terça-feira, 4 de outubro de 2011

Capítulo 10 - Gatos Pretos, Bruxas e Fantasmas

“Gatos pretos, bruxas e fantasmas.
A princesa viu-se cercada por gatos pretos, bruxas e fantasmas. Naquele dia os raios de sol pareciam estar aquecendo a terra fria, trazendo alguma felicidade de volta para as coisas. A princesa se encontrava curiosa, por aquele fantasma de branco do outro dia. E como era uma dessas modernas princesinhas aventureiras, com certeza ela iria se meter em algumas por causa daquilo. Mas claro, o foco principal do dia era seu encontro com a feiticeira branca. Que era talvez a única pessoa que pudesse esclarecer de uma vez o que havia acontecido naquela vila há um longo tempo atrás.
O problema era o segundo, e verdadeiro, príncipe encantado. Ele definitivamente ia ser um pé no saco. Queria meter o nariz onde não devia e iria acabar se queimando por isso. Ela até poderia deixá-lo se ferrar, mas o problema é que ele era tão perfeitinho.
Bem, príncipes encantados não são dos mais espertos. A princesa daria um jeito de proteger e cegar ele. Afinal de contas... Eles só eram uteis mesmo na hora do ‘Felizes pra sempre’.
Ele não podia morrer antes disso.”

Finalmente uma noite de sono ótima.
Brigith tinha se esquecido como era dormir bem, apenas por causa daquela ultima noite. Ela foi acordar somente de tarde, depois do almoço. Ninguém ousou acordá-la (pra sua sorte), talvez por causa das tosses do outro dia. Ou por causa daquela sua “indisposição” causada por Victoria na curiosa boate chamada Blue Moon.
A morena levantou-se, olhou ao redor e viu somente aquele gato preto deitado nas suas pernas. Sadako tinha desaparecido da cama. O que fazer?
Ela optou por ir tomar um banho, comer algo e escovar os dentes. Mas de alguma forma, o gato não a deixava se levantar. Sempre que ela tentava, o animal esticava as patas e o corpo sobre as pernas dela, cravando as unhas no edredon e encarando Brigith friamente.

- Você é bem mimada, não é?

O gato miou baixinho. Como se estivesse respondendo.
Segundo Emily, aquele era o bichinho de estimação de Elisha. Um gato bem bizarro, pra uma cidade bizarra e uma irmã bizarra.
Além de parecer entender o que Brigith falava (devia apenas reagir ao som de vozes), aquele animal era folgado demais. Ficava mendigando carinho sempre que podia e quando se cansava, simplesmente levantava e ia embora. Agora por exemplo, o gato não queria nem pensar em se levantar. E menos ainda deixar Brigith se levantar. Era engraçado.

- Sinto muito, mas tenho coisas pra fazer hoje. Não posso servir de cama o dia inteiro.

Bri se livrou das cobertas e enrolou o gato. Deixando apenas a cabeça dela de fora. Então saiu do quarto, primeiro foi pra cozinha dar um ‘bom dia’ ao menos pra eles. E a cena que viu foi ainda mais engraçada. Estavam todos acabados.

Emily estava com um roupão azul marinho, amassado e meio aberto, seus seios só não eram visíveis por causa da posição em que ela estava deitada. Com o busto, cara e braços jogados por cima da mesa. Podia ouvi-la gemer às vezes.
Josh estava com calças de pano pretas e uma regata branca, estendido pra trás na cadeira, com a nuca no topo do apoio pras costas e os braços caídos sem vida pros lados. Parecia estar morto. Devia ter vomitado tudo que comeu na semana antes de se encontrar desse jeito.
Chisame estava sorridente, com um vestidinho amarelo e avental. Bancando a única alma responsável na casa enquanto preparava algo pra eles comerem.
Sadako não estava ali também.

- Acho que eles não vão conseguir comer. – Comentou.

- Me disseram que coisas salgadas fazem bem pra ressaca.

- Eu creio que beber muita água seja melhor. Mas comer deve ajudar também.

- Vamos descobrir né. – A loira deu um risinho.

- E Sadako? Não viu ela?

- Acho que está no banheiro. Faz horas...

- Deve estar vomitando. Ela não bebeu nunca antes. – Claro que não. Afinal, que tipo de assassina profissional fria e leal a uma seita séria e rígida iria beber?

Brigith sorriu pra Chisame e foi para o banheiro.
A porta estava trancada, então Sadako estava mesmo ali.

- Ei bebunzinha, abra a porta. Vou dar um banho em você pra ver se melhora.

Nada.
Absolutamente nenhuma resposta.
Como diabos ela iria saber se Sadako estava bem se ela não falava?
Achou melhor se apoiar na porta e esperar. Esperou por longos minutos, até que começou a ouvir alguns gemidos bem baixos. Não pareciam gemidos como os de Emily, por estar passando mal, entretanto. Parecia um choro abafado. Imediatamente Brigith voltou pra cozinha e perguntou rápido pra Chisame. Com um tom preocupado:

- Tem como abrir a porta do banheiro por fora? A Sadako não está bem.

- A Emi-sensei consegue abrir ela com chutes, sem arrombar. A fechadura tem defeito acho, é só você bater nela com força e a tranca abre. Pelo menos ela consegue... – Resmungou Chisame, fazendo um beicinho, se recordando de coisas desagradáveis.

Emily nem se manifestou pra impedi-la. Então Brigith se apressou para o banheiro, e usou um daqueles seus chutes técnicos de Tae Kwon Do. E não é que a porta realmente destrancou?
Depois de ouvir o barulho da tranca, ela abriu a porta. E o que ela veria ali mudou completamente o clima daquela manhã tão calma e divertida.
Uma assassina profissional fria e leal a uma seita séria e rígida ahn?
Brigith perdeu a fala na mesma hora que viu aquilo.

Sadako estava ajoelhada no chão, despida e molhada. Já devia ter tomado banho antes de Brigith chegar, apesar de não ter se enxugado direito. Usava apenas vestes intimas de coloração rosada, o que caia bem com aquela sua pele tão pálida, já que a peça de roupa estava molhada também e semitransparente. Seus cabelos tingidos estavam soltos. Chegavam até um pouco abaixo dos ombros e estavam jogados sobre seus pequenos e delicados seios. Mas o que chamou a atenção de Brigith não foi isso.
A garota estava segurando uma adaga e estava se cortando com ela. Seus braços tremiam por completo, ela mordia os lábios de dor e os braços já estavam cheios de marcas disformes. Sem significado algum, os cortes eram apenas longos o suficiente pra causar o máximo de dor que pudessem. O que ela tinha na cabeça?
Brigith precisou ver os dois isqueiros de ferro jogados do lado de Sadako pra entender o que ela fazia e o motivo de não ter muito sangue espalhado no chão.
Ela cortava os braços e queimava as feridas lentamente em seguida. Já tinha feito isso no braço esquerdo inteiro. E agora estava no direito.
Mesmo com a presença da morena no banheiro, ela não parou.
Não iria parar. Ela estava se punindo pela sua falha.

O estomago de Brigith gelou, revirou. Ela fechou a porta e a trancou com rapidez, correndo pra menina e tomando a adaga das mãos dela em seguida. Jogou a arma no chão e apertou a pequena contra si mesma com força.
Sentiu seu corpo inteiro tremer, como se pudesse sentir a dor que Sadako estava causando a si mesma naquele momento. Seus olhos se encheram de lágrimas, como os de Sadako não faziam. Continuavam frios, sem expressão.
Ela até ergueu as duas mão tremulas na direção da lamina novamente, e se debateu sem forças pra tentar se libertar e continuar com aquilo.

- O-o que você tá fazendo... ? – Brigith sussurrou pra ela. Tentando não se alterar. Tudo que ela não precisava era que Chisame ou Emily vissem aquilo. – O que você tem na cabeça sua idiota?

Sadako como de costume não respondeu. Mas Brigith pôde imaginar a feição chorosa no rosto dela, a partir do gemido quase inaudível que a garota produziu. Ela continuava estendendo as mãos pra adaga no chão. Pedindo-a de volta pra continuar.

- Pára! Pára com isso agora, é uma ordem! – Murmurou num tom mais rígido, porém ainda silencioso. Apesar de sua voz estar chorosa e também abafada.

A menina então sossegou, abaixou as mãos para o chão. Ficando em silencio. E com o pouco de sangue no chão, escreveu algo no piso branco. Mais exatamente algo como “Eu não protegi...” o que já era de se esperar. O motivo era óbvio.
Ela tinha falhado em capturar Victoria. Em proteger Brigith de Victoria, se necessário. E o clã Kaori não era de aceitar falhas, claro. Mas aquilo era demais pra Brigith.
Ela não podia assistir ou deixar que Sadako continuasse com aquilo.

-... Buhaoyisi.

Aquilo foi impressionante. Essas palavras tinham saído da boca da própria Sadako. Uma voz fina, delicada, muito baixa e infantil que soou como se ela estivesse chorando. O que significava? Com algum esforço Brigith se recordou brevemente de alguns dicionários básicos de mandarim, “Puraíssa” como era pronunciado, ela estava pedindo desculpas. Estava se sentindo culpada pela sua falha.
Ela tinha sentimentos. Agora a morena tinha certeza disso. Aquela coisinha pequena e letal estava triste, estava se culpando, estava se autoflagelando como punição. Ela sentia. Ela tinha uma alma afinal. A menina cor de rosa tinha falado, finalmente falado. Com aquela voz infantil e baixa e triste, mas tinha falado. E pra ela, especialmente pra ela.
Seu peito inflamou, apertou, e então sentiu lagrimas começarem a lhe escorrer pela face. Não conseguia evitar, não era boa em se reprimir.

- Eu nunca vou te perdoar! – Respondeu ainda bem baixo. Sadako abaixou a cabeça vagarosamente, Brigith sentiu o corpo de ela amolecer. Mas continuou a apertando com força contra si – A menos que você me prometa que nunca mais vai fazer isso.

Sadako ficou daquele jeito por alguns momentos. Mas Brigith insistiu, tentando conter um pouco seu pranto. “Vai me prometer? Palavra de futura líder dos Kaori? Jura por mim e pela sua mãe, e toda Black Rose?” e a menina continuou em silencio, até que hesitantemente acenou com a cabeça, várias vezes.
Brigith acabou por chorar mais um pouco. Porém soltou-a, procurando algum kit medico nas coisas de Emily. Revirou as gavetas que ficavam embaixo daquela pia grande de mármore no banheiro e por sorte achou algumas gazes, algodões, remédios e analgésicos.
Ela não entendia praticamente nada de medicina, mas fez o que pode nos braços de Sadako. E a garota dos cabelos cor-de-rosa ficou a olhar pra ela com uma passividade estranha. Os olhos de Sadako pareciam exibir uma estranha emoção, pela primeira vez.
A garota não acreditava que Brigith estava tendo alguma piedade dela e a tinha feito prometer algo daquele tipo. Brigith por outro lado se esforçava pra conseguir fazer os curativos e enxugar suas lagrimas ao mesmo tempo, depois de ter enxugado e limpado os braços dela com sabão e uma toalhinha de rosto vermelha que estava pendurada ali antes. Sadako ficou olhando pra ela o tempo todo, sem piscar uma única vez. Naquele seu silêncio misterioso, e dessa vez, sereno.
Depois de tê-la enxugado, Brigith limpou o chão. Teve que tirar todos os respingos de sangue que achou e só então se levantou e olhou pra Sadako, que retribuiu o olhar de uma forma triste.

- Não saia daqui. Vou pegar roupas de mangas compridas.

Saiu, foi para o quarto rapidamente depois de fechar a porta atrás de si.
Apanhou algumas roupas discretas pra ela e voltou depressa, trancando a porta de novo. Vestiu Sadako cuidadosamente, lhe penteou os cabelos e prendeu fazendo um rabo de cavalo. Ela tinha ficado estranhamente normal daquele jeito. Sem roupas e penteados chamativos. Parecia uma menina normal.
Mas brigith agora sabia quão quebrada ela era por dentro. O quanto aquela família a destruiu. Não deviam fazer de crianças criaturas sem sentimentos. Ela nunca conseguiria perdoar a Black Rose por isso.
Afinal, nem todas as famílias eram calorosas e tinham princípios como os Velmont.
No momento ela só conseguia tentar reprimir suas lágrimas e a tristeza que sentia por Sadako. E sua falta de poder pra tentar fazer algo no momento.
Mas devia ter algo que Ophelia pudesse fazer.

Depois de recompostas elas voltaram pra cozinha.
Sadako silenciosa como sempre, dela ninguém nunca desconfiaria de nada. Já Brigith ainda parecia levemente abatida por tudo que tinha acontecido. Mas a cena ali continuava a mesma, a diferença básica foi que Emily estava cutucando com o dedo os ovos com bacon e pão que Chisame tinha feito, e Josh passou correndo por elas. Entrando no banheiro.
Brigith imaginou que canadenses gostassem mesmo de bacon.

- Quais os planos pra hoje? – Murmurou Emily, apertando a mão contra a cabeça.

- Fiquei sabendo de uma pessoa importante que vai vir aqui pra perto. Pretendo achá-la.

- Quem?

- Luise... – Droga! Por que diabos ela tinha dito aquele nome? Sim, foi por deslize, mas ela não poderia ter dito. Bri torceu pra que Emily não se alterasse ou não se lembrasse de nenhuma Luise, mas antes de ela abrir a boca pra terminar, a professora disse séria:

- Luise Kayoshi? A mãe da Yuna?

- É... – Brigith quis enfiar a cabeça naquela panela quente que Chisame estava manuseando pra fora do fogão – Vou tentar acha-la, me disseram que ela estaria por perto.

- Brigith... – Emily pareceu melancólica, parou de se mover e seu olhar permaneceu na comida – Eu sei que talvez seja pedir muito, mas se for ver ela eu poderia ir junto?

- Não acho que você está em condições Emily. Por outro lado, eu não vou fazer nada demais. Só vou conversar com ela sobre minha irmã.

- É importante, entenda. Eu... – Ela não conseguiu terminar de falar. Apenas suspirou.

- Por favor, Brigith-san. É muito importante pra Emi-sensei ver essa tal Luise de novo.

Surpreendentemente, Chisame disse aquela ultima frase. Num tom mais sério que o de Emily e mais determinado. Quando olhou pra ela, Brigith se impressionou com a feição daquele seu rostinho de anjo. Seus olhos azuis estavam sérios. De onde será que veio aquele clima todo?
Emily tinha alguma ligação forte com Luise?
Bem, agora que ela já tinha entrado na chuva era impossível não se molhar.
Ia prestar mais atenção na sua boca a partir dali.

- Tudo bem... Eu só vou confirmar se conseguiram encontra-la pra mim.

- Obrigada. – a professora respondeu educadamente, como se fosse outra pessoa. Então olhou pra Chisame de lado. Sorrindo de uma forma sem graça.

Chisame por sua vez, sorriu de volta pra professora.
Brigith também acabou sorrindo, admirando a ligação estranha que aquelas duas tinham. Era algo realmente muito bonito e engraçado.
A cena foi curta, entretanto.
Um pouco depois, Chisame fez uma expressão de dor e soltou um gritinho, jogando a panela para o alto e derrubando comida quente na cozinha inteira.
Brigith e Emily conseguiram ver quando ela deixou a panela se inclinar de uma forma que derrubou um pouco de gordura quente em sua mão. A única que não notou foi a própria Chisame, que estava distraída com aquela cena de carinho e compreensão. Aquilo doeu, sim. Porém era um exagero jogar a panela pra cima daquele jeito.

- Idiota. Você vai limpar tudo, espero que saiba! – Emily falou de um jeito cruel, que fez Chisame fazer uma cara de choro.

- Tá bom. – E foi buscar um pano na área de serviço.

-... Obrigada. – Isso foi quase inaudível. Brigith conseguiu ler os lábios de Emily, quando ela viu Chisame se afastar e soltou um riso bem baixo. Parecia comovida pelo que a loira fez.

Brigith se sentou e decidiu comer alguns dos ovos de Chisame, com pão. Até que era uma mistura boa de manhã. Apesar de ela não costumar comer frituras nesse horário.

Mais tarde ela resolveu tomar um banho, mantendo sempre os olhos em Sadako. E por algum motivo a menina parecia diferente, seguia e olhava Brigith como um cãozinho obediente. Ajudava ela em tudo, desde apanhar guarnapos pra ela limpar seus lábios depois de comer até pegar a toalha e entregar pra ela, dobrada, no banho.
E bem, obviamente Brigith adorou aquilo.
Foi lá pelas uma e pouca da tarde que Sadako veio correndo com o celular dela, esticando sua mãozinha na direção da morena. Era Ophelia. Brigith tinha pedido pra ela ligar quando pudesse, por uma mensagem de texto.
Se trancou no banheiro, impedindo Sadako de ouvir a conversa.

- Pippuria!

- Seja breve minha filha. – Disse ela secamente. Bri sabia que ela não gostava do apelido – Me falta tempo pra discutir sobre teus charminhos.

- Sobre Luise, quando ela vai estar aqui?

- Como lhe disse antes, ela vai ficar por curto tempo. Talvez tu tenhas apenas o dia de hoje para questioná-la. Tem certeza que não quer que eu a avise sobre tua visita? Ela vai lhe receber de braços abertos.

