sábado, 22 de agosto de 2009

[Vol.2] Capítulo 2 - Sangue

Brigith acordou cedo no dia seguinte, não conseguia dormir bem sem algum luxo. Sempre foi acostumada a mordomia de quartos luxuosos com camas limpas e macias, aquilo não chegava nem perto. Cama com um cheiro esquisito, parecia mofo, o quarto tinha algumas rachaduras nas paredes e alguns pisos quebrados. O tarado deitado no colchão do seu lado roncando já era algo que ela levava como carma (Pelo menos era nisso que ela acreditava), estava meio descabelada ali, mas ainda não se sentia parte daquele ambiente. Porém aquele galo maldito cantando lá fora, aquelas pessoas que não sabiam falar baixo de jeito nenhum (Pareciam conversar gritando), o som de animais e aquela merda de cheiro de esterco... Sim, aquilo era aventura!Bri pensou milhares de vezes antes de se levantar daquela cama barulhenta e caminhar pra fora, além daquela porta de madeira. Achou esquisito ser encarada com estranheza pelas pessoas que estavam na sala. Uma mulher alta, chegava a ser feia, cabelos mais grisalhos do que louros, roupas esquisitas de roça e basicamente seios caindo pela barriga. Brigith desejou morrer aos trinta anos de idade quando reparou, mas já a outra pessoa até que não era tão ruim, uma garota nos seus dezesseis anos tão loira que parecia norte americana ou russa. Os olhos dela eram claros também e tinha um corpo bronzeado, era bonitinha. Deviam ser mãe e filha... A mãe usando um vestido desbotado que caia até as pernas, e a filha uma camiseta de botão xadreza e calça jeans com botas. Brigith teve vontade de falar pra mais jovem não cometer o mesmo erro da mais velha e usar sutiãs, porque se aquilo caísse... Bem, ela se comunicou com elas em inglês.

- Ahn.. Eu vim ontem à noite pra cá, um senhor me hospedou na casa. – As duas olhavam espantadas pra Brigith, como se ela fosse um alien. A mais velha cutucou a mais nova, cobrando que ela fizesse algo, para o espanto da morena, a menina respondeu.

-Sim, meu pai falou de vocês dois! Nossa, você é estrangeira né? É muito bonita! – A loirinha de cabelos encaracolados falou com entusiasmo, coisa que a mãe dela repreendeu com um cutucão nas costas.

-Vocês falam inglês?

-Sim, minha mãe é americana. Meu pai é o espanhol. Morro de vontade de conhecer o exterior! – Agora foi um beliscão – Mãe!

-Sossega com esse fogo menina! O que a moça vai pensar...

-Não precisam me tratar com cortesia alguma, eu admiro a vida simples no campo. Acho que vocês sim levam vidas pacificas e harmônicas, tanto com a natureza quanto consigo mesmos, algo que a gente da cidade precisa aprender. Então por favor, me tratem como igual ok? Como se fosse da família, tenho muito que aprender com vocês. – Um sorrisinho simpático, palavras bem escolhidas... Brigith ganhou ambas ali, as duas abriram um largo sorriso pra morena e a mãe respondeu toda cheia de si.

-Nossa moça, assim você deixa a gente sem jeito. Falando essas coisas bonitas... Olha, eu vou lá preparar um almoço caprichado tá bom? Elisa, faz companhia pra moça, mostra a fazenda pra ela. – A velha então se retirou pra cozinha que ainda estava meio desorganizada, Bri sorriu discretamente. Esse pessoal era mesmo fácil de dobrar. Já tinha conseguido um almoço caprichado, a simpatia das mulheres da casa e a companhia de uma guriazinha bonita.

-Elisa né? Prazer, eu sou Brigith. – Não havia necessidade de sobrenomes.

-Encantada! – A garota sorriu cheia de entusiasmo pra ela, uma pessoa interessante. Era inegável um certo interesse vindo de Brigith, ela admitia que gostava de loiras menores que ela. Devia ser coisa da sua família de sangue.

