segunda-feira, 27 de julho de 2009

Capítulo XI - Marcas

Elisha estava dormindo um sono bom, fazia frio naquela hora, mas o cobertor e Victoria cumpriam bem a função de aquecer. Subitamente ela ouviu uma voz seguida de um flash que a acordaram. Ryo tinha invadido a barraca e tirado uma foto de ela e Vic dormindo, Elisha pegou a primeira coisa que veio a mão, no caso uma das botas da amiga e a jogou contra Ryo, o acertando na cabeça. Ele saiu resmungando dizendo que só queria uma foto de recordação.
Mesmo começando o dia assim, ela se sentia leve. Aquela cena a fez se sentir mais próxima de Ryo de alguma forma, como se fossem amigos. Olhou pra Vic, que ainda estava dormindo e tirou os shorts pra recolocar os jeans tentando evitar que alguém a visse sem calças. Decidiu ir dar uma olhada nas coisas antes de Victoria acordar e viu os colegas discutindo quando saiu da barraca, James xingando Ryo e Jin conversando com Sayo e Ariana sobre duas pessoas terem sumido. Uma ela sabia que era Joe e a outra pelo visto era Amanda. Jin se aproximou dela e explicou:

-O Joe e a Amanda sumiram daí o pessoal vai procurar eles. Pode ficar aqui com a Vic.

-Eu queria ver a floresta, então... - Ela queria mesmo, fazia tempo que não visitava aquele lugar.

-Ryo, perdeu sua vaga, a Elisha vai com a gente. – Ele a tocou no ombro amigavelmente, enquanto Ryo disse que não queria ir mesmo e que preferia tirar algumas fotos de Victoria dormindo.

Victoria, ela tinha feito eles se sentirem mais próximos a Elisha. E ela não ligou, resolveu os deixar achando isso e Ryo podia ser um idiota, mas tinha alguma honra. Não havia perigo deixar Vic aos cuidados dele.
Um tempo depois ela estava se sentindo pequena andando ao lado de James e Jin e fez uma cara fechada pra compensar sua presença não-ameaçadora perto dos dois e ficou em silencio ouvindo James reclamar.

-Onde que a Amanda se enfiou?

-Deve estar no rio nadando com as outras piranhas. - Aquilo saiu baixo da boca de Elisha. Ela não queria ter dito isso, mas saiu. Por sorte James não ouviu direito.

-Espero que você não tenha medo de monstros, menina. – Respondeu hostil.

-Gente do seu tipo são os primeiros a morrerem em filmes de monstros. – Aconteceu de novo, isso era pra ter sido um pensamento, mas acabou saindo pela boca.

Jin a afastou de James e cochichou pra ela que era melhor não provocar, e ela não entendia o que houve, não quis falar aquilo. Era como se não fosse ela.
Nessa hora ela notou que Irene estava quieta. Será que tinha sido ela?
O tempo passou e Jin disse ter visto uma menina no lago ali perto e achava que ela estava nua. James mandou Elisha checar enquanto eles iam procurar Joe, ela aceitou ir antes que Jin pudesse protestar. Aquilo parecia uma armadilha de espíritos de floresta pra ela, como em filmes, mas ela não ligou e seguiu para o lago.
As águas eram como a floresta, escuras. E a garota no lago estava de costas pra ela, com água lhe batendo no umbigo, parecia estar tomando banho e de fato estava nua.
O corpo dela era esguio e os cabelos até os ombros de um tom estranho de loiro prateado, porem o que chamou a atenção de Elisha foram as cicatrizes que serpenteavam da região detrás do ventre se estendendo até seus ombros, cobrindo boa parte das costas. Elas lembravam um tribal duplo ou dois “ramos” de uma roseira, com espinho e tudo desenhado. Tinha formas tão perfeitas que pareciam ter sido feitas intencionalmente por algum artista.
A garota virou-se pra Elisha, que reconheceu aquele rosto, era Erin Nayami.
Os olhos dela pareciam avermelhados, diferente do tom que tinha na escola, e encheu Elisha de perguntas desde o que ela fazia ali a se ela queria entrar na água também, sem demonstrar expressão alguma no rosto ou alterar a voz. Elisha se perguntou o que ela estaria fazendo ali, até se ela seria a atual “bruxa” da floresta.
Erin se virou completamente pra ela, não se importando em cobrir os seios ou o sexo, ficou ali só encarando Elisha com aquele olhar vazio e misterioso.
Elisha quis não olhar pra ela a principio, pois ela só tinha visto ela mesma nua até agora e achou isso constrangedor, mas acabou se agachando na beira do lago e observando o corpo magro e gracioso da colega, perguntando com uma pitada de ironia na voz:

-Você não tem vergonha de se mostrar assim?