- Não, não. Quero pegá-la de surpresa. – Claro, afinal, seria divertido se Luise a confundisse com Elisha e entregasse que estava escondendo sua irmã em algum lugar – A questão é onde acha-la.

- Presumi que escolheria isso. – Murmurou Ophelia, num tom muito calmo – Então já obti a localização dela para ti. Deve estar chegando a uma de suas lojas, chamada Enchant. Daqui a uns minutos. Se pegar o taxi agora consegue alcancá-la.

- Otimo. Já estou saindo daqui.

- Cuidado com a menina dos Kaori, Brigith.

- Estou conseguindo domesticá-la. Você não acreditaria.

- E de fato não acredito. Apenas tome muito cuidado.

- Sim senhora! – Respondeu com um risinho. – Espero que esteja com saudades.

- Morrendo de saudades. – a vozinha de Ophelia soou terna, mas breve – Tenho que ir agora.

Despediram-se com algumas juras de amor, o de sempre. E Brigith saiu depressa do banheiro. Não tinha tempo pra despistar Emily. Ela precisava ver Luise naquele exato dia, não tinha outra opção. Apressou Emily, dizendo que era agora que iria ver a outra mulher.
Teria que levar Sadako também.
Mas não queria que ela ouvisse sua conversa com Luise. Tinha que pensar imediatamente num jeito de despistá-la quando chegassem lá. Isso não ia ser fácil.
Em poucos minutos a professora estava pronta. Blusa preta decotada e com mangas longas, jeans e tênis. Algo bem básico. Brigith mesma não pretendia trocar de roupas, estava usando uma blusinha branca com saias pretas e botas. O clima estava esquentando, não tinha necessidade pra agasalhos.
Sadako permaneceu vestida de menina normal, como estava.
Sairam apressadas dali, e a morena só parou pra segurar os braços de Josh, dizendo pra ele da forma mais clara que conseguiu:

- Você fica e toma conta da Chisame ok? Volto logo.

Deu um beijo rapido no rosto do rapaz e saiu às pressas, pro carro de Emily. (Claro, ela tinha um belo Jaguar prateado. Algo que Brigith só tinha notado agora.)
Josh ficou ali parado, com um olhar melancolico que a garota falhou em perceber.
Ela sentou ao lado de Emily, no banco do passageiro e Sadako ficou no banco de trás.

- Loja Enchant. Sabe onde é?

- Aham. Fica num shopping aqui perto se não me engano.

Emily parecia bem ansiosa para o seu encontro com Luise Kayoshi, já Brigith estava preocupada com a sua conversa. Ela precisava falar com a tal donzela da rosa branca sobre os Sayonomi. Sua irmã e Kyrie... Era impossivel que ela não soubesse de nada.
Afinal, ela era a maior presença da Black Rose em Sleepy Hill até um tempo atrás. Com certeza se seus pais eram procurados pela Seita, Luise havia escondido ambos ali. Naquela cidade.
O passeio delas demorou um pouco.
Ou pelo menos estava parecendo demorar. Mas não foi dificil identificar o local. Era um Shopping Center bonito, parecia bem movimentado e animado.
Emily estacionou fácil. Roubou uma vaga de alguém que não teve coragem de reclamar. Então caminharam pelo estacionamento até chegarem aos portões automaticos de vidro.
Não foi dificil de achar. Ficava no terceiro piso, uma fachada inconfundivel.
A loja era enorme pra um lugar destinado a artigos esotericos. O nome “Enchant” estava escrito num letreiro prateado, com letras elegantes. E logo ao lado havia uma rosa. Simbolismo óbvio pra quem conhecia a Black Rose.

Era o lugar de venda de produtos esotéricos mais completo que a morena já vira. Aquilo tinha desde livros sobre seitas, bruxaria e rituais a bolas de cristal e jóias místicas. De alguma forma o ambiente não era nada gótico. Pelo contrário. A loja era clara, cheirava incenso e podiam-se ouvir “mensageiros do vento” ecoando pelos fundos do salão.
Estava vazio, semi-fechado. Nada que fosse impedi-la.
Ignorou a placa “Fechado” na vidraça e entrou. Foi abordada no meio da loja por dois homens de terno. Black Rose? Ah sim.

- Brigith Velmont. - Sussurou no ouvido de um deles – Vim falar com Luise. E trouxe uma mulher de fora, podem me ajudar com isso?

Sim, eles estavam ali em ótima hora. A Black Rose sabia como esconder seus assuntos de estranhos, mas a morena queria falar com Luise por ultimo.
Acompanhados pelos seguranças, elas foram até uma discreta varanda que ficava no centro da loja. Um local para leitura talvez. E lá estava ela. A Senhora da Rosa Branca.
Sentada numa cadeira de metal, fina, elegante e com tintura branca. Acompanhada por uma mulher nos seus sessenta anos e por um bule, com algumas xícaras de chá em cima da discreta mesinha branca.
Luise Kayoshi era uma mulher alta, de cabelos dourados. Seus olhos eram azuis, tão puros quanto o azul dos céus. Tinha um corpo não-exageradamente curvilíneo que se encaixava simétricamente com a sua estatura. Parecia o estereotipo de mulher perfeita americana. E provavelmente ela era.
A loira estava trajando um sobretudo branco, combinado com um cachecol xadrez. E por baixo uma camiseta justa azul, com um saião preto.
Brigith queria uma reação de surpresa daquela mulher também, mas esta olhou diretamente para o grupo, com um lindo sorriso, pousando sua xícara na mesa.

- Lady Velmont! Que bom vê-la aqui. – Levantou-se e caminhou para Brigith, a beijando na face – Trouxe a Sadako e a professora também. –Apertou a bochecha de Sadako, que a olhou irritada. E Emily apenas fez um gesto com a mão, recusando o abraço que Luise iria lhe dar.

- Sabia que eu ia vir? – Questionou Brigith.

- Ophelia me avisou.

- Aquela pilantra...

- Querem um gole de chá? –Perguntou a mulher, radiante. Mas todas as três recusaram, já que Sadako estava com algum doce na boca. - Então, primeiro me digam o que querem de mim. Depois preciso conversar a sós com a senhorita Velmont, tudo bem?

“Ophelia é um gênio!”

Sadako e Emily não insistiriam em ficar ali caso Luise solicitasse que elas ficassem de fora daquele papinho particular. E isso não seria tão suspeito.
Ophelia com certeza estava completamente a par da situação, e já teria avisado Luise.
Foi a professora então quem deu os primeiros passos pra frente. Emily parecia desanimada, apesar de que se dava pra notar a ansiedade em seus olhos. A senhora que estava com Luise se ergueu, acenou com a cabeça para elas e se retirou. Deixando a cadeira livre para Emily sentar-se. E ela o fez sem tardar.

- Quer que eu peça para as meninas nos deixarem sozinhas? – Perguntou Luise, com seu tom de voz compreensivo.

- Não é necessário. Não tenho nada tão intimo pra te perguntar de qualquer jeito. – Respondeu a professora seca, claro que Brigith iria odiar a idéia de deixá-las conversarem e não poder ouvir nada.

- Tudo bem. – Sorriu Luise, parecendo se sentir culpada quando olhava para a professora. Estranhamente culpada por algo que ficaria claro provavelmente. – O que quer falar comigo?

- Nada demais... – Suspirou Emily – Eu só queria saber como ela cresceu. Quais eram os sonhos, gostos, hobbies. Coisas que uma mãe deveria saber.

- Oh... Isso. – A loira continuou com seu sorriso melancólico – Yuna era uma menina dócil. Queria apenas fazer as pessoas ao redor felizes como ela pudesse. Sempre foi dedicada à nossa família, gostava de flores, animais, filmes, amigas. Passava horas no computador falando com uma prima de Londres. Ela foi uma criança excelente. Você deve ter reparado na sala de aula, afinal, foi professora dela por uns anos.

- Eu nunca reparei. Ela era prestativa, parecida comigo fisicamente, mas eu nunca fui capaz de reparar que ela estava bem debaixo do meu nariz. – A professora deu um riso triste e baixo – Ela tinha algum namorado?

- Bem... – Luise riu sinceramente, cobrindo os lábios – Ela era apaixonada por alguém sim. Mas não sei se vai lhe agradar saber disso.

- Quero saber de tudo... Não que isso vá mudar algo.

- Elisha. Ela sempre gostou da Elisha Sayonomi. – Brigith arqueou a sobrancelha ao ouvir aquilo. Que mãe liberal a de Yuna, não? – Engraçado, não acha?

- Muito. Não imaginava que ela teria um gosto tão distorcido pra mulheres. – Emily acompanhou os risos de Luise, e Brigith começou a entender a situação. – Ela... Nunca teve curiosidade? Pra saber quem eu era?

- Sempre teve. – Luise abaixou a cabeça diante da professora, de forma submissa. – Eu sei que não mereço o seu perdão pelo que fiz Emily, então não vou pedi-lo. Fui eu quem achou melhor mantê-la afastada da família biológica, mesmo que eu nem tivesse idéia que você a procurasse por tanto tempo. Não tenho palavras pra expressar a angustia que sinto por tê-la afastado de você. Eu realmente sinto muito.

- Corta essa... – A professora fez um estalo com a boca, encarando a outra – Você foi a mãe que eu jamais conseguiria ser pra ela. Garanto que ela foi muito mais feliz com você do que seria comigo. – Como Bri havia suspeitado. Então Emily era a mãe biológica de Yuna.

- Não fale assim. Você é uma pessoa incrível. É mais forte e independente que eu em todos os sentidos, precisa enxergar isso e seguir em frente Emily.

- E quanto à irmã dela? – Murmurou, ignorando os elogios.

- Me tiraram ela ainda quando era bebê. Infelizmente não pude dar um futuro pra ela, faleceu aos doze ou treze anos. – Foi notável a dor na voz da loira. Brigith sabia exatamente o motivo. Uma das gêmeas precisava morrer naquele ritual, Luise se culpava por ter deixado aquilo acontecer até agora. Anita parecia mesmo um monstro quando vista daquele ângulo.

- Entendo. – Emily cerrou os punhos sobre a mesa, olhando para eles com indignação. – Eu precisava saber disso. Precisava olhar na sua cara uma ultima vez. Só assim eu poderia seguir em frente de bem comigo mesma.

- O mundo não é tão cruel Emily. Você precisa ser forte como sempre foi. Não podemos perder tempo com lágrimas ou tristeza.

- E o que você sabe sobre mim? – Sorriu sarcástica, com um olhar distante. – Eu não consigo mais chorar. Eu não sei nem se consigo ser feliz depois que me tiraram tudo que eu tinha tantas vezes. Mas você não está completamente errada, eu estou seguindo em frente. Tenho algo pelo que lutar de novo... Então não me venha com seu positivismo. Eu já não sou mais virgem o suficiente quanto você pra ver flores em tudo, e nem tão imatura pra achar que eu fui abandonada num inferno ou que nada nunca vai melhorar. – A professora sorriu para a dama de branco, mas dessa vez era um sorriso honesto. Daquele seu jeitinho apimentado.

Luise devolveu um sorriso satisfeito para ela, e lhe segurou as mãos com carinho. Olhando para Emily com tanta doçura que elas pareciam irmãs ali, eternamente rivais, mas ligadas por algo terno e incompreensível para quem olhasse.
Não saíram mais palavras de nenhuma das duas, então Emily se afastou, levantando-se e caminhando pra porta. Mas antes disso, Luise se ergueu rapidamente e a segurou pelo ombro, sussurrando algo que Brigith não conseguiu ouvir na orelha da professora.
E Emily fez uma cara de espanto indescritível, ficou encarando Luise até que esta voltou a sentar-se na mesa. Pra depois dar as costas e passar por Brigith rapidamente, murmurando um ríspido e breve:

- Eu preciso fumar. Te espero lá fora.

Foi então que as duas olharam pra Sadako. Hora do tal papo particular, então a garotinha fez um beicinho e saiu andando atrás de Emily. Parecendo resmungar mentalmente.
Brigith deu um riso e foi se sentar. Estava tudo muito interessante até ali, e ela teria conseguido manter sua pose elegante se Luise não tivesse se debruçado sobre a mesa e segurado o rosto da morena rapidamente, o analisando como um pintor compara seu quadro com a modelo que estava pintando, assim que ela terminou de sentar-se. Brigith ficou espantada, fitando a loira sem saber o que falar.

- Deuses... Você é parecida demais com ela! Muito mais que sua irmã. Seus olhos são travessos como os dela, e esse seu jeitinho de moleca é inconfundível.

- Você conheceu minha mãe? – Oras, essa tinha sido mais uma surpresa agradável. Luise conhecia Kyrie, então obviamente a família Sayonomi teve ligações profundas com a Black Rose. Isso era inegável agora.

- Eu amava Kyrie! Tanto eu quanto Anita éramos amigas muito intimas dela. Quando vi Elisha pela primeira vez eu até perdi a fala! Eu não imaginava que vocês eram tão parecidas assim com Kyrie. Isso me deixa emocionada a tal ponto que você nem imaginaria.

- Poderia soltar meu rosto agora? – Riu Brigith, simpática, porém intolerante. As palavras de Luise tinham a irritado um pouco, por algum motivo que ela não reconheceu.

- Oh, me desculpe. – Luise riu, soltando-a e se reposicionando na cadeira.

- Por que você escondeu meu pai e minha irmã de Anita aqui em Sleepy Hill?

- Anita sabe que eles estiveram aqui. Ela veio ver sua irmã pessoalmente, e ficou quase tão surpresa quanto eu.

- Isso explica umas coisas... Mas eu tenho outra perguntinha mais importante. – Dessa vez Bri fez uma feição impassível, afinal, aquilo poderia ser considerado traição à Black Rose – Por que você está escondendo sua filha e minha irmã da Black Rose, Luise?

- Foi Victoria quem as escondeu. – Para a decepção de Brigith, ela nem se alterou. Não pretendia esconder aquilo de Brigith desde que ela tinha entrado na loja. – Eu tenho que admitir que dei uma ajudinha, mas a autora desse capitulo foi a própria Victoria. Se eu soubesse onde minha filha está, eu teria ido vê-la faz meses. Não vejo Yuna há quase um ano, isso acaba com qualquer mãe.

- Anita quer que Yuna volte para os Kayoshi pra evitar escolher outro líder, você sabe. E quanto a minha irmã? Por que ela está viva? Ela deveria ter morrido no ritual.

- Yuna vai voltar quando for seguro. E Elisha... Kyrie a salvou. Kyrie teve a força que eu nunca consegui ter, ela contrariou Anita e os Sullivan até o fim pra proteger as crianças dela. Nunca fomos a favor desse ritual, mas foi inevitável.

- Minha mãe fugiu com a minha irmã pra cá querendo salvar ela de Anita então. Suponho que foi Anita quem mandou matá-la, estou correta? – Sua irritação parecia subir, na medida em que o dialogo prosseguia. Era inacreditável o numero de intrigas por trás daquela história.

- Os Sullivan nunca conseguiram encontrar Kyrie depois que ela fugiu. Só ficou sabendo que os Sayonomi estavam em Sleepy Hill quando Ayako localizou Mark e Elisha na cidade. – Luise tomou fôlego e colocou a mão sobre a de Brigith, calma. – Tem certeza que não quer um pouco de chá? Não é algo pelo qual você deva se sentir injustiçada. Kyrie faleceu por culpa de uma doença, Anita nunca a machucaria.

- Como você pode dizer isso da mulher que sacrificou uma das suas filhas? Você não tem orgulho? – Respondeu irritadiça.

Luise recolheu sua mão, pousando-a sobre o colo. Com uma feição mais uma vez coberta de culpa. Brigith sentiu seu peito apertar, arrependeu-se amargamente de ter tido aquilo. Aquela mulher já havia sofrido demais afinal.

- Me desculpe... Eu não queria ter dito isso. Acho que estou um pouco alterada sim, essa história está me deixando maluca. Poderia me servir um pouco de chá? – Tentou parecer mais calma e compreensiva, sorrindo.

- Não se preocupe Brigith. Eu realmente não tenho muito orgulho me restando. Usei o que me sobrou pra tirar Yuna e Elisha de perto da Black Rose, eu queria que elas vivessem uma vida tranqüila. No momento, com Kasuya caçando Anita e as intrigas que alguns dos clãs vêm causando... Não podemos confiar em ninguém mais além de nós mesmos. – Sorriu ela de volta, mas de um jeito enfraquecido. Enquanto servia o chá para Brigith.

- Intrigas? Fala dos Sullivan? – Respondeu, apanhando a xícara que Luise a ofereceu. Deu uma bicada no chá, mas acabou soltando um “Ai” baixinho. Estava quente demais ainda.

- O clã mais recente. Ophelia não deve ter tido tempo para lhe falar. – Luise assoprou seu chá e deu um gole antes de continuar – Eles se denominam a família Crowley.

- Crowley? De Alesteir Crowley? Isso é serio? – Brigith sentiu seu entusiasmo pelo ocultismo crescer ao ouvir aquele nome.

