sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Capítulo 7 – Sleepy Hill

“Mais uma vez a princesinha abandonou seu palácio, dessa vez levando consigo aquela felina cor-de-rosa e seu mais leal escudeiro. Juntos eles viajaram por um tempo a bordo daquela ave mágica de metal. Para um outro vilarejo sombrio chamado Sleepy Hill. A princesa sabia que algo a aguardava naquele pequeno vilarejo amaldiçoado.

Mas no momento ela estava sendo atacada pela TPM, tinha chorado por muito tempo por sentir falta de algo que ela não sabia o que era. Puro drama idiota de uma típica patricinha mimada. Nada é tão perfeito afinal...
Não crê? Princesas encantadas também tem TPM.”

O vento cortava a noite como uma faca afiada poderia cortar um papel de um jeito ridiculamente fácil. O mero contato com a pele fazia o ar “queimá-la” por causa de tanto frio. E o tempo deveria estar esquentando. As bizarrices começavam por ai.
Brigith levou Josh consigo dessa vez, como tinha pensado em fazer antes. E até agora ele estava sendo ótimo na função de carregar malas. Sadako obviamente foi junto com eles, com certeza aquele era o trio mais incomum no aeroporto da capital canadense naquele dia. Haviam conversado bem pouco, Josh parecia mais feliz que o normal nos últimos meses e estava mais carinhoso com Brigith também. Algo que a morena achou um tanto estranho, mas não reclamou. Só gostava de dizer coisas como:

“Aprendendo a parar de se reprimir e bancar o sarcástico um pouco? Isso é bom pra você.”

E bom para ela também, não podia negar que estava odiando ficar sozinha. Mesmo que por pouco tempo isso era insuportável demais. Começava a sentir um desespero horrível corroendo-lhe o peito, saudades de Ophelia, vontade de chorar (Que era algo que ela não conseguia conter) Josh era ótimo pra fazer ela se sentir dona de algo. Sabia que ele sempre estaria ali, não importava o que ela fizesse. E Sadako era boa na parte que cabia à Ophelia.
Servir de algo pra apertar e dormir junto.
Um fato bem bizarro também que envolvia Sadako, ela era uma garota passiva demais e até carinhosa. Às vezes parecia um gato pedindo por atenção. Não era raro que ela abraçasse Brigith sem mais nem menos e é claro, ela não rejeitaria uma garotinha tão meiga. Já Josh parecia ter medo da pequena. Nada surpreendente.
Ela era uma Kaori afinal. Uma fusão de artes mortais japonesas com chinesas. Pra qualquer fã de mangás imaginar isso daria medo realmente.

A viagem para aquela cidadezinha foi mais cansativa que o previsto. E o que exatamente ela iria fazer lá? Por que Sadako queria que Brigith fosse pro Canadá?
O aeroporto ainda estava em construção em Sleepy Hill. Uma cidade em desenvolvimento, com um nome bizarro e milhares de outras coisas bizarras ao seu redor. Ela ficava dentro de florestas fechadas, Bri não quis ficar olhando pela janela do taxi. Havia algo naquela floresta que dava medo. A placa dizendo “Bem vindos à Sleepy Hill”, os subúrbios silenciosos e os prédios na área central da cidade. Tudo lá parecia tão gótico que Brigith disse um “Bem vindo à terra do Tim Burton.” para Josh. A cidade era escura também, as casas e cores eram. Nos subúrbios não havia ninguém na rua, nenhuma alma viva ao menos.

- Que tal me dizer por que estamos aqui Sadako? – Tentativa inútil da morena.

A garotinha digitou algo no próprio celular, que os dois nem deram conta de que ela tinha, e mostrou a telinha que exibia “Um moço vai vir explicar melhor.”, depois disso Brigith desistiu. Acharam uma hospedagem ali nos subúrbios mesmo e decidiram ficar por lá.
Depois de um pagamento gordo para o taxista o trio saiu do carro, Josh chegou a notar algumas pessoas em casas ali por perto olhando por frestas mínimas nas janelas. Isso deixou o rapaz um tanto inseguro, curiosidade era uma coisa. Paranóia outra.

- Acho que estamos num cenário de jogo de terror.

- Você nem viu a fazenda da Espanha. Aqui ao menos deve ter internet. – A morena puxou Josh pelo braço, entrando na pousada. Sadako os seguiu, silenciosa. Ela já esteve naquela cidade antes. E gostava bastante do lugar.

Quem estava do outro lado da recepção era um sujeitinho afeminado, com algum peso extra na barriga e olhos claros, cabelos crespos escuros. A primeira impressão que eles tiveram foi “Até que é simpático aqui.”
Bri fez questão de se apoiar no balcão e começar a fazer perguntas sobre os quartos. Qualidade, banheiro, lençóis e até café da manhã... Não que isso fizesse alguma diferença pra uma patricinha que poderia nadar em pilhas de dólares, mas Josh ao menos sabia o quanto a morena gostava de complicar essas coisas que pareciam “Duvidosas”.
Depois de um tempo eles já estavam no ultimo andar do pequeno prédio abrindo a porta do quarto de número quatrocentos e cinco.

- Ele é gay, com certeza. Mas acho que se eu desse em cima conseguiria algo fácil.

- Não quero nem descobrir... Você podia parar de fazer coleções de homens.

- Mas eu não faço coleção de homens. Minha coleção é mista. – A morena riu, finalmente conseguindo abrir a porta. Ela largou a chave ali e foi ver o lugar.

Uma cama grande casal e uma de solteiro, uma janela que dava direto pra rua, lençóis extremamente brancos e cobertores de um azul claro, travesseiros grandes, ar condicionado e um pequeno frigobar que ficava embaixo de uma mesa de pedra que seria para o preparo de alimentos. Pra Brigith estava bem precário, mas servia. Era confortável. Mais que a fazenda dos pais de Elisa ao menos... O que será que tinha acontecido com aquela loirinha?

- Só não fique agarrando a cor de rosa enquanto eu estiver aproveitando a solidão na minha cama. – Josh disse sarcasticamente, deduzindo que elas iam ficar na cama maior juntas.

O garoto notou que a chave tinha sumido da porta assim que ele se livrou das malas e a fechou. Chegou a abri-la novamente pra olhar do lado de fora, porém o barulho de chaves chacoalhando o fez olhar pra trás. E lá estavam elas, nos dedos de Sadako que ficou a balançar o chaveiro pra ele lentamente. Seria horrível dormir perto dela.

- Que tal brincarmos de papai e mamãe?

- Quê? – Obviamente ele pensou no tipo “divertido” dessa brincadeira.

- Dormimos todos juntos. Eu sou a mamãe, Sadako a nossa filha e você o pai. Daí ela dorme no meio. – Aquilo era besta, Josh torceu o nariz pra ela – Ou você pode ser a mamãe sem senso de humor se quiser. Eu providencio a operação de mudança de sexo.

- Portanto que a boneca assassina ai não tente me sufocar com o travesseiro...

Embora Josh tivesse gostado da idéia, Sadako era estranha demais pra ele conseguir dormir com ela tranquilamente. O olhar irritado que ela lhe lançou depois que ele disse ‘boneca assassina’ só piorou as coisas.

- Vou tomar um banho. Você vem Sadako?

Sem hesito a menina correu para o banheiro e Brigith foi atrás, trancando a porta. Josh só conseguiu sentar na cama de casal e ficar pensando em coisas obscenas. Ele trocaria Sadako por Matilda com certeza se fosse brincadeiras no banho o cenário visitado pela sua imaginação. Mesmo porque a garota dos cabelos coloridos tinha um corpo esguio e pequeno demais. Josh preferia corpos curvilíneos, iguais o de Brigith. Na cabeça dele o de Brigith era o melhor, mesmo que ele já estivesse acostumado a vê-la sempre.

Quarenta minutos depois e lá estavam eles, deitados. Sadako no meio de Josh e Brigith.
O garoto já tinha dormido assim com a morena em situações bem melhores e por algum motivo ele achava que tinha que ser mais carinhoso com ela. Coisas que aquele beijo no ano novo causaram... Estaria ele alimentando ilusões de que houvesse uma parte em Brigith que fosse apaixonada por ele também? No momento não importava, não conseguia dormir nem com todo seu esforço. Sadako estava olhando pra ele fixamente. Escondida nos braços de Brigith, mas ainda assim ele conseguia ver os olhos dela. Por cima das cobertas, entre os dois pulsos da garota. Aquilo seria engraçado, se não fosse tão assustador.
Josh tentou virar de costas. Mas sentiu o olhar da garotinha nas suas costas, e isso lhe causou um frio na espinha. Aquela praga não dormia?

- O que você quer?- Cochichou ele por cima do ombro. Olhando pra ela zangado.

Obviamente foi inútil, Sadako continuou com aquele olhar frio para ele. Até que finalmente ele desistiu e se levantou. Vestiu um casaco e saiu todo descabelado como estava, descendo para a recepção daquela pousada. A idéia era perguntar se ele poderia beber alguma coisa para o rapazinho esquisito que estava lá. Mas para a surpresa dele, não era a mesma pessoa que ele viu. No lugar do outro garoto estava um rapaz loiro de cabelos até os ombros, com cara de sono e roupas de frio. Josh poderia jurar que ele estava cochilando ali. Pensou em dar meia volta e ir pro quarto novamente, apenas pra não incomodar. Ainda eram três da manhã.

- Pode falar o que você quer. Eu to aqui trabalhando afinal. – A voz sonolenta veio do loiro, coisa que surpreendeu um pouco Josh. Que caminhou até ele lentamente.

- Não era nada demais. Só queria beber algo e me distrair um pouco. Digamos que tem uma criatura bizarra no meu quarto que me impede de dormir...

- Veio pro lugar errado se não queria encontrar criaturas bizarras parceiro. – O rapaz apanhou refrigerante no congelador atrás dele e serviu em dois copos – Fica tranqüilo. Como ninguém costuma fazer amizade por aqui eu deixo esse por conta da casa. To com sede mesmo.

- Valeu... – Josh sentou-se e pegou um dos copos, bebendo um pouco – Essa cidade é esquisita. Parece aquele vilarejo da lenda do cavaleiro sem cabeça, mais desenvolvido, claro.

- Pode apostar que sim. Tenho umas boas historias pra contar daqui. Você veio da onde?

- Finlândia.

- Até deu pra notar pela sua pronuncia esquisita, mas veio fazer o que aqui? É meio longe sabe.

- Estou acompanhando uma amiga. Ela veio procurar a família dela. – Até que o inglês dele estava ótimo agora. Pelo menos conseguia se comunicar com americanos normalmente.

- Amiga né... Qual seu nome mesmo?

- Josh Ylonen.

- Ryo Sada. – O loiro exibiu um sorriso amarelo pra ele – Nem estranhe os nomes que ouvir aqui. A maioria dos habitantes da cidade descende de japoneses. Esse lugar é como uma mistura de America e Japão. Chega a ser divertido... As meninas vestidas de colegial, sabe?