As duas garotas saíram da casa, e Brigith decidiu continuar com as botas sujas de ontem, pra não sujar mais sapatos naquela imundice. Primeiro ela apresentou os dois cães pra Brigith, não tinham raça e era curioso o fato de que eles não tinham recebido ela e Louis latindo ontem de noite. Quem sabe estivessem em outro lugar, ou escondidos.Como não tinha nada demais a se mostrar, além de mato, a garota decidiu levar a visitante para um lugar mais recluso. Caminharam por uma estradinha de terra até chegarem numa discreta plantação de uvas cheia de arvores que deixavam a paisagem bem verde na luz solar, a morena soube o que viria a seguir. Elisa a convidou pra sentar-se um tronco de árvore cortada que ficava jogado ali no chão perto de um riacho e apanhou uvas frescas pra elas, lavando-as na água cristalina daquele riozinho. Devia ser uma nascente.Bri gostava um pouco de uvas e aquelas estavam mesmo boas, ela se sentia um trapo por não ter escovado os dentes ou tomado banho ao acordar. A água daquele riacho estava praticamente chamando pela garota, ela precisava se lavar.

-Então, Brigith... – A menina começou uma conversa, acanhada – Como é a vida de vocês na cidade? Sempre tive curiosidade.

-Nunca esteve na cidade antes? – A morena respondia, mas estava mais concentrada nas uvas.

-Por pouco tempo, cresci lá até que minha mãe se casou de novo e mudou pra cá. Vivo no campo desde os seis anos. – Bri a olhou com algum interesse a mais. Uma adolescente criada no campo... Podia ver nos olhos dela que era uma menina que queria conhecer outras pessoas além da sua família, conhecer coisas que não se via no campo. A morena sempre achou que fazendas não eram lugares pra criar adolescentes. – O que vocês costumam fazer lá?

-Hmm... Estudamos, usamos computadores, saímos de noite pra dançar ou namorar. Às vezes saímos só pra saciar um pouco da carência, sem namorar. – Elisa pareceu não entender bem o que ela quis dizer – Tem gente que beija os outros por esporte. Isso que eu quero dizer.

-Beijar por esporte? Você faz isso? –
Ela estranhou aquilo.

-Às vezes. Em dias de loucura ou carência extrema. Beijo até garotas se quer saber. – Brigith riu, aquilo tinha sido um tipo de indireta que ela sabia que Elisa não iria fisgar.

-É estranho, mas não sei o que achar sobre isso. Se vocês da cidade fazem, deve ser divertido.

“Quer experimentar?”
Seria o que Louis diria, mas não. Brigith não agia de forma tão atirada assim, pela primeira vez ela tirou a sua máscara, junto com as roupas que vestia. Não iria resistir mais àquele riozinho, nem que a garota lhe proibisse. Aquela morena fazia o que queria e quando queria, Elisa não reclamou ou se surpreendeu. Apenas sorriu, dando um sinal positivo e de incentivo pra ela, enquanto observava encantada aquela jóia pendurada no pescoço da outra. Bri entrou no rio e nadou um pouco, pra se exercitar e se lavar, mas também queria se aproximar mais da outra garota. Usou do seu sorrisinho carismático pra jogar um pouco de água nela e uns dois minutos depois as duas já se tratavam como amigas intimas, ambas seminuas brincando na água. O clima morno estava bom, se as coisas continuassem assim Brigith iria tirar mesmo alguma casquinha daquela garota bonitinha. O corpo dela era mais avantajado que o da morena, porém bem menos trabalhado.Pareceu até inicio de filme erótico...Mas a garota dos cabelos escuros notou alguém ali espiando em uma moita, apanhou uma pedra no fundo do rio e arremessou. Como ela havia imaginado, ouviu um gemido de dor. Mais uma vez a verdadeira Brigith apareceu diante dos olhos de Elisa que ficou olhando sem saber o que fazer, a morena saiu do rio num salto e voou para a direção do gemido. Agarrou um braço que viu ali e torceu, jogando o moleque moreno de cabelos crespos de cara na terra. O imobilizou, segurando o braço e com o joelho nu fazendo pressão nas costas.Ele aparentava ter uns quatorze anos, não era tão forte quanto o lado bruto daquela morena.

-Tava ai atrás do mato só aproveitando a visão né safadinho? Me dê um bom motivo pra não quebrar sua mão e impedir que você use ela pra esses fins de novo!

-Não Brigith! – Elisa viu aquilo e reconheceu o garoto, correu até ela desesperada. Bri tinha feito aquilo não por ódio a pervertidos, mas por aquele infeliz ter estragado o clima – Ele é meu irmão por parte do padrasto, não machuca ele!

