sábado, 22 de agosto de 2009

[Vol.2] Capítulo 2 - Sangue

Brigith acordou cedo no dia seguinte, não conseguia dormir bem sem algum luxo. Sempre foi acostumada a mordomia de quartos luxuosos com camas limpas e macias, aquilo não chegava nem perto. Cama com um cheiro esquisito, parecia mofo, o quarto tinha algumas rachaduras nas paredes e alguns pisos quebrados. O tarado deitado no colchão do seu lado roncando já era algo que ela levava como carma (Pelo menos era nisso que ela acreditava), estava meio descabelada ali, mas ainda não se sentia parte daquele ambiente. Porém aquele galo maldito cantando lá fora, aquelas pessoas que não sabiam falar baixo de jeito nenhum (Pareciam conversar gritando), o som de animais e aquela merda de cheiro de esterco... Sim, aquilo era aventura!Bri pensou milhares de vezes antes de se levantar daquela cama barulhenta e caminhar pra fora, além daquela porta de madeira. Achou esquisito ser encarada com estranheza pelas pessoas que estavam na sala. Uma mulher alta, chegava a ser feia, cabelos mais grisalhos do que louros, roupas esquisitas de roça e basicamente seios caindo pela barriga. Brigith desejou morrer aos trinta anos de idade quando reparou, mas já a outra pessoa até que não era tão ruim, uma garota nos seus dezesseis anos tão loira que parecia norte americana ou russa. Os olhos dela eram claros também e tinha um corpo bronzeado, era bonitinha. Deviam ser mãe e filha... A mãe usando um vestido desbotado que caia até as pernas, e a filha uma camiseta de botão xadreza e calça jeans com botas. Brigith teve vontade de falar pra mais jovem não cometer o mesmo erro da mais velha e usar sutiãs, porque se aquilo caísse... Bem, ela se comunicou com elas em inglês.

- Ahn.. Eu vim ontem à noite pra cá, um senhor me hospedou na casa. – As duas olhavam espantadas pra Brigith, como se ela fosse um alien. A mais velha cutucou a mais nova, cobrando que ela fizesse algo, para o espanto da morena, a menina respondeu.

-Sim, meu pai falou de vocês dois! Nossa, você é estrangeira né? É muito bonita! – A loirinha de cabelos encaracolados falou com entusiasmo, coisa que a mãe dela repreendeu com um cutucão nas costas.

-Vocês falam inglês?

-Sim, minha mãe é americana. Meu pai é o espanhol. Morro de vontade de conhecer o exterior! – Agora foi um beliscão – Mãe!

-Sossega com esse fogo menina! O que a moça vai pensar...

-Não precisam me tratar com cortesia alguma, eu admiro a vida simples no campo. Acho que vocês sim levam vidas pacificas e harmônicas, tanto com a natureza quanto consigo mesmos, algo que a gente da cidade precisa aprender. Então por favor, me tratem como igual ok? Como se fosse da família, tenho muito que aprender com vocês. – Um sorrisinho simpático, palavras bem escolhidas... Brigith ganhou ambas ali, as duas abriram um largo sorriso pra morena e a mãe respondeu toda cheia de si.

-Nossa moça, assim você deixa a gente sem jeito. Falando essas coisas bonitas... Olha, eu vou lá preparar um almoço caprichado tá bom? Elisa, faz companhia pra moça, mostra a fazenda pra ela. – A velha então se retirou pra cozinha que ainda estava meio desorganizada, Bri sorriu discretamente. Esse pessoal era mesmo fácil de dobrar. Já tinha conseguido um almoço caprichado, a simpatia das mulheres da casa e a companhia de uma guriazinha bonita.

-Elisa né? Prazer, eu sou Brigith. – Não havia necessidade de sobrenomes.

-Encantada! – A garota sorriu cheia de entusiasmo pra ela, uma pessoa interessante. Era inegável um certo interesse vindo de Brigith, ela admitia que gostava de loiras menores que ela. Devia ser coisa da sua família de sangue.

As duas garotas saíram da casa, e Brigith decidiu continuar com as botas sujas de ontem, pra não sujar mais sapatos naquela imundice. Primeiro ela apresentou os dois cães pra Brigith, não tinham raça e era curioso o fato de que eles não tinham recebido ela e Louis latindo ontem de noite. Quem sabe estivessem em outro lugar, ou escondidos.Como não tinha nada demais a se mostrar, além de mato, a garota decidiu levar a visitante para um lugar mais recluso. Caminharam por uma estradinha de terra até chegarem numa discreta plantação de uvas cheia de arvores que deixavam a paisagem bem verde na luz solar, a morena soube o que viria a seguir. Elisa a convidou pra sentar-se um tronco de árvore cortada que ficava jogado ali no chão perto de um riacho e apanhou uvas frescas pra elas, lavando-as na água cristalina daquele riozinho. Devia ser uma nascente.Bri gostava um pouco de uvas e aquelas estavam mesmo boas, ela se sentia um trapo por não ter escovado os dentes ou tomado banho ao acordar. A água daquele riacho estava praticamente chamando pela garota, ela precisava se lavar.

-Então, Brigith... – A menina começou uma conversa, acanhada – Como é a vida de vocês na cidade? Sempre tive curiosidade.

-Nunca esteve na cidade antes? – A morena respondia, mas estava mais concentrada nas uvas.

-Por pouco tempo, cresci lá até que minha mãe se casou de novo e mudou pra cá. Vivo no campo desde os seis anos. – Bri a olhou com algum interesse a mais. Uma adolescente criada no campo... Podia ver nos olhos dela que era uma menina que queria conhecer outras pessoas além da sua família, conhecer coisas que não se via no campo. A morena sempre achou que fazendas não eram lugares pra criar adolescentes. – O que vocês costumam fazer lá?

-Hmm... Estudamos, usamos computadores, saímos de noite pra dançar ou namorar. Às vezes saímos só pra saciar um pouco da carência, sem namorar. – Elisa pareceu não entender bem o que ela quis dizer – Tem gente que beija os outros por esporte. Isso que eu quero dizer.

-Beijar por esporte? Você faz isso? –
Ela estranhou aquilo.

-Às vezes. Em dias de loucura ou carência extrema. Beijo até garotas se quer saber. – Brigith riu, aquilo tinha sido um tipo de indireta que ela sabia que Elisa não iria fisgar.

-É estranho, mas não sei o que achar sobre isso. Se vocês da cidade fazem, deve ser divertido.

“Quer experimentar?”
Seria o que Louis diria, mas não. Brigith não agia de forma tão atirada assim, pela primeira vez ela tirou a sua máscara, junto com as roupas que vestia. Não iria resistir mais àquele riozinho, nem que a garota lhe proibisse. Aquela morena fazia o que queria e quando queria, Elisa não reclamou ou se surpreendeu. Apenas sorriu, dando um sinal positivo e de incentivo pra ela, enquanto observava encantada aquela jóia pendurada no pescoço da outra. Bri entrou no rio e nadou um pouco, pra se exercitar e se lavar, mas também queria se aproximar mais da outra garota. Usou do seu sorrisinho carismático pra jogar um pouco de água nela e uns dois minutos depois as duas já se tratavam como amigas intimas, ambas seminuas brincando na água. O clima morno estava bom, se as coisas continuassem assim Brigith iria tirar mesmo alguma casquinha daquela garota bonitinha. O corpo dela era mais avantajado que o da morena, porém bem menos trabalhado.Pareceu até inicio de filme erótico...Mas a garota dos cabelos escuros notou alguém ali espiando em uma moita, apanhou uma pedra no fundo do rio e arremessou. Como ela havia imaginado, ouviu um gemido de dor. Mais uma vez a verdadeira Brigith apareceu diante dos olhos de Elisa que ficou olhando sem saber o que fazer, a morena saiu do rio num salto e voou para a direção do gemido. Agarrou um braço que viu ali e torceu, jogando o moleque moreno de cabelos crespos de cara na terra. O imobilizou, segurando o braço e com o joelho nu fazendo pressão nas costas.Ele aparentava ter uns quatorze anos, não era tão forte quanto o lado bruto daquela morena.

-Tava ai atrás do mato só aproveitando a visão né safadinho? Me dê um bom motivo pra não quebrar sua mão e impedir que você use ela pra esses fins de novo!

-Não Brigith! – Elisa viu aquilo e reconheceu o garoto, correu até ela desesperada. Bri tinha feito aquilo não por ódio a pervertidos, mas por aquele infeliz ter estragado o clima – Ele é meu irmão por parte do padrasto, não machuca ele!

-Irmão!? – Agora sim a morena havia ficado sem jeito quando tornou a olhar para a cara do moleque enterrada na grama. Ele bufava como um porco assustado.

-É, ele é meio burro assim mesmo, tem mania de espiar no banho, mas por favor não mate ele!

-Bem... – Matar? Não, ela não ia tão longe. Mas foi totalmente inapropriado fazer aquilo com o menino, Bri viu a marca roxa que a pedra fez no ombro do garoto. Aquilo ia ser difícil de justificar caso caísse nas orelhas dos donos da casa. Brigith só soltou ele depois de pensar nisso tudo, percebendo que estava o machucando. Mas ela poderia jurar que ele adorou ter uma mulher do calibre dela em cima de si mesmo.A situação tornou-se delicada, porque Bri não planejava se desculpar e o moleque estava apavorado. Poderia sair correndo a qualquer momento.

