratado bem do ferimento, nem ardia mais. Irene murmurou um “Foi mal, me empolguei.”, mas Elisha não tinha a perdoado. Notou que Vic parou em uma porta, seria ali?

-Como sabe se é aqui? – Sussurrou.

-Foi onde Yuna morreu. – Victoria girou a maçaneta, estava destrancada. E a luz acesa, dava pra ver por baixo da porta. A ansiedade da “parceira” só aumentava, mas Vic parecia estar se divertindo – Nós somos a versão feminina e mais sexy dos irmãos Winchester, esse clima me excita demais! – Com certeza estava se divertindo, abriu a porta sem apontar a arma pra nada.

Disse um “Olá!” muito simpático e cínico. Kasuya e Erin realmente estavam lá, sentados em poltronas esperando por elas. Erin com o mesmo vestido branco e cabelos presos do baile e Kasuya com uma roupa social preta, camiseta de mangas curtas e meio aberta. Estava até atraente ao ponto de vista não interessado em homens de Elisha, parecia até que ele tinha se arrumado para aquilo. Uma pistola média estava numa mesinha na frente dele, o garoto de cabelos prateados parecia estar conversando normalmente com sua irmã gêmea quando as duas entraram, mas parou para encará-las com aqueles olhos frios e avermelhados. Erin se assustou com a entrada delas, não sabia pra quem olhar.

-Trouxe uma convidada Kasu-chan, espero que não ligue. – Elisha percebeu naquela hora que ele só esperava Victoria ali.

-Vic... Elisha... – Havia algo estranho com Erin, ela parecia inquieta.

-Não sei por que você insiste em arrastar pros seus assuntos, mas isso não muda nada.

-Uhum. – Victoria se demonstrava calma, nem parecia que era hostil como da ultima vez, mas aqueles olhos sabiam bem esconder suas intenções – Só quero que ela saiba de algo, do que aconteceu com Yuna. Você conta ou eu conto?

Kasuya ficou quieto, ele entendeu o que ela quis dizer com aquilo. E o silêncio foi a resposta para o pedido. Victoria ia acabar com aquele mistério.

-Ele tentou ressucitar Erin aqui nesse lugar há quase um ano e usou Yuna nesse ritual “proibido” como um sacrifício. – Todos eles pareciam saber de tudo, menos ela. A expressão de extrema ansiedade era visivel no rosto ruborizado de Erin, ela estava com medo do que Vic ia falar – De acordo com o livro sobre isso, eu dei uma lida, o sacrificado e o ressucitado devem ter o mesmo tipo de sangue, idade e até uma personalidade muito parecida. Mas algo deu errado e ele falhou.

-Como falhou? A Erin tá aqui na nossa frente. –
Elisha contestou.

-É o que os olhos mostram. Na verdade ela não é nenhum pouco “Erin”, é um clone da original em corpo, criada por uma das familias da Black Rose. Um recipiente para a alma que seria invocada nesse ritual. Ela foi feita com o material genético da original, então é perfeita. Só que mais frágil. Um presente da Anita pro novo líder do clã Ishida. – Aquilo era ridiculo, mas fazia um pouco de sentido. Elisha já nem estranhou ao saber que a Black Rose também usava ciencia avançada, no mundo atual só não faziam clones humanos por falta de permissão mesmo. Mas não era nada estranho ver humanos daquela organização oculta brincarem de Deus. – Ela é a Erin por dentro só nas partes que o Kasu-chan lembra, nas lembranças que eles tinham juntos. Isso porque a “alma” de Erin não aceitou esse corpo, como se tivesse se recusado a ressucitar. Em teorias nenhum corpo funciona sem uma alma, não podem ser movidos só a base de memórias. Lembra de como Yuna morreu? Se lembrar você já deve ter sacado onde eu quero chegar. – Nesse momento Elisha olhou pra Erin, a garota de cabelos brancos estava chorando. Abafando os soluços com as mãos brancas, Elisha então entendeu... Só não soube como agir, algo quente, uma sensação boa e desesperada tomou conta dela. Isso a paralisou de alguma forma – Yuna “apagou” na banheira, como se tivessem arrancado a essência dela e deixado o corpo como uma casca vazia. Eu não sei como, mas de algum jeito quem despertou nessa guria branquinha que está aqui na nossa frente não foi Erin. Foi outra pessoa...

-Erin... – Aquela emoção foi ainda mais forte que o desespero que sentiu há algumas horas atrás, era como se ela tivesse encontrado algo que procurou a vida toda. Um pedaço da sua própria alma que tinham lhe arrancado sem permissão – Você é a Yuna? Desde quando sabia disso?