-Irmão!? – Agora sim a morena havia ficado sem jeito quando tornou a olhar para a cara do moleque enterrada na grama. Ele bufava como um porco assustado.

-É, ele é meio burro assim mesmo, tem mania de espiar no banho, mas por favor não mate ele!

-Bem... – Matar? Não, ela não ia tão longe. Mas foi totalmente inapropriado fazer aquilo com o menino, Bri viu a marca roxa que a pedra fez no ombro do garoto. Aquilo ia ser difícil de justificar caso caísse nas orelhas dos donos da casa. Brigith só soltou ele depois de pensar nisso tudo, percebendo que estava o machucando. Mas ela poderia jurar que ele adorou ter uma mulher do calibre dela em cima de si mesmo.A situação tornou-se delicada, porque Bri não planejava se desculpar e o moleque estava apavorado. Poderia sair correndo a qualquer momento.

-A-a mãe mandou c-chamar vocês pra comer... – Era o motivo de ele estar ali. Brigith se enxugou um pouco com o casaco que estava e vestiu o resto das roupas com o corpo úmido, partindo para a casa sem olhar mais uma vez para os dois.

Elisa e o irmão ficaram com medo do que pudesse ocorrer e a seguiram sem hesitar. Quando chegaram na cozinha depararam-se com o pai e a mãe daquela família de visual country espanhol, que estavam juntos com Louis. Aquele cara parecia inquieto com algo, e estava perguntando sobre animais para o proprietário daquelas terras. Ele por sua vez estava mencionando algo com os cavalos quando a morena entrou.Era inevitável não notar aquele vergão no ombro de menino, que estava de camiseta curta. Por sorte, o pai nem estava ai. Devia ser daquele tipo “Ele é homem! Tem que ser forte.”, mas a mãe perguntou o que tinha acontecido. Brigith entortou o olhar e virou-se pra Elisa que retribuiu o olhar de forma que não dava pra saber se estava preocupada com o irmão ou com a morena. Mas as palavras surpreenderam ambas:

- E-eu caí no mato e bati o ombro numa pedra pontuda. – Ele mentia muito mal.

-Nossa filho, tem que tomar cuidado. – Mas era o suficiente pra velha cair.

Brigith então ficou olhando pra ele e quando ninguém estava olhando deu um sorriso falso como agradecimento, o moleque ficou encabulado e sentou na cadeira perto do pai. Foi aí que Louis começou seus “movimentos”, levantou-se da cadeira e foi na direção das garotas. Bri já tinha preparado as agressividades, mas ele passou por ela e foi fazer suas cortesias para a loira. Beijou a mão da garota e puxou a cadeira para ela se sentar, riu um pouco dizendo que ainda era adepto do “cavalheirismo” antigo. Aquilo era ridículo. A morena quis bater nele como Elisa não fez, bem pelo contrario, a ingênua ficou toda bobinha com aquele pervertido. Adorou aquela cantada fajuta e fora de moda a ponto de ficar corada e agradecer escondendo o rosto. E o pior é que o infeliz passou do lado da morena e deu dois tapinhas no ombro dela, ele percebeu um pouco de proximidade entre elas. Brigith ficou irada. Mas pelo visto o pai de Elisa também não gostou muito da ceninha, isso a fez sorrir discretamente e balançar a cabeça negativamente olhando para o velho, isso com certeza iria render pontos pra ela, já que parecia contra a atitude de Louis.O bigodudo até sorriu de volta de um jeito feio, Bri ficou contente com o sinal. Ia ter um aliado pra manter o tarado longe de Elisa.A comida era boa, mesmo que Brigith tivesse recusado “o frango mais bonito” que a mulher matou pra assar. Esqueceu de avisar que não comia carne, por sorte tinha comido muita uva e também havia ovos, salada e grãos na mesa. Suco natural sem açúcar do jeito que ela gostava... Podia contratar aquela mulher como cozinheira.A morena puxou conversa durante o almoço, sabia que eles tinham o costume de conversar durante as refeições, foi uma boa idéia. Ela conseguiu se aproximar um pouco mais de cada um deles, porém por outro lado, Louis estava conversando muito com a garota que interessou Bri. Só que ela usou do seu veneno pra reverter a situação:

-Ei Louis, e a sua esposa, como está? Ela vai se encontrar conosco na casa da sua mãe?