-A-a mãe mandou c-chamar vocês pra comer... – Era o motivo de ele estar ali. Brigith se enxugou um pouco com o casaco que estava e vestiu o resto das roupas com o corpo úmido, partindo para a casa sem olhar mais uma vez para os dois.

Elisa e o irmão ficaram com medo do que pudesse ocorrer e a seguiram sem hesitar. Quando chegaram na cozinha depararam-se com o pai e a mãe daquela família de visual country espanhol, que estavam juntos com Louis. Aquele cara parecia inquieto com algo, e estava perguntando sobre animais para o proprietário daquelas terras. Ele por sua vez estava mencionando algo com os cavalos quando a morena entrou.Era inevitável não notar aquele vergão no ombro de menino, que estava de camiseta curta. Por sorte, o pai nem estava ai. Devia ser daquele tipo “Ele é homem! Tem que ser forte.”, mas a mãe perguntou o que tinha acontecido. Brigith entortou o olhar e virou-se pra Elisa que retribuiu o olhar de forma que não dava pra saber se estava preocupada com o irmão ou com a morena. Mas as palavras surpreenderam ambas:

- E-eu caí no mato e bati o ombro numa pedra pontuda. – Ele mentia muito mal.

-Nossa filho, tem que tomar cuidado. – Mas era o suficiente pra velha cair.

Brigith então ficou olhando pra ele e quando ninguém estava olhando deu um sorriso falso como agradecimento, o moleque ficou encabulado e sentou na cadeira perto do pai. Foi aí que Louis começou seus “movimentos”, levantou-se da cadeira e foi na direção das garotas. Bri já tinha preparado as agressividades, mas ele passou por ela e foi fazer suas cortesias para a loira. Beijou a mão da garota e puxou a cadeira para ela se sentar, riu um pouco dizendo que ainda era adepto do “cavalheirismo” antigo. Aquilo era ridículo. A morena quis bater nele como Elisa não fez, bem pelo contrario, a ingênua ficou toda bobinha com aquele pervertido. Adorou aquela cantada fajuta e fora de moda a ponto de ficar corada e agradecer escondendo o rosto. E o pior é que o infeliz passou do lado da morena e deu dois tapinhas no ombro dela, ele percebeu um pouco de proximidade entre elas. Brigith ficou irada. Mas pelo visto o pai de Elisa também não gostou muito da ceninha, isso a fez sorrir discretamente e balançar a cabeça negativamente olhando para o velho, isso com certeza iria render pontos pra ela, já que parecia contra a atitude de Louis.O bigodudo até sorriu de volta de um jeito feio, Bri ficou contente com o sinal. Ia ter um aliado pra manter o tarado longe de Elisa.A comida era boa, mesmo que Brigith tivesse recusado “o frango mais bonito” que a mulher matou pra assar. Esqueceu de avisar que não comia carne, por sorte tinha comido muita uva e também havia ovos, salada e grãos na mesa. Suco natural sem açúcar do jeito que ela gostava... Podia contratar aquela mulher como cozinheira.A morena puxou conversa durante o almoço, sabia que eles tinham o costume de conversar durante as refeições, foi uma boa idéia. Ela conseguiu se aproximar um pouco mais de cada um deles, porém por outro lado, Louis estava conversando muito com a garota que interessou Bri. Só que ela usou do seu veneno pra reverter a situação:

-Ei Louis, e a sua esposa, como está? Ela vai se encontrar conosco na casa da sua mãe?

-Que? – Ele com certeza ficou com raiva daquilo. Se falasse que a historia era mentira ambos iam estar encrencados, mas Brigith ia sofrer bem menos que ele por isso. – Eu separei dela faz um tempo, não lembra?

-Não a ex, eu digo a Maria. A que você se casou semana passada, até peço desculpas por ter tirado vocês da sua lua de mel pra me levar lá.

“Filha da...”
Louis olhou pra ela demonstrando seu descontentamento, sentiu vontade de deixar os xingamentos que passavam pela sua mente saírem. Mas acabou sorrindo cinicamente e sem jeito, dando o braço a torcer e olhando pro prato. Elisa apagou o brilho no olhar para o homem e ficou um pouco emburrada, concentrando-se em comer. Brigith permaneceu sorrindo simpaticamente pra eles, mas estava gargalhando por dentro. Ela ia pagar por isso.

-Ah sim, a Maria. Ela ta ótima, assim como o seu noivado.

-É ótimo ter um noivado aberto mesmo. – Ela disse que ia ao banheiro e voltava em breve, deixando Louis naquela situação. Bri não queria usar o banheiro, tinha ido lá apenas por que não agüentou mais segurar a risada.

Mais tarde ela se encontrou com Louis no quarto em que estavam, ele iria xingá-la se a garota não tivesse sido direta, colocando as mãos na cintura e encarando o rapaz:

-Como pretende sair daqui? Eu não vou adiar meu encontro com a nossa líder por causa de um acidente ou daquela menina.

-Vou ter que ir ver o carro madame. A propósito, qual é a sua? Não consegue jogar limpo?

-Jogar? Oh! Eu não tinha percebido que estávamos jogando. – Sorriu pra ele de forma agressiva, ele ia desafiá-la pra algo?

-Digo com a bonitinha. Ela estava se dando bem na minha.

-A “bonitinha” tem nome. Você acha que tem mais capacidade de seduzir ela do que eu, é?

-Com certeza uma mulher de verdade iria preferir um homem de verdade do que uma mimadinha bissexual cínica.

-Quer apostar? –
Brigith adorava desafios.

-Feito! Se eu ganhar você vai ter que fazer um striptease pra mim, se eu perder você escolhe. Não vou perder mesmo. – Estendeu a mão pra ela com um sorriso na cara.

-Ótimo. Quem beijá-la pela primeiro, com “permissão”, ganha. – Ela aceitou, apertando a mão dele. Ambos estavam sendo autoconfiantes demais. O pai de Elisa entrou ali naquela hora, não tinha ouvido nada. E foi claro nas intenções:

-Quando é que vocês saem daqui?

-O meu cunhado acaba de me dizer que vai precisar de ajuda pra verificar o carro. Vocês podem ir resolver isso hoje e dependendo vamos ainda de noite. – O velho não recusou ajuda provavelmente por causa do entendimento que eles tiveram no assunto “manter Louis longe da Elisa”, Brigith se deu bem mais uma vez e Louis se irritou. Enquanto ele ia tentar consertar a Hummer, aquela cobra ia se exibir pra loura. Repetiu mais uma vez mentalmente:

“Maldita bruxa finlandesa.”

Enfim, aquilo era um trabalho masculino. Brigith observou eles saírem com aquele sorrisinho no rosto, indo pra cozinha depois. Ela se ofereceu pra lavar a louça ao ver as duas mulheres da casa o fazendo, mas sabia que iam recusar a ajuda. Foi só por educação, ela detestava limpar e fazer trabalhos domésticos. Achava que era pra criados.Perguntou o nome da “mãe”, era Marianne. Um nome mais ou menos, mas combinava. E Marianne parecia querer entreter Brigith, a tratava como se fosse mesmo vassala dela. Quando viu a morena observando elas com as mãos nas costas sugeriu que ambas fossem dar outro passeio, disse pra Elisa visitar um tal de doutor Roberto. Brigith achou o nome estranho, mas devia ser espanhol. Nem perguntou ainda onde e porque visitá-lo, mas caminhou até a garota e a pegou pelo braço, levando pra fora.

-Você ouviu sua mãe mocinha. – Elisa pensou em dizer algo, mas queria mesmo conversar mais com a morena, então foi com ela sem questionar. Alguns momentos depois ambas já estavam andando pela estradinha de terra, demorou um pouco pra avistar uma casa de campo muito melhor que aquela outra. Sem duvidas era um doutor que morava ali. Brigith que estava tentando fazer mais contato físico com a garota, cessou seu fogo. Ficou curiosa, mas não deixou de ficar de braços dados com ela. – Me fala sobre esse tal de Roberto.

-Ele se mudou pra cá fazem uns poucos meses. Era veterinário da cidade, sabemos muito pouco sobre ele. Meu pai insiste pra que eu me jogue pra cima dele, é doutor bem de situação, mas eu não sei. Acho que ele é muito velho pra mim, tem trinta anos. É um amor de pessoa, disse que se ele voltar pra cidade vai me levar junto e me empregar como assistente.

-Hmm.. E o que exatamente vamos fazer lá?

-Ah.. É que nas ultimas semanas tem algum lobo atacando os cavalos do meu pai, ele está ajudando a tratar de alguns que sobrevivem aos ataques.

-Lobo é? – Ela lembrou-se do acidente – De que tamanho é esse lobo?

-Se for ver pelas mordidas... É bem grande. – A garota ficou insegura um pouco, mas falou o que Brigith achou que ela iria falar – Brigith, pode parecer besteira de gente do campo, mas você acredita em lobisomens? Monstros do tipo?

-Não tenho como duvidar. –
Ela riu, era uma ocultista, levava tudo como parte das possibilidades – Acha que é um?