- Deve ser legal. – Josh gostava de animes, colegiais eram sempre alvo da sua imaginação – É bom trabalhar nesse lugar de madrugada?

- Se você não tiver passado no vestibular... É sim. – Ele riu baixo – Mas dá medo. Você vê muita coisa nessa porcaria de cidade de madrugada.

- Tipo o que?

- Ah cara... – Ele respirou fundo olhando pros lados, devia ter medo mesmo do que ia falar – Você vai achar que é mentira, mas na minha época de escola, um ano atrás mais ou menos, vários dos meus colegas morreram por acidentes estranhos. Inclusive num incêndio que teve num prédio por aqui, que ninguém sabe explicar como começou. Um dia desses, eu vi uma das meninas da minha sala que morreu perambulando pela rua... Isso acaba com a cabeça de qualquer um. Acredite se quiser...

- Eu acho que não duvidaria... – Claro que não. Ele conhecia Ophelia, que praticamente era uma criatura sobrenatural por si só.

- Deixando esse assunto de lado... Como a sua amiga é?

- Em que sentido? – Ele sabia em qual.

- É bonita? Namora?

- É muito bonita. E quase namora. – Bem que ele queria.

O assunto continuou por muito tempo. E os dois se deram bem apesar de Ryo ser aquele típico homem que vive apenas pra se reproduzir e morrer. Na verdade muitos homens são assim, mais do que se imagina. Até mesmo Josh. Ele pensou em um motivo pra ser diferente.
Só queria estar com Brigith, talvez fosse um motivo. Mas o que tinha de diferente? Queria estar com ela, ter uma vida de casal qualquer, nem que fosse anormal, viajar pra vários países com ela, fazer várias coisas juntos... Desde quando ele tinha ficado tão sonhador? Com certeza era aquele beijo na virada do ano. Aquilo tinha lhe dado esperanças que ele não deveria ter, sempre era nessa desculpa em que ele pensava.
Os dois rapazes se viram rindo de qualquer coisa, bêbados de sono.
Discutindo sonhos, paixões, comentando sobre corpos femininos. Que saudades ter um papo masculino causou na mente daquele garoto. Desde que sua amizade com Brigith começou ele não havia se misturado com nada além de mulheres. Ah claro, havia seus treinadores na família. Mas Aki geralmente só servia pra espancá-lo ensinando de uma maneira pratica certos golpes e o Personal Trainer, o tal Mikael, não parecia muito masculino.
E quando perceberam o dia já tinha chegado. Deviam ser quase oito da manhã quando os garotos viram Sadako parada da escada, olhando pra ambos com aquele pijama escuro e aquela expressão tão vazia.

- Ela é a prima da sua amiga? É fofa... Mas dá medo mesmo. – Cochichou Ryo.

Logo depois de Sadako, quem desceu foi Brigith, também de pijamas. E dessa vez o loiro ficou mudo. Josh não estranhou, até deu um sorrisinho se gabando por ser ele viajando com aquela beldade. Brigith perguntou o que o rapaz tinha enquanto coçava os olhos, foi então que Josh percebeu. Aquele estado estupefato dele não foi causado pela beleza de Brigith, tinha um espanto fora do comum naquele olhar. Josh cutucou o braço dele, mas o garoto levantou-se bruscamente e apontou pra Brigith, dizendo como se tivesse visto um fantasma:

- V-você! Elisha? Você não tinha... Morrido? Naquele prédio em chamas?

Josh foi quem ficou sem falar dessa vez, não entendeu porcaria nenhuma. Não conseguiu entender o motivo pelo qual Ryo estava confundindo Brigith com uma garota que já havia morrido lá naquela cidade. Mas Brigith era mais esperta.
Ah, sim! Claro que era. Aquela morena ligeira conseguiu captar imediatamente a situação, a tal Elisha só poderia ter sido a irmã gêmea dela. E aquele rapaz devia ser um amigo dela, era a única explicação para aquela alteração repentina. Ela foi rápida:

- Oh, você conheceu minha irmã?

- Irmã? Que palhaçada é essa!? A Elisha não tinha irmã! Eu estudei com ela desde moleque!

- De fato, nós não fomos criadas juntas. Mas se você era tão próximo dela deve notar algumas diferenças básicas. Como o sotaque, por exemplo, eu sou finlandesa. Ela era canadense.

Então Ryo se acalmou aos poucos, abaixando aquele dedo.

- Verdade... Você fala de um jeito muito diferente do dela. Ela era antissocial... Só falava se fosse pra mandar você morrer ou calar a boca.

Brigith riu. Era engraçado estar descobrindo coisas sobre a sua irmã enfim, não imaginava que ela fosse esse tipo de menina revoltada com o mundo. Pra ela, o mundo era ótimo. Era dela. Por que perder tempo o odiando?

- Eu vim pra cá justamente por isso. Não sabia onde ela estava, e agora recebi notícias de que ela está morta. Quero saber mais sobre, poderia me dizer o que sabe?

Ryo então cambaleou pra trás e tomou um copo d’água, terminando de se acalmar enquanto dava outra olhada pra Josh. Que acenou com a cabeça para ele, tentando encorajá-lo.

- Não sei muito dessa história. Mas conheço duas pessoas que poderiam te contar melhor. Quer telefones ou endereços?

- Sim, ficaria muito grata. – Brigith estava se divertindo ao vê-lo analisando ela de cima pra baixo, tinha certeza que aquela era a situação mais bizarra da vida daquele atendente.

- Um é amigo meu... Jin Kusanagi. Ele tá iniciando carreira na policia, acho que você consegue achar ele lá. Mas eu passo o telefone e o endereço dos pais dele. – Apanhou um papel e escreveu nele com pressa – Só um aviso. Ele gostava da sua irmã bem mais que eu, então o choque dele quando de te ver vai ser muito pior.

- E a segunda pessoa?

- Professora Emily Locke, do Dark River. Não sei como achar ela além desse colégio, mas se você souber onde sua irmã morava aqui é fácil achar. Fiquei sabendo que elas eram vizinhas, é só perguntar onde seria a casa dos Sayonomi. Claro, a casa já era também num acidente... Então a Emi-sensei tinha abrigado a Elisha depois disso.

- Emi-sensei? Vocês tem costumes japoneses aqui?

- Muitos. – Riu, desastrado. Ainda nervoso com a situação. – Falam que essa cidade é um pedaço do Japão na América, vai entender. Eu não sei nada sobre história. – Repetiu ele, como havia dito para Josh antes.

- Entendo. – Ela apanhou o papel e sorriu para o garoto, que ficou mais surpreso ainda – Pode nos servir o café então? Pretendo iniciar minha investigação o mais cedo possível.

- Claro moça! – Foi para a cozinha rapidamente, dizendo ainda num tom alto – Olha, se a Elisha visse você ela ia ter um treco. Eu mesmo nunca tinha imaginado ela tão elegante e “melhorada” antes de ver a senhorita. E simpática principalmente!

- O nome é Brigith. Brigith Velmont. – A morena riu divertidamente, ir pra lá foi mesmo uma idéia interessante no fim das contas. – E você não dormiu nada não é?

- Hmm... – Josh ficou sem responder essa.

- Você vai dormir. Eu vou ter que ver essas duas pessoas sozinhas, quero você com disposição à noite. – Ele pensou em coisas pervertidas de novo. Nem questionou.

O café foi tranqüilo e Brigith amável, como sempre fora naquela sua máscara tão convincente de menina popular. E Ryo estava boquiaberto com aquilo. A irmã da morena devia ter sido mesmo um diabo com aquelas pessoas, e ela mal podia esperar pra conhecer as pessoas mais próximas. Até pensou em se apresentar falando “Olá, sou a Elisha, lembra-se de mim?” com certeza ela obteria feições impagáveis na cara das pessoas. Seria maldade demais?
Seria ela a gêmea má ou a gêmea boa?

Mais tarde ela tomou um banho e colocou um moletom preto, com saias vermelhas de riscas negras. Perfumes, sua jóia no pescoço, maquiagem, tudo que ela tinha direito e da melhor forma que o dinheiro poderia lhe dar. Sobrou até para Sadako, que não reclamou mesmo quando Brigith maquiou ela igual à uma bonequinha de porcelana, passando o batom vermelho apenas no centro dos lábios delicados da garota. E quando elas desceram aqueles dois palermas ainda estavam lá conversando sobre atrizes canadenses. Mas pararam pra admirar as garotas, cessando o dialogo.

- Estamos indo. Estou adequada pra fazer visitas aos amigos da minha irmã?

- Acho bem obvia a diferença entre você e a Elisha agora. – Ryo estava impressionado ainda.

- E ela tá parecendo um Pokémon. – Esse comentário foi de Josh, que apontou pra Sadako um pouco antes de ele e seu novo amigo começarem a ter crises de riso. Mas bastou um olhar de Sadako pras risadas pararem.

Depois de consolar a pequena e dizer que ela podia dar um chute em Josh mais tarde, elas foram pra um ponto de taxi. Quem visitar primeiro?
Sua lógica dizia que era melhor começar com a professora, já que era dia de semana e provavelmente as aulas estariam no finzinho naquela hora da manhã. E assim foi, o destino era o tal colégio Dark River.
Ao chegar, Brigith passou pelos portões que pareciam aqueles de cemitério. Escuros, com lanças. Aquela cidade inteira devia ter sido projetada por um coveiro, não seria impressionante. Então só teve que pedir informações até chegar em um dos prédios da escola, no qual ela pôde achar a secretaria. E lá ela finalmente perguntou da professora “Emily Locke”.

- A Emily? Pode aguardar naquela sala? Eu vou chamar ela.

Que sorte não? Seu palpite estava certo. Só precisou esperar sentada naquela cadeira de frente com uma mesa revestida à vidro, Sadako ficou de pé atrás dela. Brigith estava se sentindo Anita Sullivan com aquela garota lhe acompanhando assim. Mesmo que não parecesse, ela sabia que Sadako estava atenta a tudo ao redor. Como um cão de guarda. Depois de uns vinte minutos a porta se abriu, e Brigith ouviu os risos. E então uma voz dirigir-se à ela, mas nem se deu o trabalho de virar e ver. Preferiu manter o suspense e continuar de costas. Aquilo era muito divertido.

- Me desculpe a demora mocinha, estava ocupada no outro prédio.

Aquela mulher tinha cabelos castanhos escurecidos, talvez pintasse o cabelo. Estava usando um suéter roxo discreto, com jeans e tênis. Parecia ser alguém bem moderninha para a imagem de Brigith quanto a professoras. Os olhos dela eram de um azul claro lindo, transmitiam serenidade, lembravam o próprio céu. No fundo chegavam a ser até um pouco tristes, o que será que ela devia esconder por trás deles?
Primeiro ela colocou uma caneta nos lábios, analisando uns papéis, então começou a falar calmamente sem olhar pra ela, a professora até que tinha algum jeito agressivo e levemente mal educado. Mas tudo bem, Brigith iria se sentir vingada em breve.