-Que? – Ele com certeza ficou com raiva daquilo. Se falasse que a historia era mentira ambos iam estar encrencados, mas Brigith ia sofrer bem menos que ele por isso. – Eu separei dela faz um tempo, não lembra?

-Não a ex, eu digo a Maria. A que você se casou semana passada, até peço desculpas por ter tirado vocês da sua lua de mel pra me levar lá.

“Filha da...”
Louis olhou pra ela demonstrando seu descontentamento, sentiu vontade de deixar os xingamentos que passavam pela sua mente saírem. Mas acabou sorrindo cinicamente e sem jeito, dando o braço a torcer e olhando pro prato. Elisa apagou o brilho no olhar para o homem e ficou um pouco emburrada, concentrando-se em comer. Brigith permaneceu sorrindo simpaticamente pra eles, mas estava gargalhando por dentro. Ela ia pagar por isso.

-Ah sim, a Maria. Ela ta ótima, assim como o seu noivado.

-É ótimo ter um noivado aberto mesmo. – Ela disse que ia ao banheiro e voltava em breve, deixando Louis naquela situação. Bri não queria usar o banheiro, tinha ido lá apenas por que não agüentou mais segurar a risada.

Mais tarde ela se encontrou com Louis no quarto em que estavam, ele iria xingá-la se a garota não tivesse sido direta, colocando as mãos na cintura e encarando o rapaz:

-Como pretende sair daqui? Eu não vou adiar meu encontro com a nossa líder por causa de um acidente ou daquela menina.

-Vou ter que ir ver o carro madame. A propósito, qual é a sua? Não consegue jogar limpo?

-Jogar? Oh! Eu não tinha percebido que estávamos jogando. – Sorriu pra ele de forma agressiva, ele ia desafiá-la pra algo?

-Digo com a bonitinha. Ela estava se dando bem na minha.

-A “bonitinha” tem nome. Você acha que tem mais capacidade de seduzir ela do que eu, é?

-Com certeza uma mulher de verdade iria preferir um homem de verdade do que uma mimadinha bissexual cínica.

-Quer apostar? –
Brigith adorava desafios.

-Feito! Se eu ganhar você vai ter que fazer um striptease pra mim, se eu perder você escolhe. Não vou perder mesmo. – Estendeu a mão pra ela com um sorriso na cara.

-Ótimo. Quem beijá-la pela primeiro, com “permissão”, ganha. – Ela aceitou, apertando a mão dele. Ambos estavam sendo autoconfiantes demais. O pai de Elisa entrou ali naquela hora, não tinha ouvido nada. E foi claro nas intenções:

-Quando é que vocês saem daqui?

-O meu cunhado acaba de me dizer que vai precisar de ajuda pra verificar o carro. Vocês podem ir resolver isso hoje e dependendo vamos ainda de noite. – O velho não recusou ajuda provavelmente por causa do entendimento que eles tiveram no assunto “manter Louis longe da Elisa”, Brigith se deu bem mais uma vez e Louis se irritou. Enquanto ele ia tentar consertar a Hummer, aquela cobra ia se exibir pra loura. Repetiu mais uma vez mentalmente:

“Maldita bruxa finlandesa.”

Enfim, aquilo era um trabalho masculino. Brigith observou eles saírem com aquele sorrisinho no rosto, indo pra cozinha depois. Ela se ofereceu pra lavar a louça ao ver as duas mulheres da casa o fazendo, mas sabia que iam recusar a ajuda. Foi só por educação, ela detestava limpar e fazer trabalhos domésticos. Achava que era pra criados.Perguntou o nome da “mãe”, era Marianne. Um nome mais ou menos, mas combinava. E Marianne parecia querer entreter Brigith, a tratava como se fosse mesmo vassala dela. Quando viu a morena observando elas com as mãos nas costas sugeriu que ambas fossem dar outro passeio, disse pra Elisa visitar um tal de doutor Roberto. Brigith achou o nome estranho, mas devia ser espanhol. Nem perguntou ainda onde e porque visitá-lo, mas caminhou até a garota e a pegou pelo braço, levando pra fora.