-Você também é menina Sayonomi-san. Nossos corpos são iguais, não tenho que me envergonhar.

Elisha se sentiu rebaixada de certa forma, afinal seu corpo era bem mais curvilíneo que o de Erin e seus seios com certeza maiores. Ela não acreditou que pensou em algo assim, desde quando ela se importava em seu corpo ter vantagens?
Quis culpar Vic ou Irene por tais pensamentos, Erin disse que morava na floresta e a convidou pra ir lá tomar algo. Elisha ignorou e perguntou o que a intrigava:

-E essas marcas nas suas costas?

Erin repentinamente fez uma cara de espanto terrível, parecia que Elisha tinha apontado um revolver pra testa dela. E começou a tentar se cobrir desesperadamente como se tivesse uma extrema vergonha do seu corpo e implorava pra Elisha não olhar até ela se secar e se vestir. A morena tapou os olhos, aquilo tudo a deixou no minimo ainda mais intrigada com as marcas, era a primeira vez que aquela “bonequinha de porcelana” tinha demonstrado algum sentimento e mostrado alguma expressão no rosto. Elisha ficou pensativa imaginando o motivo pelo qual Erin escondia as cicatrizes em tamanho desespero. Quando percebeu já estava a acompanhando até sua casa.

-Não fale sobre meu corpo pra ninguém tá? – Pediu Erin ainda tímida.

-Tudo bem. Eu não tenho pra quem falar mesmo. Viu a Amanda por aqui?

-Amanda Redriver? Não, mas ela está bem.

-Como sabe?

-Eu só sei.

Erin parecia diferente naquela floresta, estava mais bela, leve, como se fosse uma alma penada que assombrava o lugar. Agora usando um vestido branco e com aquele ar tímido ela lembrava Yuna, Elisha não deixou de reparar. Aquilo a deixou sem jeito.

-Você viu ele cair, não é Sayonomi-san? – Erin olhou pro alto- O Dowd-kun. Ele era uma pessoa má, e caiu no rio ontem.

Aquilo não era bom. Como ela sabia de Joe? Será que tinha visto Vic também? Ela temeu pela segurança de Victoria por alguns momentos e ignorou a pergunta.
Chegaram numa casa grande e antiga no meio da floresta, aquilo era bizarro. Erin a convidou de novo pra entrar e ela recusou, mas antes de despedidas ela teve que garantir que Erin iria ficar calada sobre o que viu, pra segurança de Victoria, ela disse fria:

-Não conta pra ninguém sobre o Joe que eu não conto pra ninguém sobre as suas costas, acordo?

Por que diabos ela estava protegendo Victoria afinal?
Erin aceitou sem hesitar e caminhou na direção daquela casa estranha.
Elisha já tinha se virado pra ir embora quando ouviu Irene quebrar o seu silêncio e dizer que “ele” estava por perto, ela não soube quem, mas Irene ficou insistindo pra que ela seguisse Erin pra dentro da casa. Elisha perguntou se ela tinha certeza do que estava pedindo e o riso soou como um sim.
Ela foi atrás de Erin e disse que ia aceitar um chá, a colega acenou com a cabeça e a guiou para casa e Irene a mandou ficar atenta.
Aquilo parecia uma mistura de casa clássica japonesa com aqueles casarões de nobres ingleses, o lugar era incrivelmente limpo e luxuoso pra uma simples casa na floresta, mas tinha algo que perturbava Elisha naquele ambiente, dava calafrios.
Ela não devia ter ido pra lá.
Erin a deixou na sala enquanto ia preparar o chá durante uns 15 minutos, até que ela ficou impaciente. Por que ela demorava tanto?
Irene sugeriu que ela ousasse um pouco mais e fosse ver a casa, Elisha achou falta de educação no começo e discordou, mas Irene insistiu tanto que acabou a deixando paranóica e curiosa. Ela decidiu checar por fora, porque ficava mais fácil de sair de lá, foi seguindo as paredes do lado de fora, o quintal de lá era amplo e a casa cercada por um muro meio-alto, contornou a casa. E retardou os passos quando ouviu vozes perto:

-Você não podia ter comentado com ninguém. E nem mostrado seu corpo. – A voz era masculina, calma e serena.