- Me disseram que a senhorita queria falar comigo. Sobre?

- Sobre a minha família. Fiquei sabendo que você esteve um pouco com ela. – Não iria dizer “minha irmã” queria ver a cara de surpresa da mulher.

Emily ergueu os olhos para ela e quando viu aquele rosto, ficou paralisada. Nem sequer piscou, a boca dela ficou aberta daquele mesmo jeito em torno da caneta. E Brigith deu um sorriso pra ela cinicamente. Estava queimando de excitação por dentro, era ótimo causar aquela sensação nos outros. Se pudesse ela iria atrás de cada conhecido de Elisha só pra fazer isso.

- V-você está viva... ? Eu sabia! E a E-Erin? O que houve com...

Antes que a professora começasse a falar demais, depois que ergueu a mão tremula lentamente na direção de Brigith, a morena fez questão de jogar as cartas na mesa antes. Já tinha tido sua diversão.

- Me desculpe. Eu não sou Elisha Sayonomi, sou a irmã gêmea dela.

- Irmã? Ela não tinha irmãs! O pai dela mesmo me disse! – Emily se levantou, aumentando o tom de voz deixando a caneta cair da sua boca – Não ouse brincar comigo assim!

- Eu não estou brincando senhorita Locke. Meu nome é Brigith, eu sou finlandesa. É a primeira vez que vejo essa cidade, eu nem cheguei a conhecer meu pai biológico. Só descobri a existência da minha irmã uns meses atrás, estou tão surpresa com isso quanto a senhorita. Se quiser posso lhe mostrar identidades, certidão de nascimento, fotos, o que quiser! Eu vim para essa cidade exatamente para saber o que houve com ela e meu pai direito. – Bastou Brigith fazer uma carinha de vítima e a professora se acalmou. Ficou totalmente sem jeito e voltou a se sentar, suspirando.

- O seu... O seu jeito de falar, se vestir e o sotaque são mesmo bem diferentes dos dela. Desculpe-me, eu me exaltei. – Ela olhou para a mesa, melancólica. De fato Emily parecia bem mais próxima de Elisha, Brigith poderia dizer que ela estava desapontada por não ser Elisha ali. – Mas creio que você não vai ter boas noticias deles moça. Ambos estão mortos.

- Eu sei. – Estranhou bastante aquele jeito que a professora deu a noticia. Nenhum pouco sensível ela, não? – Já me deram essas notícias.

- Então por que veio me ver? – Emily foi curta, parecia irritada.

- Porque eu queria saber o que houve exatamente. E queria saber também como ela e as pessoas de quem ela gostava eram.

- Pessoas de quem ela gostava? – Emily soltou um riso irônico – Não sei se sou uma delas, mas posso te contar algo sobre ela.

- Por favor. – Brigith sorriu numa falsa simpatia. Na verdade queria espancar aquela mulher depois do jeito que ela estava a tratando.

- Elisha não era uma aluna brilhante, mas também não era uma burra. Suas notas eram medianas e ela preguiçosa demais, dormia o tempo todo nas aulas e nunca fez amigos. Era aquele tipo de menina agressiva que daria uma ótima vocalista de banda de rock caso soltasse mais a voz e tivesse os empurrões certos. – Ela levantou e foi pegar um pouco de café em uma mesinha, servindo apenas a si mesma – Mas eu só fui ficar próxima à ela depois do incidente do dia de Halloween. A casa dele teve um vazamento de gás, e o pai da menina morreu. Ela saiu ilesa, sem nenhum arranhão. – Brigith teve conhecimento desse incidente. Por algum motivo, Ophelia sempre tinha ficado atenta à família biológica dela. Algo que ela precisava perguntar à ruivinha – Depois disso ela se meteu em confusões com o Ishida da classe dela, até me deu sonífero certa vez pra sair do hospital que estava. E quando resolvemos tudo, ela foi morar comigo. Junto com uma garota que eu acabei me tornando responsável temporária.

- Ishida? –Não podia ser coincidência.

- Sim, Kasuya Ishida. Ele estudava na mesma sala que ela e quando acaba matou um dos colegas de classe, fiquei sabendo que é um criminoso perigoso agora. Então depois disso eu passei por certas desgraças familiares e acabei perdendo elas de vista. Um tempo depois soube que tinham se metido num incêndio e tinham morrido. Irônico não é?

Foi ai que a mulher não agüentou mais e puxou um cigarro do bolso, logo depois da água. As feições dela se resumiam em frustração pura. Ela parecia se culpar bastante por tudo que houve. Mas aquilo estava mesmo interessante.

- Até mesmo aquela Luise Kayoshi sumiu depois do que houve. – Soltou fumaça pro alto, falando pra si mesma. Brigith já sabia que não era mesmo coincidência – Mas sabe do mais engraçado? Um ex-aluno meu, Jin, esteve no incêndio. E mencionou uma tal de Victoria, disse que ela levou a outra menina amiga de Elisha embora da cidade, a beira da morte.

Aquilo era como achar um ninho com ovos de ouro. Luise Kayoshi, Kasuya Ishida e Victoria Sullivan mencionados na mesma história. Dessa vez Brigith tinha se interessado a fundo no que tinha acontecido ali. Três líderes de famílias da Black Rose tecnicamente...
Luise Kayoshi era a matriarca do clã da Rosa Branca, os wiccanos, a família Kayoshi.
Kasuya Ishida o líder rebelde do clã de guerreiros milenares japoneses, que tinham ligações com a Black Rose devido às relações que eles criaram com as bruxas irlandesas.
E Victoria Sullivan... Era a princesa da Black Rose. A filha de Anita Sullivan, a herdeira dos Sullivan que por sua vez era a parte da seita que havia caminhado mais longe em direção às trevas. Aquilo era demais, Brigith sentiu até calor quando ouviu aqueles nomes todos.

- Se quer detalhes, devia perguntar pessoalmente a ele...

- Está na minha agenda. Ele é o próximo que vou visitar. – Brigith a interrompeu, se levantando. Não precisava mais daquela fumante rude, sabia que ela já tinha dito tudo de interessante que poderia dizer.

- Parece empolgada com isso.

- Pra ser sincera, sim estou. Eu adoro mistérios.

- Foram eles que levaram Elisha a morrer daquele jeito. – Emily ergueu a sobrancelha, como se quisesse desanimar a morena. Enquanto dava uma tragada.

- Então espero que eu tenha mais sorte que minha irmãzinha. – Bri sorriu e piscou para Emily, dando as costas e indo em direção à porta. Nem fez questão de se despedir pra descontar o tom de voz que a professora estava usando.

- Brigith?

- Sim? – Mas pro seu espanto, ela foi parada na porta por uma voz mais dócil vinda da mulher.

- Se você quiser, pode ficar na minha casa enquanto estiver na cidade, tudo bem? Elisha morava lá... Então eu acho que seria bom... Você sabe, receber você lá. Como cortesia.

Primeiramente Brigith ficou um pouco tocada por olhar nos olhos de Emily, estavam lacrimejando. A professora desviou o rosto e fingiu estar entretida com o cigarro. Mas a morena desfez sua própria feição de estresse e sorriu de leve pra ela. Se aquilo ajudaria aliviar a culpa da mulher, então ela faria uma boa ação.
Aquela agressividade no começo da conversa devia ser mera conseqüência dos sentimentos que a professora guardava em relação à sua irmã. Ela devia se sentir responsável pela morte de Elisha. Isso era óbvio.

- Ok. Mas eu estou com mais uma pessoa além dessa minha amiga.

- Sem problemas. Eu tenho um quarto vago com duas camas e um sofá confortável, posso arrumar colchões também.

- Não, um sofá está de bom tamanho. – Como ela amava maltratar Josh.

- Combinado então. – Emily deu um sorriso simpático pra ela e anotou endereço e telefones de contato para a morena. Mais papéis para passar pro celular, coisa que ela pediu para Sadako fazer. E depois das despedidas definitivas, elas se foram.

Brigith decidiu parar em uma lanchonete pra almoçar, já estava de tarde e elas não tinham comido muito bem ainda. Pagou algo nutritivo pra ela e doces pra Sadako, ela só comia coisas doces mesmo. Por que será?
Passaram algumas horas naquele lugar até que o celular de Sadako tocou e Brigith se ofereceu para atender, mas a garotinha balançou a cabeça negativamente e colocou o aparelho na orelha. Pela voz a ligação era de um homem e a única resposta que Sadako deu foi apertar uma das teclas do celular. E então desligou, levantou-se da mesa e fez uma reverência para Brigith. Antes que a morena perguntasse algo Sadako correu para fora dali, sumindo sem deixar vestígios. A mão da garota ficou estendida na direção em que a pequenina correu, a fome dela se foi toda quando Sadako saiu desse jeito. E se ela não voltasse mais?
Graças ao seu estado emocional isso quase arrancou um choro breve da garota, mas ela conseguiu disfarçar pensando de forma mais positiva. Sadako teria que voltar, não é?

Depois de ajeitar tudo, Brigith apanhou o endereço da outra pessoa que teria que ver aquele Jin. E pegou um taxi para a casa dos pais dele, era a melhor opção até agora. A viagem nem foi demorada, em poucos minutos Brigith viu uma casa de cerca baixa, típica do Canadá. Era de madeira, dois andares e com um quintal imenso. Brigith abriu a cerca sem rodeios e foi até a porta, pelo jardim. E depois de tocar a campainha umas quatro vezes a porta se abriu, quem atendeu foi uma senhora japonesa, pelo menos tinha traços japoneses.

- Sim?

- Jin Kusanagi? Mora aqui?

- Mora, mas não está agora. Quer deixar algum recado?

- Não... Eu precisava mesmo achar ele. – Brigith fez uma feição chateada pra ver se descobria algo mais sem precisar perguntar.

- Acho que você pode encontrar ele na delegacia de policia da cidade.

- Oh, obrigada senhora. – Deu um sorriso rápido para a mulher e saiu, por sorte ela tinha pedido pro motorista esperar um pouco.

Mais algum tempo e lá estava ela na delegacia. Até que era grande pra uma cidade desconhecida daquelas, parecia um daqueles departamentos de policia de filmes de zumbi. Ou jogos talvez, Brigith ficou imaginando aquela cidade sendo infestada por zumbis enquanto ela tinha que arrumar um jeito de escapar usando uma pistola qualquer e um isqueiro. Chegava a ser engraçado ficar perdida em viagens imaginárias assim, mas ela foi abordada por um policial que notou que ela tinha passado de onde podia sem falar nada.

- E a senhorita quer o que aqui? – Ótimos modos.

- Estou procurando uma pessoa. Jin Kusanagi.