-Você ouviu sua mãe mocinha. – Elisa pensou em dizer algo, mas queria mesmo conversar mais com a morena, então foi com ela sem questionar. Alguns momentos depois ambas já estavam andando pela estradinha de terra, demorou um pouco pra avistar uma casa de campo muito melhor que aquela outra. Sem duvidas era um doutor que morava ali. Brigith que estava tentando fazer mais contato físico com a garota, cessou seu fogo. Ficou curiosa, mas não deixou de ficar de braços dados com ela. – Me fala sobre esse tal de Roberto.

-Ele se mudou pra cá fazem uns poucos meses. Era veterinário da cidade, sabemos muito pouco sobre ele. Meu pai insiste pra que eu me jogue pra cima dele, é doutor bem de situação, mas eu não sei. Acho que ele é muito velho pra mim, tem trinta anos. É um amor de pessoa, disse que se ele voltar pra cidade vai me levar junto e me empregar como assistente.

-Hmm.. E o que exatamente vamos fazer lá?

-Ah.. É que nas ultimas semanas tem algum lobo atacando os cavalos do meu pai, ele está ajudando a tratar de alguns que sobrevivem aos ataques.

-Lobo é? – Ela lembrou-se do acidente – De que tamanho é esse lobo?

-Se for ver pelas mordidas... É bem grande. – A garota ficou insegura um pouco, mas falou o que Brigith achou que ela iria falar – Brigith, pode parecer besteira de gente do campo, mas você acredita em lobisomens? Monstros do tipo?

-Não tenho como duvidar. –
Ela riu, era uma ocultista, levava tudo como parte das possibilidades – Acha que é um?

-Bem, meu pai e minha mãe acreditam. Papai até fica acordado até tarde com a espingarda esperando ele aparecer pra poder dar um fim no bicho. – Estava explicado o ocorrido de ontem a noite – Ele teve uma briga com um outro dono de terras aqui e acha que pode ser alguém da família dele que vem aqui transformado em lobo pra se vingar matando os cavalos. É esquisito né? Acreditar nisso...

-Sim, é. Mas se até Michael Jackson existe, linda... Por que duvidar de metamorfos que não sejam astros do pop? –
Soltou um ultimo riso, Elisa a acompanhou nesse e tocou o braço da nova amiga com a mão. O primeiro passo pra sua vitória tinha sido dado. Mas Brigith não tinha pressa... Por hora, ela iria conhecer o tal Doutor Roberto. Essa historia de lobo tinha a interessado. Piadinhas com famosos a parte.

A casa era grande, amarela e bonita por fora, de madeira e com um jardim mal cuidado. Não havia nenhuma cerca separando a propriedade da casa de Elisa. Ela viu um celeiro grande ao longe, isso despertou alguma curiosidade. Estava velho e maltratado, fora que Brigith sentia algo esquisito vindo de lá. Como se fosse um cheiro desagradável forte.Deixou isso pra depois e seguiu Elisa, que deu alguns toques na porta de madeira chamando pelo tal veterinário. Pelos diversos barulhos na porta antes que ela se abrisse, Brigith notou que tinha milhares de trancas. Comparado com a madeira que travava a porta da outra casa... Ela não sabia o que achar daquilo. O homem apareceu diante das duas, cabelos castanhos escuros e curtos, camiseta branca social e um jeans surrado. Com aqueles óculos então... Parecia um cientista, não um veterinário.

-Ah, Elisa. Posso ajudar em algo? – A voz dele parecia assustada, paranóica.

-É só pra avisar o senhor que o cavalo de anteontem não resistiu.

-Isso está se tornando um problema mesmo hein.

-Pois é, meu pai acha que deve ser algum vizinho fazendo aquilo. Uma brincadeira de mau gosto. Já que os cavalos nem são dele direito...

-Matando cavalos dos outros? É de muito mau gosto mesmo. Devem odiar seu pai se forem eles. –
Brigith interrompeu o dialogo dos dois, tinha ficado quieta por tempo demais. Não agüentava tanto. – Brigith Velmont, senhor... Roberto?

-Isso. – Ele a cumprimentou, pareceu assustado ao ouvir aquele nome e voltou-se pra Elisa rapidamente depois do cumprimento. Isso chamou a atenção da morena. Será que aquele cara conhecia os Velmont? – Amiga sua Elisa?