-Me desculpe. – A outra parecia ser Erin.

-Você sabe qual é a punição. Depois eu cuido da sua amiga.

-Sim, meu irmão.

A conversa vinha de um tipo de porão da casa, havia uma janelinha num canto da parede, perto do chão. Elisha se agachou lá pra poder ver melhor, a luz só pegava o centro da sala o resto ainda estava bem escuro, e ficou surpresa com a cena, Erin havia se despido novamente e ficou apoiada sobre um tipo de mesa, de costas pra alguém e Elisha chegou a entender errado, mas quando viu um vulto com algo pontiagudo metálico e quente, com a ponta até naquela luminosidade avermelhada de metal quente, em mãos ela deduziu tudo.
Por que Erin o deixava fazer aquilo?
O tal vulto não foi pra luz, e tocou as costas de Erin com a ponta daquela provavel adaga, a garota mordeu o lábio inferior e fechou os olhos tentando não gritar e então ele começou a riscar calmamente as costas dela, de uma forma profunda, puxando outro risco da marca maior e o enfeitando “desenhando” o que seriam os “espinhos”.
Os olhos dela começaram a lacrimejar e ela mordia o lábio cada vez mais forte pra tentar esquecer a dor inutilmente, soltava alguns gemidos bem baixos e abafados a cada vez que a lamina caminhava mais um pouco pela sua pele.
O vulto era um homem com certeza, e era assustadora a forma calma que ele desenhava outra ramificação do meio das cicatrizes que Erin já tinha nas costas, ela não conseguiu suportar e soltou um gemido alto e choroso e Elisha ouviu o homem falar de novo:

-Faça silencio. Se ela fugir por sua culpa, vou ter que cortar mais um ramo desses. – Era obvio que ele estava falando de Elisha, aquela serenidade na voz dele chegava a ser macabra – Seja uma boa menina.

Erin se calou e foi resistindo de forma horrível à dor que aquela lamina quente percorrendo, rasgando e queimando sua pele proporcionava e Elisha ficou estática, não entendia de forma alguma como Erin se submetia aquilo. O que ela tinha feito de tão errado assim?
Nem sangue escorria pelos ferimentos por causa das queimaduras, e o tal homem parou pra observar as costas de Erin depois do trabalho finalizado, ela estava acabada, tremendo, soluçando, atordoada e com os olhos vertendo lagrimas automaticamente mesmo que ela parecesse se esforçar pra segurar o choro, mas de fato as marcas tambem exibiam aquela beleza macabra.
Porem o pior foi quando aqueles olhos que pareciam vermelhos a encararam, foram de encontro aos olhos amarelados de Elisha.
O coração dela saltou pra garganta, ela não viu o rosto dele direito, mas era familiar, a única coisa que seus sentidos perceberam depois disso foi o vidro da janelinha estourando e atirando cacos pra todo canto. Sentiu alguns pequenos perfurarem sua pele e alguns maiores de cortarem um pouco o rosto e as mãos que ela usou pra proteger os olhos. Elisha deu sorte, a faca que foi arremessada contra ela não atingiu o alvo e a garota conseguiu apanhá-la no chão e sair correndo de lá antes de outro ataque.
Aquilo era loucura. Há quanto tempo ele fazia aquilo com Erin? Pelo tamanho das cicatrizes devia ser constante esse castigo ou ele devia castigar ela assim há anos.
Chegou a entrada da casa e correu até o portão, mas assim que ela percebeu que ia conseguir escapar, ela se lembrou do que ia acontecer caso ela fugisse, e aquele velho ódio de injustiças lhe passou pela cabeça.

“Nesse nosso mundinho perfeito só morre cedo quem não merece.”