- Jin? Não me lembro de ninguém com nome japonês no departamento moça, melhor você ir embora daqui e tentar telefonar pra esse cara. – É. Aquele oficial era mesmo um grosso, mas não só ele. Brigith podia notar um ar hostil em volta de todos oficiais daquele lugar.

- É verdade. Que burra eu sou né? – Outro sorrisinho falso e ela saiu dali.

Seguiu até o lado de fora e se sentou num banco. O tempo estava esquentando um pouco, ela pôde ver anúncios de festivais de Jazz da primavera. Talvez valesse a pena conferir, mas depois. Primeiro ela procurou o numero de Jin no celular e telefonou, ia ser mais legal encontrá-lo de surpresa, mas isso já não estava mais nos planos.

Discou o numero rapidamente, e depois de uns cinco toques ela ouviu uma voz. Era firme, quase grave e com pouca animação.

- Sim?

- Jin Kusanagi?

- Sou eu. Posso ajudar em algo?

- Eu só queria fazer uma perguntas sobre alguém. Elisha Sayonomi, me disseram que você conheceu ela e me passaram seu numero.

- Sim conheci. – Brigith ouviu a voz ganhar mais vida e interesse depois de ouvir esse nome – Quem te passou meu numero? Quem é você e o que quer saber exatamente?

- Calma fofo. Primeiro nós nos encontramos, depois eu explico. E foi seu amigo, Ryo, que me passou. Coincidentemente eu vim pra cá procurando saber dessa garota e me hospedei no hotel do seu amigo. Que acabou me passando o numero.

- Não existem coincidências nessa cidade moça. Quero me encontrar com você o quanto antes.

- Conhece um lugar discreto? – Ela gostou do jeito que ele falou. Pela voz, até se sentiu atraída.

- Sim, tem um restaurante nos subúrbios que não costuma ser muito movimentado. Chama-se “Sunshine”, não tem como confundir.

- Taxistas daqui conseguem achar sem um endereço?

- Pode apostar. Estou indo pra lá agora, não demore. – E desligou o telefone apressado.

Aquele realmente seria o que ia ter a pior reação, Brigith sentiu isso pelo entusiasmo do rapaz. O que ele seria? Namorado da sua irmã? Ela tinha a leve impressão que se fosse, ela ia se sentir tentada em aproveitar a situação. Mais uma vez, taxi. E então o restaurante.
Que dia corrido aquele não?

Brigith quis cobrir o rosto de alguma forma pra poder manter o elemento surpresa sobre si mesma, mas não conseguiu achar nada descente que fizesse esse trabalho. Nem óculos escuros ou capuzes. Ela devia ter pensado em trazer algum consigo, deveria comprar depois. Após a parada em frente aquela lanchonete que era também típica da América, Bri ligou mais uma vez pra Jin. Pelo menos pra localizá-lo e pra sua surpresa alguém parado em frente o restaurante atendeu. Estava de costas, mas era loiro de cabelos curtos penteados pra trás e alto, estava com uma camisa branca e jeans surrados, segurando uma jaqueta marrom. Ela ficou parada atrás de uma pequena arvore que estava na calçada, pra evitar ser vista. Tudo isso apenas pra não estragar a cena de susto.

- Onde você está?

- Em frente o Sunshine. E você?

- Estou chegando. Como faço pra te reconhecer?

- Eu sou loiro, vou estar usando uma camiseta branca. E vou me sentar logo na entrada, terceira mesa. Se quiser ir e se sentar nessa mesa, tudo bem. Talvez eu demore um pouco mais pra chegar. – Bri viu aquele homem colocar o casaco marrom após olhar para a lanchonete e certificar-se de algo. Com certeza era ele.

- Tudo bem. – Ela deu um risinho e retribuiu pela ultima vez, batendo o telefone na cara dele.

Ficou ali até observar aquele homem atravessar a rua e ficar sentado num tipo de uma praça, de frente para a lanchonete. E ele estava com óculos escuros também.
O que será que ele estava tentando? Descobrir quem era Brigith antes de ele entrar? Isso era bem paranóico. Mas tudo bem, ela era esperta demais pra um mero agente da policia saber como enganá-la. Deu meia volta e atravessou a rua no outro quarteirão, entrando naquela praça pelo lado, não pela frente. E caminhou por ali, se desviando das crianças que brincavam num parque, até chegar sem ser notada perto do banco em que o homem estava. Por sorte, o rapaz estava tão distraído olhando para o restaurante que nem notou ela parada há alguns metros dele. Foi então que Brigith sorriu totalmente empolgada por dentro e caminhou na direção dele, dizendo um simpático e alto:

- Senhor Kusanagi?

- O que... – O rapaz olhou pra ela, ficou em silêncio por uns segundos até que se levantou um pouco trêmulo e tirou os óculos escuros. E que bonitos olhos castanhos ele tinha...

Brigith definitivamente achou que a sua irmã tinha um gosto excelente se aquele era o namorado dela. Ele parecia estático, mas continuava tentador com aquela cara de surpresa. E como a morena amava causar essas reações. Ela podia ganhar a vida como assustadora de amigos de irmã gêmea se isso fosse um emprego, aquele sorriso na face dela era de pura satisfação. E Jin estava tão imóvel que ela passou com a mão na frente do rosto dele pra ver se o tirava daquele transe.

- E-Elisha... – Ele caminhou pra ela em passos lentos – É você mesma? – E antes que Brigith pudesse responder (Ela estava em duvida se respondia), o rapaz a abraçou bruscamente. Apertando-a com força contra si mesmo.

Nessa hora ela ficou com mais duvidas ainda se contava ou não a verdade... Que tal esperar passar essa noite? Poderia funcionar. Levava ele pra cama e no dia seguinte no café da manhã murmurava um amoroso “Olha... Só tem um problema, eu não sou a Elisha. Na verdade sou a gêmea dela, mas eu posso fingir ser ela se você quiser às vezes.” Isso com certeza ia acabar com a mente do rapaz. Mas como contar agora que eles estavam assim? Ela até quase retribuiu o abraço, estava arrepiada! Seria triste cortar aquele clima.

- Ahn...

- Eu sabia que você não podia ter morrido daquela forma!

- Jin... – Não tinha problemas chamá-lo pelo primeiro nome não é?

- Por onde você esteve esse tempo todo? Droga... Eu pensei que...

- Eu não... – Então ele afrouxou o abraço e a olhou nos olhos. Seria possível que ele iria beijá-la? A vontade de ficar quieta voltou.

- Você... Tá usando maquiagem? E brincos?

A expressão dele de espanto e emoção foi substituída por um olhar confuso. Que droga! Ela teria que falar de uma vez. Porque homens interessantes sempre pensavam demais antes de agarrar a mocinha de uma vez? Bri amaldiçoou os homens um pouco antes de falar algo.

- É o que eu estava tentando dizer. – Na verdade não estava tanto – Eu não sou a Elisha.

- Ah, qual é! Não brinque comigo assim, eu me lembro de você! – Ele quase riu.

- Estou falando sério. (Mesmo que eu quisesse ser ela só um pouquinho nos últimos segundos... Deuses, que calor.) Enfim... Eu sou a irmã dela.

- Fala sério. Isso não tem graça. – Brigith o encarou com um pouco de sarcasmo e seriedade. – Como você seria a irmã dela?

- Fomos separadas por problemas familiares. Eu só soube da existência dela há uns meses atrás, então vim procurá-la. Não dá pra notar meu sotaque?

- Sim... Seu sotaque é diferente, mas... – Agora ele estava voltando a se alterar.

- Quer minha identidade? Passaporte? Falar com a minha mãe adotiva na Finlândia?

Jin fez que sim com a cabeça e Brigith entregou os documentos pra ele, obviamente não ia ligar pra Ophelia ou Aurora só pra isso. Depois de analisar aquilo por alguns minutos, o jovem devolveu as coisas pra ela e suspirou. Sentando-se novamente naquele banco e olhando pro alto. Soltando um riso frustrado.

- Me desculpe. Eu me empolguei. É que a Elisha foi importante pra mim... Um caso complicado sabe. Daqueles que você não esquece fácil.

- Eu é quem devo me desculpar por não ter dito isso de imediato. – Na verdade, foi de propósito. O pedido de desculpas não foi sincero. – Mas bem... Espero que possamos ser amigos, eu pago a conta no restaurante como pedido de desculpas, que tal?

- Então era você mesma no telefone. – Continuava com aquele sorriso de dar dó na face, mas levantou. Dando alguns passos na direção da lanchonete. – Tudo bem, mas eu pago. Não se preocupe. A culpa foi minha por me precipitar.

Brigith apenas sorriu pra ele contente e o acompanhou, sem reclamar. E murmurou pra si mesma baixinho um pedido de desculpas pra irmã falecida, caso decidisse roubar o namorado dela por uns dias. Seria interessante não?
Depois de um tempo os dois estavam sentados na mesa da lanchonete, Jin tinha pedido algo alcoólico e um lanche com ovos. Ela decidiu ficar apenas com um milkshake de rum, estava tentando parecer o mais radiante possível.

Mas Jin parecia totalmente desmotivado a ter aquela conversa. Brigith até se viu um pouco indignada com aquilo. Por que ele faria corpo mole pra falar com uma garota que era a versão melhorada da namorada dele? Será que homens interessantes também eram mais presos ao passado do que ao presente? Isso era idiotice...

- Você gostava dela tanto assim?

- Ah.. Bem... Eu fui sim apaixonado pela sua irmã. – Ele parecia incomodado pela aparência de Brigith ainda.

- Me disseram que vocês eram namorados.

- Não exatamente... Mas acho que seriamos. Se algumas coisas estranhas não tivessem acontecido, foi tudo rápido demais.

- Coisas?

- Eu ainda não sei muito sobre... Mas estou pretendendo trabalhar pra descobrir. Tinha uma amiga dela chamada Victoria, na verdade eu achava que elas namoravam. E quando Victoria veio pela primeira vez aqui os problemas começaram. – Deu uma golada na bebida, seria essa Victoria a filha de Anita? – Um colega de classe acabou matando um dos meus melhores amigos por motivos que nem eu mesmo sei, e aquele incêndio no Blue Sky...

- Você estava presente não é? – Jin parecia hesitante em falar daquilo.

- Foi a minha maior falha... Sabe, às vezes eu penso que fui eu quem deixei sua irmã morrer. Ela simplesmente saiu de si e entrou no prédio em chamas, pra tentar salvar o couro do Ishida. Eu não sei por quê... Foi o Ishida quem matou o James, por que a Elisha teria uma crise de bondade e tentaria salvar ele? – Brigith ficou calada, com o canudo na boca. Enquanto Jin parecia terrivelmente frustrado por estar relembrando essa história - Mas isso não é o pior. Victoria acabou levando uma amiga nossa, Erin, que tinha levado dois tiros dentro daquele prédio embora da cidade sem nem parar num hospital. Era como se ela quisesse somente o corpo da menina... E quanto à sua irmã, Victoria simplesmente a deixou entrar no prédio. Como se tudo aquilo tivesse sido parte de algum plano doentio dela pra matar tanto Erin quanto Elisha. E eu... Levei um tiro na perna como recordação.