- Na verdade, são aprendizes de Alesteir. O próprio Crowley não era um membro da Black Rose, juntar-se a seita foi uma escolha dos pupilos dele que mantiveram um tipo de seita menor depois da morte de Edward. Com o fim dos Sayonomi, nós procuramos bruxos “demonologistas” pra preencher o buraco, sabe como é. – Recuperada, Luise deu um risinho – Crowley foi um amigo pessoal da própria Ophelia, a ruiva é bem famosa no submundo do ocultismo. É estranho ela não ter mencionado que os pupilos dele eram interessados na Black Rose e fundaram um clã que carrega o nome de Alesteir há um tempo.

- Aquela pirralha safada! Não acredito que ela ainda faça tantos segredos pra mim! – Bufou ela revoltada, e então tentou beber o chá de novo. Assoprando dessa vez. Era chá preto, estava ótimo. – Então os Sayonomi eram demonologistas? Minha mãe definitivamente não parecia alguém ligava a coisas tão pesadas assim.

- Kyrie era um anjo. – Risos curtos – Ela nunca se interessou por bruxaria ou demônios, muito menos pela Black Rose. E quase arrastou a mim e Anita para o desinteresse pelos nossos clãs, com o espírito de gato dela. Na época nossas famílias todas residiam em Londres. A falta de tempo dos nossos pais fez com que acabássemos estudando sobre magia e tradições no mesmo local. E quando caia a noite, Kyrie aparecia nos nossos quartos pra nos obrigar a ir a algum rock bar dançar, passear em florestas de noite, ou apenas perambular pela cidade. Anita é apaixonada por vinho por culpa da sua mãe, mocinha. – Luise ria deliciosamente contando aquela historia. E Brigith estava interessada. Sua mãe tinha sido uma mulher notável na seita. Influenciado a própria Anita, como Luise dizia. – Era como uma irmã mais velha para nós. Até que ela conheceu Mark, se apaixonou pelo jeitão calado e galanteador dele e começaram a namorar. Contra a vontade da família dela, claro. Anita também nunca gostou de Mark, queria até que matassem ele. Nunca aceitaram Mark. Até que Kyrie ficou grávida, e as coisas saíram de controle...

- Ela não era estéril? As lideres não ficam grávidas, adotam as crianças.

- Esse foi o problema. O caso de Kyrie foi um escândalo, e os pais de Anita, que eram os lideres na época não encararam isso bem. A família tentou proteger Kyrie, mas foi em vão.

Brigith ficou muda por uns momentos.
Sua mãe tinha sido caçada como um tipo de herege. Era o que parecia. E sua família biológica toda dizimada pelos Sullivans, que eram tão tiranos quanto Anita.

- Eu deveria estar ligando pra isso? –Disse pra si mesma. – Eu nem conheci ela, mas me sinto um pouco revoltada agora que você me contou um pouco das coisas.

- Ela é sua mãe Brigith. Não a veja com rancor, porque ela amou você assim como amou sua irmã. E daria a vida por você.

- Então por que ela me abandonou? Por que não me levou junto com eles quando fugiu pra cá? – Era a pergunta que ela queria fazer. A que ela mais fazia questão de uma resposta. A morena apertou os dedos contra a xícara, olhando-a com uma ponta de tristeza.

- Isso eu não sei responder. Talvez seja a hora de você perguntar para Ophelia como você caiu nas mãos do clã Velmont, não acha?

- Isso ajudaria. – A morena riu desanimada – Eu amo Ophelia. Amo ela mais que tudo que eu já amei. E achei que perguntar sobre isso iria abalar esse amor. Eu não precisava de outra família, Ophelia sempre foi a única família que eu quis.

- Pois comece a confiar mais nesse amor senhorita Velmont. – Luise tornou a segurar a mão de Brigith. – Se vocês se amam com tanto fervor, nem o sangue ou a morte podem separar vocês duas. Duvidas menos ainda.

- É. Você tem razão. Eu achei que sentir desinteresse pelos meus pais biológicos fosse o melhor caminho pra continuar vivendo como eu vivia ao lado dos Velmont. Mas foi uma infantilidade idiota, né? – Ela riu baixinho. Sentindo-se aliviada e confortada com a mão macia de Luise acariciando a sua. Aquela mulher conseguia compreender perfeitamente a situação, afinal, ela era uma mãe. Ela também amava Yuna tanto quanto Ophelia amava Brigith.

- Não odeie Anita por isso também. Ela nunca faria mal para Kyrie.

- Minha admiração pela Anita está acabando aos poucos, não vou mentir. Mas ela é nossa líder. E Ophelia disse que apesar de tudo, a Black Rose era um caos total antes de Anita. Foi ela quem parou os conflitos internos e está mantendo as famílias unidas, então por hora eu vou ter que perdoar o que ela fez e acreditar no caminho que ela está traçando, como líder dos Velmont é o que tenho que fazer.

- E é uma excelente e sábia líder Brigith. Ophelia deve se orgulhar de você. – Sorriu calorosamente pra morena – Preciso ir visitá-las em Helsinque. Não vejo Ophelia faz tanto tempo. Chego a ter saudades, embora duvide que ela vá me retribuir.

- Ophelia é uma garota boazinha. Vai te receber bem, apesar do pavil curto dela. Pelo visto criar um filho é fácil, faz sentido porque Ophelia não tentou se livrar de mim ainda. Mas criar dois... – Riu, tentando fazer uma brincadeira pra quebrar o resto do clima melancólico de antes – Vai ver foi por isso que meus pais me abandonaram. Criar duas filhas deve ser um saco.

- Duas? – Bri soube que a brincadeira funcionou quando Luise riu do que ela disse – Na verdade não é bem isso, tem uma coisa que eu não contei. Eram você, Elisha...

Elas teriam continuado o assunto, mas subitamente um som cortou o ar. Abafou as vozes de ambas. E tanto Brigith quanto Luise olharam pra porta de entrada, tentando retomar o fôlego.
Eram tiros. Elas ouviram tiros.
E subitamente aquele mesmo homem de terno que falara com Brigith mais cedo entrou correndo pela porta, estava ensangüentado, bufando. Colocou-se na frente delas, forçando-as a se levantarem.

- Senhora, vocês precisam fugir para o terraço agora! Alguém está tentando entrar, é um ataque de algum aliado do Ishida provavelmente, vão pro terraço, rápido!

Luise fez uma expressão indecifrável, parecia aterrorizada e triste ao mesmo tempo. Tentou segurar o homem e forçá-lo a ir com elas, o homem estava baleado. Havia dois buracos naquele terninho dele. Era incrível ainda estar de pé.
Brigith gritou pelo nome de Luise, e por fim ambas correram para os fundos. Luise ajudou o seu guarda costas a se locomover até lá, subiram as escadas discretas da loja, que tinha uma saída para o topo do shopping. A morena manteve a mente vazia.
Não iria pensar no que diabos estava acontecendo, ela precisava sobreviver. Sair de lá viva, como tinha feito nas suas ultimas aventuras. Ela não ia morrer.
Na frente, ela abriu a porta rapidamente e a manteve aberta para Luise e o homem, correram para o centro do amplo terraço do shopping. Parecia um estacionamento, com grades protetoras, completamente vazio a primeira vista.

- Já acionamos um helicóptero senhora! Ele vai vir tirá-las daqui, vai ficar tudo bem.

- Tente não falar. – Disse Luise coberta de preocupação pelo seu subordinado, mas mesmo assim sorrindo. – Vai ficar tudo bem sim, não se esforce demais.

Brigith parou para olhar ao redor. Acalmou-se por alguns segundos, o que durou muito pouco. Tinha alguém esperando que elas tentassem fugir por ali. E ela só notou o homem saindo de onde estava escondido quando o guarda costas de Luise a puxou pelo braço e a jogou no chão. A arma do assassino estava silenciada, ela só conseguiu ouvir o tiro que era dirigido a ela zumbindo pela sua orelha. Tinha passado perto demais.
A garota caiu no chão, sentiu seus antebraços ralarem no terreno áspero, se cortaram levemente. E o mais rápido que pôde, Brigith se ergueu de novo. Apenas pra ouvir mais três zumbidos daquele, e um grito de Luise que tentou correr em sua direção. Quando seus olhos focaram o guarda costas dos Kayoshi, já era tarde. Aquele homem ferido não teve chance nenhuma de atirar. Ele caiu. Foi atingido por três disparos certeiros, caiu ao lado de Brigith, na mesma hora em que ela pôs-se de pé.
A adrenalina tomou seu corpo por completo quando viu o assassino erguer a pistola na sua direção dessa vez. Ela não sabia esquivar de balas e ele era um profissional. Ela precisava de um milagre ali.

“Você vai errar! Você vai errar! Você vai errar!”
Sim. Um milagre. Era a única coisa que podia salvá-la agora.
Um milagre... Ou um sacrifício.

O que ela sentiu se chocar contra seu corpo não foi uma bala. Foi o corpo de Luise, que a arremessou no chão novamente. Aquela mulher era mais forte que parecia. Muito mais. As duas caíram no chão como duas folhas de arvore secas. Gritaram juntas, ouviram novamente aquele zumbido sádico rasgar pelos seus ouvidos.
A morena não conseguiu sentir mais nada além de uma ânsia. Olhou pra cima, Luise estava imóvel em cima dela, e o atirador recarregando a pistola.
O pânico da morena aumentou ainda mais quando notou que Luise estava sangrando. Quando viu o homem se aproximar das duas que estavam inofensivas no chão.
Bri chacoalhou Luise, suas palavras ficaram enroscadas em sua garganta. Ela não conseguiu falar nada. Não conseguiu soltar um único grito a partir dali.

“Não! Não! Não! Não! Não! Não!
Você não pode morrer! Você vai ver sua filha de novo! E um dia eu, Ophelia, você e Yuna vamos todas tomar chá juntas na nossa mansão em Helsinque! Como mães e filhas que se amam de verdade! Sua filha precisa de você assim como eu preciso da Ophelia, não ouse morrer agora sua desgraçada, não faça isso com a Yuna! Não ouse fazer isso com a sua filha!”

Era tarde.
Ela ouviu um “clique” o assassino estava diante dela. Olhando pra ela no chão. Usava um casaco de um vermelho rubro. Luvas pretas, óculos escuros e um boné. Brigith conseguiu ver alguns vestígios de cabelo louro por baixo de tal boné.
E para sua surpresa, ele falou. Sadicamente, com sua voz insípida:

- Quero ver quem vai te salvar uma terceira vez menininha. – O maldito riu. Como ele podia rir depois de ter atirado contra duas lideres da Black Rose? – Não é nada pessoal. Mas sua família precisa cair. Até algum dia.

Bem, o que Brigith poderia achar? Que ele queria matá-la com estilo.
Sua arma ergueu-se na direção da cabeça de Brigith. O que infernos ela poderia achar daquilo no fim das contas? Falta de profissionalismo.
Foi isso que ela achou mais tarde. Esse tempo que ele usou para falar e caminhar até ela calmamente foi o suficiente pra um zumbido ainda mais mortal cruzar o ar.
Ele tinha sido atingido com uma faca na garganta. Em cheio.
A lamina veio fulminante da porta de saída para o terraço. E junto com a lâmina, Kaori Sadako. Que correu para o homem, que golfava sangue, tentando disparar sua arma de fogo em vão. E então o atingiu mais uma vez com outra lamina no pescoço, o derrubando no chão.
Dessa vez Sadako tinha a protegido.
Mas na mente da morena, isso não importava mais.
E quanto à Luise?

Brigith tirou a loira de cima de si, colocou-a no chão. E viu Emily vir correndo pelas escadas, completamente aflita. “Liga pra uma ambulância agora!” foi a recepção que Bri conseguiu dar para a professora, que se ajoelhou do lado de Luise e passou as mãos pelos cabelos, como se aquilo fosse amenizar o desespero que as duas sentiam.
Sadako começou a andar ao redor, pra se certificar que não havia mais ninguém ali. E Emily num salto apanhou o celular e discou pro hospital. O mais rápido que pôde.
Enquanto Brigith viu-se fadada a segurar a mão de Luise, com força. Não conseguindo conter as lagrimas que começaram a lhe verter pelos olhos. Ela não podia morrer ali, não podia.

- Aguenta firme. Vai ficar tudo bem, eu prometo. Você vai sair dessa, vai ver a Yuna de novo.

Mas Luise sorriu. Com sangue escorrendo pelos seus lábios maduros, sorriu.
Ergueu a outra mão para a morena, mais exatamente três dedos se ergueram. Brigith segurou a outra mão dela também, sem saber o que dizer.
Olhou para a loira. Um tiro perto do pescoço e outro no peito, o terceiro não tinha a atingido.
Tentou fazer algo, estancar o sangramento enquanto ouvia Emily falar palavrões desesperadamente no celular, pra tentar acelerar as coisas.
Mas Luise... Ela estava calma.
Seu sorriso simples e bonito não tinha se apagado em momento algum. Ela balançou a cabeça negativamente, ordedando que Brigith parasse de se preocupar. Erguendo a mão num ultimo esforço, pra acariciar a face da garota. E ela não parou de chorar. Não parou de chorar um único segundo.
Ela não podia morrer. Não podia deixar Yuna órfã.
Brigith entendia perfeitamente o que aquela menina iria sentir.
E ela segurou a mão de Luise contra seu rosto.
Até o maldito helicóptero chegar e levá-las pro hospital.

Já estava escuro. As horas que ela passou no corredor sombrio daquele lugar pareciam eternas. Cheirava remédio, e as janelas eram enormes, rodeadas por uma parede branca limpida. A visão era privilegiada, dava pra se ver o pátio quase todo. O básico era que aquele lugar era sombrio. Brigith não se deu ao trabalho de notar mais que aquilo.
Estava ao lado de Emily, sentada em um dos corredores. Numa cadeirinha de plástico que era grudada na parede. Finalmente tinha conseguido conter seu pranto.
Sadako continuava ali, com seu olhar vazio.
Mas estava de pé, parecia bem atenta aos corredores. Talvez o hospital deixasse até ela paranóica, crianças costumavam ter medo de fantasmas.

- Você acha que ela vai ficar bem? – Perguntou Emily, ainda abalada.

- Sim... Ela vai. Tem que ficar. – Positivismo era a chave. Bri precisava acreditar com todas as forças que a loira iria sair daquela viva. – Daqui a pouco eles vão nos dar a noticia que ela vai ficar bem, só vai precisar de repouso.

Emily sorriu de fraco, mas sorriu.
Foi então que eles ouviram passos pelos corredores, e sem muita demora avistaram um grupo de homens se aproximando da sala onde Luise estava sendo mantida.
Aparentemente eram mais membros da família da Rosa Branca. Todos de terno, parecendo mafiosos. Brigith julgou que seriam dos Kayoshi pelo homem que estava liderando o grupo, era um loiro alto, provavelmente com muitos músculos desenvolvidos por baixo dos seus trajes brancos. Usava óculos de grau e sapatos pretos, seus olhos eram azuis e sérios.
O que acabou completamente com o clima de segurança que eles traziam era notar que Vincent Sullivan acompanhava o grupo. Com suas roupas sociais, sua aura cigana e cabelos negros se movimentando em suas costas.
Brigith não soube como se portar quando ele estava já bem perto, apenas levantou-se e imediatamente sentiu aquele homem de oculos segurar sua mão.

- Lady Velmont, correto? Sou Nicolas Kayoshi, segurança chefe do clã. Gostaria que você me acompanhasse num almoço ou jantar amanhã, para falarmos sobre o ocorrido, seria possível?

- Ah, claro... – Disse desanimada, ele ia direto ao ponto pelo visto. – Eu não pude fazer nada. Ela se jogou na minha frente no ultimo segundo.

- Não se preocupe milady, não foi culpa sua. Só gostaria de ouvir o depoimento de você e dessa senhorita que a acompanha. Ela é membra da família?

- Não. Ela é “de fora”. – Respondeu sem ligar muito. Emily não era da Black Rose. Era a única totalmente ignorante da gravidade do que estava ocorrendo ali. Mas Brigith não ligou.

Aquela altura a professora provavelmente acabaria metida no meio de fogo cruzado novamente. E Brigith estava começando a achar que seria forçada a colocá-la na família Velmont também. O tal Nicolas entendeu o trocadilho “de fora”, e foi cumprimentar a professora. Que pareceu interessada nele, apesar da situação.

- Eu só estava lá por acaso. – Disse Emily, apertando a mão dele – Não era nem para estar no local, sinceramente... O nome é Emily Locke.

-Seria mais agradável tê-la conhecido em outra situação, Emily. – Retrucou ele. – Mas agradeço pelo seu apoio.

A professora, por sua vez não respondeu. Deu um sorriso sem graça e tornou a sentar-se, gesto que Brigith imitou, encarando Vincent, que apenas deu um sorriso satisfeito.

- Não se sinta obrigada a ficar aqui Lady Velmont. Deve estar cansada, agora a nossa senhora está em segurança. Dou minha palavra que nenhuma mal vá ocorrer a ela. E vamos disponibilizar homens para a sua própria segurança também.

- Você estava na cidade... ? Vincent não me contou. – A morena permaneceu com seu olhar em Vincent, que ajeitou seus negros cabelos com a mão. Parecia estar zombando dela com os olhos verdes, aquilo lhe dava arrepios.