-Bem, meu pai e minha mãe acreditam. Papai até fica acordado até tarde com a espingarda esperando ele aparecer pra poder dar um fim no bicho. – Estava explicado o ocorrido de ontem a noite – Ele teve uma briga com um outro dono de terras aqui e acha que pode ser alguém da família dele que vem aqui transformado em lobo pra se vingar matando os cavalos. É esquisito né? Acreditar nisso...

-Sim, é. Mas se até Michael Jackson existe, linda... Por que duvidar de metamorfos que não sejam astros do pop? –
Soltou um ultimo riso, Elisa a acompanhou nesse e tocou o braço da nova amiga com a mão. O primeiro passo pra sua vitória tinha sido dado. Mas Brigith não tinha pressa... Por hora, ela iria conhecer o tal Doutor Roberto. Essa historia de lobo tinha a interessado. Piadinhas com famosos a parte.

A casa era grande, amarela e bonita por fora, de madeira e com um jardim mal cuidado. Não havia nenhuma cerca separando a propriedade da casa de Elisa. Ela viu um celeiro grande ao longe, isso despertou alguma curiosidade. Estava velho e maltratado, fora que Brigith sentia algo esquisito vindo de lá. Como se fosse um cheiro desagradável forte.Deixou isso pra depois e seguiu Elisa, que deu alguns toques na porta de madeira chamando pelo tal veterinário. Pelos diversos barulhos na porta antes que ela se abrisse, Brigith notou que tinha milhares de trancas. Comparado com a madeira que travava a porta da outra casa... Ela não sabia o que achar daquilo. O homem apareceu diante das duas, cabelos castanhos escuros e curtos, camiseta branca social e um jeans surrado. Com aqueles óculos então... Parecia um cientista, não um veterinário.

-Ah, Elisa. Posso ajudar em algo? – A voz dele parecia assustada, paranóica.

-É só pra avisar o senhor que o cavalo de anteontem não resistiu.

-Isso está se tornando um problema mesmo hein.

-Pois é, meu pai acha que deve ser algum vizinho fazendo aquilo. Uma brincadeira de mau gosto. Já que os cavalos nem são dele direito...

-Matando cavalos dos outros? É de muito mau gosto mesmo. Devem odiar seu pai se forem eles. –
Brigith interrompeu o dialogo dos dois, tinha ficado quieta por tempo demais. Não agüentava tanto. – Brigith Velmont, senhor... Roberto?

-Isso. – Ele a cumprimentou, pareceu assustado ao ouvir aquele nome e voltou-se pra Elisa rapidamente depois do cumprimento. Isso chamou a atenção da morena. Será que aquele cara conhecia os Velmont? – Amiga sua Elisa?

-É, ela veio de longe e caiu aqui na fazenda sem querer. – A loira deu um riso e olhou dele para Brigith e repetiu o gesto – É só isso que o pai queria avisar, a gente ainda tá tentando descobrir o que tá acontecendo.

-Tudo bem, qualquer coisa é só me chamar. Não querem entrar pra comer ou tomar algo? – A pergunta do homem foi por educação, ele fez uma cara esquisita com a resposta.

-Sim, acho que vou aceitar. – A inconveniência veio de Brigith, a outra garota já estava pronta pra recusar, só que a morena foi mais rápida. Não estava com fome, bem pelo contrario, estava satisfeita com aquele almoço. Ela só queria dar uma olhada na casa dele.

-Ok, e-entrem! – Ele sorriu surpreso com aquilo, foi pra dentro e abriu mais a porta pra elas. Elisa ficou de boca aberta, e Bri passou por ela, mostrando a língua para a garota.

Elisa não se recusou a entrar, apenas ficou tímida dentro de uma casa tão diferente da sua. O tal doutor Roberto tinha dinheiro mesmo. Mas nada que fosse impressionar uma milionária como Brigith, tudo era arrumado com exceção de papeis e louça, ele morava sozinho pelo visto. Nada de decoração na casa, aquilo era muito sem sal para o gosto das duas garotas. Pudera, a casa de um homem solteiro... O que iria ter pra decorar? Dvds pornográficos? Ele pediu pra elas esperarem na sala e não repararem na bagunça, mas Brigith reparou. Sofazinhos de couro azul marinho, revistas sobre animais numa mesinha de vidro no centro do cômodo, estantes com CDs de musica country. Tudo estava empoeirado se olhado com atenção, ele não parecia ser dos mais asseados, mas com certeza era um amante de animais (Havia fotos e várias coisas relacionadas a bichos na casa). Ele foi pra cozinha e voltou com alguns daqueles cookies e leite, então se sentou em uma poltrona semelhante aos sofás, de frente pras duas garotas. Elisa não tardou pra começar a comer, Brigith pegou um dos cookies e começou seu interrogatório.

-O doutor não é casado?

-Sou divorciado, vim pro campo por causa da movimentação da cidade. Precisava de um pouco de paz, você deve entender. – Ele sorria, mas Bri achava que ele escondia umas coisas.

-Sim, a vida na cidade é muito cheia de responsabilidades mesmo. Mas você devia ser um veterinário de sucesso né? Pra ter uma casa dessas. – Brigith deu uma mordida no cookie pra fingir estar comendo, queria saber mais um pouco.

-Bem, digamos que eu fui empregado pelas pessoas certas. – O cara riu sem graça.

-O doutor tem muitas ligações, assim que ele voltar vai me levar junto. – Quem disse isso animada foi Elisa, por aquele ângulo Brigith podia achar que o veterinário queria se aproveitar da ingenuidade da garota. Mas por algum motivo a morena achava que ele não seria capaz.

-Vou sim, sua amiga é uma menina muito carismática Srta. Velmont, ela seria uma excelente atriz ou algo do ramo. – Elisa ficou encabulada com as palavras, Brigith riu por dentro.

-Sim, ela é um amor mesmo. – Piscou pra garota que ficou corada – Mas me diz, Roberto, você chegou a trabalhar pra uma família de nome “Archer” que está na Espanha? – Bri não gostava do nome dele, soava... Feio. Queria ir direto ao ponto, e o homem se entregou.

-Ah... Archer... Sim sim... São de origem inglesa, muito ricos. – Ele se enrolou todo, com certeza aquele cara não era totalmente normal. Foi o que a morena quis saber.

-Ahn... Bri, acho que a gente já incomodou demais o doutor, vamos?

-Sim, você tem razão. –
Brigith sorriu, sinceramente ela achava que Elisa não tinha futuro algum na cidade, a menos que fosse mais esperta do que aparentava. Atriz? Aquilo era um elogio... Mas a loira não precisava saber da verdadeira opinião dela – Até breve, doutor.

Foram guiadas até a porta, Brigith estava muito satisfeita. Só precisava falar com Louis agora pra ver se ele sabia desse homem e queria mandar alguma mensagem pra Ophelia, mas onde diabos ela ia conseguir sinal pro celular ou internet no meio daquele fim de mundo?
“No alto dos morros acho que tem sinal...”
Pediu pra Elisa guiá-la, depois que apanhasse o laptop na Hummer, era bom que os assuntos com Louis já seriam resolvidos também. Elas andaram bem até chegar lá e ver Louis na companhia do velho, tentando medir os danos feitos na caminhonete.

-Ora ora... As duas belezinhas ao mesmo tempo. – Louis não segurava palavras, o velho não gostou, Elisa corou e desviou o olhar, já Brigith não gostou disso e puxou o infeliz pelo braço o levando pra longe dos dois.

-Tem um ex subordinado da sua família aqui, um tal de doutor Roberto. E provavelmente ele está ligado com os ataques que estão ocorrendo com os cavalos. Diz que é veterinário.

-Roberto... Hmm... – Louis coçou o queixo – Não me lembro bem do nome. Mas lembro que a família faz alguns experimentos com animais. Daí alguns se disfarçavam como veterinários.

-Acha que ele pode estar usando outro nome?

-Bem, eu poderia pesquisar. Mas é difícil nesse buraco, o carro já era. Vou ter que ligar pro pessoal trazer outro. E um dinheiro praquele gordo, não agüento mais ele me cobrar por ter dormido da porcaria do colchão fedido dele.

-Me dá o número, eu vou pra um lugar que tenha sinal daqui a pouco, daí já mando algo pros seus empregados.

Louis entregou o seu celular pra ela e apontou o nome de uma tal “Carmen”, disse que era só mencionar o nome dele e falar do que seria necessário levar pra lá. Brigith concordou e eles acabaram voltando pra casa (Brigith pegou o laptop na hummer e o levou junto com sua mochila, claro), porém algo que ela não esperava era que a outra garota tentasse puxar papo com Louis, e o velho não gostou nada. Pegou Elisa pelo braço, como se estivesse bravo por ver as reações dela quando olhava pra Louis e por perceber que o tratante lançava olhares suspeitos pra ela. O culpado foi atrás dos dois e desejou boa sorte pra Bri na sua ligação, com um sorriso na cara. A morena até iria tentar usar seu charme pra tirar Elisa das mãos do velhote, mas uma vozinha tímida acabou a fazendo perder a oportunidade e deixar os outros três se afastarem rapidamente.