- Nossa... É uma história e tanto. – Se aquele Ishida era Kasuya Ishida, com certeza essa Victoria era a Sullivan. Não restava duvidas. Então ela conheceu a gêmea de Brigith...

- O engraçado é que eu tentei pesquisar em todo lugar pela Victoria, mas não achei nada. Identidade, carta de motorista... Até os dados dela na internet sumiram todos. É como se a existência dela tivesse sido apagada. Ninguém além da Elisha sabia de onde ela veio ou quem ela era. A única ligação que eu consegui deduzir foi com a Luise Kayoshi, uma madame rica que morava em uma área de floresta na cidade. Era mãe de outra colega de sala minha que faleceu. – Tomou fôlego – Eu consegui testemunhas que viram o carro de Victoria indo para aquela casa depois do incêndio. E estranhamente, Luise Kayoshi saiu da cidade quase uns dois dias depois disso. Eu acredito que essa Luise tenha alguma culpa na parte de todos os traços de Victoria terem sumido, e que foi ela mesma quem acobertou o desaparecimento do corpo da Erin. O estranho é que os oficiais de policia todos se recusam a investigar a mulher, tudo que você ache ou jogue contra ela é ignorado ou descartado... Foi por isso que decidi investigar por dentro da policia. Eu quero saber o que houve realmente.

- Se importaria de me manter informada sobre o que você descobrir? Eu também vim investigar o que houve aqui. – Provavelmente era um problema da Black Rose, e se fosse o caso era melhor ela se encarregar. Era seu dever como membro da seita. O que ela descobrisse seria repassado pra Ophelia, e a líder decidiria o que fazer com Jin. Só seria uma pena se ele acabasse morto... Brigith não queria isso. Por que a seita tinha que ficar oculta afinal?

- Tudo bem. Agora eu já tenho seu numero mesmo...

- Eu vou ficar na cidade uns dias. Na casa da responsável pela minha irmã, eu te ligo. A gente pode sair um pouco também, que tal?

- Sem problemas. Só não estranhe se eu ficar meio abestalhado por sua causa.

- Portanto que não seja só porque eu pareço com a minha irmã, tudo bem. – Um sorriso bem colocado em combinação com uma piscadela rápida, Jin ficou sem jeito.

A conversa deles em seguida foi divertida, Jin era perfeito. Brigith poderia ter se apaixonado por ele perdidamente ali. Além de bonito o rapaz possuía um caráter ótimo, era inteligente, caloroso... Talvez um pouco bobo demais, mas isso também podia ser aceito como algo positivo. A única coisa que impediu ela de se fascinar totalmente por aquele homem foi o fato de ele demonstrar um nervosismo estranho sempre que olhava demais pra Brigith.
E ela sabia muito bem que ela ser a gêmea da namorada dele estava influenciando as coisas, isso chegava a ser irritante. Nunca podia dizer se ele estava se dando bem por ela apenas pela aparência ou pela personalidade. E quando já tinham percebido, escureceu.
Brigith se despediu dele com um beijo daqueles seus, no rosto, perto do pescoço. Seria ótimo se ele tivesse gostado daquilo, de um jeito gracioso ela deu tchau e saiu dali confiante. Se ele mesmo não ligasse em dois dias, ela ligaria. Foi estranha a maneira que ela se convenceu que tinha que ganhar aquele cara. Talvez pra iludir Ophelia com algo tipo “Olha, com esse eu posso mesmo casar não é?” ela sabia que a ruivinha iria adorar a idéia. Jin era educado e firme, daria um membro exemplar pra Black Rose.

Caminhou até encontrar algum táxi e pagou o homem antes mesmo de mencionar o nome da pousada onde estava. E no caminho pra lá ligou para Josh, ordenou que ele estivesse pronto e que ajuntasse as coisas, pois eles não iam dormir lá.
Quando chegou ali na porta viu Josh com as malas nas mãos e Ryo do seu lado, até que ele tinha sido rápido. Ela desceu do carro e foi até eles.

- A professora ofereceu estadia pra nós na casa dela. Então achei melhor não recusar, eu quero dar uma olhada nas pessoas que eram próximas à minha irmã de perto.

- Ela tem espaço pra nós três?

- Tem sim, mas acho que a Sadako não... – Lá estava ela, a pequena de cabelo cor de rosa. Bem do seu lado, quando ela tinha chegado ali? Brigith se assustou. Ela não estava no taxi.

Todos ficaram em silêncio naquela hora, estava escuro, nem Josh e Ryo que estava de frente para Brigith puderam dizer quando foi que Sadako saiu de trás da morena e ficou ali parada estática do lado. Brigith olhou para a menina com espanto, mas Sadako apenas sorriu e inclinou um pouco a cabeça pro lado.

- Isso nem me impressiona mais. – Disse Ryo – Boa estada na cidade pra vocês. Se caso o negocio ficar ruim na casa da Emi-sensei, voltem pra cá. Eu arrumo um desconto, o dono nem vai saber. E não esqueçam de me mandar um e-mail, eu deixei meu endereço com o Josh.

- T-tudo bem. Vamos? – Brigith ficou olhando para Sadako por uns minutos, até que decidiram entrar os três no taxi e irem pro endereço que Emily tinha dado.

Mas Sadako tinha uma mensagem pra passar. Mostrou a telinha do celular com algo simples escrito: “Um representante da família Sullivan vai se encontrar com você, o endereço está comigo, devemos ir o mais rápido possível.”
Então o destino deles mudou. Sadako entregou um papel para o taxista, que o encarou com um olhar desagradado e virou o carro. Antes aos olhos de Brigith, Sadako era fofa. Mas agora ela estava começando a sentir um pouco da insegurança que deveria sentir em estar junto com uma assassina fria dos Kaori.

No caminho eles passaram pelo que teria sido o edifício Blue Sky, onde o incêndio de dois anos atrás tinha acontecido. Tinha sido demolido, Brigith podia ver uma construção nova sendo erguida ali. Não devia prestar muita atenção naquilo enfim.
O prédio que em que eles pararam era ali perto, Brigith não prestou atenção no nome, apenas virou-se para Josh e pediu pra ele ficar ali vigiando as malas, elas não iam demorar. E o taxista ia receber por cada minuto de demora. Isso resolvido ela e Sadako caminharam para o portão de vidro do edifício, e foram dar seus nomes na recepção. O atendimento foi rápido, a mulher que estava ali (uma loira bem magra) olhou para Sadako com insegurança e sorriu forçadamente para as duas. Até que elas puderam subir.
O elevador era fechado, recoberto de vermelho no chão. Um tapete surrado de certo, feio. O que fazia Brigith pensar qual seria o assunto que queriam tratar com ela naquele lugar. O elevador parou no penúltimo andar, e elas caminharam pelos corredores escuros do prédio até que Sadako encarou uma das portas vermelhas desbotadas daquele andar e bateu. A voz que foi ouvida além da madeira avermelhada era masculina, melodiosa, e ao mesmo tempo fria, estranha:

- Está aberto. Entrem.

E as garotas obedeceram. Sadako deixou que Brigith fosse na frente, e já do lado de dentro ela ouviu a própria Sadako fechar a porta. E ficar parada ali, em silencio.
A pessoa que estava na sala se localizava de frente pra um barzinho, enchendo duas taças de vinho. Primeiramente Brigith viu aqueles longos cabelos negros, que se estendiam até metade das costas do homem, viu um relógio de pulso prateado, alguns anéis com jóias verdes, azuis e vermelhas nos dedos dele, e as roupas que ele usava eram um tipo de social longo. Vestes finas, caras. Quando ele virou-se de frente, já com as taças em mãos, foi quando Brigith percebeu que ele era membro dos Sullivan.
Olhos verdes, intensos e frios. Não tinham a mesma aura que os de Anita, nem de longe, mas a cor era quase tão intensa que chegava a parecer. E aquele sorriso... Brigith comparou aquele homem com uma cobra traiçoeira e extremamente venenosa assim que viu aqueles olhos em combinação com aquele sorriso. Ele também possuía brincos de prata nas orelhas, seu rosto era esguio, bonito. A combinação disso tudo formava no mínimo um homem sedutor. Porém mesmo que Brigith fosse facilmente levada por aparências, ela soube imediatamente que aquele era um Sullivan da família antiga.
Ela morreria envenenada apenas por deixar as palavras dele entrarem demais pelas suas orelhas, sabia reconhecer um demônio quando via um.

- Brigith Velmont ahn? É uma jovem encantadora.

- Obrigada. E você seria?

- Vincent. – Respondeu ele erguendo uma das taças pra garota, que a aceitou hesitantemente – Está gostando da cidade? Desde que a matriarca da Rosa Branca saiu do Canadá a família principal está tomando conta do lugar. Eu diria que é uma cidade peculiar, não concorda?

- Sim. Ela combina bem com os Sullivan. – Sorriu de leve, ainda insegura.

Vincent tocou a taça dela de leve com a sua, fazendo um pequeno brinde. Pra então começar a beber dali, sentando-se numa poltrona negra que estava no centro daquela sala. Com um gesto, convidou Brigith para se sentar perto dele.

- A senhorita não foi chamada aqui pra ver a cidade de qualquer forma. Que tal começarmos?

- Com o que? – Ela se aproximou, Sadako trancou a porta nas costas dela. E ficou em silencio observando. Mais uma vez ela hesitou em sentar-se no sofá.

- Relaxe menina. Não vou te matar. Eu só vou te apresentar uma parte da sua família que você não conhecia que conseqüentemente tinha certo envolvimento com a nossa seita.

Bri apertou o olhar pra ele e finalmente se sentou, dando uma golada longa no vinho enquanto cruzava as pernas. Vincent sorriu sombriamente enquanto a olhava.

- A senhorita chegou a conhecer seu pai biológico, correto?

- Sim. Devo ter visto ele no máximo umas três vezes na vida. – Brigith nunca ligou muito para o tal, só tinha aceitado vê-lo por insistência de Ophelia.

- Lembra-se dele?

- Cabelo preto, barba por fazer com cavanhaque, cara de tédio... Típico cara de meia idade. Chamava-se... Mark. Acho que seja isso. Por quê?

- Apenas testando sua memória senhorita Velmont. Pra ter certeza que você vai identificá-lo na visão. – Então Vincent levantou-se e acabou sentado na mesinha de centro, bem de frente para Brigith, que o encarou com estranheza. Colocando o vinho num suporte de madeira que estava ao lado da poltrona.

- Visão? O que exatamente você vai fazer? – Ela estava ficando cada vez mais apreensiva.

- Não vai doer nada. Só vou fazer você ver uma coisa ou outra.