-É, ela veio de longe e caiu aqui na fazenda sem querer. – A loira deu um riso e olhou dele para Brigith e repetiu o gesto – É só isso que o pai queria avisar, a gente ainda tá tentando descobrir o que tá acontecendo.

-Tudo bem, qualquer coisa é só me chamar. Não querem entrar pra comer ou tomar algo? – A pergunta do homem foi por educação, ele fez uma cara esquisita com a resposta.

-Sim, acho que vou aceitar. – A inconveniência veio de Brigith, a outra garota já estava pronta pra recusar, só que a morena foi mais rápida. Não estava com fome, bem pelo contrario, estava satisfeita com aquele almoço. Ela só queria dar uma olhada na casa dele.

-Ok, e-entrem! – Ele sorriu surpreso com aquilo, foi pra dentro e abriu mais a porta pra elas. Elisa ficou de boca aberta, e Bri passou por ela, mostrando a língua para a garota.

Elisa não se recusou a entrar, apenas ficou tímida dentro de uma casa tão diferente da sua. O tal doutor Roberto tinha dinheiro mesmo. Mas nada que fosse impressionar uma milionária como Brigith, tudo era arrumado com exceção de papeis e louça, ele morava sozinho pelo visto. Nada de decoração na casa, aquilo era muito sem sal para o gosto das duas garotas. Pudera, a casa de um homem solteiro... O que iria ter pra decorar? Dvds pornográficos? Ele pediu pra elas esperarem na sala e não repararem na bagunça, mas Brigith reparou. Sofazinhos de couro azul marinho, revistas sobre animais numa mesinha de vidro no centro do cômodo, estantes com CDs de musica country. Tudo estava empoeirado se olhado com atenção, ele não parecia ser dos mais asseados, mas com certeza era um amante de animais (Havia fotos e várias coisas relacionadas a bichos na casa). Ele foi pra cozinha e voltou com alguns daqueles cookies e leite, então se sentou em uma poltrona semelhante aos sofás, de frente pras duas garotas. Elisa não tardou pra começar a comer, Brigith pegou um dos cookies e começou seu interrogatório.

-O doutor não é casado?

-Sou divorciado, vim pro campo por causa da movimentação da cidade. Precisava de um pouco de paz, você deve entender. – Ele sorria, mas Bri achava que ele escondia umas coisas.

-Sim, a vida na cidade é muito cheia de responsabilidades mesmo. Mas você devia ser um veterinário de sucesso né? Pra ter uma casa dessas. – Brigith deu uma mordida no cookie pra fingir estar comendo, queria saber mais um pouco.

-Bem, digamos que eu fui empregado pelas pessoas certas. – O cara riu sem graça.

-O doutor tem muitas ligações, assim que ele voltar vai me levar junto. – Quem disse isso animada foi Elisa, por aquele ângulo Brigith podia achar que o veterinário queria se aproveitar da ingenuidade da garota. Mas por algum motivo a morena achava que ele não seria capaz.

-Vou sim, sua amiga é uma menina muito carismática Srta. Velmont, ela seria uma excelente atriz ou algo do ramo. – Elisa ficou encabulada com as palavras, Brigith riu por dentro.

-Sim, ela é um amor mesmo. – Piscou pra garota que ficou corada – Mas me diz, Roberto, você chegou a trabalhar pra uma família de nome “Archer” que está na Espanha? – Bri não gostava do nome dele, soava... Feio. Queria ir direto ao ponto, e o homem se entregou.

-Ah... Archer... Sim sim... São de origem inglesa, muito ricos. – Ele se enrolou todo, com certeza aquele cara não era totalmente normal. Foi o que a morena quis saber.

-Ahn... Bri, acho que a gente já incomodou demais o doutor, vamos?

-Sim, você tem razão. –
Brigith sorriu, sinceramente ela achava que Elisa não tinha futuro algum na cidade, a menos que fosse mais esperta do que aparentava. Atriz? Aquilo era um elogio... Mas a loira não precisava saber da verdadeira opinião dela – Até breve, doutor.

