sábado, 10 de outubro de 2009

[Vol.2] Capítulo 3 - Juramento

Uma noite fria e iluminada naquela cidade que havia se tornado colorida temporariamente, as festas de natal haviam começado e tudo estava movimentado demais nos mercados e avenidas da capital finlandesa, numa rua em particular, estreita onde poucos carros passavam. Cercada por prédios de arquitetura antiga, um garoto se encontrava caminhando sozinho em meio às pessoas que andavam por ali também. Não estava tão movimentado ali, mas ele conseguiu trombar com alguém que o xingou de algum palavrão enquanto estava distraído olhando para as luzes penduradas nos prédios atravessando a rua, acima da sua cabeça. Josh já tinha se acostumado com aquele frio terrível, a neve deixava claro que estava abaixo de zero. Ele próprio parecia um boneco de neve todo embrulhado em agasalhos de cores apagadas e discretas, não conseguiu se desculpar com a garota em quem esbarrou. Era um fracassado nesse quesito mesmo...

Há pouco tempo ele tinha largado seu antigo apartamento alugado pra ir morar numa das maiores mansões nos arredores da capital, a casa dos Velmont. Não foi difícil explicar pra sua mãe, ele disse que conseguiu um ótimo emprego trabalhando naquela mansão e que era tempo integral. Mas mudar pra lá não tinha sido um salto no seu conforto... Muito pelo contrário, parecia que ele tinha se alistado num exército de bizarrices. Acordava às seis horas da manhã pra correr e se exercitar, às oito horas tinha um café da manhã farto (a parte boa), depois das nove ao meio dia recebia treinamentos dos “seguranças” do local. Aquela mansão tinha uma academia com todo tipo de equipamento, era simplesmente incrível. Depois vinha o almoço e um breve descanso, pra voltar às atividades duas horas da tarde, tendo aulas de culturas, hábitos, rituais e história pagãs com a própria Ophelia Velmont. Fazia pouco tempo que Brigith tinha saído dali, mas ele realmente sentiu falta dela naqueles dias, principalmente por ter que encarar uma mudança tão brusca na sua vida ao lado de estranhos que nem sequer olhavam pra cara dele e tentavam ser simpáticos. Sentia-se sozinho, a única quebra nessa solidão era com seus instrutores que eram sérios demais. O de exercícios era o “personal trainer” particular de Brigith, um cara “sarado” e estranho, Josh jurava que aquele cara era gay ou metrossexual. Já o de luta era quem treinava Brigith também, o segurança chefe da família, o tal Aki. E quanto às aulas... Ophelia era a mais cruel dos três (mesmo que Aki o espancasse), muito rígida e ranzinza pra uma garotinha da idade dela. E como era esquentada... Não era a toa que Bri deu o apelido de “pimentinha” pra ela. Mas o garoto se pegava totalmente perdido naqueles olhos pálidos da sua pequena professora de história, se perdia neles tantas vezes que desconfiou que devia ter um lado pedófilo adormecido dentro de si. Era apenas um palpite, mas eram tão intrigantes e belos. Sempre que isso acontecia levava reguadas de madeira ardidas na testa ou beliscões. Ophelia não poupava forças e ele não gostava da guria, sempre respondia pra ela ou xingava ela de anã com TPM (O que geralmente gerava mais uma reguada).

Naquele dia no natal ele tinha decidido amenizar a relação conturbada que levava com a pirralha, não por querer ficar bem com ela, mas por Brigith. Ele se lembrava da expressão que a morena fez quando ele xingou a baixinha. Não queria continuar assim e correr o risco de ser odiado pela morena, então não custava dar um presente, tipo uma boneca barata só pra agradar a ruiva. Ele sabia que não podia comprar nada a altura, mas era só pra tentar se aproximar dela um pouco sem receber agressões em troca. E a situação era perfeita, uma prima sua tinha vindo pra cidade há pouco tempo. Ainda tinha uns quinze anos, mas era a mais bonitinha delas, e a que mais gostava do primo. Alias, se dar bem com ele era diferente de gostar, o que importava era que eram parentes e ele foi obrigado a usar seu dia de folga pra levar a garota pra passear. E em troca ela teria que apenas ajudá-lo a escolher um presente pra criança. Não era nada tão penoso assim.
O nome da tal prima era Matilda, uma outra morena de cabelos ainda mais curtos que Brigith, cobriam-lhe as orelhas e eram curvados pra dentro, com uma pinta um pouco abaixo do olho esquerdo (eram de um tom mais escuro que os dele). Ela sempre usava alguma coisa na cabeça, preferia boinas, mas variava bastante. (Agora, por exemplo, estava com um gorro vermelho em conjunto com casacos e agasalhos escuros, provavelmente muito frio)
Sobre a personalidade, Josh a achava muito metida, mas era divertida. Sua arrogância parecia infantil e engraçada às vezes. Enfim... Era a única parente na sua média de idade com quem ele se dava bem. O resto o considerava um esquisito e preferiam manter-se bem longe do rapaz. Bem, a própria Matilda pensava por que diabos ela ainda andava com ele às vezes. E se ela não teria alguém menos lerdo pra ser sua companhia na cidade nova. Estava ali plantada há quase meia hora esperando ele.

-Mas que droga seu inútil! Por que você se atrasa tanto assim? – Esbravejou ela.

“Porque eu me mudei pra uma mansão que pertence a uma seita pagã e estou sendo treinado por eles pra me tornar membro todo dia a partir de agora.”

Foi o que ele quis dizer, mas se contentou com um simples:

-Acordei tarde, foi mal.

Josh ergueu um pouco a mão no ar e abaixou a cabeça como um tipo de pedido de desculpas, e ela aceitou. Caminhou na frente, ele a alcançou logo, aquelas ruas eram bonitas nessa época e as lojinhas iluminadas e coloridas davam um ar mais animado. A garota não era de se abater por um mero atraso, então tratou de ir logo ao ponto:

-O que exatamente quer comprar e pra quem?

-Ahn... Pra filha da minha patroa. É uma pirralha na pré-adolescencia. Não tenho idéia do que comprar, por isso chamei você.

-Isso é estranho, mas nem vou perguntar o motivo. Deve estar dando em cima da patroa.

-Dando em cima? Larga de ser idiota, isso só... – Bem, a patroa seria Brigith. E de fato tinha algo ai, era por ela mesmo que ele estava falando isso – Eu me desentendi com a anã e só quero que ela pare de pegar no meu pé.

-Primeiro podia tratar ela com mais respeito não acha? – Matilda sorriu arrogante pra ele, como se ele fosse o “idiota” – Parar de chamar de anã ou pirralha. Algumas crianças gostam de ser tratadas como adulto, acho que um presente bom pra ela... Como ela é?

-Ruiva, baixinha, estressada, chata, ranzinza, podre de rica e tem olhos bonitos.

-Que tal uma caixinha de musica?

-Sei lá... Você escolhe, eu pago.

-Se não tiver animo ou iniciativa, nunca vai conseguir laçar a sua “patroa”, idiota.

Ela riu e correu pra dentro de uma lojinha, o garoto a seguiu com uma cara de não estar gostando muito dos conselhos dela. Mesmo que soubesse que eram em partes verdade. Já não tinha esperanças mesmo de conseguir algo com Brigith, eram apenas amigos. Porém era bom que ele se resolvesse com Ophelia antes que a outra voltasse da sua viagem, se dependesse só da ruivinha, ele sabia que iria ser uma guerra sempre.
Ele ficou com uma caixinha de musica mesmo, mandou embrulhar em algo vermelho e guardou. (A musica dela era lenta, dava sono) Decidiu entregar agora mesmo... Não tinha nada melhor pra fazer, o problema foi que sua prima querida quis ir junto pra ver o lugar onde ele trabalhava. Josh tentou de tudo pra desanimá-la, mas depois que mencionou cultistas satânicos que sacrificavam animais, a garota se interessou de verdade e o fez levá-la até a mansão dos Velmont. Era escura naturalmente, só eram visíveis as luzes vindas das janelas, ao anoitecer, do casarão. Matilda não acreditou quando ele desceu ali. Aquela casa devia ter o tamanho de um quarteirão inteiro no mínimo. Depois dos vários “Nooossa!” da garota, ele conseguiu entrar mostrando a cara no interfone e não demorou muito pra ser abordado por alguém que perguntava quem era aquela outra morena. Foi até impressionante terem chegado ao Hall da casa sem terem sido abordados antes. Vai ver confundiram Matilda com alguém. Quem notou a estranho foi aquele “Aki”.

-Quem é a garota, moleque?

-Uma prima, vim só entregar algo pra baixinha. Ela não vai ficar muito. – Obviamente o rapaz estava quase tremendo de medo dos socos daquele brutamonte.

-Lady Ophelia não permite visitas de estranhos na casa da família. – Respondeu o careca.

-Pelo que eu soube, meu primo é considerado da família. –
Quem falou foi a guria, e continuou sem dar chances pra Aki responder – E se ele é considerado da família, AMIGOS da família podem fazer visitas, estou errada? – Mais uma vez o grandalhão abriu a boca e foi interrompido – Então vê se não enche e se põe no seu lugar, funcionário de quinta.

Aki rangeu os dentes, Josh engoliu seco... Aquela demente estava se metendo onde não devia, com quem não devia. Antes que o homem de terno fizesse algo ou falasse, foi interrompido mais uma vez. Só que quem descia as escadas do Hall era a própria Ophelia, a dona da voz. Ela usava um dos seus finos vestidos negros com detalhes dourados. Caia até um pouco abaixo de seu joelho, com sapatos caros e sua travessa preta de rotina.

-Qual o motivo de tamanha algazarra?

-O novato trouxe uma “amiga” pra cá. – Aki parecia realmente irritado, só se conteve por causa da presença de Ophelia. Por que ele abaixava a cabeça pra uma pirralha? Josh ainda não entendia por que uma criança era a chefe da família.

-Eu devo merecer... – A ruiva fitou os dois visivelmente irritada – Tu sabes das regras moleque, se desrespeitá-las eu hei de punir você. Brigith concordando ou não.

-Calma ai baixinha, fui eu quem insisti pra vir ele não tem culpa. – Matilda bateu o pé, era tudo o que o garoto não queria... Se elas discutissem ia terminar mal.

-Quem tu achas que és pra entrar na casa de alguém sendo convidada por um empregado? – O tom de Ophelia foi frio.

-Pra mascote de um culto satânico até que ela é bem arisca hein primo?

Ótimo, tudo que ele precisava... A ruivinha cerrou o punhos e olhou pra Aki, e seguidamente pra Josh que ficou com medo daquele olhar. De todos os olhares raivosos que a garotinha tinha lhe lançado aquele foi o pior. Aki caminhou na direção dele.

-Merda... – Era tarde, o careca o agarrou pela gola.

-Eu sabia que era uma escolha mal pensada desde o inicio! O que infernos Brigith pensou para colocar um verme desses em nosso clã? Tu falaste a ela? – A menina aumentou a voz.

-Não... Eu só tentei assustar. – Ele se calou com um tranco que Aki deu nele.

-Tu nem devias estar aqui hoje! Mesmo em dias de folga tu vens me causar ainda mais dor de cabeça! Aki, coloque este asno pra fora daqui, e esta enxerida insolente também!

Ele não precisou ouvir duas vezes, arrastou Josh e agarrou Matilda pelo braço, levando os dois. A garota não reagiu bem e tentou se debater, escorregou e caiu no chão. A sacola estava nas mãos dela mesma e aquilo voou de encontro com o piso, a caixinha embrulhada num papel vermelho fez um barulho estalado e passou a emitir uma musica lenta, que agora parecia um zumbido agudo. Provavelmente o presente tinha quebrado, revoltada, Matilda se ergueu e berrou com Ophelia. De um jeito que ninguém ali ousaria fazer:

-Você sabe por que esse “asno” jogou o dia de folga dele no lixo? Foi pra tentar se entender com você! Pra tentar ser seu amigo! A gente veio aqui só pra te dar uma porcaria de um presente, agora que tá entregue, a gente sai daqui se é isso que você quer! – Ela se levantou e passou esbarrando em Aki, indo em direção da saída – E não precisa me levar, tenho pernas!

A líder da família Velmont ficou calada observando Aki levar Josh pra porta, o garoto coçava a cabeça com freqüência e suspirava. Por que ele tentaria se entender com ela? Por Brigith. Era a única coisa que ambos tinham em comum, foi nessa hora que Ophelia soube que ele gostava mesmo da sua filha. Caminhou em silencio até a sacola no chão e viu uma caixinha embrulhada. Desfez-se da fitinha branca e encontrou seu presente ali, quebrado em pedaços. A garotinha segurou a caixinha de musica nas suas duas mãos pequenas e ficou ouvindo aquele barulho, que antes seria uma canção, sumir no ar. Cena familiar. Era o natal cristão, dava pra se lembrar da neve...
Ela apertou um pouco os lábios e deixou a palavra escapar:

-Espere...

O careca parou na hora e virou-se pra sua pequena senhora, sabia o que ela iria ordenar. Matilda também parou na porta e ficou encarando os dois com uma sobrancelha arqueada e braços cruzados, Josh não acreditou. As palavras daquela maldita tinham causado algum efeito na cabecinha vermelha daquela anã chata. Ophelia fez um sinal e Aki soltou Josh. O garoto coçou a cabeça mais uma vez sem graça e desviou o olhar da garotinha, que tinha caminhado na direção deles com os restos da caixinha de musica nas mãos. Dessa vez os olhos dela pareciam os de uma criança, uma criança solitária, que estava sofrendo e estava cansada. Querendo dormir por um longo tempo.

-Me desculpe, eu não soube reconhecer tuas intenções.

Satisfeita, Matilda deu uma cotovelada nas costelas de Josh. Querendo que ele desfizesse aquela cara de bocó que não está nem ai e falasse algo legal. Ele mais uma vez passou a mão pelos cabelos negros, quando ficava nervoso não parava de mexer na própria cara. Desviou o olhar dos olhos de Ophelia e murmurou baixo:

-Sem problemas. Um dia a gente ia ter que se entender, então é melhor que seja de boa vontade do que ter que aturar um ao outro forçado...

-Tens razão... Se ela simpatiza contigo, acho que não me resta alternativa.

-Trégua? – Ele estendeu a mão de um jeito muito sem “técnica” ou graça, com um sorriso do mesmo patamar.

Hesitantemente a garotinha segurou a mão dele e a sentiu apertar de leve a sua, Matilda sorriu e bateu uma única palma. Já Aki ajeitou os óculos de cor escura com um sorriso também discreto enquanto soltou um “Hunf”.

-Então, agora que somos amigos, que tal me mostrar a biblioteca cheia de livros de ocultismo primo? – A morena tinha se animado, Josh apanhou mesmo assim. Mas foi de Ophelia.

A ruiva não acreditava que tinha ordenado um jantar mais caprichado justamente no natal, pra ela que era totalmente anti-cristianismo isso era a mesma coisa que ser Ozzy Osbourne no seu auge, de cabelo comprido, sinistro e de correntes pelo corpo dando uma festa country cheia de cowboys e afins em casa. Os pratos foram variados, presença de aveia e cevada garantida, Ophelia gostava disso. E kalakukko, uma iguaria finlandesa (um tipo de pão recheado com peixe) que agradava o paladar da garotinha também. Os dois não tiveram muito que reclamar, Matilda parecia comer de tudo. Já Josh preferia a comida da sua mãe.
Ainda lhe faltava o costume de sentar-se naquela mesa negra gigante, principalmente se fosse no lugar que era de Brigith, do lado da baixinha. Ela não ligava pra acentos, mesmo que estivesse habituada a se sentar na luxuosa cadeira na ponta da mesa como todo chefe de família faz. A menina comia elegantemente, mas em grandes quantidades, não dizia uma palavra durante a refeição. Os dois tentavam imitar sem jeito, a morena com mais sucesso. Josh desistiu e acabou comendo do seu próprio modo.
Ficaram em silêncio durante o jantar, a única que pareceu falar demais foi Matilda que perguntava coisas bestas pra Ophelia e comentava sobre isso com Josh. A conversa não andou muito, mesmo que fosse perceptível que a ruiva estivesse mais calma e compreensiva. E para a sorte dela, Matilda se cansou depois de comer tanto e perguntou quando eles iriam embora. Ophelia passeou com os olhos pelos dois, esperando uma resposta de Josh. E pelo olhar o garoto conseguiu perceber que ela queria que não demorassem muito.

-Acho melhor já irmos... Tá ficando onde?

-Paguei uma pensão no centro. Não tenho um lugar fixo, mas acho que devo ficar na sua casa.

-Quê? – Não é que fosse uma idéia desagradável, mas seria idéia de quem? Da sua mãe? Ophelia por sua vez sustentava um olhar infantil pros dois apenas ouvindo, enquanto bebia da sua taça segurando com ambas as mãos enquanto levava à boca. Aquilo era vinho?