- Como? – Brigith afastou-se dele, quando esticou as duas mãos para tocar a cabeça dela. Vincent riu, como se achasse que ela estava agindo como uma criança assustada. E colocou as mãos nas pernas, olhando fixamente pra ela.

- Gêmeos tem um tipo de ligação especial. Eu só vou utilizar dessa ligação pra obter informações da sua falecida irmã. E reviver uma memória ou outra sobre a sua família que estão presas nessa cidade. Só vou tocar você. Sem sangue, dor ou hipnose. Ok?

- Tudo bem... – O que ela poderia fazer além de ceder? Era um pedido da líder afinal.

Vincent se aproximou, com aqueles olhos verdes sombrios. Chegou bem perto da face dela, até era notável o cheiro forte e maravilhosamente estonteante do perfume dele. Brigith sentiu seu rosto enrubescer, fechou os olhos e ouviu aquela voz sorrateira lhe dizer:

- Deixe sua mente vazia... Vai acabar antes que você perceba.

E então sentiu os cinco dedos de cada mão dele lhe tocarem as laterais do rosto. E nessa hora ela apagou, tudo ficou escuro. Como se ela tivesse desmaiado.
Quem era aquele homem? O que ele tinha feito?
Com apenas um toque a consciência da garota já não estava mais ali, a sensação que ela tinha era a de estar sonhando. Um daqueles sonhos realistas em que você pode sentir o gosto, cheiro, toque... Quando sua visão voltou ela estava debaixo d’água, com água dentro dos olhos, garganta, pulmões, estomago. Estava imóvel, se afogando dentro do que parecia ser uma banheira. Por mais que ela tentasse, seu corpo simplesmente não se movia. Embora seus olhos estivessem abertos.
Aquele bastardo... Rato traiçoeiro.

O desespero foi crescendo, a sensação de ter água dentro dos pulmões a impedindo de respirar foi pior que os espasmos que ela costumava ter. Pior que encher suas mãos de sangue por causa daquela sua doença que tanto a fazia odiar-se tanto.
O corpo foi ficando dormente, seus pulmões pararam de se contrair.
Ela não pôde fazer nada... Sentiu a vida sair do seu corpo, a sua alma escapar pelos seus lábios semi-abertos. Dessa vez ela estava mesmo morta.
O que Ophelia iria dizer?
Por que ela precisava perder Ophelia assim? De um jeito tão confuso, bizarro?
Pelo visto ir praquele lugar tinha sido uma péssima idéia.
Ela chorou, e as lagrimas se misturaram com a água quente da banheira.
Pensou nos olhos pálidos da garotinha ruiva até sua consciência falhar novamente.
Aquele era o fim.
E aqueles seus olhos que antes ardiam não se fecharam.
O que ela iria dizer para Ophelia?

“Please... Please... Forgive me.”

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Coisas que acabam saindo da cabeça

"Eu sempre pensei que se você fosse forte conseguiria chegar onde você quer,
e talvez até consiga se der um pouco de sorte.
Mas ser forte, sonhar, ser fiel às pessoas e aos seus principios, ser diferente nesse mundo só
compra um ticket com destino à uma eterna solidão pra você.

As pessoas são hipócritas, mentirosas.
Como é possível aceitar um mundo assim ? Qual é a mágica que as pessoas sensiveis fazem pra conseguirem continuar em frente com um sorriso no rosto e serem tão fortes, mas ao mesmo tempo tão fracas e frágeis ?
Talvez nesse tempo todo eu tenha sido forte demais, e tenha esquecido das coisas importantes que só quem já foi fraco sabe.Talvez eu tenha machucado demais quem gostou de mim de verdade, e tenha dado importância demais com quem sempre me viu como uma segunda opção e sempre me tratou como lixo. Mas uma coisa eu aprendi...

Quem é forte constroi o destino.
Escolhe seus amigos, seus amores, sua vida.
Mesmo que seja um caminho difícil e pouco recompensador, que mais vai fazer você se decepcionar com a capacidade que as pessoas tem de serem todas ridiculamente iguais.

Enquanto os fracos estão fadados a aceitar o lugar em que o destino deles colocá-los.
A ficarem satisfeitos em não realizarem seus sonhos e não lutarem por nada, por ninguém.
E o pior de tudo, estão fadados a machucar quem os amou com essa fraqueza.

Como dizem por ai...
Sem força não se pode proteger nada. Nem a si mesmo.
Nem aos seus sonhos.

Fico pensando se um dia eu vou mesmo alcançar a minha ambição.
Ter algo pelo que lutar. Algo que lute por mim.
Talvez então ser forte vá valher a pena.


Não... Eu não vou olhar pra trás"

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Um conto sobre heróis

Um paladino com armadura prateada, recebendo uma missão daquele seu deus pra eliminar o mal da terra, combatendo dragões, acumulando tesouros, mulheres, naquele cavalo caro e belo, empunhando um escudo cheio de jóias e a espada sagrada feita por ferreiros divinos, dignos das histórias dos bardos... Essa foi a grande ilusão que aquele homem sempre quis que fosse real no caso dele, um guerreiro puro, salvando o mundo contagiando tudo com aquela poderosa e bela luz de bondade. Esbanjando uma aura tão radiante que encheria os corações daqueles que já não conheciam mais a esperança, com a dose mais pura da mesma.
Mas o que ele era? Só mais uma vitima de um mundo sem heróis.

Aquele mundo já estava quebrado há muito tempo... As épocas dos reis gloriosos já haviam passado, bem antes de ele nascer. Alias... Ele podia se lembrar brevemente do que era ter uma família. Antes do reinado, daqueles três reis-heróis, ter sido corrompido. Todos eles eram aclamados por terem defendido o mundo de demônios, orcs, vilões semelhantes àqueles tiranos de livros de historia e contos épicos... Mas a sorte daquele garoto foi tanta que ele pode ter uma vida normal até os cinco anos de idade no máximo. Foi naquela maldita época que aqueles três reis haviam caído. Os heróis haviam sido derrotados pelos vilões, corrompidos por eles. Os reis bondosos haviam se tornado algo que nem poderia ser chamado mais de humano. Aqueles cavaleiros com armadura e espadas reluzentes, que carregam com orgulho a bandeira dos seus reinos, que antes protegiam os indefesos agora só davam as caras se fosse pra brincar com as vidas dos tais. Homens esquartejados na frente de suas esposas, jovens estupradas e qualquer resistência esmagada. Aquele maldito mundo tinha sido jogado nas trevas. Quem ele havia se tornado?

Seu nome era Blank, seu sobrenome não era importante. Sua família tinha sido uma das muitas que foram massacradas durante aquela bizarra reviravolta na personalidade dos governantes dos três reinos.
Não era alto e nem baixo, possuía um físico avantajado e maltratado como conseqüência da vida que ele tinha que levar. Cabelos negros que chegavam aos ombros, cicatriz no queixo, olhos negros e profundos, roupas também negras que deixavam apenas os braços a mostra, pedaços de armadura negra nas pernas, ombros e mãos... Era o que ele julgava necessário pra não ser atrapalhado na movimentação, mas o que realmente chamava atenção eram as duas espadas longas que ele carregava nas costas. Pareciam ser pesadas, e de fato eram. Maiores que as pernas do rapaz e tinham quase a mesma largura delas se viradas de lado.
Pra ele, a única coisa chamativa na sua aparência era aquela Runa que havia aparecido no seu braço direito. Não era mágica, ele não podia lançar fogo ou coisa do tipo como os guerreiros rúnicos que ele tinha visto conseguiam fazer. No que aquilo seria útil?
Um homem da raça imortal dos Místicos que havia passado pela taverna outro dia tinha dito pra ele que era uma Runa especial. Que não poderia ser encontrada em lugar algum, era única. Runas únicas assim eram raras, mas pra Blank, se ele não podia usá-la pra matar algo e trabalhar devidamente, era inútil. Especial ou não.

Qual era o trabalho? Muito simples.
Já que os soldados não protegiam mais porcaria nenhuma no reino, quem tinha que manter as criaturas perigosas que agora estavam infestando aquele mundinho eram mercenários. Os donos de estalagens, prefeitos de vilarejos ou cidades pagavam. Bem pouco, mas dava pra ter algum conforto vivendo daquilo. Quanto maior o perigo, maior o pagamento. Mas Blank não fazia aquilo pelo dinheiro. Na verdade ele não sabia por que fazia... Era a única coisa que ele fazia bem, usar aquelas espadas pesadas pra cortar coisas vivas. Ou mortas, tanto fazia.
Não havia outra coisa que ele quisesse fazer na sua vida, tinha sido assim sempre. A velocidade e força que aquele jovem tinha pra manusear as espadas era espantosa, o que fez os contratos crescerem cada vez mais. Em pouco tempo a fama dele pela região tinha se espalhado bastante, mas era diferente da fama de um herói.
Não existiam mais heróis, ele era apenas mais um caçador pago. Sem mérito ou glória.

Daquela vez ele tinha sido pago por uma vila que carregava o nome simples de “Shan” tinha ouvido falar que era o nome de um mestre espadachim que morou na região uns tempos atrás. Ter uma vila com seu nome como homenagem era uma das coisas que Blank julgava ser reservadas praqueles heróis antigos, nos quais ele pensava tanto.
A chuva estava forte demais pra ele se distrair com sons, ele estava sendo pago pra eliminar um grupo de saqueadores conhecidos como “Lobos Cinzentos”, que estava infernizando aquela vila, e não pra ficar remoendo suas fantasias com heróis. Tudo que ele sabia é que eles estavam naquela casa no meio da floresta, tinha sido um pouco difícil chegar ali. Sua salvação foi ter enxergado alguma luz no meio das arvores. Uma luz que simplesmente condenou todos aqueles ladrões indiscretos.
A chuva pesada ajudou a abafar o som, ele nem precisou se esforçar pra se aproximar daquela casa com as espadas se arrastando na terra molhada. Quando chegou na varanda, debaixo de um teto que o protegesse da chuva pelo menos, apoiou-se na parede de madeira e passou o rosto contra os braços, tirando um pouco da água dos olhos e o cabelo molhado da face. Ouvia vozes, chegou a prestar atenção na conversa apenas pra se certificar de que aqueles eram os alvos mesmo.

-... E o que você fez com a mulher? – Perguntava uma voz grave, masculina.

- Está desmaiada no porão. Os outros a desarmaram. Tem alguma idéia do que diabos aquela vadia pode ser? Será que mandaram ela aqui pra matar a gente?

- Como se aquela porcaria de vila tivesse ouro pra pagar alguém bom pra fazer isso, só um idiota viria atrás da gente aqui. Acho que ela deve ser só uma viajante que deu azar de ser atacada nesse fim de mundo.

- As armas que ela tava usando não eram de uma simples viajante.

- Quem liga... Ela vai acabar morta de qualquer jeito. Isso se o patrão não quiser brincar com ela antes de sangrar a vagabunda.