Foram guiadas até a porta, Brigith estava muito satisfeita. Só precisava falar com Louis agora pra ver se ele sabia desse homem e queria mandar alguma mensagem pra Ophelia, mas onde diabos ela ia conseguir sinal pro celular ou internet no meio daquele fim de mundo?
“No alto dos morros acho que tem sinal...”
Pediu pra Elisa guiá-la, depois que apanhasse o laptop na Hummer, era bom que os assuntos com Louis já seriam resolvidos também. Elas andaram bem até chegar lá e ver Louis na companhia do velho, tentando medir os danos feitos na caminhonete.

-Ora ora... As duas belezinhas ao mesmo tempo. – Louis não segurava palavras, o velho não gostou, Elisa corou e desviou o olhar, já Brigith não gostou disso e puxou o infeliz pelo braço o levando pra longe dos dois.

-Tem um ex subordinado da sua família aqui, um tal de doutor Roberto. E provavelmente ele está ligado com os ataques que estão ocorrendo com os cavalos. Diz que é veterinário.

-Roberto... Hmm... – Louis coçou o queixo – Não me lembro bem do nome. Mas lembro que a família faz alguns experimentos com animais. Daí alguns se disfarçavam como veterinários.

-Acha que ele pode estar usando outro nome?

-Bem, eu poderia pesquisar. Mas é difícil nesse buraco, o carro já era. Vou ter que ligar pro pessoal trazer outro. E um dinheiro praquele gordo, não agüento mais ele me cobrar por ter dormido da porcaria do colchão fedido dele.

-Me dá o número, eu vou pra um lugar que tenha sinal daqui a pouco, daí já mando algo pros seus empregados.

Louis entregou o seu celular pra ela e apontou o nome de uma tal “Carmen”, disse que era só mencionar o nome dele e falar do que seria necessário levar pra lá. Brigith concordou e eles acabaram voltando pra casa (Brigith pegou o laptop na hummer e o levou junto com sua mochila, claro), porém algo que ela não esperava era que a outra garota tentasse puxar papo com Louis, e o velho não gostou nada. Pegou Elisa pelo braço, como se estivesse bravo por ver as reações dela quando olhava pra Louis e por perceber que o tratante lançava olhares suspeitos pra ela. O culpado foi atrás dos dois e desejou boa sorte pra Bri na sua ligação, com um sorriso na cara. A morena até iria tentar usar seu charme pra tirar Elisa das mãos do velhote, mas uma vozinha tímida acabou a fazendo perder a oportunidade e deixar os outros três se afastarem rapidamente.

-Moça... Se quiser eu posso te levar lá, acho que o pai não vai deixar ela ficar perto de vocês mais. – Era o moleque que estava espionando. Brigith olhou pra ele “de cima”.

-Hmm... – Encarou o menino como se ele fosse a pessoa mais suja dali, mas se decidiu rápido – Estou te devendo uma. Então vou deixar você provar que é um pirralho descente.

Aquilo não foi nada simpático, mas o bobo sorriu de orelha a orelha. Disse algo como “Não vou decepcionar a moça.” O jeito enrolado dele provava que ele não sabia bem o idioma que a morena usava, seguiram caminho. O garoto não falou nada durante o percurso, parecia totalmente desconcertado junto com Brigith. Não era de se estranhar, um menino da idade dele com certeza já estaria curioso e atraído por “certas coisas” e o que tinha ali naquela fazenda de sexo feminino além da família e éguas?
Ela já havia visto isso em alguns tipos de literatura, paixões só por ver uma menina bonita. Seria bem cabível pra alguém que nunca tinha conhecido mulheres jovens e belas além da própria irmã, e como Elisa mesma disse, ele até espionava familiares no banho... Mesmo que não fossem de sangue, era taradice.Subiram bastante um tipo de “morro” que eles mencionaram. Lá no alto havia uma árvore grande com um balanço velho de madeira pendurado num dos galhos, campos verdes uma paisagem bonita. Dava pra se ver as montanhas, florestas e a fazenda toda, assim como outra fazenda que deveria ser a dos vizinhos. Dali Brigith até gostava do lugar, o ar puro, a natureza. Sentou-se naquele balanço e tirou o laptop da mochila, posicionando-o sobre os joelhos. O menino ficou calado, não entendia nada do que ela estava fazendo. Primeiro ela mandou um e-mail pra Ophelia, avisando que estava bem apesar dos imprevistos. Não esperava uma resposta rápida, por isso pediu para a baixinha ligá-la dali a um dia. Devia ser o suficiente pra sair dali e estar num lugar que tivesse sinal pro celular.
Depois da mensagem quilométrica, alias no meio dela, ouviu-se o pai do garoto berrando de lá de baixo, até ecoava. Ele perguntou timidamente se Brigith conseguiria voltar sozinha e ela respondeu que sim, não era nenhuma idiota. O menino abaixou a cabeça e disse um “já vou” saindo de lá sem olhar pra ela.
A morena suspirou... Não tinha um mau coração apesar de tudo, se levantou e caminhou até aquele pirralho. Estava o maltratando demais.