- Não estava. Vim o mais rápido que pude, assim que me informaram do atentado.

Repentinamente a porta dupla daquela sala abriu-se, e um dos médicos saiu. Todos ali o encararam cheios de expectativas, menos Vincent.

- Ela está melhor. Vai sobreviver. Se quiserem, podem ir embora e voltarem para visitas amanhã quando ela estiver consciente. – Disse o tal medico, num tom morbidamente calmo. O que tinha de errado com o povo de Sleepy Hill afinal?

- Graças a Deus... – Comentou Emily, desabando em cima do próprio colo. Dando um riso curto e sinceramente aliviado.

- Iremos ficar. E você, por favor, vá descansar Lady Velmont. – Respondeu Nicolas, firme. Olhando para Brigith.

Ela acenou com a cabeça e levantou-se. Não iria ser de ajuda alguma ficar ali. Ela precisava voltar pra casa, pediria pra lhe informarem quando Luise saísse do hospital. Já era um alivio tremendo saber que a loira estava bem, que ia sair viva daquela.

- Então, com a licença de vocês, Sr.Nicolas e Vincent... Peço que me liguem, quando Luise sair daqui e para me dar noticias, ok? – sorriu falsa e acenou mais uma vez com a cabeça, se retirando pelos corredores. Sem antes lançar um olhar para Emily e Sadako.

- Tenha belos sonhos Brigith. – Foram as únicas palavras de Vincent.

Emily se despediu com um beijo no rosto de cada um dos homens (deviam ser uns seis no total), ela devia estar incrivelmente feliz por ter recebido uma noticia boa naquela situação. E as três se retiraram. Brigith só achou estranho nenhum deles ter se manifestado para com Sadako. Apenas no final a garota conseguiu notar um olhar fixo de Nicolas e Vincent na garota cor-de-rosa. E para sua supresa, Sadako devolveu uma olhada fria e estranhamente firme para este último, Vincent Sullivan.

Voltaram para o carro da professora, e foram para casa em silencio. Emily até tentou puxar algum assunto, mas Brigith deu poucas respostas. Tinha algo ali que ela não tinha engolido completamente. Estava abatida ainda, apesar de tudo ter acabado bem.

Quando chegaram, foram recebidos por Chisame, que estava visivelmente preocupada, pegou Bri pelas mãos e disse agitada, para as três:

- Nossa! Por que demoraram tanto?

- Assaltaram a loja em que estávamos. – Respondeu Brigith rapidamente. – Não se preocupe, estamos bem e não levaram nada.

Emily nem questionou o que Bri tinha dito, talvez ela estivesse evitando tocar nesse assunto na frente de Chisame também. A professora não era burra, com certeza ela viria perguntar milhares de coisas quando o calor das coisas abaixasse.
A primeira coisa que lhe veio à cabeça foi tomar um banho. Emily a encorajou quando olhou pra ela com um sorriso singelo e falou:

- Eu preciso beber. Você e esse monstrinho fiquem a vontade, amanhã conversamos melhor.

Emily viu que Sadako matou alguns homens com facilidade. Com certeza viu. Era inevitável agora, ela estava envolvida com a Black Rose quase que completamente. Aquilo não iria acabar bem, não tinha como Emily sair como uma civil neutra disso, aos olhos de Brigith.
Mas por enquanto era melhor esquecer, ela levou Sadako para o banho. Precisavam mesmo de um descanso. Ah se precisavam...

Josh não tinha dito nada, apenas ficou olhando para as duas pegando suas roupas e entrando no banheiro. Naquele seu desanimo. Brigith chegou a olhar para ele preocupada, tentando entender porque ele parecia tão quieto ultimamente. Mas desistiu de falar qualquer coisa, apenas deu uma piscadela.
Tratou de se despir e entrar na banheira dessa vez, depois de preparada. Sadako fez o mesmo, sentando-se no colo de Brigith, que começou a lhe esfregar as costas e lavar-lhe os cabelos. No meio do banho ela murmurou baixinho, no ouvido da garota. Não ia conseguir dormir com aquela duvida, era melhor perguntar.

- Esses caras... Eles vieram pra me matar, não é? Não estavam querendo você e nem a Luise, mas queriam a mim. Estou certa?

Um momento de silencio se prolongou por segundos intermináveis, mas Sadako balançou a cabeça positivamente. Confirmado o que Brigith temia. E antes que a garotinha pudesse escrever algo com o dedo nos azuleijos molhados pela umidade do ar, Bri sussurrou mais uma vez ao pé do seu ouvido, abraçando-a contra si:

- Bem... Então eu tenho sorte de ter você me protegendo. Obrigada por ter me salvado.

E beijou o topo da cabeça da menina, que deu um risinho animado. Estava feliz como um cachorrinho que faz o truque certo e ganha um prêmio. Brigith tinha certeza que estava conquistando aquela menina. Podia sentir isso. Ter Kaori Sadako em suas mãos seria muito útil, principalmente se alguém ali estivesse planejando tirar ela de cena.
Não era algo em que ela queria pensar no momento. Quis apenas relaxar, por longas horas dentro daquela banheira.

Quando saiu, já era madrugada. Uma da manhã talvez.
Ela e Sadako caminharam para o quarto, de pijamas. Mas algo deteve Brigith. Era Emily, que estava olhando pela janela da cozinha. Intrigada.
Fez Sadako ir pra cama, e foi ela mesma checar o que estava acontecendo.

- Emily? – Perguntou dócil.

- Tem um carro lá fora com dois homens de terno dentro... Brigith, esses caras são os mesmos do hospital não é?

- Sim... Eles vão proteger a casa, se por acaso o atentado de hoje tiver sido contra mim. – Disse hesitante – Olhe, se preferir, eu posso achar um hotel pra ficar. Então você e a Chisame devem estar mais seguras...

- Não... Você vai me dar as explicações depois, mas agora que eu acabei envolvida, quero que você fique. Aquela mulher era a mãe adotiva da minha filha, se minha filha tem a ver com tudo isso, eu vou descobrir. É um problema meu também. – As palavras da professora foram duras, e seu olhar para a morena, severo. Ela sabia que tinha algo maior por trás de tudo isso. – Por hora, é melhor descansarmos. Amanhã você me deve boas explicações.

- Tudo bem. – Bri sabia que ela tinha direito de saber, mas não era tão simples. Um descanso agora seria mais que justo. – Não precisa ter medo. Estamos protegidas.

- E essa é a certeza que me basta por enquanto. Vou lá terminar minha vodka, tomar um banho e dormir também. Não ouse tentar fugir enquanto isso. – Brincou, com um pouco de verdade nas palavras, de qualquer forma.

- Não vou. Obrigada. – Sorriu para a professora.

Despediram-se com um olhar caloroso, e dessa vez Brigith foi verificar Josh na sala. Ele estava sentado no sofá, meio-deitado, assistindo TV. Mas ela sabia que o garoto não estava prestando atenção nenhuma na tela. Ficou parada olhando pra ele, que por sua vez, não olhou pra ela segundo algum. Continuou fingindo assistir TV. Até que Brigith suspirou e deu as costas, indo em direção ao quarto. E teria entrado se não tivesse ouvido a voz dele.

-... Você quase morreu de novo não é?

- Se importa comigo ainda? – Não se virou pra ele.

- Como se você precisasse...

- Está sendo cruel comigo, sabe disso né?

- Não quer dizer que eu não me preocupe. – Cedeu um pouco, apesar dos dois estarem chateados com as atitudes um do outro.

Brigith silenciosamente caminhou até ele, e sentou-se no seu colo. Abraçando o garoto e colocando a cabeça no ombro dele.
Primeiramente, Josh ficou rubro, até um pouco excitado. Mas mesmo assim, o sentimento que veio depois foi um que ele nunca tinha sentido nessas situações: Decepção.
Ele sabia que aquilo era só o jeito de Brigith ser. Ela era quem fazia o papel de amiga cruel, o torturava dessa forma. Sendo tão carinhosa, bela e amável, como uma amiga era.
Não conseguiu retribuir o abraço. Nem mesmo conseguiu ficar sem graça ou excitado por muito tempo. Sentiu-se vazio.

- Por que você faz isso? – Não era pra essa pergunta ter saído.

- Isso o que? – Ela respondeu, satisfeita em sentir conforto naquele abraço.

- Esse ano você está tentando me provocar... Até beijar me beijou. O que eu sou pra você? Um bicho de estimação pra se distrair enquanto não se encontra com o namorado? – E toda magoa dele escapou. Na forma de perguntas.

- Basicamente, sim. – respondeu ela rindo. Estava brincando, obviamente.

- Bem... O bichinho se cansou de ser um bichinho então. – Josh nunca achou que fosse conseguir fazer aquilo, mas viu-se levantar, depois de empurrar Brigith de cima dele sentada no sofá. E foi em direção da cozinha. – Vou beber mais um pouco com a professora... E você tem que descansar.

O garoto se afastou sem olhar pra ela de novo. Seu peito pareceu explodir na hora, sentiu uma vontade terrível de chorar, voltar e pedir desculpas. Mas não o fez. Não podia fazer.
Brigith ficou atônita. Olhou para o rapaz como se fosse um desconhecido.
Aquilo a chocou de um modo tão estranho, que ela não conseguiu sentir mais nada pelo resto da noite. Caminhou pra cama e deitou-se sozinha, em silencio. Nem seus pensamentos ela conseguia ouvir. E adormeceu rápido, sem pensar em nada. Tão vazia quanto ele.

Sua consciência só conseguiu alcançá-la por meio de um sonho. Mais um sonho com Kyrie, mas esse parecia mais real que os outros. No sonho, Kyrie vinha correndo até ela, sorria e segurava-lhe as mãos como Luise e Chisame tinham feito mais cedo, de um jeito preocupado. Dizendo com sua voz esperta:

“Às vezes as coisas são exatamente o que parecem ser Brigith.”

“Às vezes as coisas são exatamente o que parecem ser.”

Nada mais que isso.
Essas frases ficaram ecoando pela sua cabeça durante o sono tanto, que se tornaram uma tortura. Um desespero crescente surgiu no seu peito, e ele começou a doer tanto que a morena acordou. Quase num grito. E quando percebeu o que tinha a acordado era o barulho do seu celular tocando. Um número desconhecido. Ainda eram quatro da manhã, quem ligaria pra ela àquelas horas? Esfregou as mãos nos olhos e atendeu, com a voz sonolenta:

- Mas que diabo... Quem é? Porque me ligar essas horas?

- Ah, me desculpe senhorita Velmont. Estou ligando do hospital. – Aquela voz... O coração dela gelou. – Espero que tenha reconhecido minha voz.

- Vincent Sullivan?

- Fico lisongeado. – Ouviu-o rir do outro lado da linha.

- O que você quer? Aconteceu algo? – No mesmo instante em que ele confirmou sua identidade, a sensação ruim ficou ainda maior.

- Só liguei pra lhe dar um aviso. Depois pode voltar a dormir.

- Diga logo de uma vez! – Berrou ela.

- Sem necessidade pra alterações senhorita... – Mais um riso de escárnio – É sobre Luise Kayoshi. Ela teve uma recaída agora há pouco.

- O que quer dizer com isso?

- Ela está morta, Brigith. Morta.

Morta? Mas ela tinha melhorado, aquilo era impossível! Brigith perdeu a fala, seu peito atingiu um estado de dor indescritível. E por algum motivo, ela soube que Vincent estava sorrindo enquanto lhe dava a noticia. Sabia que aquele bastardo estava sorrindo, como um demônio.

- De qualquer forma... Eu só liguei para avisar a senhorita que a segurança na casa onde está hospedada vai ser reforçada. O senhor Nicolas ficou muito abatido com a morte da líder deles, e decidiu proteger você a qualquer custo, assim como Lady Kayoshi fez.

- Isso é impossível... – Soltou a primeira coisa que lhe veio em mente, colocando as mãos nos lábios e começando a sentir as lágrimas quentes lhe acariciarem as maçãs do rosto.

- É uma pena Lady Velmont. Luise era uma mulher excepcional. – Respondeu com um tom falso de lamentação Preciso ir agora. As coisas vão ficar movimentadas na seita.

- Ok... Eu vou ao hospital amanhã mesmo pra saber o que houve.

- Descanse Lady Velmont. – Sussurrou ele – E se me permite a dica... Eu sugiro que fique de olhos abertos ao seu redor.

Vincent desligou.
E Brigith desfaleceu sobre o colchão, deixando o celular lhe escorregar pela mão e chocar-se contra o piso do quarto. Sentiu-se vazia, mesmo chorando, sentia-se vazia. Como se ela mesmo estivesse morta.
Seus olhos não se fechariam mais.
Eles ficariam abertos a partir dali, mesmo que ela quisesse fechá-los no momento.
Ela não teria bons sonhos.
Não naquele dia negro.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Capítulo 9 - A Rainha da Noite

“A pequena aventura da princesinha naquele lugarzinho amaldiçoado continuava. Dessa vez ela e seus não tão fiéis companheiros haviam sido acolhidos na casa de uma sábia das redondezas, o clima continuava estranhamente frio, mas a aprendiz daquela bela professora tinha certa habilidade pra preparar chás deliciosos. O que os manteve aquecidos durante aquela manhã cruel. Diziam elas que era um chá mágico...
O que não deixava de ser uma porcaria.
Não existia chá mágico que fosse parar aquela maldita dor no peito ou as golfadas de sangue. Não tinha escapatória. Pesadelos, depressão, irritação.
A princesinha queria mais é que aquelas duas pegassem aquele chá gostoso e idiota e enfiassem onde o sol não bate. Que todos fossem pro inferno.
Eram inúteis... Todos eram. Ninguem podia salvá-la.”

Brigith teve poucas horas de sono naquela noite. As dores ficaram. Elas raramente ficavam. Talvez umas três vezes apenas. Não conseguia respirar direito, era como se tivessem pedras entaladas nas suas vias respiratórias. E o cheiro de sangue, o gosto, não passava.
Quando ela pegou no sono, sonhou com Kyrie.
Parecia que ela queria lhe dizer alguma coisa, mas Brigith não soube distinguir o que ela falava. Por algum motivo aquilo era um tanto desesperador, como se fosse algo muito importante que por mais que a morena tentasse ouvir, era em vão. O desespero foi tão arrebatador que ela acordou se sentindo pior do que se sentia quando tinha se deitado.
A cama até que era macia, e o travesseiro cheirava bem pelo menos. Brigith foi se erguendo da cama vagarosamente, ficou por longos minutos sentada naquelas cobertas escuras. Estava exausta, mas não queria tentar dormir por mais tempo.
Assim que conseguiu levantar sua cabeça o suficiente pra ver algo além do piso moderninho do quarto e da sua camisola rubra, que ela havia comprado recentemente, viu Sadako. Estava sentada de pernas cruzadas uma sobre a outra e uma camisola branca de manga, maior que ela. Apesar daquele olhar vazio, Sadako parecia um pouco apreensiva. Ficava olhando pra Brigith como se estivesse analisando-a completamente.

- Que foi? – Perguntou colocando os pés no chão e procurando algo pra se calçar.

A garota de cabelo cor de rosa limitou-se em abanar a cabeça e deitar-se de lado na cama, observando Brigith como um filhote de gato. O que ela tinha? Estava preocupada?

- Não esquenta... Eu vou ficar bem. – Esboçou um sorriso fraco pra menina.

E Sadako pareceu mais a vontade depois daquilo. Embora Bri não conseguisse entender nada. Era difícil dizer se Sadako se importava com ela ou não. Naquele momento, ela pareceu demonstrar um sentimento, nem que fosse mínimo.
Mas os Kaori eram cobras.
Assim como os Sullivan. A diferença era apenas a espécie e veneno.
Brigith não conseguia se esquecer disso. Sabia que a menina era uma assassina fria, porém seu dilema era: “Será que assassinos sem sentimentos podem vir a cultivar algum?”.

Kasuya Ishida parecia ter sentimentos, apesar de reprimí-los bastante. Mas a diferença era muito visível. Os Ishida eram guerreiros honrados, descendentes de samurais e de famílias nobres. Já os Kaori nasciam e morriam na escuridão.
Não havia honra ou nobreza. Apenas sangue e sombras.
E isso significava que ela era solitária. Era muito fácil de se ganhar pessoas solitárias, bastava ter insistência.

Brigith sorriu confiante. Se Sadako estava ali pra vigiá-la, ou até matá-la, talvez ela pudesse fazer brotar algum sentimento no coração da pequena que lhe fosse útil. Fazer isso quando é um assassino em questão não seria nada fácil. Mas ela era Brigith Velmont.
Não se tratava de uma mera patricinha metida. Com certeza ela iria fazer aquele monstro na cabeça da sua irmã engolir o que tinha dito.
Ela precisava mais do que nunca provar pra si mesma que não era vazia e fútil.
Brigith não pensava apenas em fazer de Sadako uma aliada útil, mas gostava dela. Não queria ser obrigada a ver a menina como uma inimiga um dia, apesar de ter a sensação que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde.