-Você nem tá indo mais pra lá mesmo.

Matilda ficava ainda mais bonitinha sem aquele gorro com seus cabelos negros arrumadinhos. Não chegava a se comparar com Brigith na visão do rapaz, mas era inevitável pensar besteiras. A mente dele voava tanto nos assuntos do gênero que até já tinha imaginado coisas com a própria Ophelia. (Ele sempre se dava tapas por isso, era ridículo)

-Acho que vou pra lá hoje, é feriado.

-Receio que estarás aqui a tempo, de manhã. – Por que a ruiva se meteu? Queria que ele ficasse lá de uma vez? Estranho...

-Detesto ficar sozinha em lugares desconhecidos. – Matilda jogou certa idéia no ar.

-Se prometeres não sair do quarto, lhe ofereço estadia por essa noite. – E a ruiva captou.

-Prometido! Onde fico? – A morena sorriu satisfeita e colocou-se de pé.

-Ordenarei para que um vassalo mostre-lhe o caminho. E quanto a ti... – Olhou pra Josh, ele pareceu já saber o que ela diria – Vais limpar umas salas por alguma parte desta madrugada como punição para teu deslize.

-Tá... – Ele suspirou irritado, por que só ele tinha que pagar?

Josh já tinha almoçado na casa da mãe, achava que ela não ia fazer questão que ele aparecesse para a ceia. Afinal, o garoto se achava um penetra na família que ela fez com o padrasto. Decidiu ficar pela casa dos Velmont de uma vez, enquanto sua prima ganhava um pijama velho de Brigith e uma cama macia, ele ganhou um pano, lustra-móveis e uma sala empoeirada cheia de coisas velhas. Obviamente a limpeza não foi feita de boa vontade, ele limpou apenas onde a visão alcançava, sem arrastar nada. Nunca tinha visto tanto pó na vida, aquela sala devia estar abandonada há anos... Havia estantes com poucos livros, bonecas de pano com olhos de botão, cadeiras, objetos estranhos sobre uma escrivaninha. Tudo tão caótico que ficava difícil tentar deduzir para quê essa sala era usada antes. (Ophelia tinha escolhido uma das mais sujas especialmente pra ele)

Porém foi na hora de varrer o chão que Josh achou que ele não tinha ido parar ali por acaso, acabou puxando de baixo de uma estante um livro velho e acabado. Era de um couro vermelho, com um cadeado já quebrado pendurado inutilmente na capa. O garoto deixou a vassoura encostada na estante e apanhou o livro no chão, só de respirar perto dele fazia seu nariz se entupir todo. Ao abrir o livro ele notou que se tratava de um diário, as datas eram de um século atrás mais ou menos, por curiosidade ele deu uma lida em um trecho:

“Hoje fez chuva... Não me sinto agradável com climas assim, trazem memórias das quais não desejava recordar-me. Mais um deles se foi, morreu aos cinqüenta anos. Será que sou mesmo obrigada a ter herdeiros sabendo que estou fadada a vê-los morrer sem tomarem meu lugar no clã? Essas regras certas vezes me soam infundadas...
Entretanto, ainda tenho uma esperança escassa de que um dia eu veja um deles assumir a liderança da família para que eu finalmente possa descansar.
E como estou cansada nesses últimos anos, cansada e ferida. Cada vez que vejo um deles que tenha me apegado falecer, é semelhante à sensação de ter a alma penetrada por uma estaca envenenada. E quantos já se foram... Acho que dez ou mais.
Pergunto-me até quando eu vou ter vestígios de minha alma ou alguma humanidade restando. Já me sinto como se fosse incapaz de sentir o gosto de tudo ao meu redor, o verde do verão para mim é cinza, assim como o vermelho e as outras cores. Creio que a única cor que ainda chega a me tocar é o branco, o frio... Estou cansada.
Minha alma já está morta há séculos, também fria como essa cidade inteira.
Mas meu corpo se recusa a morrer junto com ela.
Por quanto tempo mais? O que a deusa quer de mim?
Acredito que o que resta é esperar...
Tenho que cumprir com meus deveres e guiar a família, a seleção ocorrerá em breve. Vou ter que adotar mais uma criança. E vê-la envelhecer e morrer.
Mais uma vez.”

Aquilo era confuso. Ele sentia uma tristeza cruel emanando daquelas páginas. Uma tristeza estranhamente familiar... Até um lerdo como ele perceberia que aquele diário pertencia à Ophelia Velmont. Mas não fazia sentido, as datas eram de cem anos no passado. Como possivelmente a garotinha estaria viva naquela época? Se estivesse seria uma velha que não conseguiria mais nem andar agora. Não tinha nexo... Não tinha mesmo sentido algum.
A menos que ela fosse imortal, como personagens de quadrinhos ou vampiros. Ou uma viajante do tempo. Ou talvez até um robô ou marionete de algum tipo.
Imaginação pra explicações bizarras foi o que não faltou da parte do garoto, mas no fim ele decidiu que era besteira pensar sobre aquilo e chacoalhou a cabeça com força murmurando pra si mesmo:

“Qual é... Não tem como uma menininha meiga daquelas ser uma vampira ou coisa do ramo!”

Considerou sua limpeza terminada ali e jogou o diário pra baixo do braço, saiu daquele lugar indo para o seu quarto. Mas Josh nunca teve um senso de direção bom, acabou rodando pelos corredores escuros e frios daquela mansão enorme por uns vinte minutos. E via coisas que não notava antes... Quadros de Ophelia muito antigos.
Pendurados e em molduras caras, com pinturas que pareciam encará-lo daquela parede escura e luxuosa. Ali só eram visíveis esses retratos, pois o chão também era negro.
Alguns com tinta desbotando, velhos. Ele sabia que tinta de gente rica não desbotaria por velhice daquele jeito em pouco tempo. Aquilo o impressionava a tal ponto que chegava a criar um nervosismo, justamente por estar começando a acreditar naquelas hipóteses absurdas que sua mente tinha criado. Seguiu os quadros daquele corredor em que estava.
Viu vários quadros de Ophelia ao lado de pessoas desconhecidas e por fim, um dela ao lado de Brigith. A ruiva estava imutável em todos. A única mudança sempre era a pessoa que ficava de seu lado nos quadros.
Aqueles mesmos olhos, cabelos flamejantes e aparência infantil.
Dessa vez ele havia se convencido que aquela menininha não era normal. Então o que diabos aquela garota era? Eles eram bruxos, mexiam com ocultismo... Será que ela seria um demônio, fantasma ou algo por aí?

Josh quase gritou quando sentiu uma mão firme tocar-lhe o ombro. Virou-se assustado e ficou cara a cara com Aki mais uma vez. Teve a leve impressão de que aquele monstro careca o perseguia... A voz dele ecoou pelo corredor, agressiva como sempre:

-Está indo nas direções erradas de novo Sr. Ylonen.

-Foi mal... Sempre me perco aqui.

-O problema não é mais o que você ver e descobrir aqui, o problema é você causar problemas pra Lady Ophelia. As mestras podem ser pacientes com você, mas que fique claro que se elas ficarem realmente aborrecidas por sua causa eu vou fazer questão de punir você pessoalmente. Espero que eu tenha sido suficientemente claro, Sr. Ylonen. – Josh deu um riso forçado, tentando se convencer que aquilo era brincadeira – A propósito, o quarto é pra lá.

Depois que se afastou pela direção que Aki apontou, o garoto engoliu seco. Onde ele tinha se metido por causa de Brigith Velmont dessa vez... Era loucura.
Saiu pelos corredores ainda atordoado pelo que pensava, até que decidiu ir tomar água quando viu uma luz acesa na gigantesca cozinha da mansão. Pelo menos lá o piso era xadrez e ele conseguia ver algo além dos próprios braços e quadros.
Porém se ele soubesse quem estava lá tomando chá, ele nem teria colocado o primeiro pé dentro do cômodo. Era Ophelia, sentada num canto tomando chá e comendo bolo de chocolate. Pelo visto até monstrinhos amavam chocolate, se fossem do sexo feminino.
Ela sempre ficava acordada até tarde, estranhamente, Josh se sentiu intimidado pela presença da garota de cabelos que pareciam chamas.
Os olhos azuis pálidos da menina focaram-se nele indiferentes. Ficou curiosa pra saber o que diabos ele estava fazendo ali, se iria caminhar pra ela. O garoto ficou parado sem saber o que falar, mas agora que ela tinha o visto... Era melhor fazer o que ele queria de uma vez.
Caminhou tentando agir normalmente até a geladeira e a abriu, pegando suco de soja, algo que Brigith tinha o feito gostar. A voz de Ophelia o assustou:

-Estás de fato se sentindo em casa, não?

-... Culpa de vocês. – Não acreditava que estava nervoso por causa daquilo.

-Culpa de sua curiosidade. O que estás carregando debaixo de teu braço? – Ah sim, ele tinha esquecido da porcaria do diário. Tinha complicado tudo agora.

-Não é nada... – Encheu um copo, colocou o suco na geladeira e tentou sair às pressas dali. Mas a menininha colocou-se na frente dele com as mãos na cintura.

-Deixe-me ver. É uma ordem.

-Ordem... Se quiser ver, vem pegar. – Ergueu o braço bem alto, como adultos faziam com crianças. Isso irritou tremendamente Ophelia.

-Vou ordenar apenas uma ultima vez! Dê-me isto! – Ela estendeu a mão pra Josh.

O rapaz riu, não tinha como Ophelia alcançar. Mas quando ele pensou no que ela poderia fazer, já era tarde demais. A garota não poupou forças e acertou um belo chute nas partes baixas dele. Definitivamente, ela era a mentora de Brigith.
Josh acabou derrubando tudo junto consigo no chão, o livro e o copo. Caiu de cara no suco com as mãos entre as pernas, gemendo de dor. A garotinha sabia onde chutar bem melhor do que Brigith... O copo se quebrou, mas ela nem ligou. Apanhou direto o livro antes de olhar praquele idiota no chão. Ela reconheceu aquilo... Sim, lógico que reconheceu.
Aquele era seu diário... Foi seu diário cem longos anos atrás.

Com um suspiro ela encarou o jovem, Ophelia já sabia o que ele teria visto ali. Por isso o medo e aquela reação incomum, mas para a surpresa de Josh, ela colocou o diário sobre a mesa e voltou para deixar-se na frente dele dizendo palavras sérias:

-Queres saber o que eu sou, correto?

Josh não soube responder, mesmo que a dor deixasse, ele não saberia o que dizer. Não precisava, Ophelia ia responder mesmo assim. A garotinha pegou um caco de vidro no chão (onde o copo tinha caído) e parou a mão na frente do rapaz, ele quase a pediu pra parar quando percebeu o que iria fazer. Mas ela não hesitou quando riscou a palma da mão com o vidro, cerrando os dentes. Isso mostrou que ela sentia dor, como qualquer um sentia.
Ophelia exibiu a palma da mão para ele, estava sangrando, cortada... Obviamente estava.
A parte surpreendente que o deixou ainda mais pasmo foi quando ele viu aquele corte se fechar rapidamente, deixando apenas o filete de sangue que escorreu dele.
A ruivinha limpou o sangue na roupa e murmurou num tom frio, dando as costas pra Josh e rumando em direção à saída sem ligar pro diário.

-Sente-se contentado agora? Uma aberração, um monstro. É isso que sou.

Ophelia saiu, ele ficou. Deitado ali por quase meia hora até que pôde recuperar seus pensamentos normais e amenizar a dor no seu ponto frágil. Josh se sentia culpado. Como se tivesse obrigado a garotinha a confessar o pior dos seus crimes.
E um crime do qual ela era inocente...
Isso não impediu que ele pegasse o diário de novo, depois de limpar a sujeira (e o rosto). Foi para seu quarto mancando e jogou-se na cama depois de tirar os tênis. Deitou-se de lado pra poder aproveitar a luz daquele quarto luxuoso e ler mais alguns trechos do diário. Precisava saber mais sobre ela. Queria saber tudo sobre aquela pirralha, principalmente agora que tinha descoberto que ela não era tão humana. Conhecer cada detalhe daquela “criatura” que Brigith amava de verdade. E foi até bom que a morena não estivesse lá, porque se ela soubesse do que aconteceu iria bater demais nele. E isso ainda seria a melhor parte.

O que ele descobriu naquele livro?
Ophelia não podia morrer... Sofria de uma “doença” que impedia que ela envelhecesse, chamava isso de maldição e às vezes culpava seus deuses por isso. Não descobriu a idade dela, mas já tinha mais de um século. Por mais absurdo que aquela situação fosse.
E estava cansada, muito cansada.
Ophelia queria morrer.
Josh finalmente entendeu a dor que Brigith sentia. Quando ele chamava a menina de “pirralha”, ”criança”, ”anã”... Ela devia se sentir inútil por não conseguir ajudar a ruiva, sabia que Brigith era assim. A morena devia se odiar por ter que ver sua mãe presa naquele corpo infantil por tanto tempo sem poder ajudá-la a escapar do seu tormento.
E ele ainda chamava Ophelia de anã... A desrespeitava por ser uma criança...
Que tipo de amigo era ele?
Naquela noite Josh dormiu tendo certeza de que era mesmo um rato.
Como Brigith tinha dito antes.

“Eu estou exausta... Não posso suportar mais viver deste modo.
Não posso mais suportar viver.
Perder tudo que eu fui capaz de amar como se fosse água escorrendo por entre meus dedos. Se eu pudesse fazer algo, ter alguém para acompanhar-me nesse tormento... Mas não.
Eu sou inútil, sem poder algum para alterar a ordem da natureza.
Por isso eu sou a única que vai contra tal ordem sem direito de escolha desta forma.
Temo que eu seja demasiadamente fraca para suportar o meu destino.
Já vi-me tentar encontrar a morte de varias formas, mas sempre em vão.
A líder dos Velmont não é suficientemente forte para levar uma existência eterna e sozinha. Não passa de uma garotinha frágil. Fraca...
Que chora sozinha longe dos olhos de seus subordinados.
Somente para não compartilhar com eles de sua fraqueza e impotência.
Por que alguém que vive desta forma merece viver tanto?
Seria uma punição por meus pecados?
Quando isso irá parar?
Quando eu vou poder ter minha paz?
Muitas perguntas para quais eu não soube a resposta mesmo procurando-as durante séculos intermináveis. Eu só desejo...
Eu só desejo dormir um pouco.
Não... Dormir por um longo tempo...
Para poder curar esse meu coração velho e cansado.”

No dia seguinte ele não quis acordar, não sabia como encarar Ophelia depois de tudo que aconteceu. Sentou-se na cama grande e bocejou.
Ele não era culpado pelo que dizia à garotinha, pois não sabia daquilo. O que ficava martelando em sua cabeça era que no fim das contas ele tinha feito Ophelia confessar algo que obviamente ela não gostava de comentar. E tinha sido de uma forma tão... Seca.
E depois de ler aquilo tudo, era como se ele conseguisse entender o sofrimento dela. O que fazia com que ele se sentisse um verme por ter subestimado ela tanto. Bem, ele teria que consertar isso. Por Brigith. E talvez por pena...
Estava quase levantando da cama, até jogou os cobertores pro lado. Mas ficou branco quando viu uma mão sair debaixo das cobertas e segurar-se na camisa dele. Era uma mão feminina.
A principio Josh ficou boquiaberto olhando aquilo, sem coragem pra falar, ele puxou a coberta pra cima, revelando quem estava lá. Era Matilda. Usando uma daquelas camisolas curtas de Brigith, ele quase teve uma hemorragia nasal.

Tentou pensar em algo pra falar, mas nada saiu além de palavras disformes e gaguejos nervosos. O garoto ficou ainda mais branco quando Matilda, inconscientemente, abraçou-lhe a cintura (estando ainda deitada) e colocou o rosto numa das coxas dele, esfregando-o preguiçosamente nela enquanto soltava um gemido baixo.

-Deixa eu ficar assim mais um pouco...

-O-o que cê tá fazendo? – Mesmo que fosse bizarro e constrangedor, ele não pôde controlar sua imaginação pervertida. Ficou praticamente esperando que a prima começasse a fazer coisas obscenas e até se “alegrou” um pouco com essas idéias.

-Fiquei com medo... Daí vim dormir com você...

Matilda era uma garota deliciosamente inconveniente. Ele se esquecia disso, mas ela não era de ter vergonha perto dele. Era como se fossem irmãos e ela fosse confiante de que ele não tentaria nada com ela. Nisso estava certa, Josh era incapaz de abusar dela de alguma forma, mas não queria dizer que ele não sentia nada por ela.
Ele obviamente sentia agora...

-V-você não acha que tá muito grandinha pra isso n-não?

Se ele estava desconcertado quando notou a presença dela ali e piorou quando ela se agarrou na cintura dele, o mais cruel foi o seu novo “Personal Trainer” ter aberto a porta do quarto naquela hora murmurando com a sua voz aguda:

-Hora de levantar menino! Saúde não pode esperar!