-Quando você me viu na floresta pela primeira vez eu já sabia seu nome. – Elisha achou que sabia por ser a mesma Erin do colégio, o fantasma. Mas aquele jeito chorão... Aqueles soluços... Já tinha visto isso antes, mas não percebeu que era coincidencia demais – Eu sonhava com vocês três, na época eu não entendia nada. Meus sentimentos, minhas memórias... Só fui entender que já conhecia você e Vic e aprender a expressar meus sentimentos quando vocês tentaram matar o Kasu naquela noite. Daí eu fui morar com você e a Emily e comecei a entender melhor as coisas. Senti que eu gostava de você faz tempo, de um jeito tão forte. Comecei a lembrar que estudava com você, que te conheci naquela escola e que você era tão triste... Mas não eram memorias de quem eu era, Erin, eram da Yuna. – Aquela subita paixão inexplicavel que Erin desenvolveu por ela, tudo fazia sentido agora – Quando vocês falaram da Yuna eu desconfiei mesmo sendo esquisito. Só tive certeza quando falei com Emily hoje, senti como se fosse filha dela de verdade... Não sei explicar. Aquilo... Ela achou que eu era Yuna... Eu não sabia o que dizer, o que Yuna diria então eu entendi... Eu sentia culpa. Eu morri e fiz ela sofrer tanto... – Erin se levantou, sem conter o choro. Se afastou indo para a janela, envergonhada de si mesma.

-Você sempre me contava tudo... Porque escondeu esses sonhos e as coisas que lembrou? – Elisha não precisava de mais provas, Luise também tinha percebido que Erin era Yuna no primeiro olhar. Aquela alteração repentina da loira fez sentido também. Vic e Kasuya observavam calados, aquele momento pertencia às duas e ninguém mais.

-E-eu tive medo... – Medo de novo? Será que ninguém contava nada pra ela por medo? A morena se sentiu um monstro, ela era tão assustadora e não confiavel assim? Não podia deixar tais pensamentos estragarem tudo agora – Achei que você não gostava da Yuna, então quis acreditar que eu era a Erin pra ficar perto de você... Me desculpa.

Elisha viu a albina perder as forças e cair de joelhos aos prantos. Aquilo era tão besta... Tão idiota... Não podia ser uma simples paixão.
Aquilo era amor.
O mesmo amor que matou Yuriko, que fez Kasuya chegar tão longe naquela sua jornada impossivel e sangrenta, que fazia Luise sorrir mesmo depois de perder tudo.
Ela merecia ser amada assim por alguém? Um monstro frio e insensível como ela, que só maltratava as pessoas ao redor? A morena se sentiu tão baixa... Tão idiota quanto os humanos que ela tanto odiava. Ela não merecia isso, não merecia o amor de ninguém. Mas Erin... Yuna... Ela sim merecia.

-Sua idiota. – A garota esguia abaixou o rosto ao ouvir isso, Elisha pela primeira vez sentiu um impulso que não conseguiu e não quis controlar. Correu para aquela garota e a abraçou, tão forte que parecia que não ia largá-la nunca mais. Jamais iria desprezar aquela menina de novo. Jamais... – Eu... Eu queria ter dito tanta coisa... Por que você não me contou antes droga?

Erin não conseguiu falar nada além do nome da morena e pedir desculpas, mesmo surpresa demais ela obviamente correspondeu aquele abraço brusco. E nenhuma outra palavra foi dita, elas ficaram ali no chão desfrutando daquele raro momento terno... Caloroso...Elisha até teria chorado junto com Erin se Kasuya e Vic não estivessem lá. Um brilho de ciúmes era visível nos olhos de ambos, Vic olhou cinicamente pra Kasuya e decidiu acabar com a parte melosa.

-O amor está no ar, hein Kasu-chan?

-Pare de me chamar assim. – Ele sorriu sarcastico, se erguendo da poltrona e pegando a pistola na mesa – Só Erin tem esse direito. E agora... Eu não chamei você aqui pra assistir cenas dramáticas.

-Anita não vem me salvar. – Vic levantou a pistola de lado, mirando pra ele. Elisha e Erin sairam daquele clima que estavam na hora – Esquece essa vingança besta... Que tal nós quatro formarmos uma família? – Foi pura ironia, ela até riu.

-Eu sei que não posso te usar contra ela, mas vou dar o troco. – Ele também ergueu sua arma e Erin ficou muda de tanta frustração, ela não sabia de que lado ficar. Independente de tudo, mesmo não sendo a verdadeira irmã dele, a garota sentia algoforte por Kasuya. Compreendia o sofrimento tanto dele quanto o de Vic e Elisha, era demais para a menina ter que ver os dois se matarem. Realmente não tinha que acabar assim – Pretendo tirar a pessoa mais preciosa dela também.

-Peninha... Eu já não tinha mais motivos pra ferrar você já que Yuna está viva,
KASU-CHAN!