Risos e mais risos... Blank também riu baixo daquilo. Apesar de ele ser uma pessoa fechada. Só idiotas pegariam um contrato daqueles? Então ele era um idiota, e dos grandes. Tudo que ele queria era uma desculpa pra usar aquelas suas laminas. Não era pelo dinheiro, não era pra ser um herói. Heróis precisavam de motivos bons pra matar alguém.
Ele não.

Caminhou pra perto da porta em silencio e bateu nela duas vezes com o joelho, e bem... O silencio que veio a seguir lá dentro indicou que eles tinham ouvido. Blank fechou os olhos. Focou-se no ranger que chão fazia com cada passo dos dois. E quando ele viu uma sombra embaixo da porta e um ranger mais forte, foi o suficiente pra ele fazer o resto. O que ele fazia de melhor, a única coisa que ele sabia fazer.
Atravessou aquela porta com uma de suas laminas, sentiu ela varar a madeira e a carne da outra pessoa que estava do outro lado. E com um chute ele derrubou a porta em cima da pessoa, deixando a espada livre mais uma vez. O que ele viu em seguida?
Um homem magro de cabelos longos, com um punhal na mão. Que olhou pra ele aterrorizado, começando a gritar pra quem quer que estivesse ali dentro daquela casa.
Blank pulou em cima da porta e depois pra dentro da casa, encarando aquele homem, o que será que ele ia fazer? Parecia do tipo que fugia.
Mas não... O jovem tinha subestimado a coragem daquele rato. Ele avançou com o punhal nas mãos, gritando como se quisesse amedrontar alguém. O movimento de Blank foi simples, com um único golpe vertical ele quebrou o punhal e arrancou a mão do homem. O segundo golpe com a outra espada foi direto no pescoço, estava acabado. O único som que seguiu foi o baque do corpo caindo no chão.
Quem dera tudo estivesse acabado ali... Seria fácil demais. Sem graça.
Ele viu mais cinco pessoas descendo apressadas pelas escadas do segundo andar do esconderijo. Era um bando afinal. Deveriam ter no mínimo umas dez pessoas, ou mais. O que ele sabia era que os números deles tinham se reduzido em dois. Que os outros oito viessem...

Só precisou se posicionar de frente pra escadaria, eles vieram de um por um. E Blank começou sua dança com aquelas duas laminas imensas. Podia sentir o aço rasgando a carne deles, cortando ossos... Chegava a ser engraçado como o poder sempre proporciona uma sensação prazerosa. E aquela brutalidade era prazer pra ele. O jovem não podia dar vidas, não podia mais salvar vidas naquele mundo. O único prazer que lhe restava e que os heróis deveriam ter também era aquele. Tirar a vida de quem ele julgava ser seu inimigo.
Foi tudo rápido, quando ele voltou a abrir os olhos os corpos estavam jogados por todos os lados. Era apenas uma de suas manias, lutar de olhos fechados. Se concentrando apenas nos sons. Confiando apenas nos seus ouvidos, mesmo que fosse difícil se esquivar de uma espada guiado apenas pelo zumbido do metal no ar. O cheiro de sangue lá dentro estava mais forte que o cheiro de terra e mato molhado causado pela chuva que continuava castigando a casa.
Quantos eram? Cinco... Seriam sete no total agora.

Blank subiu as escadas sem pressa. Nada lá em cima além de camas desarrumadas e armaduras velhas que aqueles homens não tiveram tempo de colocar antes de descerem pra confrontá-lo. Sorte? Nada disso.
Eles haviam mencionado um porão, coisa que ele não demorou muito pra achar. Tinha uma portinha debaixo da escada e ali a entrada pro tal porão. Com certeza teriam mais pessoas ali.
Foi ótimo quando no meio da sua descida ele pode ouvir uma voz arranhada:

- Barton, é você? O que diabos tá acontecendo ai em cima?

- Lamento... Mas acho que o Barton não vai conseguir te responder. – O moreno nem hesitou em dobrar aquele corredor e encontrar mais um daqueles homens.

Por que todos gatunos daqueles tinham que ser parecidos? Quase todos eles eram barbados, e deviam ter de trinta anos pra cima. Alguns mais magros aparentavam ser mais jovens. Mas aqueles homens não eram guerreiros... Eram camponeses, com um treinamento bem básico no uso de espadas e punhais. A que ponto aquele reino tinha chegado?
Com certeza eles não tinham iniciado carreira num bando de ladrões por querer. Aqueles homens deviam ser alguns dos muitos que tiveram seus lares destruídos pela situação em que tudo se encontrava agora. Se eles fossem treinados conseguiriam bloquear pelo menos um único golpe de Blank. Mas não... Aquilo não teve graça.
Foi como massacrar pessoas indefesas.

Depois de perambular por aquele porão por pouco tempo, ele se surpreendeu com a quantidade de salas que o lugar tinha. Conseguiu achar pilhagens, mais camas, comida, mais homens... Já devia ter matado uns quinze agora.
E foi com o ultimo deles que Blank achou a chave praquela sala que estava trancada. Só mais uma sala, talvez não tivesse ninguém ali. Alias... Ele se lembrou de alguém que estavam mantendo prisioneiro, uma mulher não era?
Destrancou a porta e a abriu, empurrou-a com o pé mais exatamente. E lá estava a tal mulher... Amarrada numa cadeira, de cabeça baixa. Ela trajava vestes incomuns. Devia ser dos reinos do sul, onde ninjas eram famosos. Os símbolos naquela roupa branca dela eram desconhecidos, e ela não usava armadura alguma. Só uma cota de malha leve por baixo da blusa , e também usava shorts que lembravam cota de malha por baixo da saia aberta nas laterais. Com exceção daquilo, as vestes dela eram brancas e justas. Ela usava luvas, botas e um corset negro. Era uma mulher atraente, de cabelos louros que chegavam até um pouco depois dos ombros, o que a tornava peculiar era a mecha negra que brotava nos seus cabelos. Devia ser um tipo de costume da sua terra nativa.
Blank cravou as duas espadas no chão, na frente dela. E caminhou cuidadosamente até poder estender a mão pra tocar a cabeça daquela mulher. Ela ainda respirava e como era uma prisioneira, não havia necessidade de matá-la também. Seu trabalho ali tinha acabado.
Ao menos era isso que ele pensava.

Ela foi rápida... O suficiente pra segurar o braço do rapaz e torcê-lo, depois de ter girado no ar e prendido ele com as pernas. Já estava solta então? Com certeza ela teria se libertado sozinha e estava apenas esperando alguém ser idiota o suficiente pra tentar tocá-la. Aquela pessoa definitivamente era treinada. Finalmente alguma dificuldade no seu pequeno contrato.
Sem hesitar, ele apanhou uma faca pequena que levava consigo e a cravou em uma das coxas nuas da mulher. Porém foi tarde demais, ela já tinha se movimentado. Mesmo depois que ela rolou pelo chão soltando um gemido agudo de dor, o braço de Blank começou a queimar. Ele não podia mais movê-lo. Aquela desgraçada devia ter deslocado um dos ombros dele. E tinha que ser justo o direito?
Com a mão esquerda ele apanhou uma de suas espadas e ergueu na direção dela. Fitando a garota com frieza. E ele viu no olhar dela o mesmo tipo de frieza que o seu possuía. A diferença era que os olhos dela eram de um castanho esverdeado curioso. Ela estava desarmada. Blank não tinha sido mais idiota ainda pra deixar sua faca na perna dela. Um movimento agressivo e ele estaria preparado pra partir ela no meio. Mas para a sua surpresa, ela falou. Sua voz era mesmo agressiva. Mas era um jeito agressivo natural... Ela parecia ser uma pessoa agressiva, rebelde.

- Você... Não está com eles, está?

- Não. – Sua própria voz foi curta. Direta.

- Então quem é você? Um mercenário?

- Pode-se dizer que sim... Eu vim aqui a trabalho. Pela cabeça deles.

- Como eu posso ter certeza? – O olhar dela continuava firme. Será que ela achava que podia reverter aquela situação ao seu favor?

- Eu não pretendo te convencer de nada.

Se ela quisesse sangue, é o que eles teriam. Pela milésima vez naquela noite ele pensou que não tinha propósito em querer ser um herói. Se ele tivesse que matá-la ali, tanto fazia. Isso não ia mudar o mundo em nada.
Mas Blank pôde perceber hesito no olhar dela. O que foi o suficiente para ele julgar que não deveria perder tempo ali, e que seu braço estava lhe proporcionando uma dor insuportável. Guardou a espada nas costas e tratou de colocar o ombro no lugar.
Uma sensação péssima...
A garota abaixou a guarda e ficou apenas olhando para aquele jovem, como se o analisasse. Coisa que o desagradou. Ele odiava quando alguém o olhava de um jeito que desse a parecer que queriam adivinhar no que ele estaria pensando na hora.
No que ele estava pensando? Em como seu encontro com aquela garota iria acabar.

- Qual o seu nome? Quem te mandou? – O tom agressivo dela parecia o mesmo.

- O nome... Blank. O contratante não é da sua conta.

O silencio a seguir fez a mulher virar-se e começar a procurar coisas dentro de um baú que estava ali no canto da sala. Por que não tentar se comunicar com ela afinal? Mesmo que ele não tivesse ilusões sobre fazer amigos àquelas alturas, seria bom descobrir quem era ela.

- Você é do sul?

- Eu não tenho um lar. Não sei de onde eu vim.

- Uma nômade então?

- Pode me chamar assim se quiser. Mas eu planejo ter um lar em breve.

- Nesse reino? – Ele quase riu. Caminhou em direção da porta.

- Sim. Eu pretendo construir meu “lar” aqui.

- Então eu sugiro que você desista do lugar e pegue um barco pra outro continente. Vai ser mais fácil. – Ele viu a garota achar o que queria no meio daquela baderna. Eram duas shurikens grandes, do tamanho de uma cabeça humana. Até um pouco maiores. Possuíam correntes penduradas no centro delas, as quais a garota loira prendeu nas suas luvas. Armas típicas do sul, bizarras.

- Eu sou patriota o suficiente pra ficar aqui. – Ela passou por ele, e começou a rumar para a saída da casa. Blank a seguiu.

- E qual seria seu plano? Não parece tão ignorante assim a ponto de achar que pode mudar e lutar contra uma não inteira sozinha.

- A rainha Allienny do terceiro reino se voltou contra Natra. Contra o próprio rei dela. E eu estou procurando a mulher pra me juntar à pequena revolução dela.

- Uma rainha se voltar contra o próprio marido... Que tempos estranhos.

- Poder feminino. E por outro lado... Parece divertido.

- Porque você quer lutar contra Natra? Contra os reinos?

Já estavam do lado de fora agora, aquela caminhada não foi nenhum pouco longa. Ela olhou pra aquela chuva com desanimo, mas mesmo assim foi pra fora. Se molhando inteira, sem medo ou receio. E quando já tinha dado alguns passos em direção à floresta ela gritou, para que sua voz pudesse ser ouvida em meio ao barulho da chuva.