-Moça... Se quiser eu posso te levar lá, acho que o pai não vai deixar ela ficar perto de vocês mais. – Era o moleque que estava espionando. Brigith olhou pra ele “de cima”.

-Hmm... – Encarou o menino como se ele fosse a pessoa mais suja dali, mas se decidiu rápido – Estou te devendo uma. Então vou deixar você provar que é um pirralho descente.

Aquilo não foi nada simpático, mas o bobo sorriu de orelha a orelha. Disse algo como “Não vou decepcionar a moça.” O jeito enrolado dele provava que ele não sabia bem o idioma que a morena usava, seguiram caminho. O garoto não falou nada durante o percurso, parecia totalmente desconcertado junto com Brigith. Não era de se estranhar, um menino da idade dele com certeza já estaria curioso e atraído por “certas coisas” e o que tinha ali naquela fazenda de sexo feminino além da família e éguas?
Ela já havia visto isso em alguns tipos de literatura, paixões só por ver uma menina bonita. Seria bem cabível pra alguém que nunca tinha conhecido mulheres jovens e belas além da própria irmã, e como Elisa mesma disse, ele até espionava familiares no banho... Mesmo que não fossem de sangue, era taradice.Subiram bastante um tipo de “morro” que eles mencionaram. Lá no alto havia uma árvore grande com um balanço velho de madeira pendurado num dos galhos, campos verdes uma paisagem bonita. Dava pra se ver as montanhas, florestas e a fazenda toda, assim como outra fazenda que deveria ser a dos vizinhos. Dali Brigith até gostava do lugar, o ar puro, a natureza. Sentou-se naquele balanço e tirou o laptop da mochila, posicionando-o sobre os joelhos. O menino ficou calado, não entendia nada do que ela estava fazendo. Primeiro ela mandou um e-mail pra Ophelia, avisando que estava bem apesar dos imprevistos. Não esperava uma resposta rápida, por isso pediu para a baixinha ligá-la dali a um dia. Devia ser o suficiente pra sair dali e estar num lugar que tivesse sinal pro celular.
Depois da mensagem quilométrica, alias no meio dela, ouviu-se o pai do garoto berrando de lá de baixo, até ecoava. Ele perguntou timidamente se Brigith conseguiria voltar sozinha e ela respondeu que sim, não era nenhuma idiota. O menino abaixou a cabeça e disse um “já vou” saindo de lá sem olhar pra ela.
A morena suspirou... Não tinha um mau coração apesar de tudo, se levantou e caminhou até aquele pirralho. Estava o maltratando demais.

-Ei... – Ele virou-se e foi surpreendido, a garota deu um beijo doce em seu rosto. E ele ficou ali mudo, colocando a mão no lugar que foi beijado, olhando pro sorriso dela – Obrigada.

-P-por na-nada moça!

-Qual seu nome pivete?

-J-julian, moça. A-até logo! –
Ele sorriu e saiu correndo, acenando pra Brigith.

Com certeza ele tinha ganhado o dia. A garota detestava moleques tarados, pobreza e gente que cheirava estrume, mas bem no fundo era mole. O garoto não tinha feito nada de demais, só visto ela seminua. Assim como Joh tinha visto quando eles se tornaram amigos... Sentiu saudade daquele idiota. Tinha sido dura demais com ele antes, mas só ia perdoá-lo depois que soubesse que ele se desculpou com Ophelia. Ela quis ter um amigo pra conversar naquela hora e ele era o único que ela tinha. De braços cruzados ela passou com os olhos pelas redondezas e viu algo interessante, bem ao longe o carro do doutor Roberto tinha saído de casa. De certo estava indo pra cidade fazer algo, o mais engraçado é que ela viu o homenzinho passar quatro correntes naquele celeiro que ela tinha visto antes de sair.
O que ele guardava de tão valioso lá pra não deixar ninguém entrar? Ou será que escondia algo perigoso... Ela decidiu checar, mas ia ligar pra “Carmen” primeiro e garantir sua saída daquele lugar. Ligou pelo celular de Louis mesmo, ela demorou, mas atendeu.

-Olá garotão, sentindo minha falta é? – Brigith quase riu, seria uma amante daquele cara ou algo do gênero? Não dava pra negar que a voz dela e o sotaque espanhol eram sexies.

-Não é o “garotão”, mas ele tá sentindo falta sim.

-Oh, não me diga que é mais uma das namoradas dele. – Ela ouviu risos.

-Eu tenho senso do ridículo. – Bri retrucou cinicamente, como se soubesse que a mulher iria se sentir ofendida com isso. Mas ela riu mais ainda.

-Então você é Brigith Velmont. Ouvi falar da senhorita.

-Por ele? –
A morena se interessou – Espero que tenha sido pouco detalhista.

-Mimada, espertinha, agressiva e “caliente”! – mais risos – Louis gostou de você.

-Pena que não posso dizer o mesmo dele. Você deve ter muita paciência ou gostar de homens metidos a galã. – Ela acompanhou os risos um pouco.

-Acho que ambos querida, ele esqueceu de dizer que você é amável! Mas vamos deixar essa conversa pra depois, precisa de mim?

-É, o débil mental acabou batendo o carro e vamos precisar de condução, estamos no meio do nada. Consegue pegar as minhas coordenadas?

-Já peguei, doçura. Perto de uma fazenda ahn? –
Aquilo foi rápido... Então essa era a família Archer. Galanteadores por fora, gênios ligeiros e surpreendentes por dentro.

-Sim, eu não preciso de algo imediato. Digamos que quero resolver um pequeno caso que eu arrumei aqui, então você pode mandar um helicóptero amanhã e uma quantia de dinheiro com uns três zeros, é pra pagar uma divida que fizemos.

-Às ordens princesinha. Só isso?

-Por enquanto, até.

-Beijos.

Brigith desligou e anotou o telefone daquela mulher no seu próprio celular. Tinha se interessado um pouco. Se Louis pelo menos fosse discreto... Ia ter o mesmo charme que aquela espanhola. Como será que ela era?Pela voz... Com certeza era bonita. A Black Rose não escolhia mulheres que não eram. Bem, talvez poucas. Mas aquela parecia ser outra interessante. Decidiu descer e ir bisbilhotar a casa do doutorzinho logo, o sol estava se pondo. E a morena tinha quase certeza que era ele quem estava por trás dos ataques.
A descida foi rápida, ela tinha ido direto pra casa do homem. Encarou aquele celeiro desde que o avistou até perdê-lo de vista. A porta da casa estava trancada, mas bastou dar um volta em torno dela pra achar uma janela que o cara esqueceu aberta. Era bem estabanado pra um ex-funcionário da Black Rose. O problema era que todos os ex-funcionários da seita eram caçados e a maioria estava morta. Colocou a mochila nas costas, tirou as botas e pulou pra dentro. Caminhou pela casa sem rumo até que avistou algo interessante... Um telefone. Vai ver ele tinha uma linha telefônica especial, a garota se aproximou olhando em volta e percebeu mensagens na caixa eletrônica do aparelho. Apertou o botão pra ouvir sem apagá-las.

“Hola Roberto no tiene La fuente que ha pedido. Tendrá que conseguir en La ciudad.”
Essa ela não entendeu bem, ficou com mão no queixo ouvindo o resto.

“Usted necesita tomar un vistazo a mi perro para mí. Cuando se libre?”
Nada fora do comum ainda.

“Te dije para matarlos! Si alguien descubre algo es El final Roberto! Llámame.”
Esse a interessou, era o que ela queria ouvir. Matar... Mandavam-no matar algo ou alguém para que não descobrissem algo.

Mas o que? O que diabos esse homem estava escondendo? Antes de dar uma olhada no lugar mais obvio e suspeito, ela subiu as escadas pra olhar lá em cima. Era uma casa bem normal, um escritório, mini-biblioteca que nunca chegaria aos pés da que tinha na mansão dos Velmont e dois quartos com suíte. Um estava desocupado, já o outro era o dele. Cheirava produtos de limpeza baratos, até que era organizado pra alguém como ele, era estranho alguém chegado a animais não ter nenhum. Entrou na suíte e viu um chuveiro... O doutor devia ter tomado banho há pouco, estava todo bagunçado. Ele não notaria uma bagunça a mais.Bri colocou a mochila em cima do vaso sanitário e tirou as roupas sem hesitar, deixou a porta aberta pra ouvir alguma possível movimentação na casa e ligou o chuveiro entrando ali debaixo, por sorte tinha seu próprio sabonete na bolsa e cremes pra cabelo, não ia precisar daquele cheio de pentelhos do veterinário. Era nojento só de ver.Demorou bastante, a sensação de água quente escorrendo pelo corpo era ótima depois de um dia todo na roça, depois do banho ela se enxugou também com a própria toalha e saiu do banheiro enrolada nela. Passeou pelo quarto do homem, fuçou gavetas e viu pouca coisa interessante, como ela pensou, viu alguns papéis relacionados a experimentos biológicos como Louis havia dito que os Archer faziam (e com certeza uns DVDS pornôs). Não restavam duvidas, aquele cara tinha pelo menos o mínimo de culpa no que estava ocorrendo naquele lugar. Brigith pegou sua câmera digital e tirou algumas fotos dos papeis, partes que denunciavam tudo, e aproveitando o embalo tirou algumas de si mesma. Ela achava que ficou bem de toalha e cabelo molhado perambulando pela casa de um estranho. Era melhor partir pro interessante logo, surrupiou uma lanterna da gaveta, vestiu-se com uma blusa de mangas longas preta (estava frio ainda) e uma calça jeans, colocou a mochila nas costas de novo e voltou por aonde veio. Já de botas calçadas ela foi em direção do celeiro, o sol já tinha sumido, a luminosidade estava escassa demais pra ajudar na sua busca lá dentro. Por isso a lanterna.