-(Eu tenho certeza que a minha saúde ta ótima.) – E como tinha... Ele ficou sem saber pra onde olhar quando o cara acabou boquiaberto pela cena que viu.

-Ah... Safadinho. A Ophelia não vai gostar disso.

-(Ele só pode ser gay...) – Josh colocou a mão na cara, se decidindo se zombava do instrutor ou se inventava uma desculpa pra aquilo. Decidiu ser sincero – Ela invadiu minha cama.

-E você “invadiu” ela também pelo visto. – Ele riu, Josh engasgou.

-Ela é minha prima. – Lançou um olhar irritado pro homem.

-E daí? Vai dizer que nunca teve seus momentos com primas antes?

-(Tá brincando que você é um desses que acha normal se relacionar assim com prima...)

Com o sorriso que recebeu dele, Josh se levantou da cama e nem ligou pra Matilda resmungando ao lado dele. Era melhor sair agora, antes que Ophelia ou Aki resolvessem aparecer também pra vislumbrar a cena. E aqueles dois não tinham o bom humor do “Personal Trainer”, partiu pros exercícios matinais.

O cara era do tipo “sarado de meia idade”, usava cabelo arrepiado num tom tingido claro (loiro), roupas coladas (camisa regata e shorts com tênis) quando o clima estava menos severo, e geralmente moletons pesados. O corpo dele era o mais trabalhado que Josh já vira. O garoto chegava até a invejar aquela barriga de “tanquinho” do instrutor.
Era difícil imaginar até quando a ruivinha iria deixar a sua prima ficar ali sem reclamar, o garoto até desejava que ela ficasse um tempo a mais. Estar sem ninguém pra conversar naquela mansão enorme era tortura. Aliás, não ter alguém normal pra conversar.
Ele ainda estava perdido em seus pensamentos, ficava o tempo todo imaginando e levantando hipóteses do que poderia acontecer quando ele se reencontrasse com Ophelia. Agora que ele tinha descoberto aquele segredo tão bizarro e irreal dela, podia até achar que a garotinha ia mandar matá-lo por isso.
Não... Ele sabia que Ophelia não faria tal coisa. Era impossível tentar explicar, mas ele simplesmente sabia. Aquela ruiva não era má pessoa. Só estava cansada de viver... Devia estar cansada demais. Algo que ele podia entender em partes, pois também era um tanto rabugento e entediado como ela. Sua ansiedade crescia cada vez mais quando pensava naquilo, nem conseguiu se concentrar na sua corrida e nos papos chatos que seu treinador tentava puxar. Pudera... Correr naquele frio cortante atolando os pés em neve desanimava qualquer um.
Essas corridas sempre se tornavam desgastantes, mesmo que raramente eles corressem fora dos quintais daquela mansão. Parecia haver uma floresta particular naquele lugar... E pracinhas no meio dessas florestas. Era muito difícil dizer se eles ainda estavam dentro da casa ou se tinham ido pra um parque no meio da cidade.

O tempo passou muito devagar até o primeiro café, serviram suco com pãezinhos e molhos chiques. Mas o garoto não comeu muito, Ophelia não tinha aparecido pra comer. Mesmo que só fossem uns dois dias que ele estivesse morando ali, tinha a ligeira impressão que era raro a garota não comparecer pra alguma refeição.
Ele havia notado que Ophelia comia bastante... O suficiente pra uma adulta grávida. Ou até duas. Difícil saber pra onde ia tudo que ela engolia. Comeu sem vontade, ainda se deixando levar pela ansiedade de reencontrar a garota. Agora conseguindo entender o porquê de ela ser a líder, e o porquê de ter aqueles olhos pálidos tão... Tristes.

Depois do lanche veio o treino de defesa pessoal, Aki veio pessoalmente bater nele. Devia estar com rancor pela noite passada, Josh não durava nem quinze segundos de pé.
Saiu de lá mancando, roxo e todo torto, encontrou-se com Matilda que estava conversando com uma empregada da casa como se fossem intimas. Aquela infeliz não distinguia, sempre estava falando pelos cotovelos com quem quer que fosse.
Ela riu quando viu seu primo naquele estado.
Já a serva de Ophelia apenas sorriu, encantadora. Parecia ser a governanta da mansão, tinha os cabelos curtos marrons avermelhados escuros, com olhos castanhos. Traços maduros e belos, ela devia ter uns trinta e poucos anos.
Naquele uniforme clássico de empregada então... A imaginação do garoto borbulhou.

-Uau! Eles querem te fazer comer capim pela raiz mesmo hein!

-Qualquer dia te convido pra uma aula experimental.

-Vim te buscar pro almoço, a Aurora falou que já ta na mesa.

Ficou em silencio, dessa vez ele sabia que iria encontrar Ophelia. Matilda o puxou pelo braço, praticamente o arrastando pra sala de refeições, a tal Aurora riu-se um pouco. Comentou com outro serviçal que a casa estava mais alegre desde a chegada do garoto ali.
Ao chegarem à sala enorme, escura e luxuosa de refeições, Matilda saudou Ophelia energeticamente. A garota apenas acenou com a cabeça, sem desviar atenção do seu prato. Josh ficou olhando pra ela o tempo todo durante o trajeto, querendo uma oportunidade de pedir desculpas. Porem seria má idéia fazer isso perto de Matilda, ela iria querer saber o motivo, coisa que ia gerar mais dor de cabeça. Mesmo porque ele não sabia mentir.
Ophelia não retribuiu o olhar uma única vez.

Josh tentou se comunicar com ela duas vezes, sem sucesso. E como ele não era dos mais persistentes, desistiu e deixou o silencio ser quebrado apenas pela voz de Matilda com seus comentários sobre a comida e a beleza do lugar. Não prestou atenção no que ela dizia, apenas concordava. Aquilo de alguma forma estava o deixando tenso... Nem xingá-lo quando derrubou um copo de suco na mesa a garotinha xingou. Era estranho demais da parte dela. Mais tarde, estranhamente ninguém havia reclamado de Matilda ter continuado na mansão, então ela aproveitou e ficou por lá mesmo se misturando com os “funcionários”.
Ophelia não apareceu na hora da sua aula com Josh.
Aquilo já estava ficando incomodo demais, a ponto de deixá-lo andando de um lado pro outro pensando se tinha magoado a garota tanto assim. Por fim, ele se viu suando, mesmo estando com tanto frio. Arregaçou as mangas daquele suéter azul escuro que estava usando e decidiu sair dali e procurar Ophelia. Se ela ia fazer algo com ele por ter descoberto seu segredo, que fizesse logo. Mas não dava mais pra suportar aquele clima.
Apesar de toda sua habitual preguiça, ele precisava tomar uma atitude.

Caminhou por aqueles corredores numa ainda constante tensão, perguntando pra todos que cruzavam seu caminho onde estava Ophelia. Umas três mulheres com uniforme de empregada... Até que pro tamanho daquele lugar, tinham muito poucas empregadas.
Bem, devia ser difícil achar empregadas de confiança pra cuidar de uma mansão pertencente a uma seita oculta sinistra. Enfim, não conseguiu achar a ruiva e acabou indo parar no mesmo lugar que esteve naquela noite do baile de formatura. Naquele templo gigante subterrâneo.
Ficou pasmo como da primeira vez, a diferença era que quem estava ali cercada por pessoas hostis agora, era Matilda.

O que ela estava fazendo ali? Josh ficou a chamando de burra milhares de vezes antes de ir se meter. Havia seis mulheres ali, que pareciam uma mistura de ciganas com fantasmas, as três cobertas com mantos azuis escuros e com punhais nas mãos, cabelos negros longos tapando quase o rosto todo. O garoto correu pra se atirar entre a morena e elas.
Com certeza eram elas que ele tinha visto nuas dançando no outro dia, não tinha tempo pra pensar, talvez elas fossem loucas o suficiente pra esfaquear sua prima. Quase caiu na escadaria de pedra, mas conseguiu se equilibrar e abrir caminho por elas, pra se colocar na frente da garota que observava assustada.

-Epa! O que ta havendo aqui?

-Ela profanou o templo. – A voz daquela que respondeu era arranhada, chegava a dar calafrios.

-E-eu só dei uma escapada de lá de cima e vim aqui. Daí vi elas cantando e perguntei sobre o que era a canção. Nada demais... Espera, isso aqui é mesmo uma seita satânica?

-Merda... Você é curiosa demais sabia? – Josh não sabia como sair daquela situação, quando ele mesmo tinha se metido naquilo, quem havia salvado sua vida da maneira clássica de “silenciar” pessoas tinha sido Brigith. Mas ela não estava lá pra salvar Matilda agora. –Ninguém vai encostar nela, ouviram?

-Josh... Por que elas tão sérias assim? Isso é zueira? – Apesar das palavras, ela estava visivelmente assustada. Não esperava que ele tentasse protegê-la.

-Se você está defendendo uma invasora, a nossa lei é clara! Isso não pode chegar à luz! – Todas elas se aproximaram, com punhais firmes nas mãos. Josh perdeu totalmente a cor.

Na medida em que a primeira se aproximou rapidamente, pronta pra desferir um golpe no garoto, ele jogou um de seus braços na frente por reflexo. Acabou levando um arranhão no antebraço esquerdo. Não podia bater em mulheres, mas esse pensamento fez uma quase acertar Matilda e ele pode sentir uma das laminas passar na frente da sua garganta quando se virou pra ver a garota. Não havia nada a dizer, suas palavras falhavam, seu coração acelerava, aquilo não era algo legal de se sentir. Não havia uma saída.

Matilda estava assustada a ponto de soltar alguns gritos quando as mulheres tentavam atacar, estava grudada nas costas do garoto. Quando os primos estavam praticamente encurralados, Josh já preparado pra tomar uma facada em cheio dessa vez, uma voz familiar adentrou e ecoou no templo.

-Qual o significado disso? – Era Ophelia, estava descendo as escadas de pedra sem pressa. (Ela sempre estava descendo escadas em horas convenientes...) Parecia estar bem irritada, Josh achou melhor se calar.

-Mais uma vez pessoas de fora invadiram o templo no meio de um ritual, Lady Ophelia! Isso é inaceitável! É um insulto! – Foi o que uma das mulheres respondeu aos berros.

-Sim, pelo menos um deles tem que morrer como lição. Isso é um ultraje, de fato um insulto aos deuses! – Outra se apressou pra garotinha.

-E por acaso aderimos a sacrifício humano no clã? Receio que não.

-Mas, senhorita...

-Não existe um “mas”, eu mesma elaborei tais regras. A piveta não é uma estranha aqui, se vós interrompestes o culto apenas por causa dela, a culpa é totalmente de vossas autorias. Porém se fizerem tanta questão de um sacrifício, perfeito, providenciarei um pedestal para cada uma que ousar me contrariar. Fui suficientemente clara?

O silencio ali foi total. O tom de voz da ruivinha chegou a arrepiar até Josh e Matilda, bem, a morena ficou com os olhos brilhando na direção de Ophelia.
As seis mulheres não falaram mais nada, abaixaram as cabeças e fizeram um pedido de desculpas para ambos e continuaram com suas canções, ajoelhadas diante de um altar.
Ophelia olhou torto para os dois e se retirou, Josh seguiu ela e Matilda imitou a ação. Difícil foi a fazer parar com as perguntas que fazia sobre o que era aquele lugar e quem eram os Velmont, quando finalmente voltaram para as partes superiores da mansão. A ruiva ainda evitava olhar pra Josh, isso fez aquela sua revolta voltar, ele ficou impaciente até que fez algo que não era do seu feitio. Gritou, quando a garotinha ignorou seus chamados discretos:

-Ei pirralha! Será que dá pra olhar pra mim um pouco?

-Ela vai mandar te matarem. – Matilda acreditava nisso verdadeiramente agora.

-O que foi? – Sim, ela tinha se virado pra ele, com uma sobrancelha erguida e com um olhar maldoso de sarcasmo ou indiferença.

-Por que você tá me evitando assim o dia todo? Desde àquela hora... Você vai começar a agir igual a uma medrosa assim só por causa daquilo? Nem pra dar as minhas aulas apareceu! Não pode ficar fugindo ou me ignorando o dia todo, agora eu moro aqui, lembra?

-E quem disse que estou fugindo de ti? Apenas tive assuntos do clã pra resolver, saí da cidade de manhã e só voltei há pouco, ainda estou ocupada pensando em certos problemas que preciso solucionar. E por acaso sou líder de uma parte considerável de uma sociedade secreta que tem alta influencia na economia finlandesa, ou seja, não vou poder ficar brincando de ser tua babá todos os dias. Porém creio que terei que providenciar uma em tempo integral pra impedir você de ser assassinado por outros membros do clã.


-Não tava aqui?! –
Sim, aquilo o derrubou. Então ele tinha se alterado assim por nada? Legal.

-De qualquer forma, acho que fui forçada a adotar uma candidata pra isso. – As palavras de Ophelia fizeram Matilda saltitar.

-Ela? Tá brincando né?

-A menina já viu demais e ao contrario de ti, não é estúpida a ponto de não entender a gravidade do que ela se meteu. E como Bri está viajando, receio que será minha única arma contra sua cabeça oca. – Soava cruel, mas era bom ao mesmo tempo. Ele se sentiu aliviado, mas Ophelia perdeu um pouco da postura rígida e murmurou em voz baixa algo que ele não esperava. – Eu não pude escolher sobre aquilo. Quando você descobriu, foi inevitável me sentir fragilizada. Mas não preciso de misericórdia ou aceitação alguma sua.

-Aah... Então ta rolando algo entre vocês!

O comentário de Matilda foi desnecessário, Ophelia corou e começou a xingar a garota sem se poupar, nunca se poupava mesmo. Josh sentiu vontade de rir, mas apenas sorriu discretamente. Tudo tinha ficado bem. Mas a insegurança veio do pensamento “O que vai acontecer com essa intrometida?” naquela noite eles dormiram lá de novo, Ophelia não apareceu pra janta. Josh deduziu que ela estivesse cansada demais pra isso, tinha visto ela caminhar de um lado pra outro da mansão junto com algumas pessoas, nem parecia mesmo uma menininha de doze anos.

Depois da janta ele perdeu Matilda, então foi dormir mais cedo torcendo pra que ela não se metesse em mais confusão. Ficou pensando em Ophelia algumas horas, não conseguia dormir, imaginando como seriam as responsabilidades dela. Preencher papéis, bancar a diplomata, resolver atritos entre membros, tomar decisões de importância vital... Ele estava errado, aquela garota não era uma “pirralha”. Era uma pessoa realmente impressionante, pelo menos a mais curiosa e fantástica de todas que ele havia conhecido. Lógico, na sua mente Brigith ainda ganhava, mas ele tinha que admitir que Ophelia fosse única naquele mundo. De forma que ninguém mais conseguiria.

As horas iam se passando e o sono não vinha, quando finalmente começou a aparecer, a porta se abriu vagarosamente. O frio na espinha foi terrível, quem era àquelas horas? Seu impulso foi virar-se de lado e fingir estar dormindo. Talvez fosse um vigia, checando o que ele estava fazendo sob algum comando de Ophelia. A porta se fechou logo, isso fez com que ele relaxasse um pouco respirasse fundo. Só que o frio na espinha foi ainda maior quando sentiu algo subir na cama do seu lado e se aproximar dele. Ophelia? Não podia ser!
O coração do garoto acelerou na hora em que sentiu aquele perfume feminino invadir suas narinas, e aquelas mãos macias envolverem sua cintura por trás. As mãos entregaram... Não era Ophelia.

Com um breve olhar ele pode ver o cabelo preto, curto e molhado de Matilda. Essa mania dela com certeza ia trazer problemas quando Brigith voltasse pra casa. A dúvida foi se deixava ficar ali ou se a acordava. Com certeza isso iria lhe render um soco.
Mas seria pior se pegassem os dois assim de novo. Ele se moveu, um pouco, mas algo o assustou. Fez seus batimentos acelerarem ainda mais e um frio aterrador atravessar seu estomago.

- Eu to acordada.

- Quer dizer que... Veio aqui com roupa indecente e... Me abraçou de propósito? É isso ?

- Idiota... Eu não gosto de dormir sozinha. Não vou tentar te estuprar.

- Hm... – No fundo ele se lamentou – Tem medo ainda mesmo?

- Sim... Tenho. Odeio ficar sozinha no escuro.

- Já passou da idade.

- Não enche...

Ainda estava se sentindo estranho. Fazia tempos que não ficava assim com alguém, a ultima vez foi a própria Brigith que dormiu com a cabeça no colo dele, certa vez que estavam num clube com piscina aquecida. Nunca conseguiu esquecer aquele biquíni que a morena estava usando. Não soube o que dizer, era uma sensação estranhamente agradável. Ele não ligou... Desejou ficar assim por quanto tempo ela quisesse. Ou mais.