Depois de ter retomado sua coragem, ela levantou-se e caminhou pra Sadako, beijando-lhe a testa delicadamente. Então apanhou seu celular, caso Ophelia ligasse e foi para o banheiro. O tempo estava mesmo frio aquele dia, e algo lhe chamou a atenção antes de ela entrar no banheiro. Era Emily.
Estava sozinha na mesa de café, distraída com uma xicara de chá. Lentamente a morena se dirigiu a ela, chegando bem perto sem que a professora notasse.
A mulher parecia perdida. Devia estar a mais de meia hora girando aquela colher pequena, que antes estava com açúcar, dentro do chá. Os olhos dela pareciam um pouco vazios, como se estivesse pensando sobre coisas tristes. O que Brigith fez questão de afastar com um “Está acordada?” sonolento.

- Ah... Você já está de pé Elisha... Quer chá?

- Se você fosse minha namorada teria problemas agora. – Sorriu, ignorando a confusão dela.

- Perdão. É o costume. – Emily pareceu não ligar, apenas sacudiu a mão pra ela.

- Vou aceitar o chá. – Continuou seu sorriso e serviu-se. Estava ótimo, quente. – Quem fez?

- Chisame. Ela sempre me faz chá antes de ir pra faculdade.

- Não enjoa de chá? – Disse enquanto assoprava o liquido.

- Eu sou inglesa. É um hábito e um dos meus muitos vícios. – Dessa vez quem sorriu discretamente foi Emily.

- E não trabalha hoje?

- Não. Eu disse pra eles que estou doente.

- E essa doença é séria?

- Só até você precisar ir embora. – A professora sorriu de leve, ainda distante. Mas Brigith animou-se ao notar o esforço que ela estava fazendo.

- O que se tem nessa cidade pra diversão noturna?

- Bordéis quer dizer? – a professora lançou um olhar malicioso pra ela e riu em seguida – Bem, temos boates, bares, restaurantes... Tudo que uma cidade grande teria.

- Preciso ir a algum urgente. Se eu ficar mais tempo sem dançar vou ter um treco.

- Tem certeza? Nós todos ouvimos as tosses ontem moça. Não seria melhor ficar em casa pra esperar isso melhorar?

- Não! – Brigith respondeu essa no susto. Tudo que eles não precisavam agora era criar um tumulto por causa daquilo. Nem em sonho isso poderia chegar aos ouvidos de Ophelia. – Eu só estava passando mal por causa da viagem longa e umas coisas que comi. Não se preocupe, fazer um pouco de exercício e ouvir musica alta vai me fazer bem.

- Se você diz... Espero que se sinta melhor mais tarde mesmo. Tome mais chá, liquido quente deve fazer bem pra tosse. – Aquilo foi um chute. E Brigith sorriu sem animo algum, ela iria repetir a xicara de chá que terminara, mas sabia que não ia lhe servir de nada.

Poucas horas depois, lá pelas onze da manhã, elas haviam decidido que Chisame iria levar os três pra algum lugar de noite, já que a própria Emily alegou estar sem animo algum pra locais movimentados e barulhentos. Brigith foi pra sala, onde viu Josh dormindo folgadamente no sofá da professora. Era incrível como a casa dela era toda arrumadinha, aquela mesinha de madeira no centro, plantas exóticas (mas discretas) nos cantos e réplicas de famosos quadros modernistas pendurados nas paredes, principalmente os de uma pintora brasileira no caso. Que Brigith esqueceu o nome por desleixe, mas certamente lembraria se fizesse um esforço.
A garota tratou de analisar os CDs que Emily guardava naquela estante pequena em que ficava a enorme tv, desde bandas antigas como Beatles a mais modernas como Coldplay. A professora parecia mesmo gostar de musica inglesa afinal. E os gêneros mantinham-se naquele rock mais calmo e dócil, a morena conseguiu achar até alguns CDs de Bethooven e Mozart ali, entre outros clássicos.
A morena pessoalmente só conseguia gostar do instrumental de bandas mais góticas, mas também tinha uma queda leve por violinos.
A julgar pelos eletrônicos da casa, Emily tinha bastante dinheiro. Não era a toa que ela trabalhava quando queria. Até as cortinas e tapetes, ou itens decorativos simples, pareciam ter alguma classe alta.
Depois da sua pequena análise, Bri olhou pra Josh novamente. Todo enrolado no cobertor, com os pés cobertos com meias, jogados no braço do sofá.
De um jeito maldoso, Brigith tapou o nariz e a boca dele. E esperou ele acordar daquela forma, engasgando e se debatendo. Pra então começar a xingá-la, quando viu o sorriso divertido nos lábios da garota.

- Quanto tempo vamos ficar aqui ainda? – Murmurou ele, emburrado, depois de se acalmar.

Brigith estava prestes a responder, quando seu celular tocou.
E pra sua surpresa não era Ophelia. Era Jin.
O sorriso que a garota abriu foi radiante, sua satisfação foi tão intensa que até sua pequena crise de desanimo de mais cedo cessou.

- Acho que vamos enrolar muito nessa cidade ainda. – Ela riu, piscou pra Josh (que não entendeu nada) e atendeu ao telefone – Sim?

- Brigith? – Definitivamente era a voz de Jin, discreta e calma.

- Sabia que você ia ligar!

- É... Eu pensei um pouco e decidi que seria melhor aproveitar a oportunidade pra te conhecer melhor. Então eu queria saber se...

- Que horas e onde? – Disse esbanjando confiança.

- Eu tenho tempo livre agora à tarde, vamos almoçar juntos. Que tal o Sunshine, daqui a duas horas? Você sabe onde é.

- Perfeito. Então até lá.

- Até.

Depois de desligar, Bri encarou Josh com aquele sorriso satisfeito. Ela estava realmente interessada no loiro, estava se deixando guiar tanto pela aparência quanto pela personalidade dele, que pareciam ambas perfeitas. Estava empolgada como não ficava há anos. Algo que não acontecia praticamente nunca nos seus relacionamentos.

- Acho que dessa vez você vai ter que calar a boca sobre eu não manter relacionamentos. Hoje vou conhecer o futuro rei da família Velmont. – Riu animada.

- Como assim? A rainha não era a Ophelia? Não vai me dizer que ela é casada com um Smurf...

- Besta!- Deu um tapa dolorido no braço do garoto – Vou conhecer meu futuro marido.

E risonha, a morena foi para o banheiro tomar seu banho. Pra poder se produzir e ir encontrar o outro rapaz o quanto antes. Já Josh não disse nada. Obviamente sentiu-se mal no momento, apesar de ela estar animada com aquele cara como não tinha ficado com nenhum outro na vida, Josh quis acreditar que era algo passageiro. Como sempre era.
E que depois ela iria voltar pra ele novamente.
Tinha que ser assim.

Uma hora depois, lá estava ela. Simplesmente deslumbrante. Como sempre ficava quando queria caprichar no visual.
Seus cabelos estavam soltos, caindo até seus ombros, onde ela tinha colocado um cachecol fino e vermelho enrolado no pescoço. Em conjunto com um agasalho negro e grosso, extremamente elegante. Saias pesadas vermelhas com algumas linhas pretas e meias (até as coxas) com botas longas, negras também.
Pra complementar um pouco mais, ela passou um batom vermelho escuro e lápis nos olhos, o suficiente pra destacar aquela coloração amarela deles.
Emily mal conseguiu acreditar quando viu a garota daquele jeito. Com certeza ela estaria imaginando Elisha no lugar de Brigith de novo. E com mais certeza ainda, pela reação de todos, a sua irmã gêmea não era nada vaidosa.

- Vejo que arrumou algum programa pra tarde. – Comentou Emily, admirando a menina.

- O ex da minha irmã não resistiu. Me chamou pra sair.

- Eu não acho que seja uma boa idéia Brigith. Ele era apaixonado pela Elisha. Você é gêmea dela, então com certeza ele vai...

- Ele vai notar que eu sou melhor que ela até nos mínimos detalhes. – Bri interrompeu a professora com um tom arrogante.

- Se diz... E você vai notar que Jin não é um dos homens mais fúteis, como seus ex-namorados devem ter sido. – Emily foi seca. E voltou pra cozinha, demonstrando-se irritada.

- Devia pedir desculpas pra ela depois. – Josh entrou na conversa. Estava deitado no sofá ainda, curtindo seu ciúme.

- Realmente. Eu peguei pesado demais. – A morena suspirou. Não devia ter falado daquela forma com alguém que foi próximo à sua irmã. Apesar de ela achar que não estava errada. – Bem, depois eu falo com ela. Tenho que ir, senão perco a hora. Se eu voltar hoje nós vamos sair mais tarde.

Mandou um beijo com as mãos para Josh e se apressou pra fora da casa. E ele nem ergueu tanto a mão pra acenar pra ela, em despedida. Tinha que ser só mais uma paixonite curta, não tinha? Daquelas que Brigith sempre vivia tendo.

A garota tinha sido pontual.
Chegou lá exatamente no tempo em que tinham combinado. Jin já estava ali dentro, sentado numa das mesas de madeira fixadas no chão, perto da janela. E tinha ficado visivelmente impressionado com a menina. Não conseguiu falar uma palavra se quer. Mesmo quando ela se aproximou e ficou parada na frente dele, com um sorriso vitorioso no rosto. Ela tinha feito aquilo de propósito, parou de pé na frente dele, apenas pra que ele pudesse vê-la por completo. Aquele jogo era fácil pra ela.
E de um jeito desleixado ele sacudiu a cabeça e levantou-se, cumprimentando a garota. Dessa vez ela se comportou e limitou o beijou ao rosto dele.
Por fim, sentaram-se.

- E então? – Perguntou ela, apoiando o rosto em uma das mãos. Olhando pra ele.

- Você é mesmo bonita demais...

- Não bobo! – Ela riu. Com o seu ego inflamando cada vez mais por causa da reação abestalhada dele – Quero saber o que vamos comer, e o que vamos fazer depois.

- Se quiser eu posso te levar pra caminhar depois de comermos. E contar uma coisa ou outra sobre a sua irmã. – disse, estando constrangido – Se quiser saber mais sobre os incidentes também, podemos ajudar um ao outro. Fiquei sabendo que você é rica, deve ser fácil descobrir uma coisa a mais.

- Ficou?

- Sim. Familia Velmont. É uma das famílias mais nobres que reside na Finlandia, isso se não for a top. Infelizmente existem poucas informações sobre vocês. Só consegui descobrir que são donos de várias empresas e propriedades pelo mundo todo. E vi seu nome como atual chefe da família... Deve ser muito esperta pra alguém da nossa idade. Manter um império desses sozinha não é fácil. – Ele não era tão burro quanto Bri pensou. Infelizmente.

- Não é a toa que você está na policia hein? – Porém, ela sabia que ele não podia ser tão esperto quanto ela – Mas pra ser sincera, eu não cuido de nada disso. O que eu faço é apenas gastar o dinheiro da minha família e estudar. No momento estou viajando e resolvendo assuntos pendentes enquanto não me decido que faculdade fazer.

- Acho que você seria uma boa atriz. – Ele sorriu. Seria aquilo cinismo?

- Nah... Sou do tipo que prefere agir por debaixo dos panos. – E ela retrucou.

- Perdão, já foram atendidos?

Por sorte um atendente interrompeu a conversa antes que Jin entendesse aquilo como não devia. A atenção do rapaz desviou-se de Brigith e ele pediu um refrigerante de cola com um tipo de lanche relativamente grande. Dois hambúrgueres, queijo, ovos, bacon e afins. Brigith ficou horrorizada com aquilo, tinha que consertar os hábitos alimentares dele depois.

- Vocês servem algum tipo de almoço aqui, ou apenas lanches?

- Temos ovos e carne senhorita. – O garçom também estava abestalhado por causa da garota, mas ela nem quis notar nada nele.

- Spaghetti com salada?

- Sim sim, posso providenciar.

- Com suco de abacaxi, por favor.

O homem confirmou com a cabeça e saiu de lá com pressa.
Então ela voltou-se para o rapaz na sua frente. Só estão reparou que ele estava com uma roupa social um tanto amassada. Devia estar trabalhando.

- Sua mãe não passa suas roupas? – Foi indiscreta.

- Eu volto pra casa quando ela já está dormindo. E tenho que sair quando ela acorda. A casa é grande, não temos empregada e ela tem que dar prioridade ao meu velho.

- Entendo... Se quiser posso dar um jeito nisso pra você.

- Você? Passar minhas roupas? – Agora ele pareceu assustado.

- Claro que não! Eu te compraria roupas novas e pagaria alguém pra passa-las. – Riu.

- Ah, sim. – O loiro acabou rindo junto com ela. Isso era um bom sinal, foi um riso sincero. Mas Brigith tinha falado serio. Ele se vestia muito mal. Algo que ela também teria que consertar – Sabe... É engraçado que uma família tão rica tenha adotado a irmã gêmea da garota que eu gostei. Parece algo como “A Princesa e a Plebéia”.

- Então espero que você seja o príncipe. – Sorriu pra ele. Ele retribuiu, mas sem animo.

- A mãe de vocês viveu com a Elisha por uns tempos, mas não acho que eles passassem por tantas dificuldades a ponto de ter que te abandonar. O pai de vocês era trabalhador, deixava bastante dinheiro pra Elisha.

- Eu sei. Também não consigo entender porque me abandonaram. – A garota enfraqueceu o sorriso. Jin ficou sem jeito e pediu desculpas. Ele tinha razão, Brigith seria uma ótima atriz. Embora essa reação não tivesse sido totalmente forçada. – Mas você vai me ajudar a descobrir. Então eu fico mais aliviada.

Jin exibiu um sorriso discreto e sincero novamente, apertando a mão da morena. Como se quisesse incentivá-la. Brigith sorriu de volta, achando que ela devia ser algum tipo de demônio pra usar aquela situação ao seu favor assim.
Alguns minutos depois a comida foi servida e então eles saíram, pra “passear” um pouco. Como Jin tinha sugerido. Ficaram caminhando ali por perto, naquela praça. Por uma estradinha de pedras entre as arvores.
Agora o sol tinha surgido e o tempo tinha ficado mais agradável. Brigith tirou as luvas e cachecol, guardou-os numa bolsa que tinha levado consigo e entregou o casaco nas mãos do rapaz. Assim exibindo aquela blusinha decotada e justa preta, de mangas longas.

- O que vai fazer a noite? Estive pensando em sair um pouco. Uma boate, barzinho...

- Tenho que trabalhar. Mas podemos sair de noite assim que eu tiver uma folga. Estou tentando resolver um caso sobre alguns assassinatos que andam ocorrendo nas redondezas. Assassinatos em serie, inclusive você devia tomar cuidado. As vitimas em maioria foram garotas populares nas épocas de escola e... – Ele percebeu que estava falando demais - As informações liberadas terminam aqui.

- É uma pena. Queria passar a noite com você. Me sinto mais calma com você por perto... – Tinha ficado desapontada de verdade.

- Vai ficar em Sleepy Hill até quando?

- Até eu ouvir todas historias sobre o que houve com a minha irmã possíveis.

- Então se prepare pra ficar aqui por longas semanas. As historias dessa cidade sempre levam a lugares que a gente não imagina. Vamos ter tempo.

- Pelo menos algo positivo. – Piscou para o rapaz, e ele desviou o olhar.

- Então... Eu tenho mais algum tempo até voltar pro serviço. Quer ouvir algumas dessas histórias? – Jin parou perto de uma arvore, virando-se pra Brigith. Que parou logo na frente dele. Ainda não era hora pra tentar beijos, entretanto.

- Por favor.

- Bem... – Ele tomou ar e olhou para o alto – Começou com a Yuna Kayoshi. Ela foi assassinada no edifício Blue Sky, sem sinais de agressão ou qualquer coisa do tipo. Foi como se simplesmente ela tivesse dormido e se afogado na banheira. Dormido de olhos abertos e fora das órbitas... Não tinha nada errado com a saúde dela. Nem mesmo os peritos conseguiram descobrir. Por algum motivo a mãe dela não permitiu autopsia e solicitou que o corpo fosse levado pra casa delas. Bizarro não?

- Muito. – Se havia um jeito de ressucitar Erin, provavelmente tinham ressucitado Yuna a partir do corpo também. Foi isso que Brigith pensou. A Yuna na sua visão estava muito viva, e no seu corpo original.

- Depois... Um casal. Taichi e Yuriko, da minha sala. Ele foi atropelado por um caminhão, e ela teve alguma crise e acabou se matando em seguida. Sua irmã estava com eles na hora do atropelamento.

- Bonito. Imagino como seja sentir um amor tão forte assim.

- Depois deles, Joe Dowd. Era um amigo não muito próximo meu. Ele foi encontrado morto nas florestas de Sleepy Hill. Ficou bêbado e caiu de um penhasco. Coincidentemente, foi quando nós decidimos acampar. Achamos que Joe tinha voltado pra casa, ou dormido bêbado em algum lugar, então acamos indo embora. Eramos um tanto irresponsáveis. Me culpo um pouco pelo que houve. Foi a primeira atividade em grupo que sua irmã participou com a sala, desde muito tempo. E bem, Victoria estava com ela. – O olhar de Jin ficou bem mais severo. Ele devia odiar Victoria – Eu e os meus amigos achávamos que eram namoradas. Isso explicaria a Elisha se isolar de todo mundo. Devia achar que tinha algum tipo de preconceito, sei lá. Mas aquela menina... Tinha algo sobre ela que eu nunca vi em mulher alguma. Algo... Estranho sabe? Como se ela não fosse desse mundo.