Brigith não conseguiu abrir a porta principal de forma alguma então teve que rodear o local pra procurar outro jeito de entrar. E acabou achando.Uma madeira solta, daria pra alguém pequeno movê-la e entrar, era o suficiente pra ela. O chão dali não estava tão sujo, então ela nem hesitou, deixou a mochila escondida ali do lado e pegou apenas a câmera digital e o celular e enfiou nos bolsos, colocou a lanterna boca e engatinhou pela passagem. Era quase impossível de se ver algo ali, mas fedia... Fedia demais. O próprio ar ficava pesado por causa daquele cheiro horrível. E o solo que parecia terra molhada ajudava muito pouco a melhorar.Acendeu a lanterna e começou a caminhar por lá, não demorou nada, ela achou algo. Um frio atravessou a espinha da garota e ela quase se arrependeu de entrar lá, era algo grande que ela não sabia mais dizer o que era. Cheio de sangue, dilacerado, algo devia estar se alimentando daquilo de pouco em pouco. Ela deduziu pelos cascos e pelo que ouviu, aquilo seria um cavalo. A garota ficou quieta e levou uma mão a boca, não tinha ficado com enjôo nem nada por causa daquela cena brutal, apenas tinha tomado um susto leve. Por instinto ela apanhou a primeira coisa que viu, era um tipo de foice curta e curvada pra cortar mato ou qualquer dessas coisas. Decidiu caminhar mais um pouco, iluminando com a lanterna. Haviam ossos ali, de cavalo... Se fosse mesmo um lobisomem o tal doutorzinho, ele tinha fome duas vezes maior do que ela imaginou. E aquela seria uma historia pra se contar... Caminhando em meio aquela escuridão e cheiro pesado de carniça, ela notou uma movimentação, parecia ser outro cavalo arrebentado, mas esse estava vivo. Ela se aproximou cautelosamente até chegar a um metro de distancia daquilo, porém ela demorou demais pra notar, era peludo demais pra ser um cavalo, e era cinza...

Ela só ouviu um rosnar assustador vindo daquela coisa que se ergueu penosamente do chão, o doutor não tinha colocado tantas correntes pra impedir alguém de entrar. Tinha colocado pra impedir algo de sair.Brigith sentiu seu coração lhe saltar a garganta, com a lanterna ela notou que era um cão enorme, do tamanho de um cavalo. Parecia mais um lobo por causa da pelagem, mas o focinho era curto demais pra ser. Aquilo não ficou de pé, era um quadrúpede como qualquer canino normal. Mas se fosse mesmo um lobisomem como disse Elisa, ela estava ferrada agora, não havia nada de prata ali além da corrente da sua jóia. Recuou, os batimentos aumentavam cada vez mais, combinados com um frio maldito no estomago. Ela não podia morrer, não agora. Tinha prometido que ficaria bem pra Ophelia, nem tinha tido seu encontro com a líder ainda... Não havia encontrado o que ela procurava...
Colocou a lanterna na boca de novo, ficando de lado praquilo, lembrou do Kendô e segurou a foice com as duas mãos.
O cão tentou abocanhá-la pela primeira vez, porém estava lento demais por causa dos ferimentos, era aquilo que Louis havia acertado na estrada e devia estar com os ossos destruídos. A morena se afastou num salto, mas o animal avançou contra ela de uma forma rápida. A mordida teria acertado em cheio o torso da garota se ela não tivesse balançado a foice em cheio contra o pescoço dele. Brigith acertou, era mais ágil que o cão naquele estado ela viu o sangue jorrar e ouviu os ganidos monstruosos dele, porém era diferente do que ela pensou. A garota não teve forças pra segurar a foice depois daquele golpe e perdeu ela na escuridão, o cão não caiu, ficou bem mais agressivo e a acertou com o corpo arremessando a garota no chão. Ergueu-se e correu o mais rápido que pôde pra perto de algumas ferramentas de campo que a luz da lanterna iluminou um pouco antes de sair da boca dela e rolar pra longe, conseguiu agarrar algo. Aquilo correu no encalço dela e saltou, porém Brigith se jogou no chão e ergueu o que tinha pegado na direção do animal que ela quase não enxergava. Ouviu a ferramenta (que tinha cabo de madeira) estalar por completo na sua mão e cravar-se na terra ao lado do busto dela por causa do peso. Tinha acertado mais uma vez em cheio a garganta do animal, Bri pode calcular graças aos olhos dele que era a única coisa que ela viu na hora. O tridente tinha atravessado o pescoço do animal por completo varando do outro lado e quebrando lá dentro. Os ganidos soaram engasgados e a morena sentiu sangue quente cair sobre ela, rolou pro lado e saiu de perto da criatura. Até que ouviu um baque, havia caído no chão. Ela apanhou um facão que estava no meio daquelas ferramentas que viu num suporte, por precaução, e voltou a apanhar a lanterna. Quando o iluminou, já tinha dado suas ultimas golfadas de sangue, estava morto. Não era um lobisomem... Apenas um cachorro raivoso grande demais. A morena se sentia um lixo, estava com nojo demais do seu estado e sentiu até o estomago embrulhar. Aquele liquido quente e de cheiro forte tinha encharcado a roupa dela.

-Vira-lata estúpido! Eu tinha acabado de tomar banho sabia? – Foi seu grito de vitória pra tentar se auto-acalmar. Chutou o animal no chão, sem reação.

Passou a mão pela blusa pra tirar os excessos de sangue, não tinha se ferido, estava apenas com as costas doloridas, cansada e fedendo. Ficou retomando o fôlego, porém ouviu algo bufando cada vez mais rápido e não era ela... Tinha cantado vitória cedo demais, no susto ela iluminou na direção de onde o ruído vinha. E enxergou o que temia... Um outro cão imenso preto (lembrava um rottweiler) saltando na sua direção, porém esse estava inteiro, ela não tinha chances. Só sentiu o impacto daquela pata gigante acertar seu peito e prensá-la no chão, perdeu todo ar, o facão e a lanterna foram pra longe. Ela tentou em vão tirar a pata de cima de si, mas era pesada demais. O cão rosnou e latiu contra a cabeça dela, alguma baba atingiu o rosto da garota indefesa. Ia acabar assim?
Porém antes de sentir uma mordida lhe esmagar o crânio, a morena ouviu um assovio agudo ao longe e o cão parou de rosnar e latir desviando o olhar pra outro lugar. Bri ficou muda, o peso que ele estava colocando sobre ela estava esmagando suas costelas.Por sorte, o cão a abandonou acabada no chão e saiu em direção do assovio. A garota ficou no chão gemendo de dor até parar de ouvir aquele caminhar pesado, levantou com dificuldade e pegou a lanterna com sua arma improvisada rumando pra saída o mais rápido que conseguiu. Passou por aquela madeira, apanhou a mochila, jogou nas costas e tentou correr. Tropeçava varias vezes nos próprios pés até normalizar seus movimentos, retomando o ar. Já tinha escurecido, Bri parou em frente da casa de Elisa minutos depois, bufando. Já estava tudo fechado, ela bateu na porta dizendo um “sou eu” sem fôlego. E quem abriu a porta foi Marianne, a mulher derrubou a madeira que segurava (a que travava a porta) no chão quando viu Brigith nesse estado.

-Meu santo deus! O que houve com você menina?

-Eu descobri o que está matando seus cavalos do pior modo. – Nessa hora ela entrou sem se importar se ia sujar o chão, Louis, Elisa e o velho apareceram logo depois, estavam jantando.

Todos ficaram boquiabertos ao ver a garota daquele jeito. Elisa ia dizer algo, mas o bigodudo foi mais rápido. Brigith notou que ele estava com um ferimento feio no braço, um pano estava amarrado ali pra estancar sangue:

-Foi os desgraçados dos vizinhos que fizeram isso? Eu sabia! Filhos de uma cabra maldita!

-Não... Foi algo maior, Elisa... Você estava meio certa. – Morena parecia muito desagradada com a sua atual situação, quem não ficaria?

-Meu deus! U-um lobisomem?! Isso existe mesmo ?!

-Eu vou contar, mas primeiro preciso de um banho...

-Vem, eu te ajudo. – Elisa pegou ela pela mão e a levou pro banheiro que ficava escondido naquele primeiro andar.