- Tem certeza que vai aceitar trabalhar aqui também? Pode parecer ótimo, mas você perde a liberdade. Sua vida não vai ser mais sua... – Murmurou desanimado.

- Vira pra mim pra falar... – A voz dela soava muito sonolenta, mas ele obedeceu. Acabou frente a frente com a menina. Sentia o hálito fresco dela, de dentes recém-escovados, tocar seu rosto. Isso o fez corar um pouco, então ela continuou – Não tenho escolha tenho?

- Eu posso entrar num acordo com a ruiva. – Josh estava um tanto perdido olhando pra ela, estava com uma das camisolas de Brigith de novo, branca, semi-transparente (Por que ela usava isso naquele frio? Era irônico). Falando de olhos fechados e com as mãos ainda um pouco em cima de seu braço, como vestígio do abraço que tinha dado antes.

- Não quero... Me interessei por aqui. – Josh suspirou profundamente – Eu sou mais responsável que você. Mais inteligente que você e tal... Então se você se encaixa... Eu fico bem melhor aqui que você.

- Então ta. – Isso irritou um pouco.

-E também... Você ta aqui comigo. Então não tenho medo... –
Aquelas palavras o deixaram totalmente sem ação, o que isso significava afinal... – Somos amigos de infância. Família... Ou em resumo, eu gosto de você. – Matilda abriu brevemente os olhos pra sorrir pra ele – Agora, vira pra lá de novo. Senão você rouba um beijo meu durante o sono... Seu pervo.

Josh seria incapaz. Era bem mais fácil a sonâmbula fazer isso do que vice-versa. Ele deu um sorriso amarelo e virou-se de costas pra ela de novo. Então ele tinha uma amiga além de Brigith e nem sabia... Era uma boa descoberta.
Ia passar a considerar mais sua prima depois dessa noite. As palavras dela o reconfortaram, pareciam perfeitas demais depois de dias enfrentando a avareza e hostilidade de todos naquele clã. O tempo provavelmente faria com que os outros o tratassem como igual. E a presença de Matilda iria garantir que ele não se sentisse sozinho nisso.
Dessa vez o sono veio rápido.
“Boa noite.”

O sol veio fraco na manhã seguinte, personal trainer fazendo comentários maldosos sobre ele e Matilda, exercícios matinais, Ophelia não estava presente no café de novo, outra surra antes do almoço... Ele se sentia como se fosse aceitar aquele estilo de vida logo.
No almoço ele e Matilda dividiram mesa com a ruiva mais uma vez.
Sua prima estava completamente admirada com a menininha, ficava murmurando frases como:

“Nossa! Essa coisinha fofa ai é tão mafiosa assim?”

“Cara, eu sou fã dela! A pentelha é demais! Uma mini-deusa!”

“Nossa... Ela é a líder de uma organização tão influente assim? Pirei!”


Ophelia não comentava os “elogios”, apenas tentava sorrir de forma bem forçada pra não deixar Matilda sem graça. Isso fazia Josh rir às vezes. Mal ela sabia que a ruiva era bem mais incomum que imaginava.
A iniciação de Matilda seria nesse dia mesmo, a vida da garota ia ficar bem cheia, pois além dos deveres do clã ela ainda estudava. Josh se sentia bem, como se estivesse acima dela no clã. Mesmo que Ophelia tivesse o depreciado quando teve que aceitar Matilda como membro.
Na noite do juramento ele esteve presente (do lado de fora, claro).

“Renúncia do batismo, ritual e juramento.”

Lembrava-se claramente da voz de Brigith dizendo aquilo a ele uns dias atrás. A saudade apertou na hora, ele não havia recebido nenhum telefonema dela. A garota devia estar furiosa com ele por causa do tratamento que dava a Ophelia.
Mas a culpa era totalmente dele. Julgava-se um completo idiota depois que descobriu sobre a baixinha, talvez por pena dela. Achava que ela era forte demais pra se ter pena, mas tinha um pouco mesmo assim.

A iniciação acabou. Matilda saiu daquele templo subterrâneo (Josh também fora iniciado lá) com apenas um vestido branco, roupas intimas e descalça. Estava linda.
Como nunca ele a tinha visto antes.
Bruxas eram mesmo lindas... Como Brigith dizia desde pequena.

Ophelia estava logo ao lado da garota, com um manto longo e negro que só deixava sua face à mostra. A garotinha falou que ela devia repousar, tirar o dia só pra ela. Afinal, o sexo feminino sempre foi mais bem aceito entre aquela sociedade, tinha que ter mais mordomia.
Matilda sorriu radiante para os dois e saiu correndo pelos corredores, provavelmente para o quarto. Josh viu aquelas seis mulheres de antes dentro do templo observando de longe. Por algum motivo, ele sentia calafrios só de olhar pra elas.
Deu as costas pras “fantasmas” (como ele decidiu chamá-las por enquanto) e tratou de sair dali logo, trancando-se no quarto e lendo outras páginas do diário de Ophelia. Parecia um livro, talvez de drama.
O único assunto pendente que tinha lhe restado no fim das contas era aquele atrito com Brigith. Mas ele tinha certeza que se o clima entre ele e a baixinha fosse mantido, a morena ficaria feliz quando voltasse e tudo ficaria bem.

Parou pra pensar sobre Ophelia mais uma vez. Talvez ele devesse fazer algo pra se redimir de tudo que já tinha dito, por que não? Fechou o diário e foi procurá-la, já tinha passado da meia noite, então não seria difícil.

A cozinha, era exatamente onde ela ficava de noite. Agora estava com seu pijama azul e pantufas, comendo mais bolo e tomando chá. Ophelia parou na hora em que o viu observando da porta, com um olhar incomodo.

- O que? – Perguntou com o garfo em frente à boca.

- Ahn... Você não dorme?

- Não mais que quatro horas diárias.

- Legal... – Josh entrou, coçando a nuca, estava sem jeito pra conversar com ela, então fingiu que tinha ido lá beber algo. Pegou suco na geladeira e deixou sua curiosidade escapar – Você bebe sangue e sabe fazer algo esquisito?

- Exemplifique.

- Hmm... Super força, rapidez sobrenatural...

- Estás de zombaria? – A ruiva riu arrogante e comeu o pedaço de bolo de cenoura no seu garfo – O único fato incomum sobre mim é a regeneração de meu organismo. Como já sabes, não envelheço, a regeneração de minha carne é extremamente veloz, não preciso de tanto descanso, preciso comer muito mais outros e sou imune à maioria das doenças.

- Nunca pesquisou o motivo pela ciência?


- Ciência nunca me interessou. É o pretexto daqueles que se julgam meros montes de carne.


- Mas talvez você achasse um meio de... Ahn...


- Desenvolver meu corpo? –
Sim, era isso que ele ia falar – Os Archer já se ofereceram pra isso, mas alguns dos clãs não concordam.

- E o que eles têm com isso?

- Acham que eu sou a encarnação da Deusa. Pra alguns deles eu sou um símbolo. E por outro lado, aceito o que o destino me reservou. Mesmo que a família Sullivan insista em me “estudar”, eu não posso ser obrigada a isso. Então eu vou carregar esse fardo... – Ela olhou pro seu pratinho ainda cheio de bolo e suspirou longamente – Se um dia a Deusa permitir que eu descanse ou quiser que eu mude, então eu hei de descansar ou mudar... – Josh riu. E a garota ergueu os olhos pra ele, irritada – Qual a graça?

- É impressionante. – Continuava a rir – Eu não acharia imortalidade um fardo. Seria chato sim, muito chato e entediante. Mas to achando que todo imortal acaba levando isso pro lado da maldição. Se é que tem outro imortal no mundo.

- Se existir, tenho de conhecê-lo. Sentir-me-ia menos solitária.


- Então até você pensa em amor.


- No meu caso é uma idiotice. A menos que eu me envolva com moleques de treze anos até estes chegarem aos quinze.


- Deve ser desagradável. –
Continuou a rir, lembrando de como eram os meninos dessa idade. – Mas você nunca... Sabe...

- O máximo que já tive ligado à romance foi um beijo. E infantil.


- Ah ta... E o que houve com seu namoradinho? –
Pergunta errada.

- Ele cresceu.

- Foi mal. Mas tipo... Meninas de treze anos já podem ter vidas românticas intensas.

- Só quando elas não possuem nada na cabeça. Ser uma velha com séculos de existência faz de ti tornar-se mais exigente quanto a parceiros.

- Imagino.

- Não tenho que falar sobre isso contigo.

- Bem... – Josh riu sem graça dessa vez, aquele assunto tinha sido mesmo bizarro. Levantou-se e dirigiu-se a ela, colocando-se hesitantemente de joelhos diante da menina. Ophelia ficou sem saber o que falar – Eu vim aqui por um motivo sabe...

- O que tu estás... – Era difícil dizer qual dos dois estava mais sem jeito.

- Hm... É que... Quero pedir desculpas. – Coçava a cabeça algumas vezes – Pelas merdas que falei de você antes... E dizer que reconheço você como... Sabe... Minha líder.

A garotinha largou o garfo no mesmo instante. Parecia uma criança tímida que acabava de ganhar um excelente presente de natal. Estava corada, pasma, sem nem conseguir tentar falar, mas de lábios entreabertos mostrando um pouco de seus dentes. Josh por sua vez também corou por notar aquela expressão no rosto dela, não achava que isso valia tanto assim.

- Ahn... Preciso beijar sua mão ou coisa do tipo?

Forçou um riso, mas isso não cortou aquele clima. A garota apenas estendeu a mão para ele, fechando seus lábios. No inicio ele hesitou, não achou que fosse sério. Mas depois acabou por segurar a mão delicada da garotinha, dando um beijo sem jeito sobre as costas dela.
Então Ophelia recolheu sua mão e acenou positivamente pra ele com a cabeça. Josh se ergueu do chão, sem ter o que falar. Totalmente constrangido com a cena. Até deixou a mão na nuca dessa vez.

- Preciso desculpar-me também por tratá-lo tão mal.

- Sem problema.

- Pode mesmo perdoar-me?

O garoto riu e se aproximou, apertando a cabeça da garotinha contra o peito e bagunçando o cabelo dela num tipo de carinho.
Agora sim o clima tinha sido cortado pela raiz.

- O que diabos foi isso? – Disse Ophelia com uma veia saltando na têmpora.

- Foi mal de novo... Me empolguei. –
Ele a soltou rapidamente e se afastou.

- Se achas que só por causa desse momento melodramático vais conseguir que eu pegue leve contigo, estás cometendo um equivoco! –
De olhos fechados e irritada, ela ia arrumando de novo seus cabelos vermelhos como fogo. – A família Velmont não aceita qualquer idiota. Então é bom que tu sejas capaz de provar seu valor algum dia. Caso contrário eu abrirei uma rara exceção sobre sacrifício humano aqui. Como minhas servas desejam. – Sorriu maldosamente.

- Tudo bem patroa... Vou fazer você calar essa sua boquinha pequena aí.

Satisfeito, Josh saiu da cozinha, esquecendo-se do seu suco por lá. E Ophelia o acompanhou com os olhos. Os dias iam ser longos naquela mansão, mas agora sim ele podia sentir o significado da palavra “família” que era usada pelos Velmont.
Ia ficar tudo bem. Ele notou o sorriso sereno que havia brotado nos lábios da sua pequena líder. E bem...
Aquela garotinha merecia mesmo sorrir.
Daquela mesma forma serena, simples e infantil.

“Wake me up inside… Save me from the nothing I’ve become.”

By Jr.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

News

Bem, isso aqui não vai ser fixo.
Seria só pra manter avisos no blog.
Então, pra começar, eu andei com alguns problemas pra arrumar inspiração e parei de escrever por umas semanas. Mas to voltando aos poucos.
Então quero me desculpar com quem tá lendo, o capitulo 3 do volume 2 tá quase no final. E assim que terminar, vai ser postado aqui.

E em breve vou estar disponibilizando também aqui umas sessões de desenhos do volume 2.

Grato. ;D

sábado, 22 de agosto de 2009

[Vol.2] Capítulo 2 - Sangue

Brigith acordou cedo no dia seguinte, não conseguia dormir bem sem algum luxo. Sempre foi acostumada a mordomia de quartos luxuosos com camas limpas e macias, aquilo não chegava nem perto. Cama com um cheiro esquisito, parecia mofo, o quarto tinha algumas rachaduras nas paredes e alguns pisos quebrados. O tarado deitado no colchão do seu lado roncando já era algo que ela levava como carma (Pelo menos era nisso que ela acreditava), estava meio descabelada ali, mas ainda não se sentia parte daquele ambiente. Porém aquele galo maldito cantando lá fora, aquelas pessoas que não sabiam falar baixo de jeito nenhum (Pareciam conversar gritando), o som de animais e aquela merda de cheiro de esterco... Sim, aquilo era aventura!Bri pensou milhares de vezes antes de se levantar daquela cama barulhenta e caminhar pra fora, além daquela porta de madeira. Achou esquisito ser encarada com estranheza pelas pessoas que estavam na sala. Uma mulher alta, chegava a ser feia, cabelos mais grisalhos do que louros, roupas esquisitas de roça e basicamente seios caindo pela barriga. Brigith desejou morrer aos trinta anos de idade quando reparou, mas já a outra pessoa até que não era tão ruim, uma garota nos seus dezesseis anos tão loira que parecia norte americana ou russa. Os olhos dela eram claros também e tinha um corpo bronzeado, era bonitinha. Deviam ser mãe e filha... A mãe usando um vestido desbotado que caia até as pernas, e a filha uma camiseta de botão xadreza e calça jeans com botas. Brigith teve vontade de falar pra mais jovem não cometer o mesmo erro da mais velha e usar sutiãs, porque se aquilo caísse... Bem, ela se comunicou com elas em inglês.

- Ahn.. Eu vim ontem à noite pra cá, um senhor me hospedou na casa. – As duas olhavam espantadas pra Brigith, como se ela fosse um alien. A mais velha cutucou a mais nova, cobrando que ela fizesse algo, para o espanto da morena, a menina respondeu.

-Sim, meu pai falou de vocês dois! Nossa, você é estrangeira né? É muito bonita! – A loirinha de cabelos encaracolados falou com entusiasmo, coisa que a mãe dela repreendeu com um cutucão nas costas.

-Vocês falam inglês?

-Sim, minha mãe é americana. Meu pai é o espanhol. Morro de vontade de conhecer o exterior! – Agora foi um beliscão – Mãe!

-Sossega com esse fogo menina! O que a moça vai pensar...

-Não precisam me tratar com cortesia alguma, eu admiro a vida simples no campo. Acho que vocês sim levam vidas pacificas e harmônicas, tanto com a natureza quanto consigo mesmos, algo que a gente da cidade precisa aprender. Então por favor, me tratem como igual ok? Como se fosse da família, tenho muito que aprender com vocês. – Um sorrisinho simpático, palavras bem escolhidas... Brigith ganhou ambas ali, as duas abriram um largo sorriso pra morena e a mãe respondeu toda cheia de si.

-Nossa moça, assim você deixa a gente sem jeito. Falando essas coisas bonitas... Olha, eu vou lá preparar um almoço caprichado tá bom? Elisa, faz companhia pra moça, mostra a fazenda pra ela. – A velha então se retirou pra cozinha que ainda estava meio desorganizada, Bri sorriu discretamente. Esse pessoal era mesmo fácil de dobrar. Já tinha conseguido um almoço caprichado, a simpatia das mulheres da casa e a companhia de uma guriazinha bonita.

-Elisa né? Prazer, eu sou Brigith. – Não havia necessidade de sobrenomes.

-Encantada! – A garota sorriu cheia de entusiasmo pra ela, uma pessoa interessante. Era inegável um certo interesse vindo de Brigith, ela admitia que gostava de loiras menores que ela. Devia ser coisa da sua família de sangue.

As duas garotas saíram da casa, e Brigith decidiu continuar com as botas sujas de ontem, pra não sujar mais sapatos naquela imundice. Primeiro ela apresentou os dois cães pra Brigith, não tinham raça e era curioso o fato de que eles não tinham recebido ela e Louis latindo ontem de noite. Quem sabe estivessem em outro lugar, ou escondidos.Como não tinha nada demais a se mostrar, além de mato, a garota decidiu levar a visitante para um lugar mais recluso. Caminharam por uma estradinha de terra até chegarem numa discreta plantação de uvas cheia de arvores que deixavam a paisagem bem verde na luz solar, a morena soube o que viria a seguir. Elisa a convidou pra sentar-se um tronco de árvore cortada que ficava jogado ali no chão perto de um riacho e apanhou uvas frescas pra elas, lavando-as na água cristalina daquele riozinho. Devia ser uma nascente.Bri gostava um pouco de uvas e aquelas estavam mesmo boas, ela se sentia um trapo por não ter escovado os dentes ou tomado banho ao acordar. A água daquele riacho estava praticamente chamando pela garota, ela precisava se lavar.