Não era amiga e nem gostava de Erin.Mas ela não merecia ser punida daquele jeito por causa da curiosidade de Elisha, justo ela que era tão passiva e inofensiva.
E Elisha não era do tipo que fugia.

-Isso não é hora pra ética! Se você ficar ele faz mingau com você!

Irene pareceu se alterar um pouco quando Elisha parou e ficou esperando na frente da casa, talvez ela quisesse que ele a matasse mesmo.

-Você não é a Super Girl, sua vadia! Não pode morrer ainda!

-Não enche. – Ela não queria a opinião de Irene, já tinha se decidido.

-Você não me deixa escolha. – A voz dela pareceu séria pela primeira vez.

A cabeça dela doeu, foi como desmaiar, ela simplesmente apagou.
E ele tinha chegado na porta e viu Elisha com uma mão no rosto e de cabeça baixa, ainda segurando a faca, a garota reergueu a cabeça bem devagar.
O olhar dela ao encarar o homem tinha mudado completamente de brilho.
Ele a reconheceu e soube que aquela não era Elisha, e ela sorriu pra ele.
A faca voou pelo ar e foi em cheio na direção do rosto do rapaz e teria acertado caso ele não fechasse a porta, fazendo a faca acertá-la ao invés dele.

-Que péssima escolha. – Murmurou ele – Parece que eu vou ganhar nosso joguinho.

Quando tornou a abrir a porta ela já tinha fugido.

Ela correu pela floresta até seu corpo não agüentar mais, parou pra respirar e sentiu alguém lhe tocar o ombro com a mão, ela sabia quem era.

-Finalmente te achei. A Amanda já tá lá no acampamento, então a gente volta pra lá e espera o Joe aparecer.

Ela e Jin foram caminhando, Elisha na frente parecendo saber o local exato do acampamento. Jin notou o corte no rosto e que ela estava estranha.

-Aconteceu algo? O que foi no rosto?

-Nada. –
A voz agora não era indiferente, era arrogante. Até seu jeito de caminhar tinha mudado, agora estava mais gracioso, sexy e leve. - Me achando esquisita?

Elisha virou pra encará-lo e ao olhá-la nos olhos o rapaz ficou espantado e de alguma forma encantado, eles estavam estranhamente mais claros e sombrios, ela achou graça.

-Que foi? Gostou dos meus olhos? Quer ver mais de perto?

Se aproximou sorrindo maliciosamente e ficou a apenas 2 palmos de distancia do rosto dele, o olhando nos olhos e o garoto ficou obviamente sem graça, desviou o olhar.

-Eu acho que você não está no seu normal.

-Não me acha bonita é?

-Claro que acho, mas... –
Ele tornou a olhar pra ela, mas foi interrompido pra variar.

-Cala a boca. – Ela umedeceu os lábios lentamente passando um dedo por ele, sem deixar de encarar Jin um segundo se quer, o segurou pela gola da camisa e tocou os lábios dele com o indicador, brincando um pouco.

O olhar dela era tão intenso que ele não conseguiu agir pra repeli-la.

-Eu sei o que você tá pensando. Por um lado você acha que eu pirei e quer que eu volte ao normal. Mas por outro você tá rezando pra mim te beijar.

Realmente, talvez Elisha Sayonomi nunca conseguisse sorrir, encarar e provocar alguém daquele jeito e agora a distância dos rostos dela e de Jin se resumia apenas no dedo que ela mantinha nos lábios dele. Sussurrou:

-Me diz, a segunda opção ta ganhando né?

Ela abaixou o dedo pra tirá-lo do caminho e esperou o garoto fechar os olhos, tendo certeza de que ela ia fazer aquilo. E quando ele nem prestava mais atenção nos olhos dela mais, só esperava sua boca, ela afastou-se rapidamente e acertou os lábios dele com um peteleco dolorido.

-Homens são tão patéticos.

Depois da frase, ela deu as costas e seguiu rumo ao acampamento, deixando Jin ali parado no mesmo lugar por segundos que pareceram eternos pra ele, se sentindo um completo idiota e certo de que ela dava medo mesmo, como alguns falavam.
Decidiu parar de pensar como homem e começar a pensar como ele mesmo, pelo menos com aquela menina que sempre o deixava naquele estado.
A seguiu de longe, sério e calado. E ela parecia estar voltando a se comportar como era antes aos poucos, fechou a cara e ouviu Ryo gritar quando chegaram:

-Até que enfim! Achei que o chupa-cabras tinha pegado vocês.