Era pequeno, e a água vinha de um cano que devia dar em um rio, fria... Brigith suspirou, estava odiando aquilo. O cheiro, a sensação insuportável de sujeira. Se livrou da blusa e da calça, o resto estava menos sujo. Elisa gritou para a mãe esquentar alguma água, seria terrível tomar banho frio naquele clima. A loira disse pra ela esperar e saiu do banheiro, a deixando sentada num banquinho de madeira que estava por lá. Ia ser tranqüilo agora, se não fosse aquela sensação repentina. A morena sentiu seus pulmões esquentarem e as tosses vieram, junto com elas, sangue. Ficou mirando as próprias mãos tremulas, tinha que ser da pancada... Era da pancada.Ficou repetindo isso mentalmente inúmeras vezes até que cerrou os punhos e socou a parede, olhando pros próprios pés pálidos no chão.Não era... Ela sabia muito bem que não era.
Elisa e Marianne entraram, carregando dois baldes de água quente cada. A mulher se adiantou dizendo que ia procurar por algum machucado, mas Brigith recusou. Era visível algum desanimo na voz dela.
“Eu estou bem, Marianne... Poderia deixar só a Elisa aqui me ajudando?”
A velha cedeu sem saber o que falar, olhou pra filha e saiu deixando ambas a sós. E Brigith não hesitou, se despiu na frente da outra garota sem cerimônias e puxou um balde pra perto, enchendo as mãos de água e jogando contra o rosto, era o fim ter que tomar banho assim. Mas isso não ia a afetar agora, ela já tinha se deprimido o suficiente. Elisa hesitou um pouco a tocá-la, mas começou a lavar-lhe as costas. Tinha mãos macias, Brigith suspirou.

-Como ele era? – Perguntou a loira.

-Preto, grande e fedorento. O que foi no braço do seu pai?

-Quando você saiu ele arrumou briga com os vizinhos, acabou levando uma facada. Mas o Louis cuidou de tudo, ele bateu nos dois, desarmado. Ele é... Incrível.

-Ah é? –
Ótimo, ela estava encantada mesmo por ele. Não importava se fosse casado – Vou colocar ele pra lutar contra aquela merda que me atacou e ver se o heroísmo dele dura. E seu irmão? Eu não vi ele lá.

-Meu pai deu uma surra nele por ficar invadindo a casa do doutor, daí ele sumiu logo depois que teve a briga dizendo que ia buscar alguma coisa pra se vingar dos vizinhos. Fico preocupada, talvez ele tenha ido esperar eles voltarem da pesca na estradinha, se tentar algo sozinho ele vai apanhar e como se não fosse demais, ainda tem o bicho que tentou te comer.

Brigith ficou em silêncio, tinha que falar com aquele metido a herói, fitou o seu reflexo na água e perdeu-se em pensamentos, sentindo as mãos da outra garota lhe esfregarem as costas. Podia até se dizer reconfortada com aquilo, pareciam caricias, massagem. Naquele momento ela quis tomar aquelas mãos delicadas da amiga pra si.Elisa notou que ela estava inquieta e questionou:

-Aconteceu algo Brigith? Você parece triste.

-Você já chegou a odiar algo físico em si mesma? Tipo o seu corpo?

-Bem... Eu não sei, acho que não. Mas você também não tem motivos, você tem um corpo lindo! Se é que posso dizer... – Ela ficou encabulada, a morena se aproveitaria desse comentário se estivesse no seu humor normal. Mas não era o caso.

-É... Eu tenho...

Elisa se manteve falante e ela em silêncio, não prestava muita atenção no que a garota dizia, seus pensamentos estavam distantes. Perdidos.Depois daquele banho esquisito ela se enxugou e trocou mais uma vez de roupa, aquela outra estava acabada. Nunca mais ia usar aquilo. Escolheu outra calça e uma blusa de frio pretas, com aquele seu casaco vermelho de antes. Quando saiu o velho e sua esposa estavam discutindo alto sobre algo que ela nem quis saber, deixou Elisa pra trás e procurou Louis. Ele estava sentado folgadamente na sala a encarando como se quisesse rir.Brigith sentou do lado dele e murmurou baixo:

-São cachorros gigantes... Lembra de alguma coisa que sua família fez relacionado a isso?

-Acho que sim, não to lembrado ao certo.

-E você se chama de atual líder dos Archer... – Ela encarou o rapaz com desaprovação – Eu tenho certeza que o doutorzinho está por trás disso. Além de esconder aquelas coisas no celeiro da própria casa, achei papeis provando que ele teve envolvimento em experiências da sua família e ainda ouvi uma mensagem dizendo pra ele matar algo antes que alguém descobrisse. Não duvido que ele solte aquela coisa pra vir devorar a gente aqui quando ver o cinzinha morto no celeiro.

-Quantos cães ele tem afinal? Agora que você mencionou eu lembro de rumores sobre uma falha na segurança dos laboratórios certa vez... Eles estavam desenvolvendo algo como um chip pra controlar animais modificados geneticamente.

-Eram dois. E se for mesmo... Acho que encontramos os seus animais modificados. Afim de esperar o outro vir pegar a gente pra acabar com isso de uma vez?

-Nenhum pouco. Você sabe das regras... Só existe um modo de sair da Black Rose e é morto. Eu vou ter que ir atrás do doutor pra esclarecer umas coisas antes que ele fuja.

-Isso que eu chamo de um “chefe de família” resolver os problemas de perto. Estou preocupada com aquele pirralho. –
Louis a olhou com espanto, não esperava ouvir essa – Que foi? É só um moleque... Seria besteira deixar ele morrer.

-Eu sei, mas jurava que você era do tipo que apoiava sacrifício humano. Você vem comigo?

A morena acenou com a cabeça positivamente e ambos se levantaram, Louis pediu uma rifle pro velho. O cara hesitou um pouco, mas olhou pra mulher mandando ela ir pegar aos berros, ela voltou correndo com a arma e munição. O líder dos Archer parecia saber atirar muito bem, então Bri se sentia um pouco segura... Apenas um pouco.

-Onde vocês vão? – Elisa pareceu aflita com isso.

-Caçar, senhorita. – E o galanteador sorriu pra ela, carregando o rifle e o colocando no ombro.

Brigith e Louis saíram da casa ouvindo aquela madeira travar a porta nas costas deles, o jovem pegou a pistola que guardava e jogou pra garota que a apanhou no ar. Estava se sentindo num filme de ação... Fazia tempo que não passava por coisas do gênero. Começaram a andar, na direção da casa do doutor.

-Algum plano, gênio?

-Entramos lá, pegamos o infeliz, o fazemos falar e depois o expulsamos da seita a La Anita Sullivan. Ah sim, enterramos no fim. – Ele estava confiante.

A morena pensou se seria mesmo necessário matá-lo, Roberto não parecia ser má pessoa. Mas assim eram as regras, ela tinha decido segui-las há tempos.Andaram um pouco e encontraram o moleque, Julian, vindo correndo pela estradinha. Avistaram o garoto e Louis gritou pra ele se aproximar, foi o que ele fez.

-O que houve ninõ?

-O lobisomem! Pegou os vizinhos! – Ele parecia até contente com isso. – Eu vim correndo.

-Vai pra casa pirralho. – Quem disse foi Brigith – Seus pais tão preocupados.

-Mas e você moça?

-Eu coloco ele na frente caso aquilo tente me morder de novo.

O garoto sorriu hesitante e correu pra casa, o casal prosseguiu pra onde estava indo. Louis comentou que aquele garoto era esquisito e que ia ficar trancado umas dez horas no banheiro por causa da morena. Ela riu baixo, não era hora praqueles comentários, já estavam cara a cara com a casa do homem. O carro estava lá e a porta do celeiro estava completamente aberta. Brigith deixou a pistola preparada pra qualquer movimentação que notasse e Louis avançou direto pra casa, acertou uma pesada na porta, e algumas outras até que ela se destrancasse bruscamente. Entraram e acharam o cara bem rápido, ele parecia estar um tanto bêbado, com uma garrafa de vodka na mão sentado na cozinha. Não se surpreendeu nenhum pouco com a entrada repentina dos dois. Pelo contrario, sabia que eles viriam.

-Ah! Então os cães dos Archer vieram. Vocês soltaram ele não é? Vocês mataram o outro!

-Não cara... Sinta-se honrado, eu sou o próprio cabeça dos Archer. – Louis sorriu e voltou a colocar a rifle nos ombros – O que diabos ta havendo aqui?

-Ele mantinha os cães presos... Agora um deles escapou e quanto ao outro, ele me atacou mais cedo e eu tive que me defender. – A morena o encarou de braços cruzados.

-Então foi você! Era só um animal como outro qualquer!! Por que vocês sempre tratam animais como meros experimentos sem importância??

-Sem essa de moralismo. Você tava sabendo que essas coisas estavam matando os cavalos, não pode vir me dizer pra me importar com os bichinhos. Por um lado eu fiz até um bem, mas tem outra daquela coisa solta por ai! E pode acabar matando a Elisa por exemplo.

-Eu tentei! Juro que tentei manter eles presos e sob controle, até comprava montanhas de ração pra não acontecer isso. Mas alguém ia lá e soltava os dois toda noite, não sei como ou por onde! Só sei que o desgraçado descobriu como controlar eles e agora acabou assim! –
O homem falava gritando, parecia que ia chorar de tanto que engasgava. Ele não tinha como culpar a morena.

-Alguém? Os vizinhos? – Louis estava indiferente e relaxado.