Como era notável, até pessoas comuns conseguiam sentir aquela sensação quando encontravam as lideres dos Sullivan. Bri o deixou continuar, ouvindo atenta.

- Quando Victoria foi embora, todo mundo achava que entendia a Elisha melhor. Começaram a falar mais dela, e ela mesma começou a pelo menos responder nossas perguntas com “Morra.” Ou “Não interessa.” – ele soltou um risinho nessa parte da historia – Antes ela simplesmente olhava pra nossa cara e ignorava. O pessoal parecia tão empolgado com as coisas que até ignoravam tanta gente ter morrido na nossa sala. E bem, não pararam por ai as mortes. – Jin abriu um sorriso frustrado e continuou – Alguém invadiu a casa da sua irmã e mataram o pai de vocês. O cara inclusive explodiu a casa. E a sua irmã, por milagre, sobreviveu. De alguma forma, ela descobriu quem foi, o Kasuya Ishida, da nossa sala. E acho que por impulso, vingança, ela foi atrás dele. Fiquei sabendo que a Victoria voltou pra cidade nesses dias. Meu melhor amigo acabou encontrando Elisha por acidente e foram ambos atrás do albino. James Redriver. Era um cara brigão, mas também foi o amigo mais leal que eu tive. Podia ter aquele porte de bad boy, mas o coração dele era grande. – Aquele sorriso frustrado se acentuou – Ele morreu protegendo a Elisha do Ishida.

- Você nunca falou com o Kasuya?

- Eu já tinha tentado, mas ele sempre era curto demais ou ia embora. Diferente da Elisha, ele sempre foi educado. Dizia um “Com licença, tenho que ir agora.” Antes de deixar a gente falando sozinho. O Ishida chegou a participar de algumas das nossas atividades esportivas, e o cara era um monstro. Ninguém conseguia tomar a bola dele quando ele pegava. Ninguém conseguia vencer ele quando participávamos de algum tipo de luta... A força, tecnica e a velocidade dele pareciam as de um soldado treinado desde pivete. Garanto que ele nunca tinha jogado futebol quando deu aquela surra no outro time. Nem eu e nem o James chegamos a lutar contra ele diretamente, mas eu levava surras do James. Então se ele matou o James tão fácil quanto a Elisha falou pra policia, acho que ele não perderia nem dois segundos me matando. – Jin colocou a mão no queixo – Eu sempre achei que o Ishida tinha alguns problemas psicológicos. Nunca falava com ninguém, mas dizem que pegaram ele falando sozinho às vezes. Eu mesmo já vi. Tanto ele quanto a Elisha falavam sozinhos. Vai ver é mal de gente solitária...

- Eu não acho que ele deva ser tão mau assim.

- Não sou a pessoa mais indicada pra te dizer, senhorita Velmont. Por culpa desse cara eu perdi meu melhor amigo e a sua irmã.

- Entendo... E depois do seu amigo?

- Elisha apareceu com uma menina chamada Erin na escola. Menina dócil, gentil, sociável. Não demorou pra crescerem os rumores sobre ser a nova namorada dela. Apesar de ela ser a imagem e semelhança do Ishida. Acho que os rumores só não tomaram os rumos errados porque a Elisha ficou muito falada depois de tudo isso e começou a deixar eu me aproximar dela. Todo mundo passou a gostar dela, achar aquele jeitinho revoltado e sem educação dela o máximo. Eu mesmo, sempre fui interessado pela sua irmã. Pra mim ela sempre foi uma menina estressada que não queria amigos. Mas depois... Acabou que ela tinha muito mais dentro da cabeça dela do que todos nós imaginávamos. Ela foi a única pessoa que teve a coragem de dar um soco na cara de uma ex-namorada minha que era a garota mais popular e querida da sala. Duas vezes.

- Agora entendo porque se apaixonou. – Os dois riram daquilo. E Brigith começou a se interessar pela personalidade da sua irmã. Até que ela não estava tão abaixo assim.

- Foi ai que eu comecei a me envolver com ela. Ela foi meu par no baile de formatura e acho que se tudo não tivesse acabado como acabou, estaríamos namorando agora.

- E o que houve de tão brutal assim?

- Outro acidente. Uma menina da nossa sala, Carrie e a Emi-sensei. Carrie morreu e a professora foi parar no hospital. E no hospital a Erin desapareceu. A Elisha teve uma crise e saiu correndo de lá. Eu cheguei a encontrar ela com o braço sangrando, correndo por ai, mas ela fugiu de mim... Rejeitou minha ajuda. – Brigith podia imaginar a frustração dele – E depois sei que eu recebi uma mensagem de texto diretamente da Victoria. Dizendo “A Elisha tá correndo risco de vida. É o Kasuya. Estamos no Blue Sky, vem sozinho, você é a única pessoa com quem a gente pode contar.” E eu fui sem pensar. Chegando lá eu encontrei a Elisha junto com a Victoria, trazendo a Erin de dentro do prédio em chamas. Claro, eu achava que elas tinham cortado relações. E por algum motivo a Elisha voltou pra dentro do prédio, ela me disse que tinha que achar o Ishida lá dentro, algo assim. Eu tentei de tudo pra impedir ela, até me oferecer pra ir no lugar dela... Mas ela me rejeitou de novo e entrou. O prédio explodiu, o fogo o consumiu inteiro antes dos bombeiros chegarem. Não tinha como ela ter sobrevivido. E na hora, eu sentia tanta raiva que poderia matar a Victoria por ter a deixado ir. Mas acabei levando um tiro na perna e outro no ombro. Aquela vadia me chamou ali apenas pra brincar comigo... – Dessa vez ele soltou um riso, ainda mais frustrado.

- Deve ter sido difícil. – Ela fez uma cara de menina compreensiva. Precisava pensar melhor pra chegar a alguma conclusão sobre tudo aquilo que ele contou. Erin, Kasuya, Victoria, Luise... Muitos nomes interessantes tinham aparecido naquela história. E pelo que ele tinha contado e o que ela tinha visto com Vincent, ficou obvio que Jin tinha sido a testemunha da morte da sua irmã. A única. Era só isso que Victoria queria dele.

Jin pareceu estar distraído no momento em que ela falou. Sua face se virou, observando alguém do outro lado da rua, uma menina. Brigith encarou ele descontente, mas não disse nada. O celular tocou nesse exato momento. Era Ophelia.
Numa pressa assustadora ela atendeu o telefone, sorrindo como uma criança feliz.

- Bri? Consegues me ouvir? – O tom de voz dela estava saindo alto. A garotinha não sabia mesmo usar celulares direito.

- Sim sim. Aconteceu algo? Como você está?

- Estou devidamente bem. Liguei apenas para informar-te que fiquei sabendo que a líder do clã da Rosa Branca deve estar chegando à Sleepy Hill amanhã. Liguei diretamente para ela e conversamos um pouco, queria aproveitar que vocês estarão na mesma cidade para conversarem as duas. Creio que ela tenha muito que contar a ti.

- Luise? Mas ela não tinha se mudado daqui?

- Sim, mas ainda não levou todos seus pertences da antiga casa. E quis vir pegá-los pessoalmente. Também aproveitar e olhar as lojas esotericas de estimação que ela possui.

- É uma hora conveniente demais. Não acha?

- Sim. Mas creio que você esteja protegida. Luise é uma boa pessoa, ela vai manter-lhe segura. Agora devo desligar, estou ocupada.

- Ok. Te amo vermelhinha.

- Fique bem piveta... – E desligou.

- O que tem Luise Kayoshi? – Brigith não teve tempo algum pra pensar. Jin a ouviu pronunciar o nome “Luise” e estava a encarando de forma acusadora.

O que ela faria agora? Mentir parecia uma péssima idéia. Ele estava paranoico demais pra acreditar que seria uma Luise diferente. E saberia se ela mentisse.
Bri ficou em silencio e olhou para o chão, calculando cada palavra que ela iria usar. Porque dependendo delas, a garota ia comprar problemas sérios.

- Não vai me responder?

Já era tarde demais. Se ela não falasse algo que tivesse real impacto ali Jin ia saber na hora que se tratava de uma mentira. A garota levou a mão para o queixo, fingindo estar pensativa. Pra ganhar o máximo de tempo que conseguisse.

- Brigith? O que houve? – Ele se aproximou, com uma feição séria.

- Desculpa. Eu estava pensando... – Lançou um olhar hesitante pra ele.

- Então?

- Acabaram de me ligar dizendo que talvez ela esteja pelas redondezas. Provavelmente em alguma cidade que seja só umas duas horas daqui. – Era uma meia mentira. Ela tentaria desenvolver aquilo.

- Pretende tentar achá-la?

- Tenho um pessoal pra isso. Se eles a encontrarem vão me ligar. Vantagens de se ter dinheiro.

- Vou tentar ver o que posso arrumar na policia também...

- Combinado. – Por hora, aquilo bastava. Ela mudou de assunto rapidamente – Mas vem cá, tava olhando pra quem?

- Ninguém em especial. Só tenho a impressão de ter visto uma garota da minha classe. Mas isso é impossível, ela está morta.

- Me disseram que nessa cidade todo tipo de bizarrice é possível. – Bri sorriu levemente.

- Sim. É verdade. Mas isso seria bizarro demais até pra Sleepy Hill. – Jin fitou seu relógio por uns segundos e murmurou em seguida – Droga. O tempo voou. Tenho que voltar pro serviço.

- Tudo bem. Te vejo daqui há quanto tempo?

- Não sei... Que tal amanhã?

- Acho que amanhã não vai dar... – Claro que não. Ela pretendia fazer uma visita surpresa pra Luise. – Dessa vez eu ligo. Deixe por minha conta.

Jin respondeu com um sorriso fraco. E Brigith, de uma forma oferecida, abraçou o garoto. Como despedida. E ele se assustou, pareceu melancólico, mas cedeu. Retribuiu o abraço e apertou a cabeça dela contra seu ombro. Embora Brigith estivesse feliz com isso, não era ela que o jovem imaginou naquela hora.
Não era dela que ele queria ter se despedido melhor.
Mas aquilo bastaria por enquanto. Eles se separaram e seguiram caminhos diferentes, ela pessoalmente, preferiu ir de taxi.

Pagou o motorista meio careca e sentou-se no banco de trás. Passando pra ele o endereço da casa de Emily. O carro tinha um cheiro esquisito, apesar de ela não se importar. Se ligasse pra conforto e classe naquela hora, ela teria tentado alugar uma limusine.
Apanhou seu celular e ligou pra alguém da sua família que ela raramente precisava, e depois que o telefone tocou diversas vezes, ela ouviu um “O que foi?” em finlandês. Arranhado.

- Isso é jeito de se dirigir à sua líder? – Respondeu também em finlandês.

- Mil perdões princesinha. O que você precisa dessa vez?

- Quero saber o endereço da casa onde Luise Kayoshi residia em Sleepy Hill.

- Um momento... – Ela esperou um pouco, e teve a resposta pra aquilo rápido – Não existe um endereço exato, mas é fácil de achar. Basta sair da cidade e seguir a estrada, você vai ver uma casa de campo branca gigante. É a terceira casa de campo no caminho, é só notar o portão de madeira grande com algumas rosas esculpidas nele. Inconfundível.

- Grata. Pode voltar pros seus joguinhos online bestas agora.

- Agradecimentos pra você também. – Desligou na cara dela.

Brigith riu baixo. Aquele era Arto, o responsável pela parte que envolvia computadores da mansão. Era um nerd antissocial legitimo. A morena pessoalmente achava o rapaz alguém engraçado e curioso, gostava de zombar dele.
E se irritava com o fato de ele ficar trancado numa sala o dia inteiro, sem se envolver direito com o resto da família.
Quando ela chegou à casa da professora o sol já estava se pondo. O tempo tinha mesmo voado. Depois de pagar o taxi, ela tocou a campainha. E alguém berrou de lá de dentro dizendo que a porta estava aberta.
A morena entrou, deixou suas coisas no sofá bagunçado, onde Josh tinha dormido e foi pra cozinha. Chegando lá, guiada pelo barulho, viu Emily e seu pupilo rindo iguais dois bêbados. E de fato, estavam bêbados. Bri levou a mão ao rosto quando notou aquela garrafa de whisky na mesa, acompanhada por pedacinhos de bacon fatiados num pratinho e a feição de pânico no rosto de Chisame, que estava lá agora.
Já Sadako, estava com um pirulito na mão pra variar. Molhando ele no whisky e colocando na boca. Assim pelo menos ela não ficaria bêbada nunca.

- E vocês nem me esperaram. – Disse com um sorriso nos lábios.

- Claro que não. Você estava se esbaldando em algo diferente. – Emily continuou rindo e apontou o copo de whisky pra ela.

- Infelizmente não. Estou indo com calma. – Ela piscou.

- O “indo com calma” dela quer dizer que amanhã ela já tá na cama do cara. – Quem disse isso agora, pra sua surpresa, foi Josh.

- E você seu diabo traidor? Não gostava de beber antes.

- Agora vou passar a gostar. É o único jeito de aturar seus namoros.

- O que você quer dizer com isso? – Bri cruzou os braços pra ele, mas Emily respondeu antes.

- Deixa o moleque beber. Ele tem que viver a vida dele.

- É! Eu tenho! – Josh apontou pra morena num tom de revolta, enquanto Emily colocou o braço em torno do pescoço dele e ergueu o copo de whisky.

- Hoje nós vamos botar pra quebrar mais tarde! – Urrou ela.

Brigith só conseguiu rir daquela revolta do garoto porque ele e Emily bêbada eram algo bem engraçado de se ver. Chisame, que estava olhando de um pro outro, aflita, finalmente se manifestou:

- Brigith-san, você tem certeza que quer sair com eles? A Emi-sensei pode ser muito problemática nesse estado! – Como ela ficava fofa falando com termos japoneses.

- Cala essa boca. – Emily jogou um bacon no cabelo de Chisame, que deu um gritinho de agonia ao imaginar que seu cabelo ficaria engordurado.

- Não se preocupe loirinha. Eu tomo conta de você. – Brigith exibiu um sorriso.

- E quem vai tomar conta de você? – Josh esbravejou. E na mesma hora Sadako se levantou, apontando o pirulito para o próprio rosto. Indicando que seria ela a guardiã de Brigith.

- Ah, mas isso vai ser divertido.

A garota tinha adorado aquilo tudo.
Não imaginava que a professora fosse tão divertida quando bêbada. Não parava de rir até a hora em que elas decidiram tomar um banho e saírem.
O que Ophelia diria?
“E depois quer que eu tire férias... Tu não tomas jeito pirralha.”

Por uns momentos, Brigith ponderou sobre o que fazer com Sadako e Emily, em relação à visita de Luise. Nenhuma delas poderia saber. Então ela teria que sair escondida novamente no dia seguinte. Se estivesse em condições.
Ela deixou pra beber quando chegassem aonde iriam.
Não queria ficar igual Emily estava tão cedo.
A professora já tinha contado metade das suas experiências sexuais (que eram mais do que Bri tinha imaginado), já tinha chutado a porta do banheiro e invadido quando Chisame estava no banho. E começou a gritar lá de dentro que iria lavar ela direito.
Porém a garota não quis nem ver o motivo pelo qual a loira gritava tanto durante todo o tal banho. Depois ela e Sadako entraram no banho, por ultimo, Josh.

Talvez umas duas horas depois, quando já estava escuro e frio, elas ficaram prontas.
Brigith arrumou Sadako como um boneco de neve. Com um casaco grande branco, calças e uma blusa pesada. Cor de rosa. (Tinha comprado de presente pra ela na Finlandia) E sapatinhos brancos também. Amarrou o cabelo dela pra cima e passou batom e maquiagem rosa no rosto, estava parecendo um tipo de Barbie assassina discreta.
Chisame estava com um casaco amarelo, calças e botas pretas, combinando com a tiara que usava. Brigith não viu nada, além disso, infelizmente.
Já Emily, se enfiou num vestido curto azul escuro e jogou um casaco marrom por cima. Estava usando saltos e meia calça também. Aquela mulher não sentia frio?
Josh colocou a primeira blusa pesada que viu. Uma de lã, cor-de-vinho. E jeans com tênis.
Já ela, pegou o mesmo casaco de mais cedo. Só colocou uma blusinha menos decotada por baixo, na verdade a gola dela era alta até o pescoço. Não tinha decote algum dessa vez. Afinal, ela não pretendia seduzir ninguém na festa. Precisava tomar cuidado pra não ficar mal vista por Jin. E optou por calças escuras ao invés da saia.