-Então, Brigith... – A menina começou uma conversa, acanhada – Como é a vida de vocês na cidade? Sempre tive curiosidade.

-Nunca esteve na cidade antes? – A morena respondia, mas estava mais concentrada nas uvas.

-Por pouco tempo, cresci lá até que minha mãe se casou de novo e mudou pra cá. Vivo no campo desde os seis anos. – Bri a olhou com algum interesse a mais. Uma adolescente criada no campo... Podia ver nos olhos dela que era uma menina que queria conhecer outras pessoas além da sua família, conhecer coisas que não se via no campo. A morena sempre achou que fazendas não eram lugares pra criar adolescentes. – O que vocês costumam fazer lá?

-Hmm... Estudamos, usamos computadores, saímos de noite pra dançar ou namorar. Às vezes saímos só pra saciar um pouco da carência, sem namorar. – Elisa pareceu não entender bem o que ela quis dizer – Tem gente que beija os outros por esporte. Isso que eu quero dizer.

-Beijar por esporte? Você faz isso? –
Ela estranhou aquilo.

-Às vezes. Em dias de loucura ou carência extrema. Beijo até garotas se quer saber. – Brigith riu, aquilo tinha sido um tipo de indireta que ela sabia que Elisa não iria fisgar.

-É estranho, mas não sei o que achar sobre isso. Se vocês da cidade fazem, deve ser divertido.

“Quer experimentar?”
Seria o que Louis diria, mas não. Brigith não agia de forma tão atirada assim, pela primeira vez ela tirou a sua máscara, junto com as roupas que vestia. Não iria resistir mais àquele riozinho, nem que a garota lhe proibisse. Aquela morena fazia o que queria e quando queria, Elisa não reclamou ou se surpreendeu. Apenas sorriu, dando um sinal positivo e de incentivo pra ela, enquanto observava encantada aquela jóia pendurada no pescoço da outra. Bri entrou no rio e nadou um pouco, pra se exercitar e se lavar, mas também queria se aproximar mais da outra garota. Usou do seu sorrisinho carismático pra jogar um pouco de água nela e uns dois minutos depois as duas já se tratavam como amigas intimas, ambas seminuas brincando na água. O clima morno estava bom, se as coisas continuassem assim Brigith iria tirar mesmo alguma casquinha daquela garota bonitinha. O corpo dela era mais avantajado que o da morena, porém bem menos trabalhado.Pareceu até inicio de filme erótico...Mas a garota dos cabelos escuros notou alguém ali espiando em uma moita, apanhou uma pedra no fundo do rio e arremessou. Como ela havia imaginado, ouviu um gemido de dor. Mais uma vez a verdadeira Brigith apareceu diante dos olhos de Elisa que ficou olhando sem saber o que fazer, a morena saiu do rio num salto e voou para a direção do gemido. Agarrou um braço que viu ali e torceu, jogando o moleque moreno de cabelos crespos de cara na terra. O imobilizou, segurando o braço e com o joelho nu fazendo pressão nas costas.Ele aparentava ter uns quatorze anos, não era tão forte quanto o lado bruto daquela morena.

-Tava ai atrás do mato só aproveitando a visão né safadinho? Me dê um bom motivo pra não quebrar sua mão e impedir que você use ela pra esses fins de novo!

-Não Brigith! – Elisa viu aquilo e reconheceu o garoto, correu até ela desesperada. Bri tinha feito aquilo não por ódio a pervertidos, mas por aquele infeliz ter estragado o clima – Ele é meu irmão por parte do padrasto, não machuca ele!

-Irmão!? – Agora sim a morena havia ficado sem jeito quando tornou a olhar para a cara do moleque enterrada na grama. Ele bufava como um porco assustado.

-É, ele é meio burro assim mesmo, tem mania de espiar no banho, mas por favor não mate ele!

-Bem... – Matar? Não, ela não ia tão longe. Mas foi totalmente inapropriado fazer aquilo com o menino, Bri viu a marca roxa que a pedra fez no ombro do garoto. Aquilo ia ser difícil de justificar caso caísse nas orelhas dos donos da casa. Brigith só soltou ele depois de pensar nisso tudo, percebendo que estava o machucando. Mas ela poderia jurar que ele adorou ter uma mulher do calibre dela em cima de si mesmo.A situação tornou-se delicada, porque Bri não planejava se desculpar e o moleque estava apavorado. Poderia sair correndo a qualquer momento.

-A-a mãe mandou c-chamar vocês pra comer... – Era o motivo de ele estar ali. Brigith se enxugou um pouco com o casaco que estava e vestiu o resto das roupas com o corpo úmido, partindo para a casa sem olhar mais uma vez para os dois.

Elisa e o irmão ficaram com medo do que pudesse ocorrer e a seguiram sem hesitar. Quando chegaram na cozinha depararam-se com o pai e a mãe daquela família de visual country espanhol, que estavam juntos com Louis. Aquele cara parecia inquieto com algo, e estava perguntando sobre animais para o proprietário daquelas terras. Ele por sua vez estava mencionando algo com os cavalos quando a morena entrou.Era inevitável não notar aquele vergão no ombro de menino, que estava de camiseta curta. Por sorte, o pai nem estava ai. Devia ser daquele tipo “Ele é homem! Tem que ser forte.”, mas a mãe perguntou o que tinha acontecido. Brigith entortou o olhar e virou-se pra Elisa que retribuiu o olhar de forma que não dava pra saber se estava preocupada com o irmão ou com a morena. Mas as palavras surpreenderam ambas:

- E-eu caí no mato e bati o ombro numa pedra pontuda. – Ele mentia muito mal.

-Nossa filho, tem que tomar cuidado. – Mas era o suficiente pra velha cair.

Brigith então ficou olhando pra ele e quando ninguém estava olhando deu um sorriso falso como agradecimento, o moleque ficou encabulado e sentou na cadeira perto do pai. Foi aí que Louis começou seus “movimentos”, levantou-se da cadeira e foi na direção das garotas. Bri já tinha preparado as agressividades, mas ele passou por ela e foi fazer suas cortesias para a loira. Beijou a mão da garota e puxou a cadeira para ela se sentar, riu um pouco dizendo que ainda era adepto do “cavalheirismo” antigo. Aquilo era ridículo. A morena quis bater nele como Elisa não fez, bem pelo contrario, a ingênua ficou toda bobinha com aquele pervertido. Adorou aquela cantada fajuta e fora de moda a ponto de ficar corada e agradecer escondendo o rosto. E o pior é que o infeliz passou do lado da morena e deu dois tapinhas no ombro dela, ele percebeu um pouco de proximidade entre elas. Brigith ficou irada. Mas pelo visto o pai de Elisa também não gostou muito da ceninha, isso a fez sorrir discretamente e balançar a cabeça negativamente olhando para o velho, isso com certeza iria render pontos pra ela, já que parecia contra a atitude de Louis.O bigodudo até sorriu de volta de um jeito feio, Bri ficou contente com o sinal. Ia ter um aliado pra manter o tarado longe de Elisa.A comida era boa, mesmo que Brigith tivesse recusado “o frango mais bonito” que a mulher matou pra assar. Esqueceu de avisar que não comia carne, por sorte tinha comido muita uva e também havia ovos, salada e grãos na mesa. Suco natural sem açúcar do jeito que ela gostava... Podia contratar aquela mulher como cozinheira.A morena puxou conversa durante o almoço, sabia que eles tinham o costume de conversar durante as refeições, foi uma boa idéia. Ela conseguiu se aproximar um pouco mais de cada um deles, porém por outro lado, Louis estava conversando muito com a garota que interessou Bri. Só que ela usou do seu veneno pra reverter a situação:

-Ei Louis, e a sua esposa, como está? Ela vai se encontrar conosco na casa da sua mãe?

-Que? – Ele com certeza ficou com raiva daquilo. Se falasse que a historia era mentira ambos iam estar encrencados, mas Brigith ia sofrer bem menos que ele por isso. – Eu separei dela faz um tempo, não lembra?

-Não a ex, eu digo a Maria. A que você se casou semana passada, até peço desculpas por ter tirado vocês da sua lua de mel pra me levar lá.

“Filha da...”
Louis olhou pra ela demonstrando seu descontentamento, sentiu vontade de deixar os xingamentos que passavam pela sua mente saírem. Mas acabou sorrindo cinicamente e sem jeito, dando o braço a torcer e olhando pro prato. Elisa apagou o brilho no olhar para o homem e ficou um pouco emburrada, concentrando-se em comer. Brigith permaneceu sorrindo simpaticamente pra eles, mas estava gargalhando por dentro. Ela ia pagar por isso.

-Ah sim, a Maria. Ela ta ótima, assim como o seu noivado.

-É ótimo ter um noivado aberto mesmo. – Ela disse que ia ao banheiro e voltava em breve, deixando Louis naquela situação. Bri não queria usar o banheiro, tinha ido lá apenas por que não agüentou mais segurar a risada.

Mais tarde ela se encontrou com Louis no quarto em que estavam, ele iria xingá-la se a garota não tivesse sido direta, colocando as mãos na cintura e encarando o rapaz:

-Como pretende sair daqui? Eu não vou adiar meu encontro com a nossa líder por causa de um acidente ou daquela menina.

-Vou ter que ir ver o carro madame. A propósito, qual é a sua? Não consegue jogar limpo?

-Jogar? Oh! Eu não tinha percebido que estávamos jogando. – Sorriu pra ele de forma agressiva, ele ia desafiá-la pra algo?

-Digo com a bonitinha. Ela estava se dando bem na minha.

-A “bonitinha” tem nome. Você acha que tem mais capacidade de seduzir ela do que eu, é?

-Com certeza uma mulher de verdade iria preferir um homem de verdade do que uma mimadinha bissexual cínica.

-Quer apostar? –
Brigith adorava desafios.

-Feito! Se eu ganhar você vai ter que fazer um striptease pra mim, se eu perder você escolhe. Não vou perder mesmo. – Estendeu a mão pra ela com um sorriso na cara.

-Ótimo. Quem beijá-la pela primeiro, com “permissão”, ganha. – Ela aceitou, apertando a mão dele. Ambos estavam sendo autoconfiantes demais. O pai de Elisa entrou ali naquela hora, não tinha ouvido nada. E foi claro nas intenções:

-Quando é que vocês saem daqui?

-O meu cunhado acaba de me dizer que vai precisar de ajuda pra verificar o carro. Vocês podem ir resolver isso hoje e dependendo vamos ainda de noite. – O velho não recusou ajuda provavelmente por causa do entendimento que eles tiveram no assunto “manter Louis longe da Elisa”, Brigith se deu bem mais uma vez e Louis se irritou. Enquanto ele ia tentar consertar a Hummer, aquela cobra ia se exibir pra loura. Repetiu mais uma vez mentalmente:

“Maldita bruxa finlandesa.”

Enfim, aquilo era um trabalho masculino. Brigith observou eles saírem com aquele sorrisinho no rosto, indo pra cozinha depois. Ela se ofereceu pra lavar a louça ao ver as duas mulheres da casa o fazendo, mas sabia que iam recusar a ajuda. Foi só por educação, ela detestava limpar e fazer trabalhos domésticos. Achava que era pra criados.Perguntou o nome da “mãe”, era Marianne. Um nome mais ou menos, mas combinava. E Marianne parecia querer entreter Brigith, a tratava como se fosse mesmo vassala dela. Quando viu a morena observando elas com as mãos nas costas sugeriu que ambas fossem dar outro passeio, disse pra Elisa visitar um tal de doutor Roberto. Brigith achou o nome estranho, mas devia ser espanhol. Nem perguntou ainda onde e porque visitá-lo, mas caminhou até a garota e a pegou pelo braço, levando pra fora.

-Você ouviu sua mãe mocinha. – Elisa pensou em dizer algo, mas queria mesmo conversar mais com a morena, então foi com ela sem questionar. Alguns momentos depois ambas já estavam andando pela estradinha de terra, demorou um pouco pra avistar uma casa de campo muito melhor que aquela outra. Sem duvidas era um doutor que morava ali. Brigith que estava tentando fazer mais contato físico com a garota, cessou seu fogo. Ficou curiosa, mas não deixou de ficar de braços dados com ela. – Me fala sobre esse tal de Roberto.

-Ele se mudou pra cá fazem uns poucos meses. Era veterinário da cidade, sabemos muito pouco sobre ele. Meu pai insiste pra que eu me jogue pra cima dele, é doutor bem de situação, mas eu não sei. Acho que ele é muito velho pra mim, tem trinta anos. É um amor de pessoa, disse que se ele voltar pra cidade vai me levar junto e me empregar como assistente.

-Hmm.. E o que exatamente vamos fazer lá?

-Ah.. É que nas ultimas semanas tem algum lobo atacando os cavalos do meu pai, ele está ajudando a tratar de alguns que sobrevivem aos ataques.

-Lobo é? – Ela lembrou-se do acidente – De que tamanho é esse lobo?

-Se for ver pelas mordidas... É bem grande. – A garota ficou insegura um pouco, mas falou o que Brigith achou que ela iria falar – Brigith, pode parecer besteira de gente do campo, mas você acredita em lobisomens? Monstros do tipo?

-Não tenho como duvidar. –
Ela riu, era uma ocultista, levava tudo como parte das possibilidades – Acha que é um?

-Bem, meu pai e minha mãe acreditam. Papai até fica acordado até tarde com a espingarda esperando ele aparecer pra poder dar um fim no bicho. – Estava explicado o ocorrido de ontem a noite – Ele teve uma briga com um outro dono de terras aqui e acha que pode ser alguém da família dele que vem aqui transformado em lobo pra se vingar matando os cavalos. É esquisito né? Acreditar nisso...

-Sim, é. Mas se até Michael Jackson existe, linda... Por que duvidar de metamorfos que não sejam astros do pop? –
Soltou um ultimo riso, Elisa a acompanhou nesse e tocou o braço da nova amiga com a mão. O primeiro passo pra sua vitória tinha sido dado. Mas Brigith não tinha pressa... Por hora, ela iria conhecer o tal Doutor Roberto. Essa historia de lobo tinha a interessado. Piadinhas com famosos a parte.

A casa era grande, amarela e bonita por fora, de madeira e com um jardim mal cuidado. Não havia nenhuma cerca separando a propriedade da casa de Elisa. Ela viu um celeiro grande ao longe, isso despertou alguma curiosidade. Estava velho e maltratado, fora que Brigith sentia algo esquisito vindo de lá. Como se fosse um cheiro desagradável forte.Deixou isso pra depois e seguiu Elisa, que deu alguns toques na porta de madeira chamando pelo tal veterinário. Pelos diversos barulhos na porta antes que ela se abrisse, Brigith notou que tinha milhares de trancas. Comparado com a madeira que travava a porta da outra casa... Ela não sabia o que achar daquilo. O homem apareceu diante das duas, cabelos castanhos escuros e curtos, camiseta branca social e um jeans surrado. Com aqueles óculos então... Parecia um cientista, não um veterinário.

-Ah, Elisa. Posso ajudar em algo? – A voz dele parecia assustada, paranóica.

-É só pra avisar o senhor que o cavalo de anteontem não resistiu.

-Isso está se tornando um problema mesmo hein.

-Pois é, meu pai acha que deve ser algum vizinho fazendo aquilo. Uma brincadeira de mau gosto. Já que os cavalos nem são dele direito...

-Matando cavalos dos outros? É de muito mau gosto mesmo. Devem odiar seu pai se forem eles. –
Brigith interrompeu o dialogo dos dois, tinha ficado quieta por tempo demais. Não agüentava tanto. – Brigith Velmont, senhor... Roberto?

-Isso. – Ele a cumprimentou, pareceu assustado ao ouvir aquele nome e voltou-se pra Elisa rapidamente depois do cumprimento. Isso chamou a atenção da morena. Será que aquele cara conhecia os Velmont? – Amiga sua Elisa?

-É, ela veio de longe e caiu aqui na fazenda sem querer. – A loira deu um riso e olhou dele para Brigith e repetiu o gesto – É só isso que o pai queria avisar, a gente ainda tá tentando descobrir o que tá acontecendo.

-Tudo bem, qualquer coisa é só me chamar. Não querem entrar pra comer ou tomar algo? – A pergunta do homem foi por educação, ele fez uma cara esquisita com a resposta.

-Sim, acho que vou aceitar. – A inconveniência veio de Brigith, a outra garota já estava pronta pra recusar, só que a morena foi mais rápida. Não estava com fome, bem pelo contrario, estava satisfeita com aquele almoço. Ela só queria dar uma olhada na casa dele.

-Ok, e-entrem! – Ele sorriu surpreso com aquilo, foi pra dentro e abriu mais a porta pra elas. Elisa ficou de boca aberta, e Bri passou por ela, mostrando a língua para a garota.