-Não, idiota... Julian, o pirralho. Isso é obvio, Elisa me disse que ele invadia essa casa, deve ter descoberto de alguma forma e passado a controlar os cães... Foi ele quem mandou aquilo atacar os vizinhos que brigaram com o pai dele.

-Essa história é meio ridícula mesmo...

Nessa hora os três tomaram um susto, ouviram um arranhar ruidoso em uma das janelas, ela quase se quebrou. Foi o suficiente pra ver a aquele focinho enorme cheio de sangue farejando a casa e soltando um latido. Brigith instintivamente ergueu a pistola naquela direção e se pôs atrás de Louis, que mirou pra janela. O doutor se levantou e perguntou o que eles iam fazer, gaguejando.

-Louis... Não tem outro jeito, aproveita que aquilo ta na sua mira agora. Atira logo. Se ele der a volta e ver a porta aberta nós estamos mortos... Anda!

-Não precisa nem me dizer madame. – Ele mirou pra janela e apertou o gatilho, porem Roberto gritou e se jogou contra Louis, tirando ele do foco. Aquele ganido ensurdecedor deixou claro que tinha acertado e o cão provavelmente correu pra longe dali.

Louis acertou o “veterinário” com o cotovelo e o arremessou no chão, correndo pra porta pra não perder aquele cachorro enorme de vista. Roberto ia ir atrás dele, mas a morena ergueu a pistola pra cara do imbecil.

-Você fica quietinho ai. Já causou problemas demais.

-Não vai atirar em mim, você não consegue! É só uma menininha.

Ele riu e Brigith riu junto por um tempinho, porém os risos cessaram depois do barulho do disparo. Ela acertou um vaso do lado da cabeça dele e o encarou com seriedade, algo que fez o homem se calar e permanecer boquiaberto.

-Tenta a sorte querido.

-E-ele... Ele não precisa morrer. – Dessa vez ele parecia mesmo um verme, a expressão dele dava dó – Eu trouxe os dois pro campo justamente pra que eles vivessem em paz...

-Por que todo esse drama? São só cachorros.

-Diz isso porque você não viu eles crescerem! Não acompanhou eles desde filhotes, enquanto todos os outros morriam por causa daquela porcaria de experimento os dois sobreviveram! E quando eles viram que funcionou, mandaram matar ambos pra não correrem riscos! Você não entenderia... Pra vocês eu sou só um idiota mole que acabou ferrando a própria vida pra proteger um par de animais.

- Eu até entendo que existam pessoas amem animais a esse ponto ridículo, mas... Não tem outro jeito, se ele ficar vivo vai matar mais alguém.

-É... –
Ele se recompôs – O que é anormal não tem mesmo direito de estar nesse mundo...

Nessa hora foi Brigith quem ficou sem ter o que falar. Se fosse mesmo verdade... Se nada anormal pudesse viver no mundo... A morena sentiu um aperto no peito, ela entendeu o que ele quis dizer. Mesmo que não compreendesse os sentimentos dele para com aqueles cães monstruosos, conseguiu entender o que era querer achar um lugar no mundo pra alguém “anormal”, alguém que era privado de viver como as outras pessoas.Aquilo lhe soou terrivelmente familiar. E doloroso.

-Vamos atrás do Louis... Tem uma forma de parar aquilo sem matá-lo?

-S-sim! – Ele se impressionou com o que ouviu – Ele tem um tipo de microchip na cabeça, se você assoviar aquilo reconhece o som e o cão automaticamente vai ficar dócil e esperar por alguma ordem simples, como “Ataque” ou “Sente-se”.

Foi como o outro homem falou, um chip. Ela não quis ouvir mais nada, apenas saiu correndo na direção que Louis foi. O doutor a seguiu, quase caindo por não conseguir acompanhar a garota. Não demoraram muito pra achar ele, mas foi um erro correr daquele jeito. Louis tinha avistado o animal e estava com ele na mira, no meio do mato alto, mas a correria dos dois fez o cachorro perceber a presença de todos ali. Ele rosnou e Louis atirou, teria acertado o olho se a garota não tivesse empurrado as mãos dele. O tiro acertou no peito, perto do pescoço do animal que ganiu e correu pra longe, porém o doutor assoviou alto e aquilo realmente fez o monstro parar. A morena disse pra Louis esperar, ele não entendeu, porém obedeceu sem abaixar o rifle.
Roberto caminhou a frente deles, o cão tinha se virado e estava bufando de língua de fora, coberto de sangue. Louis não quis acreditar quando viu o doutorzinho fazer aquela cena estúpida e avançar na direção daquela coisa falando:

-Calma... Ninguém vai te machucar mais.

-O que diabo ele ta fazendo? – Encarou Brigith.

-O chip... É controlado por um assovio. Se ele estiver certo o cachorro não vai fazer nada.

Foi irônico demais o que houve a seguir, ele se aproximou do cachorro e estendeu a mão na direção dele para tocar o focinho do monstro, porem antes que ele conseguisse o animal se movimentou tão rápido que o casal nem pode ver quando foi que ele abocanhou a cabeça e o torso do veterinário e o chacoalhou com força como se fosse um brinquedo. O homem nem conseguiu gritar, Louis gritou um palavrão e mandou a garota atirar enquanto ele recarregava a rifle que era um tanto antiga e dava um tiro por vez. Ela ergueu a arma, viu o tronco do homem sendo dilacerado, os ossos dele quebrando na boca do animal, mas não conseguiu atirar. Simplesmente não podia...
Louis disparou a rifle de novo, contra o pescoço daquele cão enorme, ele soltou o veterinário na hora. Mesmo que fosse tarde demais pra ele. Tomou a pistola da mão de Brigith, largou a rifle no chão e começou a atirar, segurando ela pelo braço e a jogando rumo à casa de Elisa que estava bem próxima.

-Corre lesada! Rápido!

A morena nem questionou, aquilo não tinha caído mesmo com três tiros de rifle e com o homem descarregando uma Beretta nele. Brigith correu, e pra sua surpresa, o cão correu e derrubou Louis indo na direção dela. A garota juntou todo seu fôlego e pratica pra correr o mais rápido que pode, viu Marianne abrir a porta da casa assustada, mas foi pouco depois que ela viu aquilo. A mulher começou a berrar apressando Brigith, gritou pro marido lá dentro trazer a arma, mas a morena se manteve focada na sua corrida. Ela precisava... Se não chegasse lá seria o fim, não podia olhar pra trás. Sentia várias coisas lhe acertando as pernas, aquele barulho aterrorizante de rosnar que o animal fazia atrás dela, e as patadas no chão, cada vez mais próximas. Ela não conseguiria correr mais rápido que aquela besta nem em um milhão de anos... Era tarde demais, as coisas ficaram lentas.
O velho do bigode saiu na porta com o outro rifle, ela ouviu a mulher gritar, o cão saltou, ela ouviu um disparo e um ganido, se jogou pro lado. Aquilo caiu em cima das pernas da garota mesmo assim, Brigith começou a chutá-lo como podia, mas estranhamente ele se mexeu de forma lenta no chão sem se levantar. Tentou até abocanhá-la, mas em vão, não conseguia se mexer mais. A morena saiu de baixo dele e se afastou, Louis tinha acertado ele com a rifle mais uma vez. Mas no topo do crânio, tinha sido fatal não importava o tamanho dele.O do bigode correu pra fora e deu outro tiro pra garantir, e mais outros dois diretamente na cabeça. Louis nem ligou, sabia que tinha acabado mesmo... Foi até a morena e colocou uma mão no ombro dela, estava sem fôlego, suas pernas quase quebraram, tremia por completo.

-Saciou a vontade de ser perseguida por um predador? – Ele riu sarcástico.

-Vai se ferrar... Até um cachorro geneticamente modificado e louco não quer colocar a boca na sua carne, de tão baixa qualidade que ela tem. – Estava com as mãos nos joelhos, retomando o fôlego e olhando pra baixo.

-Pelo visto o assovio não funcionou.

-Por sua culpa! O primeiro tiro que acertou na fuça dele deve ter ferrado o tal chip.

-Provavelmente. Mas veja pelo lado bom, não vamos precisar dar cabo do doutorzinho. –
Louis continuou a rir, e aquela família ficou encarando os dois horrorizados.

O velho olhou Louis com outros olhos, parecia ter gostado de ver o tiro dele. Marianne tinha pegado a cabeça de Julian e socado contra o peito pra impedi-lo de ver, já Elisa... Ela estava muda, perguntando quem eram aqueles dois afinal.

-Nós vamos dormir na casa do doutor que está desocupada agora. – Ele sorriu.