Ligaram pra um taxi e entraram nele ruidosamente quando este chegou. Emily entrou na frente, dizendo um “Crianças têm que ir no banco de trás!” pros quatro.
Brigith teve que levar Sadako no colo. O que foi divertido.
Aquela cidade conseguia dar arrepios na morena. Principalmente aqueles subúrbios escuros e desertos, que lembravam algumas cenas dos filmes de Freddy Krueger e Jason. Mas bastou chegar à parte urbana da cidade pra ela achar que estavam em Sin City agora. Era sombrio da mesma forma, mas cheia de prédios e luzes. A iluminação que predominavam eram vermelhas, verdes e roxas. O que dava um clima embriagante praquelas ruas movimentadas.
Brigith sentiu-se atraída pelo centro de Sleepy Hill. Sentiu que poderia viver ali por anos sem se cansar. Ela gostava daquele clima tão irreal que aquela parte da cidade passava.
A boate em que eles iam não era tão longe dali. Parecia elegante de certa forma, o letreiro era de um azul luminoso que exibia o nome “Blue Moon” com uma obvia luazinha azul do lado das letras. Brigith tratou de pagar o taxista, já que Emily foi direto pra entrada, esquecendo-se disso. Depois de revistadas, elas entraram.
Passou por uma escadaria ampla, o ambiente era completamente escuro, não dava pra se prestar atenção em nenhum detalhe. Chegaram numa bancada onde tiveram que pagar a entrada pra uma garota razoavelmente bonita. Então passaram por uma de duas portas gêmeas de madeira, chegando finalmente no palco.
No momento já havia um Dj ali, que estava lançando uma musica eletrônica leve no ar. Havia algumas pessoas na ampla pista de dança, divertindo-se no meio das luzes coloridas que cruzavam e piscavam lentamente no salão.
Do lado esquerdo Brigith pôde ver um barzinho elegante e do direito haviam sofás vermelhos grudados nas paredes escuras e outra escadaria. Provavelmente levando pra outros ambientes, refeitórios e banheiros.

- E então?

- Então o que? Nunca esteve numa boate antes? – Emily colocou as mãos nos quadris e disse com firmeza, com a autoridade de uma professora rígida: - Beber e dançar até cair. E se forem fazer sexo, façam na rua. Na minha casa não!

A morena conseguiu arquear a sobrancelha pra ela e rir um pouco, olhando pra Josh enquanto a professora saiu rapidamente dali. Procurando mais alguma coisa pra beber antes de começar sua dança bêbada talvez.
Mas Josh estava irritantemente seco. Ela sentiu alguma vontade de perguntar de novo o que ele tinha, mas achou que aquilo seria a bebida. Raramente o tinha visto bêbado, então decidiu o deixar fazer o que quisesse por enquanto.
Sadako e Chisame tinham sido arrastadas brutalmente por Emily para o bar, então ela decidiu ir pra pista de dança se exercitar um pouco. Já que fazia tempo que ela não suava.
Abandonou Josh onde ele estava e foi pro meio das pessoas. Não havia muitas ainda, então ela se movimentava graciosamente e de forma discreta, tentando não chamar muita atenção pra si. Balançando a cabeça e quadris de acordo com o som.
De qualquer jeito, ela atraiu a atenção de uns dois caras, que tentaram dar em cima dela. Mas mantendo sua postura (pelo menos naquela cidade ela tinha), Bri livrou-se deles rápido. Embora ela soubesse que homens de baladas do gênero não desistissem nunca.

Os DJs daquela noite eram bons. Brigith nem viu a hora passar enquanto ela se deixava levar pela musica e aquele clima irreal que a cercava. As luzes, a fumaça, as pessoas... Aquilo a colocou numa espécie de transe. Algo que ela adorava sentir.
Esquecer-se de tudo ao redor, a sua vida, suas obrigações, a Black Rose, sua doença, seu vazio. Sua realidade inteira deixava de existir enquanto ela dançava. Tudo desaparecia. Só havia ela e aquela batida. O extase.
Nem aqueles jovens ao seu lado ela podia notar. Se falavam com ela, respondia com um sorriso simples. Se tentavam tocá-la, ela se afastava. Se olhavam pra ela, caprichava um pouco mais naquela sua brincadeira. Aquela pista era dela. Aquele mundo era dela.
E nada conseguiria tirá-la dali agora.

Sua mente só voltou à realidade quando ela viu Emily não muito longe dali com um rapaz obviamente mais novo que ela. A professora devia ter por volta de uns 35 anos pra Brigith. Mas era uma mulher linda e muito atraente, igual Carmen.
Ah sim! Ela tinha se lembrado de Carmen.
Para o garoto de uns vinte e poucos anos com quem ela estava Brigith sabia que Emily era o sonho de consumo desses jovenzinhos.
Uma mulher daquelas, experiente e visivelmente cheia de más intenções...
Pelos deuses, Bri teve que rir daquilo. Que tipo de professora mais divertida era aquela, que ela deu o azar de não ter tido nas suas épocas de colégio?
Apesar de ser uma grossa, era uma pessoa infinitamente interessante e ótima de se ter por perto. Ah, com certeza era!

A morena avistou Chisame sentada do lado de Sadako no bar. Parecia ter algo esquisito ali, então ela aproveitou seu cansaço e caminhou até as duas pra checar. Chisame estava com uma das mãos pousadas no ombro de Sadako. Murmurando um:

- Sadako-chan, você tá bem?

Mas Sadako ignorava a garota. Até que ela virou-se pra Chisame e cuspiu whisky nela como um irrigador. Fez até um barulho semelhante a um. Brigith colocou a mão nos lábios, segurando a risada. E Chisame fazia uma cara de choro fofinha.

- Você também está bêbada? Isso não é justo... Eu não gosto de pessoas bêbadas.

Brigith ficou observando as duas juntas. Era algo bonitinho de ver. Sadako parecia mesmo estar alterada, o que era hilário. Ela tinha ficado bêbada sendo que só estava molhando o pirulito no whisky e chupando?
Como aquelas duas estavam se divertindo Bri decidiu olhar ao redor pra ver se achava Josh. Não foi muito difícil. Ele estava encostado do lado da porta de entrada, sozinho e observando as coisas ao redor. A garota caminhou até ele, mas ele não se deu ao trabalho de fazer alguma manifestação à presença dela. Era estranho conviver com ele assim.

- Sua ressaca amanhã vai ser feia.

- Como se eu me importasse.

- Devia. Porque, além disso, você é um bêbado muito chato.

- Então não enche meu saco e vá procurar um homem legal pra te fazer companhia como você sempre faz. – Brigith não esperou por aquela. Chegou perto de se irritar.

- Não seja ridículo. Você é meu melhor amigo, sempre vai ser meu homem preferido. Chato ou não. Ele não respondeu. Apenas desviou o olhar dela. – Que foi? Quer que eu arrume alguém pra dar umas com você?

Ela riu e segurou o braço dele, como se fosse tentar arrumar uma companhia feminina para o garoto mesmo. Mas ele livrou-se da mão dela e disse um “Eu não quero nada. Me deixa aqui.” Desanimado. E ela não conseguia compreender o que era tão obvio.
Apesar de ao invés de raiva, a garota ter se sentido um pouco triste dessa vez.

- Quer ir dançar comigo então?

- Não gosto de dançar...

- Beber mais? – Ele lançou um olhar sarcástico pra ela – Ok. Vamos dar uma olhada por ai, que tal? Aqui tem escadas. Deve ter algum lugar que a gente ainda não viu.

- Tá bom. – Dessa vez ela sorriu vitoriosa e ele se deixou arrastar pras escadarias.

Não havia muito pra se ver nos andares de cima.
Como ela desconfiou, havia uma lanchonete simpática com preços realmente altos. Banquinhos vermelhos e mesinhas espalhadas por lá e um balcão pequeno. Claro, tinha pouca gente ali. Num outro andar eles encontraram um ambiente diferente, ainda tinha musica, luzes (mas sem cores notáveis) o curioso sobre tal ambiente era a escuridão dele. A morena não demorou pra perceber que aquilo era algo próximo a um “Dark Room” lugarzinho da boate em que os jovens mais pervertidos gostavam de ir pra fazer coisas no escuro. Ela deu uma risadinha olhando pra Josh, que já devia ter identificado o objetivo do lugar antes dela. E ele pareceu um pouco hesitante pra falar ou fazer algo.
Uns minutos lá e ela puxou o garoto de volta pros andares inferiores, onde eles acharam mais um ambiente, mas dessa vez a batida eletrônica era mais industrial. Ali as pessoas pareciam estar mais alteradas e dançando mais. O lugar parecia um galpão enorme, com ventiladores grandes nas paredes que emitiam luzes por trás deles, correntes grossas no teto, luzes mais frenéticas e fortes. Dando uma aparência no minimo intrigante e punk para o lugar.
O bar que ficava aos fundos daquela pista era mais rustico que o bar do salão de cima, obviamente quem tinha criado aquela boate quis dar o ar mais pesado pra onde os dois estavam agora.

- Acho que isso era tudo que tinha pra ver. – Finalmente ele falou.

- Sim. Boates não tem nada de novo, aliás, essa não se compara à que eu fui na Espanha. Precisava ver, andávamos por uma passarela suspensa no ar. E a pista de dança ficava embaixo, lotada de gente. As paredes eram de vidro, tinha um elevador também de vidro e o DJ ficava num balcão suspenso numa parede, e o som... – Brigith estava gesticulando pela sala e parou quando viu Josh deixar um riso escapar. – Que foi?

- Você fica engraçada quando fala assim...

- Agora eu sou a palhaça pra você? – Ela sorriu, arqueando a sobrancelha.

- Não. É que eu realmente gos... – Foi interrompido quando uma musica mais pesada começou a tocar, Brigith falou mais alto que o normal.

- Essa musica! Eu amo essa musica! – E correu pra multidão, se entregando novamente à sua dança. E Josh suspirou, observando ela ir.

Mentalmente ele disse pra si mesmo que nunca iria conseguir se expressar pra ela. E caminhou praquele bar, afogando-se novamente no seu desanimo.
O som que Brigith ouviu e simplesmente não pôde resistir foi uma versão eletrônica de uma musica da banda alemã Rammenstein. Ela não gostava tanto assim do vocal presente nas musicas, mas o som pesado da banda nunca deixava a garota completamente parada. Apesar de ela não ter bebido quase nada, correu igual uma louca desesperada para o melhor lugar na pista, onde começou a dançar de um jeito mais agressivo e sensual que antes.
Balançava a cabeça, sentindo seu cabelo negro chicotear seu rosto e pulsos, que ela erguia na altura da face às vezes, movia os quadris sincronizadamente com a música, abaixava-se lentamente e erguia-se rapidamente, como se cada decibel emitido pelas caixas de som gigantes estivessem possuindo seu corpo. Aquele ritmo era tão quente que acabou apagando completamente o frio que ela sentia antes, já conseguia se sentir suando por debaixo das vestes que ela tinha escolhido.
E dessa vez ela conseguiu chamar toda atenção ali pra si mesma. As pessoas ao redor gritavam, “elogiavam” ela de formas rudes. Muitas pessoas tentaram se aproximar, mas se sentiram intimidadas demais pra isso. Ninguém ousou interrompê-la, alguns até tentaram acompanhar. Com aquele sorriso satisfeito e provocante se formando no seu rosto, ela conquistou aquele ambiente todo pra si. Esgotou quase toda energia que lhe tinha sobrado naquela hora, e no fim da musica ela ergueu a mão esquerda pro alto, recebendo mais uma saraivada de urros e palavras que aumentariam o ego de qualquer garota normal.
Conseguiu ver Josh totalmente impressionado ali no fundo e foi pra ele que abaixou braço e imitou com os dedos uma pistolinha charmosa, o deixando sem jeito diante de tantas pessoas, como sempre. Alguns homens deram tapinhas orgulhosos nos ombros do menino por isso, e Brigith riu. Virou-se pro outro lado.
Estava exausta, tonta. Mal conseguia respirar ou ver alguma coisa nítida.
Provavelmente agora muita gente viria falar com ela. Deveriam vir, mas não vieram.
Ela só foi notar que tinha algo errado ali quando percebeu que umas pessoas estavam fascinadas por outra coisa além dela. Brigith não era a principal atração daquela pista, não tinha sido em momento algum. Mas aquele seu showzinho tinha atraído a atenção da verdadeira dona dessa noite. Ela mal conseguiu vê-la se aproximar.
A ultima coisa que sua visão captou foram um rosto muito branco e cabelos curtos, pretos. E olhos verdes. Verdes esmeralda. Aquele tom intenso e inconfundível.
Seu coração parou no exato momento em que ela viu que já estavam próximos demais, quando sentiu a caricia úmida, quente e tentadora nos seus lábios. Ela tinha acabado de ser beijada não? Mas a sensação que aquilo lhe trouxe foi a mesma de ter desmaiado.
A excessão é que ela continuou sentindo aquela língua pequena, doce e sutil transformando sua boca em um playground.
Não ouviu nada. Os gritos ensurdecedores, como se comemorassem algo.
Não viu nada. As pessoas rindo, batendo palmas e se agitando.
Talvez porque ela mesma não quisesse nada agora além de se entregar.
O mundo todo tinha desaparecido.

“Você vem comigo sua idiota. Eu não deixei você voltar aqui.”
Foi a frase que ecoou na sua cabeça antes de ela notar que tinha sido puxada pra fora daquele salão. Viu escadas, estava subindo-as. Viu uma mão delicada, enfeitada com uma pulseira de couro com espinhos metálicos, segurando seu pulso com firmeza. Viu saias pretas, pesadas, como as que ela costumava usar. Botas de couro muito longas, que deixavam visíveis o contorno de pernas grossas e atraentes. Viu uma jaqueta de couro, parecida com aquelas usadas por motoqueiros, com uma cobra incrivelmente detalhada, estampada nas costas. E viu cabelos negros, mais escuros que os seus, e mais curtos.
Sentiu um perfume estranho, enigmático. Estranhamente familiar.
Foi arrastada praquela sala escura nos andares superiores, e jogada cuidadosamente em um dos cantos da parte mais sombria. Não conseguia ver mais nada.
Só ouvia aquela voz infantil, macia e traiçoeira:

- Tá aqui desde quando?

- Fazem uns dias... – Respondeu atordoada.

- Cadê a Yuna? Ela tá aqui também?

- Não, mas ela está viva. Eu sei.

- Claro que está! O que diabos você tem? Tá drogada? Bebeu quanto pra dançar daquele jeito? – A garota que tinha arrastado ela pra escuridão estava de costas pra ela, verificando se não tinha ninguém ouvindo o interrogatório. – Por que cortou o cabelo?

- Eu não uso drogas. E sempre gostei de dançar, o que você tá falando? – Esfregou o rosto, forçando-se a voltar a um estado racional – Por que me trouxe aqui? O que quer?

- Acho que eu saquei. – Dessa vez ela sentiu uma mão aberta atingir a parede, do lado da sua cabeça. – Você não é ela, é? Por que você tem esse rosto então?

Seus olhos arderam quando aquele monitor pequeno de celular acendeu na sua cara. A luz era forte, foi o suficiente pra iluminar o rosto de ambas. Brigith conseguiu enxerga-la dessa vez. Tinha cabelos escuros, curtos, com duas mechas lhe escorrendo pelo rosto. E aquele rosto não possuía um único defeito. Parecia uma boneca esculpida por algum nome como Michelangelo ou Lúcifer. Seus lábios eram pequenos e volumosos, nariz também pequeno e perfeitinho, olhos verdes. Intensos. Identicos aos de Anita.
Ela já tinha visto aquela face antes.

- Victoria! Victoria Sullivan, é você. – Brigith sorriu como se tivesse certeza que tinha ganhado na loteria. Imaginando o crédito que conquistaria se ela conseguisse levar Victoria de volta pra Anita.

- Você não é ela. Como foi que você conseguiu esse rosto? – O olhar da garota se tornou agressivo. Brigith sentiu medo, como se uma mão gigante estivesse a espremendo contra uma parede. – Qual é seu nome?

- Meu nome? Elisha Sayonomi. – Resistiu ela.

- Melhor não brincar comigo sua demoniazinha. – Victoria sorriu, um simples sorriso e Brigith sentiu algo semelhante a ter cada uma de suas entranhas serem pressionadas umas contra as outras – Esse modelo de boneca é meu. Se alguém copiou, eu vou quebrar. Ninguem mais pode ter.

Brigith ficou em silencio. Acuada.
Não tinha ideia do que dizer. Não sabia o que Victoria faria se descobrisse que ela era Brigith Velmont. Da Black Rose. Herdeira de Ophelia Velmont.

- Brigith. – Murmurou Victoria – Isso... Eu sei. Brigith Velmont, não é? Só pode ser.

- Não conheço tal pessoa.

Como ela sabia? Aquela garota podia ler pensamentos como Ophelia acreditava?
Era um absurdo acreditar nisso, mas foi impressionante saber que Victoria sabia quem era ela.

- Ah, qual é! – A garota dos olhos verdes se afastou tendo uma crise de risos. Olhou pra ela por cima do ombro – Corta essa pose de “Eu não sei de nada, só sou muito parecida com alguém que você conhece.” É você quem Anita queria usar contra mim, não é?

- Infelizmente eu não posso te matar. Mas você não está mentindo, tem gente da seita aqui comigo. Uns cinco homens da minha família e alguns dos Kaori. Acho que você deve se entregar de uma vez e voltar ao seu lugar no seu clã. – Cedeu ela, com uma mentira.