Kasuya ficou calado sem ligar para a provocação infantil dela. Aqueles olhos rubros e impassivos se confrontavam com os verdes penetrantes, naquela cena classica de filmes, onde armas eram apontadas mutuamente entre inimigos. Mas havia algo a mais, Vic parecia querer enfrenta-lo de igual pra igual. Sem causar disturbios com suas íris cor de esmeralda. Voltou a cortar o silêncio:

-Parece que estamos destinados a acabar assim né? – Vic sorria para o garoto, bizarramente ela estava tão confiante que parecia ter um plano B – Agora que elas tão juntas eu não tenho mais remorso. Ultimas palavras?

-Sullivans falam demais. – De fato aquilo irritava o lider dos Ishida. Vic riu da resposta e se recompôs numa postura séria, com um sorriso ainda mais cínico.

-Ooook! Então para de enrolar e me mostra um pouco do seu amor gatinho!

Os tiros seriam disparados agora, mas Elisha já estava de pé e jogou-se contra Kasuya para impedi-lo, a morena não estava disposta em arriscar perder Victoria. Tinha se soltado de Erin e feito algo pra tentar parar aquilo, mas foi em vão. As vezes todos nos sentimos super-heróis, mas não somos. A morena segurou o braço dele por alguns segundos antes de ser derrubada por um soco fulminante no estomago, ela perdeu todo ar. As cenas a seguir foram completamente lentas, ela se viu caindo e na sua queda viu Erin correr para os dois. Seu coração explodiu naquele momento, ela não foi na direção de um deles, não ia chegar a tempo de impedir os disparos. O maximo que conseguiu fazer foi erguer a mão para a frágil menina. Devia ter ficado com ela no chão, a protegendo... Por que precisava ser assim?
Viu lagrimas brilhantes seguindo o rastro daqueles cabelos prateados presos, que se soltaram no caminho. Ouviu os disparos e um grito... Sentiu o cheiro da polvora e do sangue.

“Yuna... Por favor...
Não faz isso...
Agora que nós finalmente estamos juntas...”

Erin tinha se colocado entre aqueles dois jovens de braços abertos, tentando protegê-los de si mesmos... O sangue que tingiu aquele lugar tinha um cheiro fraco e estranhamente doce. Um cheiro triste de se sentir... Mas sereno. Cativante. Belo.
Dessa vez foram eles que destruíram a única coisa que tinham em comum, o motivo de terem odiado tanto... De terem amado demais.

“Agora que nós iamos sentir um pouco de felicidade...
Por que você me abandona assim de novo?
Por que Yuna? Por que esse mundinho imperfeito é assim?”

Aquilo não foi planejado pela herdeira dos Sullivan,
E nem esperado pelo líder dos Ishida.

Erin fechou os olhos delicadamente,
Voltando ao seu sono. Do qual não tinha que ter acordado.
E Elisha caiu, num dos abismos mais profundos.

2 comentários:

  1. Um dos que tive maior retorno, finalmente tudo revelado, pessoas xingando, sendo emotivas, surpreendidas... Enfim, me disseram que os detalhes desse ficaram bem mostrados, eu não vi onde, masss...

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  2. Caramba!!!

    Bom, sinceramente, o começo desse capítulo foi patético, bom, na minha opnião, pois eu peguei raiva e nojo da Victoria, achei a Elisha uma completa idiota, até entendo o contexto da explicação da Victoria e o amor de Elisha por ela, mas... Fui seguindo e achei ridículo a 'inocência' da Elisha e a cara de pau da Victoria. Bom... É. '-'

    Com o desenrolar, após a entrada delas na sala aonde estavam Erin/Yuna (Minhas personagesn preferidas *--*) e o Kasuya (O personagem masculino preferido, depois o Jin *--*) achei MAGNÍFICO, sério, não estou puxando saco nem nada, mas foi esplêndido a continuação, tudo, cada detalhe, ação e explicação... Eu desconfiei mesmo que Erin estava muito parecida com a Yuna mesmo, pensei nessa hipótese de ser a própria. Nossa, fiquei sem palavras, adorei literalmente, por mais triste que tenha sido o fim desse capítulo e eu ainda vou ler o próximo agora pra saber o que aconteceu, well, presumo que seja isso mesmo, achei bem justo. Nem para um e muito menos para outro, Victoria e Kasuya tinham que 'pagar' pelas maldades/crueldades que já fizeram, por mais que ambos tenham sofrido com suas perdas. MAGNÍFICO!!!! (Palmas)


    O foda e triste de tudo isso é Elisha, se envolveu demais indo muito à fundo nisso tudo e acabou (acabará?) pagando mais ainda, pois sofrerá muito com essa perda (presumo), até mais que Kasuya e Victoria. Triste, muito triste mesmo...



    D.

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