Eles estavam comendo, Ariana e Sayo na “liderança” do lanche. Jin e Elisha ficaram quietos e ela de cara mais fechada que ele, até que Victoria apareceu e ficou dizendo:

-Ei coisinha morena linda de cara emburrada, as vegetarianas trouxeram uns sanduíches naturais, vem comer. – Aquela voz foi como um gatilho, a cabeça de Elisha doeu.

-Vê se ouve o que eu falo da próxima, vagabunda! – A voz Irene foi a ultima coisa na sua cabeça antes dela desfalecer e cair de joelhos no chão, apagando de novo.

Victoria levantou rápida e ajudou Jin a segura-la antes que ela caísse no chão. Ao perceber que ela acordou, Jin afastou-se e deixou que Vic cuidasse do resto, ela notou o sangue e os cortes em Elisha também.

-O que aconteceu? Você tá sangrando.

-Achei ela assim, está agindo estranho também. Nem parece ela mesma. – Disse Jin.

Elisha se lembrava de tudo, e se sentiu constrangida pelo que fez e falou pro Jin. O que estava havendo com ela? Aquela não era Elisha, era Irene.

-Me desculpa. –A frase foi mais pro rapaz do que pra Vic. – É que eu comi uma fruta estranha na floresta e minha cabeça tá estranha... E me enrosquei nuns galhos e me cortei. – A mentira que ela inventou foi horrível.

-Galhos né? – Vic pegou a mão de Elisha e ficou olhando o sangue escorrer de um dos dedos dela.

– Olha só o estado disso...

Victoria sabia que aqueles cortes não podiam ter sido feitos por galhos e a expressão de preocupação no rosto dela deixou Elisha sem jeito de novo. Depois de dizer que ela precisava prestar mais atenção nas coisas Vic levou o dedo de Elisha em direção aos próprios lábios e acabou por colocar ele dentro da boca.
A garota e Jin olharam pra cara de Vic, ele ficou branco e ela vermelha, ambos de olhos arregalados.

-O-o que você... – Elisha não soube o que dizer e foi interrompida.

-Eu vou pegar um band-aid! – Jin saiu com pressa, constrangido com a cena.

-Não demore, por favor! – Murmurou Elisha pra ele, cada vez mais constrangida e sentindo
Victoria brincar um pouco com seu dedo usando a língua. Ficou pensando se caso ela tivesse alguma doença sanguínea.

-Ele já foi? – Perguntou Vic depois de ouvir Jin ao longe.

-Se você me disser que é vampira eu me mato. – Respondeu Elisha acenando hesitantemente com a cabeça, tentando quebrar o constrangimento.

-Me diz o que houve...- Vic ainda segurava a mão dela, mas não manteve o dedo na boca.

-Não foi nada. – E Elisha não olhou pra ela quando respondeu.

-Eu sei que você tá escondendo algo.

-E se eu estiver?- Reergueu os olhos pra encarar Vic- Eu não sei de nada sobre você, então não pode cobrar nada do tipo pra mim.

Dessa vez quem desviou o olhar foi Victoria, soltando a mão de Elisha e ajeitando suas mechas negras atrás da orelha. Pareceu chateada com aquilo.

-É, você tem razão. Não sabe nada sobre mim. – Continuou sem retribuir ao olhar de Elisha. – Não posso mesmo cobrar confiança da sua parte.

Ela sentiu um aperto no peito quando viu essa reação, se arrependeu do que tinha dito.

-Talvez eu já tenha me metido demais na sua vida. Causado muito problema pra uma simples visita. E nem quis saber se você realmente me queria aqui.

Aquele aperto ficava mais intenso a cada palavra de Victoria. Ela segurou a mão de Elisha de novo, mas de uma forma fria, dizendo que ia fazer um curativo naquilo e a puxando mais pra dentro do acampamento. Continuou não olhando pra Elisha, que se sentia cada vez pior. Pensamentos começaram a torturar ainda mais a cabeça dela.
“E se ela também se afastar?”
“E se ela for embora e não voltar mais?”
“E se ela desistir de mim como todas outras pessoas?”
Apertou os dedos contra a palma das mãos e os dentes contra os outros, segurou firme a mão de Vic o suficiente pra ela sentir e parou no meio do caminho, murmurando:

-Pára de agir assim. - As palavras se enrolavam, mas Vic parou pra ouvir, ainda de costas pra ela – Faz você parecer como as outras pessoas... E eu não quero te odiar como eu as odeio também...