- Mesmo? – Victoria foi parando de rir, enquanto se aproximou pra olhar diretamente pra ela de novo. Brigith a encarou com firmeza, mas a garota disse num tom zombeteiro: - Nah! Você está mentindo. Essa sua cara denuncia o quanto você é uma vadiazinha mentirosa.

- Tsc.. – Brigith não conseguiu evitar a feição irritada. Mas era um equivoco de Victoria se ela achava que Brigith estava sozinha. Discretamente ela colocou a mão no bolso, onde o celular estava. De algum modo ela precisava contatar Sadako. A garotinha conseguiria dar conta daquilo com certeza. – Você se apaixonou por alguém com cara de vadiazinha mentirosa?

- Me apaixonar? – Victoria riu – Entendi seu ponto. Mas não. Ela não tinha a mesma cara que você. Doar sua alma pra minha mãe transformou essa sua cara numa versão insipida dela.

- Gozado... Todos os amigos dela que conheci aqui disseram que eu sou uma versão bem melhorada da minha irmãzinha.

- Ah, você não esperava que seres humanos reconhecessem o que é bonito de verdade nesse mundo, esperava? – Aquela garota segurou o rosto de Brigith, avaliando-a. E ela não teve coragem de reagir – Mas você disse irmã?! Cara, eu amo Anita. Ela sempre tem uma surpresinha escondida pra mim.

- E o que pretende fazer comigo agora?

- To pensando lindinha. – Victoria parecia mesmo estar perdida em pensamentos aquele instante. Se ela tentasse algo agressivo, Brigith acreditava que poderia dar conta dela em uma briga. – Você veio cheirar o que nessa cidade?

O que falar? Que ela tinha ido ali pra descobrir mais sobre sua família biológica? Dizer que era a gêmea de Elisha e que era líder de um dos clãs da Black Rose? Não podia dar tanta informação pra Victoria assim.

- Me encontrar com Vincent Sullivan. – Foi a primeira coisa que ela pensou.

- Vince? Aquele imprestável? Conhece ele? – Agora Victoria estava fazendo suas perguntas como se elas fossem velhas amigas. Tinha se afastado dela e cruzado os braços, encarando Brigith. Que se aproveitou pra tomar uma postura mais leve.

- Conheci uns dias atrás. Pensei em ficar uns dias a mais na cidade e “coincidentemente” você estava aqui.

- Mas vocês já sabiam que eu estava aqui. Vincent deve ter contado.

- Você o avisou que vinha?

- Aham, de que outro jeito ele iria saber? Eu gosto de fazer meus joguinhos. – Ela sorriu, Brigith não fazia idéia do que ela planejava avisando a Black Rose que estava em Sleepy Hill.

- Veio se encontrar com Luise Kayoshi, não é?

- Não. Ela tá aqui? Não gosto daquela hippie traiçoeira.

- Ela está ajudando você a esconder a filha dela e a minha irmã. Estou correta? – Victoria parou de sorrir e olhou pra ela. Com uma expressão surpresa. Talvez. – Usou Jin Kusanagi como testemunha da morte da minha irmã. E ocultou o fato de Yuna Kayoshi ter voltado à vida, escondeu as duas em algum lugar pra impedir Anita de usá-las pra chegar em você. E agora veio se encontrar com Luise pra checar a situação e confirmar se elas estão bem. Eu sei do pequeno triangulo amoroso que vocês tinham. – Na verdade era um chute. Embora ela tivesse quase certeza.

- Wow. Isso foi mais rápido que pensei! – Dessa vez a feição surpresa de Victoria passou pra outra forçadamente dramática e irônica – Vocês me pegaram. Vai fazer o que? Torturar Luise pra saber onde elas estão? – Mais um sorriso.

- Receio que vocês não seriam tão burras. Nem você e nem ela devem saber onde estão as duas. Não tem como obter isso de vocês.

- Você é mais esperta que a Elisha sabia? – Victoria caiu no riso – Quer dizer, ela até adivinha uma coisa ou outra na intuição. Mas você pensa sobre o assunto e dá uma explicação toda engomadinha e ainda faz essa carinha de cdf.

- Você devia desistir. Por que está resistindo tanto à Anita?

- Eu sou a filha rebelde. – Respondeu rápido – Não tenho um motivo. Não luto por nenhuma causa. Só faço isso porque é divertido.

- Diversão? Anita está tentando manter alguma ordem na seita. Se não fosse seu gênio infantil, o único problema seria o tal do Kasuya Ishida. – Agora ela parecia uma irmã mais velha dando sermão na caçula irresponsável. Queria entender Victoria.

- O Kasu-chan? Ele é lindinho né? – E ela parecia mesmo uma pirralha irresponsável.

- É um egoísta. Tanto você quanto ele. Tem gente morrendo por causa dessas revoltas contra nós. Ele mesmo matou dezenas de pessoas no atentado que fez à Anita.

- Brinquedos frágeis quebram. – Respondeu ela enquanto fuçava o próprio cabelo.

- Não compare vidas humanas com brinquedos! Vocês são apenas dois, e nem estão unidos pelo que eu saiba. O que acha que podem fazer contra a Black Rose?

- Você vai ver.

- Se você esperar é você quem vai ser a próxima líder. É isso que você quer? Poder total sobre a seita? Por que não pode esperar chegar sua hora? É a herdeira de Anita. A Black Rose vai ser sua. – Dessa vez Brigith ousou dar alguns passos na direção dela – Se você voltar pode eliminar aquele Kasuya. E tudo volta a ser pacifico como antes.

- Cala boca. – Brigith paralisou quando aqueles olhos se ergueram pra ela – Como você é insistente e irritante! Eu já disse que estou querendo ferrar a Anita porque eu acho que seria divertido. Não quero nada da Seita escrota de vocês.

- É isso? Quando esse confronto de vocês estourar, milhares de pessoas vão morrer. E você está fazendo isso por capricho?

- Duuuh... Finalmente entendeu. – Ela deu um risinho e clareou as unhas com o celular, observando-as – Acho que vou deixar crescerem.

- Inacreditável. – Brigith parecia chocada com aquilo. Era possível que era inocência? Que Victoria não tinha noção da gravidade das coisas? Ou ela era mesmo tão desumana assim?

- Decidi o que vou fazer com você! – A menina dos olhos verdes bateu uma palma única, olhando pra ela com um sorriso malvado. Brigith sentiu um aperto no peito.

-... O que?

- Vou te mostrar o motivo pelo qual eu quero acabar com a Anita. – Então ela virou-se de costas e caminhou para a porta de saída – Não vai demorar tanto. Isso tá corroendo você por dentro ahn? – O estomago da garota gelou. Ela sentiu algo amargo lhe subir pela garganta, Victoria tinha olha pra ela mais uma vez. De um jeito frio. Aqueles olhos eram como adagas atravessando seu pescoço – Mais cedo ou mais tarde seu corpo não vai resistir. Ai você vai ver o que Anita quer de você. Na verdade ela não tem interesse algum em você.

- Do que está falando? – O corpo dela começou a tremer. Como se ela soubesse o que era, mas estivesse tentando ignorar o tempo todo.

- Nesse jogo você é como o Rei. E todas as peças do tabuleiro tem que proteger você. – Um sorriso sinistro se formou nos lábios dela – Mas sabe fofinha... Anita não quer o Rei. A peça que ela quer é a Rainha.

- O que quer dizer com isso? Responde! – Dessa vez ela berrou.

- Afinal de contas... Pra que serve o Rei? Apenas pra atrapalhar e fazer você perder todas as peças mais fortes do jogo. Me diz Bri... É assim que te chamam né? O xadrez não seria bem mais divertido sem o Rei? Aí poderíamos jogar até todas as peças estarem fora de jogo. Sem ninguém pra atrapalhar ou ser um peso morto. Não é assim que você se sente?

- Eu não sou um peso morto pra eu clã. Não seja ridícula!

- Claro que não é. Quem foi que insinuou isso? – Victoria piscou, e gesticulou uma pistola pra ela. Igual ela tinha feito pra Josh mais cedo – Cuidado com o chequemate, linda.

Por fim, Victoria saiu correndo pela porta. Rindo igual uma criança.
Brigith teria a seguido se conseguisse se mover. Mas estava sentindo seu corpo amolecer aos poucos, sentia ânsia. Vontade de vomitar. Um gosto terrivelmente amargo na boca. Ela escorreu pelas paredes até se sentar no chão.
Então ligou para Sadako. Mas o telefone tocou até a ligação cair. Mandou uma mensagem de texto pra Vincent. Dizendo que tinha visto Victoria, e o nome da boate.
Em seguida ligou pra Josh.

“Vem pra sala escura, agora.”
Foi a única coisa que ela conseguiu dizer depois de tudo.

Quando ele chegou, novamente Brigith se jogou nos braços dele. Estava extremamente perturbada com as palavras de Victoria. O garoto ainda estava alcoolizado, acabou por perguntar um “Que houve, foi estuprada?”, mas Brigith nem sequer respondeu. O que o fez mudar de postura e perguntar de um jeito mais sério:

- O que houve? Você tá branca além do normal.

- Eu a encontrei. A filha da Anita.

- Você tava no meio da pista, não vi quando sumiu.

- Ela me beijou e me puxou pelo braço até aqui. E me ameaçou... Disse coisas que estão me deixando paranoica demais.

- A menina tava armada?

- Não... Não estava com nada nas mãos ao menos. Só tinha aqueles olhos idênticos aos de Anita. – Ela apertou a blusa dele, falando com a voz tremula – Eu estou com medo. Tenho muito medo de tentarem fazer algo contra Ophelia.

- São apenas olhos. Por que tanto medo? E nada pode chegar naquela pirralha. A mansão tem uma segurança boa, lembra?

- Você nunca se encontrou com uma das lideres dos Sullivan antes Josh. Parece ridículo, eu sei. Até aqui você acha essa história de bruxaria papo-furado, mas tem algo nos olhos delas que não é normal! Parecia que ela ia me rasgar no meio, só de me olhar.

- Se você diz...

- E Ophelia está segura na mansão mesmo. Quanto a isso posso ficar sossegada. – Brigith suspirou e se afastou dele, tentando reganhar sua compostura - Vamos embora. A noite acabou pra mim...

Sairam de lá vagarosamente, Brigith estava agarrada no braço de Josh.
Chisame e Sadako estavam no mesmo lugar de antes, mas dessa vez a garota cor de rosa estava no sétimo sono. Deitada no balcão do bar.
A loira se adiantou:

- Eu fiz de tudo pra tentar tirar o copo dela! Mas ela é muito rápida, sempre desviava o copo das minhas mãos. Eu juro que não a deixei beber assim, me desculpem, por favor! – E fez uma pose de súplica, juntando as duas mãos.

- Tá tudo bem. Nós já vamos voltar... – Respondeu Brigith, inquieta.

- Por quê? Que houve? – Chisame ficou apreensiva. Olhando os dois com os olhinhos curiosos.

- Eu não estou passando bem. – Bri sorriu de um jeito fraco – Você e Emily podem ficar.

- Não, não! Garanto que a Emi-sensei está num estado péssimo também. Melhor irmos todos embora. – A morena respondeu aquilo com outro sorriso – Vou procurar ela e já volto. Peçam por um taxi já.

Brigith soltou Josh, fazendo-o pegar Sadako no colo pra leva-la pra fora.
O rapaz pareceu um pouco desconsertado com aquilo, mas talvez até tivesse gostado um pouco. A morena sabia que dentro daquela mente perturbada dele, até pra Sadako teria uma fantasia pervertida guardada.
Já do lado de fora, conseguiram um taxi e colocaram a menina adormecida no banco de traz. Novamente no colo de Brigith. Emily e Chisame sairam talvez uns quinze minutos depois.
E de fato, Emily parecia esgotada.
Seus cabelos estavam despenteados, aquele casaco que ela estava usando tinha desaparecido do seu corpo e uma das alças daquele vestido estava estranhamente lhe caindo dos ombros. Só faltou o salto quebrado, mas ela estava com os sapatos nas mãos. Descalça.
Aquela mulher sim sabia “curtir” a vida ao máximo.
Alguns resmungos vindos de Emily sobre elas estarem indo embora cedo e todos entraram no taxi, e saíram dali.

- O que a donzela teve? – Perguntou Emily cheia de sarcasmo, durante a viagem de volta.

- Só uma indisposição. Vocês não precisavam vir.

- Sem chances. Eu sou a responsável de vocês por enquanto.

- Somos maiores de idade.

- Mas a Emi-sensei ama bancar a “responsável”. Apesar de ela na verdade ser bem irresponsável. – quem se meteu na conversa foi Chisame, e riu um pouco do que tinha dito sobre Emily. Mas se arrependeu quando viu a professora se esticar para o banco de trás, tentando acertar um tapa nela.

- Vem aqui sua anã miserável! Vou calar sua boca!

- Senhora, por favor. – Foi o taxista. Um negro gordo, com cara de mal-humorado.

- Em casa você vai ver. - virou-se para o taxista - E senhora não! Eu ainda to bem nova, entendeu? Faça a porcaria do seu trabalho ou vai receber menos. – Esbravejou Emily. Voltando ao seu lugar. O taxista ficou com o mesmo medo que Chisame teve.

Brigith riu da cena delas, ainda se sentindo oprimida de alguma forma. Distraiu-se olhando as luzes da cidade passando por ela e por fim se distanciando. Iria ligar pra Ophelia mais tarde, sentia que precisava. Era melhor falar com ela que se encontrara com Victoria Sullivan.
E amanhã seria Luise?
Bri não estava nenhum pouco acostumada em se encontrar com tantas outras famílias assim. Os únicos que ela aprendeu a aturar desde criança eram os Archer, já que o pai de Louis e o próprio Louis eram amigos de Ophelia. E aliados oficiais dos Velmont.
Claro... Eram animaizinhos fiéis dos Sullivan também, todos eram. Mas eram mais amigos de Ophelia do que de Anita, com certeza.

Alguns minutos depois ela avistou a casa de Emily, o carro parou, quem pagou dessa vez foi a professora. Já na rua Chisame se apressou pra abrir a porta e Josh carregou Sadako novamente. Brigith iria entrar em casa se não tivesse visto algo curioso ali.
Tinha um gato preto, sentado do lado em uma das janelas de Emily. A garota caminhou até ali e esticou a mão para o animal, tentando tocá-lo. E estranhamente o gato cheirou o dedo da garota e roçou o nariz contra ele. Estranhamente, ela sentiu que o bicho a reconheceu.
O que se enfatizou quando o gato pulou no chão e começou a se esfregar contra as pernas dela. Brigith nunca tinha apreciado animais de estimação, mas achou aquilo agradável. E se abaixou pra acariciar a pelagem preta dele.
Isso até que notou Emily estática na calçada. Estava olhando pro outro lado da rua.
Brigith conseguiu sentir o mesmo frio na espinha que ela.

Do outro lado, estava parada uma garota de branco.
Os cabelos eram negros, ondulados. O olhar triste. Era uma menina magra e pálida, Brigith acreditou imediatamente que se tratava de um fantasma. Pois sentiu uma energia extremamente negativa emanando dela.
A garota de branco encarou Brigith por uns segundos e se afastou, desaparecendo na escuridão. Bri ergueu os olhos pra Emily, pegando o gato no colo.

- Você viu aquela mulher?

- Sim... É uma ex-aluna minha.

- Ufa... Pensei que era um fantasma. Que alunas esquisitas você tem. – Riu aliviada.

- Brigith... Ela morreu. Num acidente de carro no baile de formatura.

Brigith só então percebeu o terror estampado na cara da professora. Não era brincadeira, Emily parecia impressionada demais com aquilo.

- Você tem certeza? – Perguntou seriamente.

- Absoluta! Deus, eu olhava a cara dessa menina todo dia! Não tem como eu ter confundido. Vamos entrar agora, isso tá ficando estranho demais. – E quando Emily virou-se e viu o gato no colo da morena, soltou um grito – Merda!

- O que foi?

- Esse gato! Essa porcaria desse gato! – E tomou ar, tentando recuperar o folego – Eu juro que pensei que você fosse a Elisha agora.

- Eu já expliquei...

- Eu sei, eu sei. Você é a irmã dela. Mas essa merda desse gato no seu colo! É o gato de estimação da sua irmã. Tinha sumido quando ela morreu e ai está agora, no seu colo!

- Deuses... – Brigith começou a ficar com medo daquelas coisas. Apesar de ser uma bruxa, ela não se sentia feliz em estar metida com historias de fantasmas.

- Vamos entrar, já! – Emily a segurou pelo braço e puxou pra dentro.

- Vou levar o gato ok?

- Tudo bem, tudo bem. Mas se essa porcaria entrar no meu quarto eu rodo ela pelo rabo e jogo no meio da rua! Que fique claro!

Então as duas entraram.
Emily fez Josh dormir no quarto dela, num edredon forrado no chão.
Brigith também ficou assustada com tudo aquilo e se deitou com Sadako. Ficou boa parte da noite acariaciando aquele gato misterioso. Amanhã o dia seria interessante não?

Ela estava apaixonada por aquela cidade.
Uma paixão assustadora, que fazia seu coração congelar de medo.
Um medo que talvez fosse mata-la se ela continuasse ali mais tempo.
Talvez Sleepy Hill também fosse apaixonada por bruxas.