Elisa não se recusou a entrar, apenas ficou tímida dentro de uma casa tão diferente da sua. O tal doutor Roberto tinha dinheiro mesmo. Mas nada que fosse impressionar uma milionária como Brigith, tudo era arrumado com exceção de papeis e louça, ele morava sozinho pelo visto. Nada de decoração na casa, aquilo era muito sem sal para o gosto das duas garotas. Pudera, a casa de um homem solteiro... O que iria ter pra decorar? Dvds pornográficos? Ele pediu pra elas esperarem na sala e não repararem na bagunça, mas Brigith reparou. Sofazinhos de couro azul marinho, revistas sobre animais numa mesinha de vidro no centro do cômodo, estantes com CDs de musica country. Tudo estava empoeirado se olhado com atenção, ele não parecia ser dos mais asseados, mas com certeza era um amante de animais (Havia fotos e várias coisas relacionadas a bichos na casa). Ele foi pra cozinha e voltou com alguns daqueles cookies e leite, então se sentou em uma poltrona semelhante aos sofás, de frente pras duas garotas. Elisa não tardou pra começar a comer, Brigith pegou um dos cookies e começou seu interrogatório.

-O doutor não é casado?

-Sou divorciado, vim pro campo por causa da movimentação da cidade. Precisava de um pouco de paz, você deve entender. – Ele sorria, mas Bri achava que ele escondia umas coisas.

-Sim, a vida na cidade é muito cheia de responsabilidades mesmo. Mas você devia ser um veterinário de sucesso né? Pra ter uma casa dessas. – Brigith deu uma mordida no cookie pra fingir estar comendo, queria saber mais um pouco.

-Bem, digamos que eu fui empregado pelas pessoas certas. – O cara riu sem graça.

-O doutor tem muitas ligações, assim que ele voltar vai me levar junto. – Quem disse isso animada foi Elisa, por aquele ângulo Brigith podia achar que o veterinário queria se aproveitar da ingenuidade da garota. Mas por algum motivo a morena achava que ele não seria capaz.

-Vou sim, sua amiga é uma menina muito carismática Srta. Velmont, ela seria uma excelente atriz ou algo do ramo. – Elisa ficou encabulada com as palavras, Brigith riu por dentro.

-Sim, ela é um amor mesmo. – Piscou pra garota que ficou corada – Mas me diz, Roberto, você chegou a trabalhar pra uma família de nome “Archer” que está na Espanha? – Bri não gostava do nome dele, soava... Feio. Queria ir direto ao ponto, e o homem se entregou.

-Ah... Archer... Sim sim... São de origem inglesa, muito ricos. – Ele se enrolou todo, com certeza aquele cara não era totalmente normal. Foi o que a morena quis saber.

-Ahn... Bri, acho que a gente já incomodou demais o doutor, vamos?

-Sim, você tem razão. –
Brigith sorriu, sinceramente ela achava que Elisa não tinha futuro algum na cidade, a menos que fosse mais esperta do que aparentava. Atriz? Aquilo era um elogio... Mas a loira não precisava saber da verdadeira opinião dela – Até breve, doutor.

Foram guiadas até a porta, Brigith estava muito satisfeita. Só precisava falar com Louis agora pra ver se ele sabia desse homem e queria mandar alguma mensagem pra Ophelia, mas onde diabos ela ia conseguir sinal pro celular ou internet no meio daquele fim de mundo?
“No alto dos morros acho que tem sinal...”
Pediu pra Elisa guiá-la, depois que apanhasse o laptop na Hummer, era bom que os assuntos com Louis já seriam resolvidos também. Elas andaram bem até chegar lá e ver Louis na companhia do velho, tentando medir os danos feitos na caminhonete.

-Ora ora... As duas belezinhas ao mesmo tempo. – Louis não segurava palavras, o velho não gostou, Elisa corou e desviou o olhar, já Brigith não gostou disso e puxou o infeliz pelo braço o levando pra longe dos dois.

-Tem um ex subordinado da sua família aqui, um tal de doutor Roberto. E provavelmente ele está ligado com os ataques que estão ocorrendo com os cavalos. Diz que é veterinário.

-Roberto... Hmm... – Louis coçou o queixo – Não me lembro bem do nome. Mas lembro que a família faz alguns experimentos com animais. Daí alguns se disfarçavam como veterinários.

-Acha que ele pode estar usando outro nome?

-Bem, eu poderia pesquisar. Mas é difícil nesse buraco, o carro já era. Vou ter que ligar pro pessoal trazer outro. E um dinheiro praquele gordo, não agüento mais ele me cobrar por ter dormido da porcaria do colchão fedido dele.

-Me dá o número, eu vou pra um lugar que tenha sinal daqui a pouco, daí já mando algo pros seus empregados.

Louis entregou o seu celular pra ela e apontou o nome de uma tal “Carmen”, disse que era só mencionar o nome dele e falar do que seria necessário levar pra lá. Brigith concordou e eles acabaram voltando pra casa (Brigith pegou o laptop na hummer e o levou junto com sua mochila, claro), porém algo que ela não esperava era que a outra garota tentasse puxar papo com Louis, e o velho não gostou nada. Pegou Elisa pelo braço, como se estivesse bravo por ver as reações dela quando olhava pra Louis e por perceber que o tratante lançava olhares suspeitos pra ela. O culpado foi atrás dos dois e desejou boa sorte pra Bri na sua ligação, com um sorriso na cara. A morena até iria tentar usar seu charme pra tirar Elisa das mãos do velhote, mas uma vozinha tímida acabou a fazendo perder a oportunidade e deixar os outros três se afastarem rapidamente.

-Moça... Se quiser eu posso te levar lá, acho que o pai não vai deixar ela ficar perto de vocês mais. – Era o moleque que estava espionando. Brigith olhou pra ele “de cima”.

-Hmm... – Encarou o menino como se ele fosse a pessoa mais suja dali, mas se decidiu rápido – Estou te devendo uma. Então vou deixar você provar que é um pirralho descente.

Aquilo não foi nada simpático, mas o bobo sorriu de orelha a orelha. Disse algo como “Não vou decepcionar a moça.” O jeito enrolado dele provava que ele não sabia bem o idioma que a morena usava, seguiram caminho. O garoto não falou nada durante o percurso, parecia totalmente desconcertado junto com Brigith. Não era de se estranhar, um menino da idade dele com certeza já estaria curioso e atraído por “certas coisas” e o que tinha ali naquela fazenda de sexo feminino além da família e éguas?
Ela já havia visto isso em alguns tipos de literatura, paixões só por ver uma menina bonita. Seria bem cabível pra alguém que nunca tinha conhecido mulheres jovens e belas além da própria irmã, e como Elisa mesma disse, ele até espionava familiares no banho... Mesmo que não fossem de sangue, era taradice.Subiram bastante um tipo de “morro” que eles mencionaram. Lá no alto havia uma árvore grande com um balanço velho de madeira pendurado num dos galhos, campos verdes uma paisagem bonita. Dava pra se ver as montanhas, florestas e a fazenda toda, assim como outra fazenda que deveria ser a dos vizinhos. Dali Brigith até gostava do lugar, o ar puro, a natureza. Sentou-se naquele balanço e tirou o laptop da mochila, posicionando-o sobre os joelhos. O menino ficou calado, não entendia nada do que ela estava fazendo. Primeiro ela mandou um e-mail pra Ophelia, avisando que estava bem apesar dos imprevistos. Não esperava uma resposta rápida, por isso pediu para a baixinha ligá-la dali a um dia. Devia ser o suficiente pra sair dali e estar num lugar que tivesse sinal pro celular.
Depois da mensagem quilométrica, alias no meio dela, ouviu-se o pai do garoto berrando de lá de baixo, até ecoava. Ele perguntou timidamente se Brigith conseguiria voltar sozinha e ela respondeu que sim, não era nenhuma idiota. O menino abaixou a cabeça e disse um “já vou” saindo de lá sem olhar pra ela.
A morena suspirou... Não tinha um mau coração apesar de tudo, se levantou e caminhou até aquele pirralho. Estava o maltratando demais.

-Ei... – Ele virou-se e foi surpreendido, a garota deu um beijo doce em seu rosto. E ele ficou ali mudo, colocando a mão no lugar que foi beijado, olhando pro sorriso dela – Obrigada.

-P-por na-nada moça!

-Qual seu nome pivete?

-J-julian, moça. A-até logo! –
Ele sorriu e saiu correndo, acenando pra Brigith.

Com certeza ele tinha ganhado o dia. A garota detestava moleques tarados, pobreza e gente que cheirava estrume, mas bem no fundo era mole. O garoto não tinha feito nada de demais, só visto ela seminua. Assim como Joh tinha visto quando eles se tornaram amigos... Sentiu saudade daquele idiota. Tinha sido dura demais com ele antes, mas só ia perdoá-lo depois que soubesse que ele se desculpou com Ophelia. Ela quis ter um amigo pra conversar naquela hora e ele era o único que ela tinha. De braços cruzados ela passou com os olhos pelas redondezas e viu algo interessante, bem ao longe o carro do doutor Roberto tinha saído de casa. De certo estava indo pra cidade fazer algo, o mais engraçado é que ela viu o homenzinho passar quatro correntes naquele celeiro que ela tinha visto antes de sair.
O que ele guardava de tão valioso lá pra não deixar ninguém entrar? Ou será que escondia algo perigoso... Ela decidiu checar, mas ia ligar pra “Carmen” primeiro e garantir sua saída daquele lugar. Ligou pelo celular de Louis mesmo, ela demorou, mas atendeu.

-Olá garotão, sentindo minha falta é? – Brigith quase riu, seria uma amante daquele cara ou algo do gênero? Não dava pra negar que a voz dela e o sotaque espanhol eram sexies.

-Não é o “garotão”, mas ele tá sentindo falta sim.

-Oh, não me diga que é mais uma das namoradas dele. – Ela ouviu risos.

-Eu tenho senso do ridículo. – Bri retrucou cinicamente, como se soubesse que a mulher iria se sentir ofendida com isso. Mas ela riu mais ainda.

-Então você é Brigith Velmont. Ouvi falar da senhorita.

-Por ele? –
A morena se interessou – Espero que tenha sido pouco detalhista.

-Mimada, espertinha, agressiva e “caliente”! – mais risos – Louis gostou de você.

-Pena que não posso dizer o mesmo dele. Você deve ter muita paciência ou gostar de homens metidos a galã. – Ela acompanhou os risos um pouco.

-Acho que ambos querida, ele esqueceu de dizer que você é amável! Mas vamos deixar essa conversa pra depois, precisa de mim?

-É, o débil mental acabou batendo o carro e vamos precisar de condução, estamos no meio do nada. Consegue pegar as minhas coordenadas?

-Já peguei, doçura. Perto de uma fazenda ahn? –
Aquilo foi rápido... Então essa era a família Archer. Galanteadores por fora, gênios ligeiros e surpreendentes por dentro.

-Sim, eu não preciso de algo imediato. Digamos que quero resolver um pequeno caso que eu arrumei aqui, então você pode mandar um helicóptero amanhã e uma quantia de dinheiro com uns três zeros, é pra pagar uma divida que fizemos.

-Às ordens princesinha. Só isso?

-Por enquanto, até.

-Beijos.

Brigith desligou e anotou o telefone daquela mulher no seu próprio celular. Tinha se interessado um pouco. Se Louis pelo menos fosse discreto... Ia ter o mesmo charme que aquela espanhola. Como será que ela era?Pela voz... Com certeza era bonita. A Black Rose não escolhia mulheres que não eram. Bem, talvez poucas. Mas aquela parecia ser outra interessante. Decidiu descer e ir bisbilhotar a casa do doutorzinho logo, o sol estava se pondo. E a morena tinha quase certeza que era ele quem estava por trás dos ataques.
A descida foi rápida, ela tinha ido direto pra casa do homem. Encarou aquele celeiro desde que o avistou até perdê-lo de vista. A porta da casa estava trancada, mas bastou dar um volta em torno dela pra achar uma janela que o cara esqueceu aberta. Era bem estabanado pra um ex-funcionário da Black Rose. O problema era que todos os ex-funcionários da seita eram caçados e a maioria estava morta. Colocou a mochila nas costas, tirou as botas e pulou pra dentro. Caminhou pela casa sem rumo até que avistou algo interessante... Um telefone. Vai ver ele tinha uma linha telefônica especial, a garota se aproximou olhando em volta e percebeu mensagens na caixa eletrônica do aparelho. Apertou o botão pra ouvir sem apagá-las.

“Hola Roberto no tiene La fuente que ha pedido. Tendrá que conseguir en La ciudad.”
Essa ela não entendeu bem, ficou com mão no queixo ouvindo o resto.

“Usted necesita tomar un vistazo a mi perro para mí. Cuando se libre?”
Nada fora do comum ainda.

“Te dije para matarlos! Si alguien descubre algo es El final Roberto! Llámame.”
Esse a interessou, era o que ela queria ouvir. Matar... Mandavam-no matar algo ou alguém para que não descobrissem algo.

Mas o que? O que diabos esse homem estava escondendo? Antes de dar uma olhada no lugar mais obvio e suspeito, ela subiu as escadas pra olhar lá em cima. Era uma casa bem normal, um escritório, mini-biblioteca que nunca chegaria aos pés da que tinha na mansão dos Velmont e dois quartos com suíte. Um estava desocupado, já o outro era o dele. Cheirava produtos de limpeza baratos, até que era organizado pra alguém como ele, era estranho alguém chegado a animais não ter nenhum. Entrou na suíte e viu um chuveiro... O doutor devia ter tomado banho há pouco, estava todo bagunçado. Ele não notaria uma bagunça a mais.Bri colocou a mochila em cima do vaso sanitário e tirou as roupas sem hesitar, deixou a porta aberta pra ouvir alguma possível movimentação na casa e ligou o chuveiro entrando ali debaixo, por sorte tinha seu próprio sabonete na bolsa e cremes pra cabelo, não ia precisar daquele cheio de pentelhos do veterinário. Era nojento só de ver.Demorou bastante, a sensação de água quente escorrendo pelo corpo era ótima depois de um dia todo na roça, depois do banho ela se enxugou também com a própria toalha e saiu do banheiro enrolada nela. Passeou pelo quarto do homem, fuçou gavetas e viu pouca coisa interessante, como ela pensou, viu alguns papéis relacionados a experimentos biológicos como Louis havia dito que os Archer faziam (e com certeza uns DVDS pornôs). Não restavam duvidas, aquele cara tinha pelo menos o mínimo de culpa no que estava ocorrendo naquele lugar. Brigith pegou sua câmera digital e tirou algumas fotos dos papeis, partes que denunciavam tudo, e aproveitando o embalo tirou algumas de si mesma. Ela achava que ficou bem de toalha e cabelo molhado perambulando pela casa de um estranho. Era melhor partir pro interessante logo, surrupiou uma lanterna da gaveta, vestiu-se com uma blusa de mangas longas preta (estava frio ainda) e uma calça jeans, colocou a mochila nas costas de novo e voltou por aonde veio. Já de botas calçadas ela foi em direção do celeiro, o sol já tinha sumido, a luminosidade estava escassa demais pra ajudar na sua busca lá dentro. Por isso a lanterna.

Brigith não conseguiu abrir a porta principal de forma alguma então teve que rodear o local pra procurar outro jeito de entrar. E acabou achando.Uma madeira solta, daria pra alguém pequeno movê-la e entrar, era o suficiente pra ela. O chão dali não estava tão sujo, então ela nem hesitou, deixou a mochila escondida ali do lado e pegou apenas a câmera digital e o celular e enfiou nos bolsos, colocou a lanterna boca e engatinhou pela passagem. Era quase impossível de se ver algo ali, mas fedia... Fedia demais. O próprio ar ficava pesado por causa daquele cheiro horrível. E o solo que parecia terra molhada ajudava muito pouco a melhorar.Acendeu a lanterna e começou a caminhar por lá, não demorou nada, ela achou algo. Um frio atravessou a espinha da garota e ela quase se arrependeu de entrar lá, era algo grande que ela não sabia mais dizer o que era. Cheio de sangue, dilacerado, algo devia estar se alimentando daquilo de pouco em pouco. Ela deduziu pelos cascos e pelo que ouviu, aquilo seria um cavalo. A garota ficou quieta e levou uma mão a boca, não tinha ficado com enjôo nem nada por causa daquela cena brutal, apenas tinha tomado um susto leve. Por instinto ela apanhou a primeira coisa que viu, era um tipo de foice curta e curvada pra cortar mato ou qualquer dessas coisas. Decidiu caminhar mais um pouco, iluminando com a lanterna. Haviam ossos ali, de cavalo... Se fosse mesmo um lobisomem o tal doutorzinho, ele tinha fome duas vezes maior do que ela imaginou. E aquela seria uma historia pra se contar... Caminhando em meio aquela escuridão e cheiro pesado de carniça, ela notou uma movimentação, parecia ser outro cavalo arrebentado, mas esse estava vivo. Ela se aproximou cautelosamente até chegar a um metro de distancia daquilo, porém ela demorou demais pra notar, era peludo demais pra ser um cavalo, e era cinza...