Victoria suspirou e olhou pra frente, respondendo baixo:

-Quer algo pra confiar? Eu gosto mesmo de você Elisha. – Mesmo de costas ela não tinha soltado a mão da outra um segundo sequer – Por enquanto isso tem que ser o suficiente. – E era. Ela não queria que Vic soltasse sua mão, mesmo sem perceber. – Me deixa pensar, daí eu te falo um pouco sobre mim.

Elas ficaram uns instantes quietas naquela mesma posição, Elisha começou a observar as mãos dadas e preferiu não responder àquilo, Vic se virou e fez isso por ela.

-Agir como pessoa normal? É que eu também comi uma frutinha que deixa a cabeça esquisita. Agora vem, é nossa ultima noite no mato. Não quero desperdiçar.

Aquela ironia e energia intensificadas pelo sorriso característico dela diziam que Vic tinha voltado ao seu “normal”, e Elisha nunca achou que aquele sorriso fosse se tornar importante pra ela. Aquele maldito sorrisinho malicioso.

A noite caiu sem que ela percebesse e a cantoria na fogueira se repetiu, Vic tinha ido ao “banheiro” e Elisha estava perdida em seus pensamentos afastada do grupo, como fazia antes de Victoria trazer agitação as suas férias, os pensamentos se focavam em Erin.
Perguntava-se por que ela vivia e era tratada daquela forma, sendo torturada e rebaixada. Quis ajudar ela de algum jeito, sentia que devia algo a ela. Era estranho. E se sentia culpada quando pensava que aquela marca tão bela e dolorosa tinha sido aumentada graças a ela. Se voltasse pra ajudar agora, só causaria mais problemas, pois o “vulto” estaria esperando com certeza. De Erin pra Irene, que estava quieta desde que ela se encontrou com Vic. Era tudo que faltava, dupla personalidade. E o engraçado é que ela se sentiu bem, imponente, quando estava agindo daquela forma.
De Irene pro tal “Vulto”, ela desconfiava que era Kasuya Ishida, tinha quase certeza. Ele era irmão de Erin mesmo? E era de fato pior que Elisha?
Antes de pensar em mais coisas sobre isso ela sentiu uma mão tapar-lhe a boca e a puxar pra trás.
Demorou um tempo pra vontade de socar Victoria por aquele susto passar, mas ela resistiu à tentação novamente. Vic tinha dito que queria falar com ela a sós e estava a levando pra algum lugar, Elisha estava atenta a tudo, não era todo dia que alguém matava um colega de sala ou torturava outra na sua frente. Depois de caminharem um tempo chegaram num lago, talvez o mesmo em que Erin estava tomando banho mais cedo e Elisha ficou olhando ao redor, sabia que estar lá era perigoso caso o irmão de Erin aparecesse. Mas aquela paranóia toda sumiu no instante em que ela olhou pra ver o que Victoria estava fazendo, estava se despindo pra entrar na água.

-Eu pensei um pouco e tomei minha decisão. Vou abrir o jogo com você. – Disse ela tirando a blusa e já sem a parte debaixo da roupa, e aquilo estava mais pra lingerie do que pra roupas intimas básicas.

Usava um “micro-shorts” preto que combinava em cor com o sutiã de Vic, que disse algo sobre não gostar de ficar sozinha e querer Elisha em algo com ela. Porem a morena de cabelos longos não estava prestando a mínima atenção, ver a amiga seminua com aquela “lingerie” que caia perfeitamente nas curvas perigosas de Vic deixou Elisha se sentindo estranha de um jeito que ela raramente ficava. Se achou um velho tarado ao sentir-se assim.
Eis que Vic entrou na água e virou-se pra ela, chamando com o dedo.

-Vem aqui comigo, a água tá boa. E eu quero te ver seminua.