- Você gosta do nosso governo, Blank? Gosta de ver esses desgraçados matarem os filhos na frente dos pais? Gosta de ver essas garotas que ainda brincam de boneca serem violentadas sem ter direito a reagir? De ver nossos reis cobrarem dos aldeões comida que eles não têm nem pra si mesmos?

Blank ficou em silencio. Como devia responder aquilo?
Era obvio que não era agradável, mas aquela era a realidade. Eles tinham que encará-la e aceitarem o fato de que não podiam mudá-la tão fácil assim. Só com determinação. Porém, as palavras que aquela garota disse a seguir naquele dia de chuva ficaram marcadas pra sempre na cabeça daquele jovem. Palavras simples... Infantis:

- Eu sempre quis ser uma heroína. Sempre quis salvar o mundo, estar nas canções dos bardos. Seria uma idiota se deixasse esse sonho morrer só porque tudo parece sem esperança não acha? Se você prestar atenção... São nesses momentos que surgem os heróis. Se o mundo fosse perfeito, heróis não seriam necessários, não acha?

E com um riso, ela correu pela floresta.
Blank ficou estático ali. No meio daquela chuva. Teria ele desistido tão fácil assim? Por um momento ele pôde se ver pequeno de novo, se imaginando um paladino de armadura prateada. Lutando ao lado da renomada Ordem dos Cavalheiros Dragões contra criaturas abissais e contra os tiranos que governavam aquelas terras.
Talvez aquela garota tivesse razão. Heróis de verdade nunca poderiam aceitar a realidade como ela era. Blank só conseguiu apressar o passo minutos depois.
Só chegou à vila ao amanhecer e isso apenas pra encontrar tudo destruído. Em ruínas.
O que ele pensou? Nas palavras daquela garota que ele resgatou por acidente.
Tudo que ele conseguiu fazer foi caminhar pela vila em silencio, tudo tinha sido queimado até o chão. E num dia chuvoso... Trabalho de magos provavelmente.
Famílias destruídas, crianças tentando inutilmente reanimar os corpos de seus pais, sonhos destruídos, violentados... Aquilo era a realidade.
Como aquela garota conseguia ter esperança em meio a tanta desgraça? Blank a viu ali, tentando ajudar em uma coisa ou outra. Tirar alguém do meio de escombros, confortar alguma criança ou mãe desesperada. Coisas que ele mesmo não era bom em fazer.
Avistou um velho sentado no chão, perto do poço que ficava no centro da vila. Achou que seria boa idéia pelo menos tentar saber o que estava havendo.

- Ei velho, o que houve aqui?

-... Nós não conseguimos pagar as taxas a tempo. Acho que eles nos usaram de exemplo.

Exemplo? Aquele massacre inteiro só pra dar uma lição... Isso era patético.
Blank voltou seus olhos para aquela garota. Pôde ouvir um nome, ela se apresentou pra alguém ali como “Annika”. Eles estavam felizes por terem salvado uma criança que estava dentro de uma das casas que ainda queimava. O que havia de bom nisso?
Salvar uma vida sendo que dezenas delas foram perdidas... Blank não conseguia entender de onde aquelas pessoas tiravam forças pra sorrir. Sendo que haviam perdido tudo.
E também não entendeu o que o moveu na direção daquelas pessoas. O que fez com que ele ajudasse nos salvamentos até que mais ninguém naquela vila estivesse desaparecido. Quando eles terminaram o serviço, uma garotinha de uns treze anos sorridente veio correndo pra ele. Cabelos castanhos cheios de cachos e olhos claros, vestida com algo pobre, mas que a deixava graciosa da mesma forma. A menina lhe entregou uma flor branca e fez uma reverencia, levantando as laterais do vestido educadamente. E então se retirou correndo, enquanto o jovem ficou olhando para a flor em silencio. Os raios de sol foram surgindo entre as nuvens que estavam se dissipando, iluminando o lugar. Ele podia ouvir choro, gritos, mas em meio a isso ele via pessoas emocionadas por terem reencontrado alguém importante que deveria estar morto àquelas horas. Ele mesmo tinha ajudado a salvar algumas das pessoas que não deveriam mais estar vivas.
Aquela garotinha não tinha mais o que oferecer em troca além daquela delicada flor. Os aldeões por outro lado, estavam se reunindo nos lugares que tinham restado inteiros no vilarejo. Levando os feridos para quem entendia de ervas medicinais, os mortos para o cemitério da vila. Alguns até mesmo estavam começando a reconstruir casas.
Seu tempo ali tinha acabado. Não havia mais nada a se fazer por aquelas pessoas.
Aquele não era seu lar, assim como aquela garota tinha dito, Blank também não tinha um lar. Então era hora de partir e deixá-los com as suas próprias dores.

Caminhou pra fora do vilarejo, indo pro sul enquanto consultava brevemente sua bússola. Não teria comida pra viagem, provavelmente teria que parar pra caçar ou apanhar frutas em alguma arvore. Seria uma viagem bem cansativa até a cidade mais próxima, que se chamava Natain. Ele teria que atravessar uma caverna e andar durante dias pra isso.
Quando percebeu, ele já tinha caminhado quase vinte minutos, estando distraído com aquela flor. Relembrando-se da pequena que havia lhe dado aquilo.
Foi nessa hora que ele notou Annika parada do seu lado, com um sorriso iluminando o cansaço do seu corpo. Ela tinha trabalhado demais na vila, mas ele também estava cansado. Nem notou quando a garota tinha se aproximado. Sendo que sua audição era extremamente aguçada. Sentia-se pesado, com sono.

- Adeus pagamento?

- É... Acho que o prefeito da vila foi o primeiro a morrer. Vou ficar sem dinheiro se não arrumar outro contrato logo.

- Mas pelo visto você ganhou algo mais precioso. – Ela apontou pra flor.

- Uma flor? Isso não vai me comprar comida. – Largou aquela flor no chão e rumou em direção à saída do vilarejo. Mesmo sentindo algo vazio ao fazer isso.

- Gratidão. – Annika apanhou a flor no chão, analisando ela enquanto começava a andar ao lado de Blank – Mesmo que não tenha percebido você salvou o pai daquela menina. Impediu-a de enfrentar esse mundo sozinha.

- Bom pra ela. É questão de tempo até o pai dela morrer de qualquer forma.

- Pessimistas... – Annika riu, ainda seguindo ele – Pra onde você vai agora?

- Procurar um lugar inteiro onde eu possa ganhar algum ouro.

- Por que não vem comigo Blank? Encontrar a rainha? – Ela parou na frente de Blank dessa vez, como se quisesse impedi-lo de fugir daquela resposta.

Por que não? Que sonhos ele tinha pra vida dele?
Continuar sendo um mercenário e usar a força que ele tinha pelos outros? Talvez já fosse tempo de ele usar suas laminas pelos seus próprios motivos. Que outra opção tinha... Voltar pra Natain e ficar sentado numa taverna fedorenta até alguém contratá-lo pra mais um serviço sujo? A pergunta que ele fez foi simples:

- Ela pretende pagar algo pra quem se juntar a ela?

- Não sei. Mas você vai ganhar mais flores iguais a essa.

Com um sorriso curto, Annika passou por ele, enfiando aquela flor nos cabelos negros de Blank. De fato era uma pessoa energética, não parecia ser perigosa, mesmo que ele tivesse comprovado que ela era. Com o próprio braço. Ainda podia sentir certo desconforto naquele ombro. Uma pessoa bem incomum de ver naqueles dias negros.

- Me parece justo.

Foi a única resposta que ele foi capaz de dar. Antes de acelerar seus passos pra alcançar sua nova companheira de viagem.
E era aí que tudo estava começando... Ser um herói não se tratava somente de ser nobre. Heróis só existiam quando eles eram necessários no fim das contas. E pensando por esse lado, Blank até criou uma fé mínima que ele poderia ser um dos novos heróis daquele mundo. Naquele dia de chuva ele aprendeu que realistas não serviam pra fazer a mudança que o mundo precisava, ele precisaria sonhar. Ser um idiota iludido, no seu próprio ponto de vista.
Os “idiotas” tinham uma força e sabedoria ilimitada que nem os monges e magos mais sábios nunca conheceriam...
E era o significado dessa força que Blank quis entender naquele dia, quando seguiu aquela garota em seu objetivo suicida de juntar-se a um grupo de rebeldes e enfrentar aquele pais inteiro. Com uma chance mínima, quase impossível de vitoria.

Annika sabia quem ele era.
Havia reconhecido a Runa naquele braço dele. Aquela era a Runa que segundo as lendas estava destinada a derrotar os três reis. O que ela precisava era despertar o potencial daquele homem recluso. Mostrar pra ele que nem aquele mundinho tão cruel não era repleto de trevas assim. Quem havia se cercado de trevas tinha sido ele mesmo, quando desistiu daquele seu sonho besta. Quando desistiu de acreditar que ele poderia salvar alguma coisa, fazer alguma mudança. Esse era o maior erro de todos jovens não era?
Se tornar um adulto, em tudo.

Sempre é um erro desistir dos sonhos.
Blank aprenderia essa lição. Que mesmo sendo vitima daquele mundo sujo e sem heróis, ele poderia alcançar aquilo que ele tanto julgou ser uma ilusão.
A historia estava apenas começando. E a garota seguiu com um sorriso satisfeito e simples nos lábios, esse era o segredo da força dos idiotas.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Dedicatórias do Volume 1

Eu tinha perdido essa parte, mas achei importante postar ela aqui também. Como um tipo de coisinha besta pessoal que todos nós temos. Eu não lembro exatamente da original porque tive que reescrever, então é capaz que eu tenha esquecido algo.
Lá vai:


Dedicatórias:

À Kazumi, que me ensinou que nem todo mundo vai dar uma facada nas suas costas quando você fizer a burrada de gostar de pessoas e que são as amizades que sempre vão estar lá quando todo resto falhar.

À Carol, minha bebezinha linda linda. Coisinha mais fofa do pai. Que pode ser azedinha às vezes, mas mesmo assim é a única pessoa nesse mundo que eu consegui amar incondicionalmente. (E a única que despertou meu espírito materno)

À Thuanhe, que é de longe a maior fã desse livro pelo que eu vi até agora. E por outro lado, foi quem mais quebrou meu galho e me ajudou no desenvolvimento do volume um. Só ela sabe bem o quanto eu sofri pra terminar.

À Meg, que me pediu pra dedicar o primeiro livro que eu escrevesse à ela. E que foi uma das minhas maiores fontes de inspiração nas lições que eu tentei mostrar nesse livro. Entre elas, aquela básica: Sorria sempre, como um idiota. Não desista nunca.
Esse é o significado da verdadeira força.

Agradeço a essas pessoas do fundo da alma pelo “estrago” que elas deixaram.
E a você que perdeu seu tempo lendo isso.