Ela só ouviu um rosnar assustador vindo daquela coisa que se ergueu penosamente do chão, o doutor não tinha colocado tantas correntes pra impedir alguém de entrar. Tinha colocado pra impedir algo de sair.Brigith sentiu seu coração lhe saltar a garganta, com a lanterna ela notou que era um cão enorme, do tamanho de um cavalo. Parecia mais um lobo por causa da pelagem, mas o focinho era curto demais pra ser. Aquilo não ficou de pé, era um quadrúpede como qualquer canino normal. Mas se fosse mesmo um lobisomem como disse Elisa, ela estava ferrada agora, não havia nada de prata ali além da corrente da sua jóia. Recuou, os batimentos aumentavam cada vez mais, combinados com um frio maldito no estomago. Ela não podia morrer, não agora. Tinha prometido que ficaria bem pra Ophelia, nem tinha tido seu encontro com a líder ainda... Não havia encontrado o que ela procurava...
Colocou a lanterna na boca de novo, ficando de lado praquilo, lembrou do Kendô e segurou a foice com as duas mãos.
O cão tentou abocanhá-la pela primeira vez, porém estava lento demais por causa dos ferimentos, era aquilo que Louis havia acertado na estrada e devia estar com os ossos destruídos. A morena se afastou num salto, mas o animal avançou contra ela de uma forma rápida. A mordida teria acertado em cheio o torso da garota se ela não tivesse balançado a foice em cheio contra o pescoço dele. Brigith acertou, era mais ágil que o cão naquele estado ela viu o sangue jorrar e ouviu os ganidos monstruosos dele, porém era diferente do que ela pensou. A garota não teve forças pra segurar a foice depois daquele golpe e perdeu ela na escuridão, o cão não caiu, ficou bem mais agressivo e a acertou com o corpo arremessando a garota no chão. Ergueu-se e correu o mais rápido que pôde pra perto de algumas ferramentas de campo que a luz da lanterna iluminou um pouco antes de sair da boca dela e rolar pra longe, conseguiu agarrar algo. Aquilo correu no encalço dela e saltou, porém Brigith se jogou no chão e ergueu o que tinha pegado na direção do animal que ela quase não enxergava. Ouviu a ferramenta (que tinha cabo de madeira) estalar por completo na sua mão e cravar-se na terra ao lado do busto dela por causa do peso. Tinha acertado mais uma vez em cheio a garganta do animal, Bri pode calcular graças aos olhos dele que era a única coisa que ela viu na hora. O tridente tinha atravessado o pescoço do animal por completo varando do outro lado e quebrando lá dentro. Os ganidos soaram engasgados e a morena sentiu sangue quente cair sobre ela, rolou pro lado e saiu de perto da criatura. Até que ouviu um baque, havia caído no chão. Ela apanhou um facão que estava no meio daquelas ferramentas que viu num suporte, por precaução, e voltou a apanhar a lanterna. Quando o iluminou, já tinha dado suas ultimas golfadas de sangue, estava morto. Não era um lobisomem... Apenas um cachorro raivoso grande demais. A morena se sentia um lixo, estava com nojo demais do seu estado e sentiu até o estomago embrulhar. Aquele liquido quente e de cheiro forte tinha encharcado a roupa dela.

-Vira-lata estúpido! Eu tinha acabado de tomar banho sabia? – Foi seu grito de vitória pra tentar se auto-acalmar. Chutou o animal no chão, sem reação.

Passou a mão pela blusa pra tirar os excessos de sangue, não tinha se ferido, estava apenas com as costas doloridas, cansada e fedendo. Ficou retomando o fôlego, porém ouviu algo bufando cada vez mais rápido e não era ela... Tinha cantado vitória cedo demais, no susto ela iluminou na direção de onde o ruído vinha. E enxergou o que temia... Um outro cão imenso preto (lembrava um rottweiler) saltando na sua direção, porém esse estava inteiro, ela não tinha chances. Só sentiu o impacto daquela pata gigante acertar seu peito e prensá-la no chão, perdeu todo ar, o facão e a lanterna foram pra longe. Ela tentou em vão tirar a pata de cima de si, mas era pesada demais. O cão rosnou e latiu contra a cabeça dela, alguma baba atingiu o rosto da garota indefesa. Ia acabar assim?
Porém antes de sentir uma mordida lhe esmagar o crânio, a morena ouviu um assovio agudo ao longe e o cão parou de rosnar e latir desviando o olhar pra outro lugar. Bri ficou muda, o peso que ele estava colocando sobre ela estava esmagando suas costelas.Por sorte, o cão a abandonou acabada no chão e saiu em direção do assovio. A garota ficou no chão gemendo de dor até parar de ouvir aquele caminhar pesado, levantou com dificuldade e pegou a lanterna com sua arma improvisada rumando pra saída o mais rápido que conseguiu. Passou por aquela madeira, apanhou a mochila, jogou nas costas e tentou correr. Tropeçava varias vezes nos próprios pés até normalizar seus movimentos, retomando o ar. Já tinha escurecido, Bri parou em frente da casa de Elisa minutos depois, bufando. Já estava tudo fechado, ela bateu na porta dizendo um “sou eu” sem fôlego. E quem abriu a porta foi Marianne, a mulher derrubou a madeira que segurava (a que travava a porta) no chão quando viu Brigith nesse estado.

-Meu santo deus! O que houve com você menina?

-Eu descobri o que está matando seus cavalos do pior modo. – Nessa hora ela entrou sem se importar se ia sujar o chão, Louis, Elisa e o velho apareceram logo depois, estavam jantando.

Todos ficaram boquiabertos ao ver a garota daquele jeito. Elisa ia dizer algo, mas o bigodudo foi mais rápido. Brigith notou que ele estava com um ferimento feio no braço, um pano estava amarrado ali pra estancar sangue:

-Foi os desgraçados dos vizinhos que fizeram isso? Eu sabia! Filhos de uma cabra maldita!

-Não... Foi algo maior, Elisa... Você estava meio certa. – Morena parecia muito desagradada com a sua atual situação, quem não ficaria?

-Meu deus! U-um lobisomem?! Isso existe mesmo ?!

-Eu vou contar, mas primeiro preciso de um banho...

-Vem, eu te ajudo. – Elisa pegou ela pela mão e a levou pro banheiro que ficava escondido naquele primeiro andar.

Era pequeno, e a água vinha de um cano que devia dar em um rio, fria... Brigith suspirou, estava odiando aquilo. O cheiro, a sensação insuportável de sujeira. Se livrou da blusa e da calça, o resto estava menos sujo. Elisa gritou para a mãe esquentar alguma água, seria terrível tomar banho frio naquele clima. A loira disse pra ela esperar e saiu do banheiro, a deixando sentada num banquinho de madeira que estava por lá. Ia ser tranqüilo agora, se não fosse aquela sensação repentina. A morena sentiu seus pulmões esquentarem e as tosses vieram, junto com elas, sangue. Ficou mirando as próprias mãos tremulas, tinha que ser da pancada... Era da pancada.Ficou repetindo isso mentalmente inúmeras vezes até que cerrou os punhos e socou a parede, olhando pros próprios pés pálidos no chão.Não era... Ela sabia muito bem que não era.
Elisa e Marianne entraram, carregando dois baldes de água quente cada. A mulher se adiantou dizendo que ia procurar por algum machucado, mas Brigith recusou. Era visível algum desanimo na voz dela.
“Eu estou bem, Marianne... Poderia deixar só a Elisa aqui me ajudando?”
A velha cedeu sem saber o que falar, olhou pra filha e saiu deixando ambas a sós. E Brigith não hesitou, se despiu na frente da outra garota sem cerimônias e puxou um balde pra perto, enchendo as mãos de água e jogando contra o rosto, era o fim ter que tomar banho assim. Mas isso não ia a afetar agora, ela já tinha se deprimido o suficiente. Elisa hesitou um pouco a tocá-la, mas começou a lavar-lhe as costas. Tinha mãos macias, Brigith suspirou.

-Como ele era? – Perguntou a loira.

-Preto, grande e fedorento. O que foi no braço do seu pai?

-Quando você saiu ele arrumou briga com os vizinhos, acabou levando uma facada. Mas o Louis cuidou de tudo, ele bateu nos dois, desarmado. Ele é... Incrível.

-Ah é? –
Ótimo, ela estava encantada mesmo por ele. Não importava se fosse casado – Vou colocar ele pra lutar contra aquela merda que me atacou e ver se o heroísmo dele dura. E seu irmão? Eu não vi ele lá.

-Meu pai deu uma surra nele por ficar invadindo a casa do doutor, daí ele sumiu logo depois que teve a briga dizendo que ia buscar alguma coisa pra se vingar dos vizinhos. Fico preocupada, talvez ele tenha ido esperar eles voltarem da pesca na estradinha, se tentar algo sozinho ele vai apanhar e como se não fosse demais, ainda tem o bicho que tentou te comer.

Brigith ficou em silêncio, tinha que falar com aquele metido a herói, fitou o seu reflexo na água e perdeu-se em pensamentos, sentindo as mãos da outra garota lhe esfregarem as costas. Podia até se dizer reconfortada com aquilo, pareciam caricias, massagem. Naquele momento ela quis tomar aquelas mãos delicadas da amiga pra si.Elisa notou que ela estava inquieta e questionou:

-Aconteceu algo Brigith? Você parece triste.

-Você já chegou a odiar algo físico em si mesma? Tipo o seu corpo?

-Bem... Eu não sei, acho que não. Mas você também não tem motivos, você tem um corpo lindo! Se é que posso dizer... – Ela ficou encabulada, a morena se aproveitaria desse comentário se estivesse no seu humor normal. Mas não era o caso.

-É... Eu tenho...

Elisa se manteve falante e ela em silêncio, não prestava muita atenção no que a garota dizia, seus pensamentos estavam distantes. Perdidos.Depois daquele banho esquisito ela se enxugou e trocou mais uma vez de roupa, aquela outra estava acabada. Nunca mais ia usar aquilo. Escolheu outra calça e uma blusa de frio pretas, com aquele seu casaco vermelho de antes. Quando saiu o velho e sua esposa estavam discutindo alto sobre algo que ela nem quis saber, deixou Elisa pra trás e procurou Louis. Ele estava sentado folgadamente na sala a encarando como se quisesse rir.Brigith sentou do lado dele e murmurou baixo:

-São cachorros gigantes... Lembra de alguma coisa que sua família fez relacionado a isso?

-Acho que sim, não to lembrado ao certo.

-E você se chama de atual líder dos Archer... – Ela encarou o rapaz com desaprovação – Eu tenho certeza que o doutorzinho está por trás disso. Além de esconder aquelas coisas no celeiro da própria casa, achei papeis provando que ele teve envolvimento em experiências da sua família e ainda ouvi uma mensagem dizendo pra ele matar algo antes que alguém descobrisse. Não duvido que ele solte aquela coisa pra vir devorar a gente aqui quando ver o cinzinha morto no celeiro.

-Quantos cães ele tem afinal? Agora que você mencionou eu lembro de rumores sobre uma falha na segurança dos laboratórios certa vez... Eles estavam desenvolvendo algo como um chip pra controlar animais modificados geneticamente.

-Eram dois. E se for mesmo... Acho que encontramos os seus animais modificados. Afim de esperar o outro vir pegar a gente pra acabar com isso de uma vez?

-Nenhum pouco. Você sabe das regras... Só existe um modo de sair da Black Rose e é morto. Eu vou ter que ir atrás do doutor pra esclarecer umas coisas antes que ele fuja.

-Isso que eu chamo de um “chefe de família” resolver os problemas de perto. Estou preocupada com aquele pirralho. –
Louis a olhou com espanto, não esperava ouvir essa – Que foi? É só um moleque... Seria besteira deixar ele morrer.

-Eu sei, mas jurava que você era do tipo que apoiava sacrifício humano. Você vem comigo?

A morena acenou com a cabeça positivamente e ambos se levantaram, Louis pediu uma rifle pro velho. O cara hesitou um pouco, mas olhou pra mulher mandando ela ir pegar aos berros, ela voltou correndo com a arma e munição. O líder dos Archer parecia saber atirar muito bem, então Bri se sentia um pouco segura... Apenas um pouco.

-Onde vocês vão? – Elisa pareceu aflita com isso.

-Caçar, senhorita. – E o galanteador sorriu pra ela, carregando o rifle e o colocando no ombro.

Brigith e Louis saíram da casa ouvindo aquela madeira travar a porta nas costas deles, o jovem pegou a pistola que guardava e jogou pra garota que a apanhou no ar. Estava se sentindo num filme de ação... Fazia tempo que não passava por coisas do gênero. Começaram a andar, na direção da casa do doutor.

-Algum plano, gênio?

-Entramos lá, pegamos o infeliz, o fazemos falar e depois o expulsamos da seita a La Anita Sullivan. Ah sim, enterramos no fim. – Ele estava confiante.

A morena pensou se seria mesmo necessário matá-lo, Roberto não parecia ser má pessoa. Mas assim eram as regras, ela tinha decido segui-las há tempos.Andaram um pouco e encontraram o moleque, Julian, vindo correndo pela estradinha. Avistaram o garoto e Louis gritou pra ele se aproximar, foi o que ele fez.

-O que houve ninõ?

-O lobisomem! Pegou os vizinhos! – Ele parecia até contente com isso. – Eu vim correndo.

-Vai pra casa pirralho. – Quem disse foi Brigith – Seus pais tão preocupados.

-Mas e você moça?

-Eu coloco ele na frente caso aquilo tente me morder de novo.

O garoto sorriu hesitante e correu pra casa, o casal prosseguiu pra onde estava indo. Louis comentou que aquele garoto era esquisito e que ia ficar trancado umas dez horas no banheiro por causa da morena. Ela riu baixo, não era hora praqueles comentários, já estavam cara a cara com a casa do homem. O carro estava lá e a porta do celeiro estava completamente aberta. Brigith deixou a pistola preparada pra qualquer movimentação que notasse e Louis avançou direto pra casa, acertou uma pesada na porta, e algumas outras até que ela se destrancasse bruscamente. Entraram e acharam o cara bem rápido, ele parecia estar um tanto bêbado, com uma garrafa de vodka na mão sentado na cozinha. Não se surpreendeu nenhum pouco com a entrada repentina dos dois. Pelo contrario, sabia que eles viriam.

-Ah! Então os cães dos Archer vieram. Vocês soltaram ele não é? Vocês mataram o outro!

-Não cara... Sinta-se honrado, eu sou o próprio cabeça dos Archer. – Louis sorriu e voltou a colocar a rifle nos ombros – O que diabos ta havendo aqui?

-Ele mantinha os cães presos... Agora um deles escapou e quanto ao outro, ele me atacou mais cedo e eu tive que me defender. – A morena o encarou de braços cruzados.

-Então foi você! Era só um animal como outro qualquer!! Por que vocês sempre tratam animais como meros experimentos sem importância??

-Sem essa de moralismo. Você tava sabendo que essas coisas estavam matando os cavalos, não pode vir me dizer pra me importar com os bichinhos. Por um lado eu fiz até um bem, mas tem outra daquela coisa solta por ai! E pode acabar matando a Elisa por exemplo.

-Eu tentei! Juro que tentei manter eles presos e sob controle, até comprava montanhas de ração pra não acontecer isso. Mas alguém ia lá e soltava os dois toda noite, não sei como ou por onde! Só sei que o desgraçado descobriu como controlar eles e agora acabou assim! –
O homem falava gritando, parecia que ia chorar de tanto que engasgava. Ele não tinha como culpar a morena.

-Alguém? Os vizinhos? – Louis estava indiferente e relaxado.

-Não, idiota... Julian, o pirralho. Isso é obvio, Elisa me disse que ele invadia essa casa, deve ter descoberto de alguma forma e passado a controlar os cães... Foi ele quem mandou aquilo atacar os vizinhos que brigaram com o pai dele.

-Essa história é meio ridícula mesmo...

Nessa hora os três tomaram um susto, ouviram um arranhar ruidoso em uma das janelas, ela quase se quebrou. Foi o suficiente pra ver a aquele focinho enorme cheio de sangue farejando a casa e soltando um latido. Brigith instintivamente ergueu a pistola naquela direção e se pôs atrás de Louis, que mirou pra janela. O doutor se levantou e perguntou o que eles iam fazer, gaguejando.

-Louis... Não tem outro jeito, aproveita que aquilo ta na sua mira agora. Atira logo. Se ele der a volta e ver a porta aberta nós estamos mortos... Anda!