Pelo menos ela era sincera. Mas entrar na água com ela, naquela escuridão e com tão pouca roupa assim? Realmente era uma tentação e das cruéis.
Elisha quase caiu dura no chão de tanto que seu coração acelerou, e virou-se de costas pra Vic, só assim conseguindo responder sem se enrolar toda. Recusou e Vic perguntou por que, percebendo que Elisha tinha corado, e riu um pouco.

-Porque eu sei o que você vai fazer ou tentar se eu entrar ai.

-Ué, eu só faço o que você me deixar ou quiser que eu faça.

Ela sentiu a malicia na voz de Victoria, era exatamente esse o problema. O que Elisha deixasse ou quisesse. Se da ultima vez, no beijo, ela não ligou, imagine se dessa vez ela começasse a gostar. Vic mexia com sua cabeça mesmo, era hora de encarar esse fato. Ficou calada.

-Que menina difícil viu... Melhor ir direto ao ponto então. – Disse desapontada. –Eu não vim aqui só pra te ver exatamente, vim pra descobrir algo e conseqüentemente me vingar de alguém.- Ela parecia séria agora e se sentou perto da margem, um pouco próxima a Elisha que se sentou numa pedra e ficou ouvindo ainda sem olhar diretamente pra Victoria. – Essa minha prima foi assassinada. E eu quero descobrir quem a matou.

-Yuna Kayoshi, ela era sua prima certo?

-Como sabe? – Perguntou Vic surpresa.

-Eu chequei sua rede de amigos na internet e Yuna estava entre eles. – A expressão no rosto dela teve uma pitada de arrogância – Eu notei há pouco tempo que Yuna tinha sentimentos por mim e você disse algumas coisas que entregaram. Deu pra deduzir.

Victoria não achava que Elisha fosse tão ligeira assim. Mas a deixou continuar.

-Se é assassinato, você suspeita de algo sobrenatural certo?

-Talvez. Eu acredito que seja, pois não havia sinais de agressão e etc...

-Nessa cidade é possível que seja mesmo.

-Ela me falava demais de você. Cheguei a suspeitar que você estava envolvida na morte dela, daí comecei a falar com você por net. E decidi checar de perto. – Ela se aproximou e apoiou as mãos nos joelhos de Elisha, que continuava sentada naquela pedra. – E agora eu quero que você me ajude a descobrir o que houve.

-Por que eu deveria? – A resposta foi fria.

-Por quê? Primeiro lê isso, depois eu te dou três bons motivos.

Vic pegou um envelope dentro de sua calça que estava jogada na margem do lago e o entregou pra Elisha, que o abriu e pegou o papel que estava dentro dele. Aquilo era uma carta, sentiu novamente uma sensação ruim e começou a ler:

“Vic! Saudades de você.
Eu sei que você não pode sair daí, mas queria que estivesse aqui comigo agora. Não sei, estou me sentindo estranha, paranóica. Eu sei que vai acontecer algo em breve.
Tenho medo que esse seja nosso ultimo contato.
Aileen e Yuriko notaram que eu estou quieta, eu sei que elas se preocupam comigo, mas é algo que elas não iriam entender.
Nem eu mesma sei explicar, mas só quero te agradecer por tudo, inclusive por você aturar tanto meus dramas. rs
E mais uma coisa, lembra a menina que eu te disse? A Elisha?
Eu consegui ficar mais próxima dela essa semana, acho que consegui entender porque ela é daquele jeito. Entender ela enfim...
E ela não me odeia Vic, acho que ela até gosta de mim um pouco, mas nunca iria admitir. Eu fiquei muito feliz. Muito mesmo.
Se você um dia encontrar ela, diz que eu sinto muito.
Acho que não consegui fazer ela voltar a ser alegre, ou sorrir de novo.
Mas eu ainda não vou desistir, vou estar com vocês sempre.
Qualquer coisa cuida dela pra mim tá?
No fundo eu acho que vocês duas se tornaram as pessoas mais importantes da minha vida, também não sei explicar como.
Só sei que amo demais vocês duas.
E sempre vou amar.
Até algum dia.
Yuna”