E de fato dormiram, Brigith tomou outro banho e jogou fora sua antepenúltima troca de roupa também. Ia precisar fazer compras em breve.Dormiu num dos quartos de hospedes enquanto Louis ficou no quarto de Roberto, Elisa tinha ficado pasma com a morte do doutor. Colocaram o corpo dele ao lado do cachorro morto, iam ser tomadas providencias amanhã. Bri não conseguiu dormir aquela madrugada toda. Mesmo que aquela cama azul fosse confortável e limpa. Ela não conseguiu parar de pensar.As palavras de Roberto ficavam incomodas na sua cabeça: “O que é anormal não tem mesmo direito de estar nesse mundo.” Ele tinha sido morto pelo que tinha tentado defender... Coisas anormais eram assim?
Sem sentimentos? Por serem diferentes eles deviam odiar tudo que fosse normal.
E isso... Pensar que ela odiava Brigith por ser anormal.Pensar que aquela garotinha que era a pessoa mais importante pra ela a odiava...
Era tão egoísta, tão perfeita e arrogante. Esbanjava isso sem pensar no que a menina pensava, no quanto ela devia se magoar com aquilo.
“Se eu pudesse... Eu trocaria de lugar com você...”
Foi o que ela disse entre soluços, com a cara enterrada no travesseiro.
Por aquela madrugada ela se odiou, se viu como a pessoa mais baixa naquele mundo.
A manhã chegou e ela ouviu o helicóptero que tinha pedido ainda cedo, pensou que só chegaria a tarde. Conseguiu dormir duas horas depois disso, quando finalmente foi acordada por Louis. Ele parecia diferente do habitual, com alguma seriedade no rosto.

-Se eu não te conhecesse diria que chorou a noite toda.

-Já vamos? – Ela não tinha chorado, mas sua expressão estava horrível e seus olhos avermelhados. Louis a observou levantar da cama e esfregar a vista pra ver se parava de coçar.
O momento depressivo tinha passado.

-Exagerou ao pedir um helicóptero sabia?

-Dane-se... Acho que a gente não dá a sorte de bater num pombo mutante agora.

-Sobre a nina, vou oferecer emprego pra ela na cidade. E adivinha, ela quer me ver antes de eu ir e a sós. – Agora ele tinha voltado ao normal.

-Não envolva ela com a sua família. Não quero mais um caso igual a esse, e vê se proíbe esses tipos de experimentos... Animais tem mais direito de viver que humanos.

-Se te deixa feliz, linda... Quem fazia isso era meu velho. Eu prefiro insetos a animais, já a loira, eu vou colocar ela num lugar sem risco.

-Assim espero, vou me despedir e ir direto pro helicóptero. Não demora.

E ela foi. Todos estavam na frente da casa olhando o helicóptero como se nunca tivessem visto um, era de um azul esquisito, o velho rindo estrondosamente com a quantia gorda de dinheiro que tinham lhe pagado, Marianne parecia abalada com tudo que houve, Julian foi o primeiro a chegar perto de Brigith pra se despedir. Elisa o seguiu.

-Nunca mais vamos nos ver moça?

-Acho que não, mas quem sabe... Se cuida pirralho. E vê se para de mexer com coisas que não são da sua conta. – Ele entendeu o que Brigith quis dizer e prometeu pra ela não repetir aquilo, por culpa dele tinha acabado assim. O moleque soube disso.

Depois dele, Brigith apenas acenou pra Marianne e pro bigodudo, olhou pra Elisa e as duas foram pra outro lugar onde pudessem conversar mais a vontade, mais exatamente pra perto daquela plantação de uvas em que elas foram no outro dia. Elisa sentou-se no tronco que ficava ali, Brigith ficou de pé.

-Eu vou me encontrar com o Louis daqui a pouco e... Papai gostou dele, disse que é um homem de verdade depois que viu ele matar aquela coisa.

-Que bom... Ele provavelmente vai agarrar você. Não se importa com a noiva dele?

-Ele me contou a verdade, disse que vocês não tem noivo ou esposa, que são só viajantes que precisavam de um teto. – Ela pareceu admirar isso.

-Bah... E o que vai fazer? – Contar a verdade e omitir alguns fatos... Ela não pensava muito nisso, mentia sem hesitar. Talvez ela tivesse perdido.

-Hm... Se ele me beijar mesmo, eu não... Eu não sei como fazer isso. – Ou não.

-Fecha os olhos. – Elisa não entendeu, mesmo sendo tão obvio. Obedeceu Brigith e fechou os olhos, a morena pegou o celular e colocou pra filmar. Jogou o aparelho na terra macia bem abaixo delas e se aproximou da garota a beijando.

Elisa se assustou no começo, mas depois se rendeu totalmente. Os lábios da loira eram macios e delicados, assim como os de Brigith. Porém a morena sabia conduzir bem aquilo, sabia brincar com lábios de forma que fazia pessoas delirarem e esquecerem-se das coisas ao redor. Foi o que houve ali, a única coisa que Elisa sentia eram os lábios se roçando de forma lenta e envolvente contra os dela. Ficou tomada por aquilo, longos segundos, até que Bri parou.

-É mais ou menos isso. Mas duvido que ele seja melhor que eu, bem, boa sorte.

Ela apanhou o aparelho no chão e parou de filmar, a outra garota nem percebeu. Depois que Elisa disse tudo que tinha pra dizer (na verdade ela ficou sem fala, mas era só aquilo que ela queria dizer e pedir conselhos pra Brigith), as duas voltaram pro helicóptero, onde a morena se despediu dela com um abraço e cochichou no ouvido dela:

-Aquele tarado vai arrumar um emprego pra você na cidade, ok?

A loira de cabelos cacheados não podia ter ficado mais feliz com a notícia. Despediu-se dela como se fossem melhores amigas, com certeza era isso que ela achou. Mas pelo lado de Brigith aquela garota era tão dispensável... A morena entrou no helicóptero com a sua mochila e a largou num canto, perto de si mesma. Cochilou ali naqueles bancos de couro.
Sonhou com Ophelia.
Sonhou com ela sorrindo, não era bem Ophelia, não a que ela estava acostumada a ver, mas ela sabia que era. Aqueles lindos cabelos ruivos encurvados nas pontas, os olhos pálidos...
A pessoa mais importante.
Acordou com o barulho da hélice, estavam levantando vôo. Olhou em volta e viu apenas Louis com um cigarro na boca, não dava pra sentir a fumaça por causa do vento, então ela nem reclamou. Só perguntou de forma sonolenta, quando eles viam tudo ficar pequeno lá em baixo, Louis estava olhando pela janela.

-Se satisfez com ela?

-Não. Achei melhor não iludir a coitada.

-Por quê?

-Porque você ganhou. Eu vi quando vocês foram conversar em particular e sei como você é. – Ele riu e a garota jogou o celular pras mãos dele mandando-o checar os vídeos recentes. Ele assistiu inteiro e soltou um comentário – Caliente heh?

-Só preciso pensar em como ferrar você agora.

Ficaram quietos por um tempo, Brigith pensou em como eles eram... Até que formavam uma dupla boa apesar dela detestar tanto o infeliz. Louis jogou o cigarro pra fora e se apoiou nos joelhos encarando a garota, a cara dele ficou bem pouco distante. Brigith retribuiu o olhar.

-Me diz nina, por que você não atirou naquela coisa?

-... – Ficou uns minutos em silencio, aquela frase de Roberto ecoou novamente pela mente dela, até que falou - Eu quero acreditar que há um lugar nesse mundo pra pessoas que são diferentes das demais... Se eu fizesse isso com um animal, seria a mesma coisa que achar que pessoas anormais também não têm o direito de viver.

-Pessoas anormais, bichos... Se forem aberrações devem morrer, não é o mundo deles esse aqui pirralha. É o nosso, tudo que altera a ordem natural das coisas, que se torna absurdo mesmo explicado pela ciência deve deixar de existir pra não trazer desordem à nossa existência. E sinceramente, aberrações são melhores mortas do que complicando a nossa vida que é “normal” não acha? – Louis riu.

A morena foi rápida, ele nem sentiu quando o tapa o acertou em cheio no rosto, só a sensação de ardor depois. Louis notou a besteira que tinha falado quando viu aquele olhar de ódio aterrador que ela lhe lançava. Aberrações... Aquela garota amava uma aberração, acreditava que um dia daria uma vida normal àquela aberração. Pra ele era inútil, mas pra ela... Aquilo significava tudo. Desde que ele tinha conhecido Brigith Velmont.

-Eu posso não ter tido coragem pra atirar naquela “coisa”, mas juro que se você ousar dizer outra merda dessas na minha cara eu mato você!

Ela se afastou pro outro canto da cabine e se encolheu ali tentando esquecer toda a raiva que sentiu e adormecer. Seria em vão, ela tinha vontade de matar aquele homem ali mesmo. Louis por sua vez sabia a gravidade que aquele comentário teve, decidiu se calar e fumar outro cigarro enquanto esfregava o rosto na parte vermelha que fora atingida pelo tapa.Aquela guria a amava mesmo... A amava mais que tudo.
Era confuso demais pro homem, mas como ela podia amar tanto assim uma menina que tinha simplesmente a adotado e a colocado numa gaiola sem portas como a Black Rose?
Como ela conseguia amar Ophelia Velmont?
Aquela mini aberração vermelha...

“I would kill anyone who tries to harm you…”

2 comentários:

  1. Mew, eu não sabia que tu escrevia - e tão bem
    Amei a história carinha
    - tenho que ler o post anterior
    tipo, desde q comecei a ler não pude parar
    muito foda!

    Abraços pra tu cara
    Sucesso ao blog


    E se tiver morgando ai, eu lhe convido a dar uma passadinha no meu o/
    - sugiro o Omicronico
    o Scaramouche além de não ter muitos posts não parece ter muito o seu estilo >o<

    Kuromi

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  2. fico dahora junao de boa parabens ..!

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