-Não precisa nem me dizer madame. – Ele mirou pra janela e apertou o gatilho, porem Roberto gritou e se jogou contra Louis, tirando ele do foco. Aquele ganido ensurdecedor deixou claro que tinha acertado e o cão provavelmente correu pra longe dali.

Louis acertou o “veterinário” com o cotovelo e o arremessou no chão, correndo pra porta pra não perder aquele cachorro enorme de vista. Roberto ia ir atrás dele, mas a morena ergueu a pistola pra cara do imbecil.

-Você fica quietinho ai. Já causou problemas demais.

-Não vai atirar em mim, você não consegue! É só uma menininha.

Ele riu e Brigith riu junto por um tempinho, porém os risos cessaram depois do barulho do disparo. Ela acertou um vaso do lado da cabeça dele e o encarou com seriedade, algo que fez o homem se calar e permanecer boquiaberto.

-Tenta a sorte querido.

-E-ele... Ele não precisa morrer. – Dessa vez ele parecia mesmo um verme, a expressão dele dava dó – Eu trouxe os dois pro campo justamente pra que eles vivessem em paz...

-Por que todo esse drama? São só cachorros.

-Diz isso porque você não viu eles crescerem! Não acompanhou eles desde filhotes, enquanto todos os outros morriam por causa daquela porcaria de experimento os dois sobreviveram! E quando eles viram que funcionou, mandaram matar ambos pra não correrem riscos! Você não entenderia... Pra vocês eu sou só um idiota mole que acabou ferrando a própria vida pra proteger um par de animais.

- Eu até entendo que existam pessoas amem animais a esse ponto ridículo, mas... Não tem outro jeito, se ele ficar vivo vai matar mais alguém.

-É... –
Ele se recompôs – O que é anormal não tem mesmo direito de estar nesse mundo...

Nessa hora foi Brigith quem ficou sem ter o que falar. Se fosse mesmo verdade... Se nada anormal pudesse viver no mundo... A morena sentiu um aperto no peito, ela entendeu o que ele quis dizer. Mesmo que não compreendesse os sentimentos dele para com aqueles cães monstruosos, conseguiu entender o que era querer achar um lugar no mundo pra alguém “anormal”, alguém que era privado de viver como as outras pessoas.Aquilo lhe soou terrivelmente familiar. E doloroso.

-Vamos atrás do Louis... Tem uma forma de parar aquilo sem matá-lo?

-S-sim! – Ele se impressionou com o que ouviu – Ele tem um tipo de microchip na cabeça, se você assoviar aquilo reconhece o som e o cão automaticamente vai ficar dócil e esperar por alguma ordem simples, como “Ataque” ou “Sente-se”.

Foi como o outro homem falou, um chip. Ela não quis ouvir mais nada, apenas saiu correndo na direção que Louis foi. O doutor a seguiu, quase caindo por não conseguir acompanhar a garota. Não demoraram muito pra achar ele, mas foi um erro correr daquele jeito. Louis tinha avistado o animal e estava com ele na mira, no meio do mato alto, mas a correria dos dois fez o cachorro perceber a presença de todos ali. Ele rosnou e Louis atirou, teria acertado o olho se a garota não tivesse empurrado as mãos dele. O tiro acertou no peito, perto do pescoço do animal que ganiu e correu pra longe, porém o doutor assoviou alto e aquilo realmente fez o monstro parar. A morena disse pra Louis esperar, ele não entendeu, porém obedeceu sem abaixar o rifle.
Roberto caminhou a frente deles, o cão tinha se virado e estava bufando de língua de fora, coberto de sangue. Louis não quis acreditar quando viu o doutorzinho fazer aquela cena estúpida e avançar na direção daquela coisa falando:

-Calma... Ninguém vai te machucar mais.

-O que diabo ele ta fazendo? – Encarou Brigith.

-O chip... É controlado por um assovio. Se ele estiver certo o cachorro não vai fazer nada.

Foi irônico demais o que houve a seguir, ele se aproximou do cachorro e estendeu a mão na direção dele para tocar o focinho do monstro, porem antes que ele conseguisse o animal se movimentou tão rápido que o casal nem pode ver quando foi que ele abocanhou a cabeça e o torso do veterinário e o chacoalhou com força como se fosse um brinquedo. O homem nem conseguiu gritar, Louis gritou um palavrão e mandou a garota atirar enquanto ele recarregava a rifle que era um tanto antiga e dava um tiro por vez. Ela ergueu a arma, viu o tronco do homem sendo dilacerado, os ossos dele quebrando na boca do animal, mas não conseguiu atirar. Simplesmente não podia...
Louis disparou a rifle de novo, contra o pescoço daquele cão enorme, ele soltou o veterinário na hora. Mesmo que fosse tarde demais pra ele. Tomou a pistola da mão de Brigith, largou a rifle no chão e começou a atirar, segurando ela pelo braço e a jogando rumo à casa de Elisa que estava bem próxima.

-Corre lesada! Rápido!

A morena nem questionou, aquilo não tinha caído mesmo com três tiros de rifle e com o homem descarregando uma Beretta nele. Brigith correu, e pra sua surpresa, o cão correu e derrubou Louis indo na direção dela. A garota juntou todo seu fôlego e pratica pra correr o mais rápido que pode, viu Marianne abrir a porta da casa assustada, mas foi pouco depois que ela viu aquilo. A mulher começou a berrar apressando Brigith, gritou pro marido lá dentro trazer a arma, mas a morena se manteve focada na sua corrida. Ela precisava... Se não chegasse lá seria o fim, não podia olhar pra trás. Sentia várias coisas lhe acertando as pernas, aquele barulho aterrorizante de rosnar que o animal fazia atrás dela, e as patadas no chão, cada vez mais próximas. Ela não conseguiria correr mais rápido que aquela besta nem em um milhão de anos... Era tarde demais, as coisas ficaram lentas.
O velho do bigode saiu na porta com o outro rifle, ela ouviu a mulher gritar, o cão saltou, ela ouviu um disparo e um ganido, se jogou pro lado. Aquilo caiu em cima das pernas da garota mesmo assim, Brigith começou a chutá-lo como podia, mas estranhamente ele se mexeu de forma lenta no chão sem se levantar. Tentou até abocanhá-la, mas em vão, não conseguia se mexer mais. A morena saiu de baixo dele e se afastou, Louis tinha acertado ele com a rifle mais uma vez. Mas no topo do crânio, tinha sido fatal não importava o tamanho dele.O do bigode correu pra fora e deu outro tiro pra garantir, e mais outros dois diretamente na cabeça. Louis nem ligou, sabia que tinha acabado mesmo... Foi até a morena e colocou uma mão no ombro dela, estava sem fôlego, suas pernas quase quebraram, tremia por completo.

-Saciou a vontade de ser perseguida por um predador? – Ele riu sarcástico.

-Vai se ferrar... Até um cachorro geneticamente modificado e louco não quer colocar a boca na sua carne, de tão baixa qualidade que ela tem. – Estava com as mãos nos joelhos, retomando o fôlego e olhando pra baixo.

-Pelo visto o assovio não funcionou.

-Por sua culpa! O primeiro tiro que acertou na fuça dele deve ter ferrado o tal chip.

-Provavelmente. Mas veja pelo lado bom, não vamos precisar dar cabo do doutorzinho. –
Louis continuou a rir, e aquela família ficou encarando os dois horrorizados.

O velho olhou Louis com outros olhos, parecia ter gostado de ver o tiro dele. Marianne tinha pegado a cabeça de Julian e socado contra o peito pra impedi-lo de ver, já Elisa... Ela estava muda, perguntando quem eram aqueles dois afinal.

-Nós vamos dormir na casa do doutor que está desocupada agora. – Ele sorriu.

E de fato dormiram, Brigith tomou outro banho e jogou fora sua antepenúltima troca de roupa também. Ia precisar fazer compras em breve.Dormiu num dos quartos de hospedes enquanto Louis ficou no quarto de Roberto, Elisa tinha ficado pasma com a morte do doutor. Colocaram o corpo dele ao lado do cachorro morto, iam ser tomadas providencias amanhã. Bri não conseguiu dormir aquela madrugada toda. Mesmo que aquela cama azul fosse confortável e limpa. Ela não conseguiu parar de pensar.As palavras de Roberto ficavam incomodas na sua cabeça: “O que é anormal não tem mesmo direito de estar nesse mundo.” Ele tinha sido morto pelo que tinha tentado defender... Coisas anormais eram assim?
Sem sentimentos? Por serem diferentes eles deviam odiar tudo que fosse normal.
E isso... Pensar que ela odiava Brigith por ser anormal.Pensar que aquela garotinha que era a pessoa mais importante pra ela a odiava...
Era tão egoísta, tão perfeita e arrogante. Esbanjava isso sem pensar no que a menina pensava, no quanto ela devia se magoar com aquilo.
“Se eu pudesse... Eu trocaria de lugar com você...”
Foi o que ela disse entre soluços, com a cara enterrada no travesseiro.
Por aquela madrugada ela se odiou, se viu como a pessoa mais baixa naquele mundo.
A manhã chegou e ela ouviu o helicóptero que tinha pedido ainda cedo, pensou que só chegaria a tarde. Conseguiu dormir duas horas depois disso, quando finalmente foi acordada por Louis. Ele parecia diferente do habitual, com alguma seriedade no rosto.

-Se eu não te conhecesse diria que chorou a noite toda.

-Já vamos? – Ela não tinha chorado, mas sua expressão estava horrível e seus olhos avermelhados. Louis a observou levantar da cama e esfregar a vista pra ver se parava de coçar.
O momento depressivo tinha passado.

-Exagerou ao pedir um helicóptero sabia?

-Dane-se... Acho que a gente não dá a sorte de bater num pombo mutante agora.

-Sobre a nina, vou oferecer emprego pra ela na cidade. E adivinha, ela quer me ver antes de eu ir e a sós. – Agora ele tinha voltado ao normal.

-Não envolva ela com a sua família. Não quero mais um caso igual a esse, e vê se proíbe esses tipos de experimentos... Animais tem mais direito de viver que humanos.

-Se te deixa feliz, linda... Quem fazia isso era meu velho. Eu prefiro insetos a animais, já a loira, eu vou colocar ela num lugar sem risco.

-Assim espero, vou me despedir e ir direto pro helicóptero. Não demora.

E ela foi. Todos estavam na frente da casa olhando o helicóptero como se nunca tivessem visto um, era de um azul esquisito, o velho rindo estrondosamente com a quantia gorda de dinheiro que tinham lhe pagado, Marianne parecia abalada com tudo que houve, Julian foi o primeiro a chegar perto de Brigith pra se despedir. Elisa o seguiu.

-Nunca mais vamos nos ver moça?

-Acho que não, mas quem sabe... Se cuida pirralho. E vê se para de mexer com coisas que não são da sua conta. – Ele entendeu o que Brigith quis dizer e prometeu pra ela não repetir aquilo, por culpa dele tinha acabado assim. O moleque soube disso.

Depois dele, Brigith apenas acenou pra Marianne e pro bigodudo, olhou pra Elisa e as duas foram pra outro lugar onde pudessem conversar mais a vontade, mais exatamente pra perto daquela plantação de uvas em que elas foram no outro dia. Elisa sentou-se no tronco que ficava ali, Brigith ficou de pé.

-Eu vou me encontrar com o Louis daqui a pouco e... Papai gostou dele, disse que é um homem de verdade depois que viu ele matar aquela coisa.

-Que bom... Ele provavelmente vai agarrar você. Não se importa com a noiva dele?

-Ele me contou a verdade, disse que vocês não tem noivo ou esposa, que são só viajantes que precisavam de um teto. – Ela pareceu admirar isso.

-Bah... E o que vai fazer? – Contar a verdade e omitir alguns fatos... Ela não pensava muito nisso, mentia sem hesitar. Talvez ela tivesse perdido.

-Hm... Se ele me beijar mesmo, eu não... Eu não sei como fazer isso. – Ou não.

-Fecha os olhos. – Elisa não entendeu, mesmo sendo tão obvio. Obedeceu Brigith e fechou os olhos, a morena pegou o celular e colocou pra filmar. Jogou o aparelho na terra macia bem abaixo delas e se aproximou da garota a beijando.

Elisa se assustou no começo, mas depois se rendeu totalmente. Os lábios da loira eram macios e delicados, assim como os de Brigith. Porém a morena sabia conduzir bem aquilo, sabia brincar com lábios de forma que fazia pessoas delirarem e esquecerem-se das coisas ao redor. Foi o que houve ali, a única coisa que Elisa sentia eram os lábios se roçando de forma lenta e envolvente contra os dela. Ficou tomada por aquilo, longos segundos, até que Bri parou.

-É mais ou menos isso. Mas duvido que ele seja melhor que eu, bem, boa sorte.

Ela apanhou o aparelho no chão e parou de filmar, a outra garota nem percebeu. Depois que Elisa disse tudo que tinha pra dizer (na verdade ela ficou sem fala, mas era só aquilo que ela queria dizer e pedir conselhos pra Brigith), as duas voltaram pro helicóptero, onde a morena se despediu dela com um abraço e cochichou no ouvido dela:

-Aquele tarado vai arrumar um emprego pra você na cidade, ok?

A loira de cabelos cacheados não podia ter ficado mais feliz com a notícia. Despediu-se dela como se fossem melhores amigas, com certeza era isso que ela achou. Mas pelo lado de Brigith aquela garota era tão dispensável... A morena entrou no helicóptero com a sua mochila e a largou num canto, perto de si mesma. Cochilou ali naqueles bancos de couro.
Sonhou com Ophelia.
Sonhou com ela sorrindo, não era bem Ophelia, não a que ela estava acostumada a ver, mas ela sabia que era. Aqueles lindos cabelos ruivos encurvados nas pontas, os olhos pálidos...
A pessoa mais importante.
Acordou com o barulho da hélice, estavam levantando vôo. Olhou em volta e viu apenas Louis com um cigarro na boca, não dava pra sentir a fumaça por causa do vento, então ela nem reclamou. Só perguntou de forma sonolenta, quando eles viam tudo ficar pequeno lá em baixo, Louis estava olhando pela janela.

-Se satisfez com ela?

-Não. Achei melhor não iludir a coitada.

-Por quê?

-Porque você ganhou. Eu vi quando vocês foram conversar em particular e sei como você é. – Ele riu e a garota jogou o celular pras mãos dele mandando-o checar os vídeos recentes. Ele assistiu inteiro e soltou um comentário – Caliente heh?

-Só preciso pensar em como ferrar você agora.

Ficaram quietos por um tempo, Brigith pensou em como eles eram... Até que formavam uma dupla boa apesar dela detestar tanto o infeliz. Louis jogou o cigarro pra fora e se apoiou nos joelhos encarando a garota, a cara dele ficou bem pouco distante. Brigith retribuiu o olhar.

-Me diz nina, por que você não atirou naquela coisa?

-... – Ficou uns minutos em silencio, aquela frase de Roberto ecoou novamente pela mente dela, até que falou - Eu quero acreditar que há um lugar nesse mundo pra pessoas que são diferentes das demais... Se eu fizesse isso com um animal, seria a mesma coisa que achar que pessoas anormais também não têm o direito de viver.

-Pessoas anormais, bichos... Se forem aberrações devem morrer, não é o mundo deles esse aqui pirralha. É o nosso, tudo que altera a ordem natural das coisas, que se torna absurdo mesmo explicado pela ciência deve deixar de existir pra não trazer desordem à nossa existência. E sinceramente, aberrações são melhores mortas do que complicando a nossa vida que é “normal” não acha? – Louis riu.

A morena foi rápida, ele nem sentiu quando o tapa o acertou em cheio no rosto, só a sensação de ardor depois. Louis notou a besteira que tinha falado quando viu aquele olhar de ódio aterrador que ela lhe lançava. Aberrações... Aquela garota amava uma aberração, acreditava que um dia daria uma vida normal àquela aberração. Pra ele era inútil, mas pra ela... Aquilo significava tudo. Desde que ele tinha conhecido Brigith Velmont.

-Eu posso não ter tido coragem pra atirar naquela “coisa”, mas juro que se você ousar dizer outra merda dessas na minha cara eu mato você!

Ela se afastou pro outro canto da cabine e se encolheu ali tentando esquecer toda a raiva que sentiu e adormecer. Seria em vão, ela tinha vontade de matar aquele homem ali mesmo. Louis por sua vez sabia a gravidade que aquele comentário teve, decidiu se calar e fumar outro cigarro enquanto esfregava o rosto na parte vermelha que fora atingida pelo tapa.Aquela guria a amava mesmo... A amava mais que tudo.
Era confuso demais pro homem, mas como ela podia amar tanto assim uma menina que tinha simplesmente a adotado e a colocado numa gaiola sem portas como a Black Rose?
Como ela conseguia amar Ophelia Velmont?
Aquela mini aberração vermelha...

“I would kill anyone who tries to harm you…”