Elisha sentiu um vazio ainda maior na sua alma depois daquilo. Chamou Yuna de idiota repetidas vezes em sua mente. E colocou a carta no chão.
Ela realmente chegou a amar alguém como Elisha. Alguém que a tratou mal desde o primário, alguém mais fria e dura que uma pedra de gelo.
O que ela viu? O que Elisha tinha de tão especial? Por que Yuna tentou entende-la? Ela sempre achou que não merecia amor. E por que Yuna tinha sentido algo assim justo por ela? Era algo que talvez ela nunca mais fosse saber.
Ela havia perdido Yuna pra sempre.
Aquilo a deprimiu, pois chegou a fantasiar por alguns segundos pensando o que ela, Yuna e Vic fariam juntas. Elas poderiam ser amigas, ter visitado lugares, seria divertido ver o que Victoria faria pra deixar Yuna constrangida, pois ela era tão tímida. Ela finalmente teria amigas que a amassem de verdade. Como ninguém tinha amado antes.
Ou quem sabe algo a mais que isso, ela não se importava. Ela não se sentiria mais tão sozinha naquela vidinha sem sentido dela.
Mas agora era tarde pra isso.
Ela não sabia se odiava o mundo ou a si mesma mais ainda por aquilo.
Sua “salvação” estava bem debaixo do seu nariz.
Como ela pôde ser tão cega, tão estúpida.
Abaixou a cabeça e sentiu as lágrimas nos olhos, mas não conseguiu chorar.
Vic notou e saiu do lago pra se sentar ao lado dela, também olhando pra baixo.

-Eu também me senti culpada por isso. Se eu estivesse aqui com ela, nada disso teria acontecido sabe...

-Você não podia fazer nada.

-Talvez não, talvez sim... Agora não tem mais como saber. E você pode ser a rainha da insensibilidade, mas pra um desses motivos você vai ter que ceder. Um: Faça pela Yuna, você também deve demais pra ela. Dois: Faça por mim que estou te pedindo. Três: Porque pelo menos eu vou me divertir bastante quando colocar as mãos no culpado por isso. E acho que você também vai querer um pedaço.

Aquela tristeza e vazio dentro de Elisha se transformaram em ódio, ela sabia do que era capaz quando perdia algo daquela forma. E o que tinha perdido agora não tinha mais volta. Vingança não ia amenizar nada, mas ela precisava fazer alguma justiça. Pela sua própria alma, por Yuna.

-Tudo bem, não tenho nada melhor pra fazer.

Elas ficaram em silencio e o ódio voltou à tristeza, Elisha se debruçou nos joelhos e manteve a cabeça enterrada entre eles. As lágrimas realmente não caiam.

-Sabe, ela ia gostar de ver a gente assim... Próximas. –Disse Vic.

-Você acha?

-Claro, afinal, foi ela que nos “uniu”.

-Tanto faz...

Vic sorriu serenamente, como Yuna costumava fazer.
Entrou novamente no lago e puxou Elisha pra dentro dele também, com roupa e tudo.
Ela se assustou e até tinha esquecido o corpo seminu de Vic na hora, coisa que ela relembrou rapidamente quando já estava na água cara-a-cara com ela.
A noite estava clara e a água não estava fria, sorte.
Principalmente pra Victoria.

3 comentários:

  1. E os capitulos foram crescendo.. =)
    Disseram pra mim que a leitura disso aqui é rápida, quando vc percebe já está acabando.
    Só espero que seja pq é algo "gostoso" de se ler. Heh..

    Bem, de um certo modo é uma historia longuinha sim. Dediquei o tempo livre de 7 meses meus para ela.

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  2. Sensacional!!!
    Está ficando cada vez melhor, realmente, está muito legal mesmo... Não consigo parar de ler. kkkk

    A primeira parte é INCRÍVEL, sinistra e intrigante o terror da parte sobre a Erin. Adorei o suspense e o decorrer do 'bizarro'. Parece até a descrição de um filme, consegui imaginar tudo, só lendo. Deu até um pouco de medo. º-º

    A última parte é triste, e eu até entendo, passei por algo também e é, parece algo que alguém que eu conheço² passou. '-'

    D.

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  3. Nãao vou te engaanar, esse capitulo ficou bom mesmo, e rapido de ler. Bom só me deixou na ansiedade esperando que acontecesse algo entre as duas ! kkkk'
    ROwan

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