-Ei... – Ele virou-se e foi surpreendido, a garota deu um beijo doce em seu rosto. E ele ficou ali mudo, colocando a mão no lugar que foi beijado, olhando pro sorriso dela – Obrigada.

-P-por na-nada moça!

-Qual seu nome pivete?

-J-julian, moça. A-até logo! –
Ele sorriu e saiu correndo, acenando pra Brigith.

Com certeza ele tinha ganhado o dia. A garota detestava moleques tarados, pobreza e gente que cheirava estrume, mas bem no fundo era mole. O garoto não tinha feito nada de demais, só visto ela seminua. Assim como Joh tinha visto quando eles se tornaram amigos... Sentiu saudade daquele idiota. Tinha sido dura demais com ele antes, mas só ia perdoá-lo depois que soubesse que ele se desculpou com Ophelia. Ela quis ter um amigo pra conversar naquela hora e ele era o único que ela tinha. De braços cruzados ela passou com os olhos pelas redondezas e viu algo interessante, bem ao longe o carro do doutor Roberto tinha saído de casa. De certo estava indo pra cidade fazer algo, o mais engraçado é que ela viu o homenzinho passar quatro correntes naquele celeiro que ela tinha visto antes de sair.
O que ele guardava de tão valioso lá pra não deixar ninguém entrar? Ou será que escondia algo perigoso... Ela decidiu checar, mas ia ligar pra “Carmen” primeiro e garantir sua saída daquele lugar. Ligou pelo celular de Louis mesmo, ela demorou, mas atendeu.

-Olá garotão, sentindo minha falta é? – Brigith quase riu, seria uma amante daquele cara ou algo do gênero? Não dava pra negar que a voz dela e o sotaque espanhol eram sexies.

-Não é o “garotão”, mas ele tá sentindo falta sim.

-Oh, não me diga que é mais uma das namoradas dele. – Ela ouviu risos.

-Eu tenho senso do ridículo. – Bri retrucou cinicamente, como se soubesse que a mulher iria se sentir ofendida com isso. Mas ela riu mais ainda.

-Então você é Brigith Velmont. Ouvi falar da senhorita.

-Por ele? –
A morena se interessou – Espero que tenha sido pouco detalhista.

-Mimada, espertinha, agressiva e “caliente”! – mais risos – Louis gostou de você.

-Pena que não posso dizer o mesmo dele. Você deve ter muita paciência ou gostar de homens metidos a galã. – Ela acompanhou os risos um pouco.

-Acho que ambos querida, ele esqueceu de dizer que você é amável! Mas vamos deixar essa conversa pra depois, precisa de mim?

-É, o débil mental acabou batendo o carro e vamos precisar de condução, estamos no meio do nada. Consegue pegar as minhas coordenadas?

-Já peguei, doçura. Perto de uma fazenda ahn? –
Aquilo foi rápido... Então essa era a família Archer. Galanteadores por fora, gênios ligeiros e surpreendentes por dentro.

-Sim, eu não preciso de algo imediato. Digamos que quero resolver um pequeno caso que eu arrumei aqui, então você pode mandar um helicóptero amanhã e uma quantia de dinheiro com uns três zeros, é pra pagar uma divida que fizemos.

-Às ordens princesinha. Só isso?

-Por enquanto, até.

-Beijos.

Brigith desligou e anotou o telefone daquela mulher no seu próprio celular. Tinha se interessado um pouco. Se Louis pelo menos fosse discreto... Ia ter o mesmo charme que aquela espanhola. Como será que ela era?Pela voz... Com certeza era bonita. A Black Rose não escolhia mulheres que não eram. Bem, talvez poucas. Mas aquela parecia ser outra interessante. Decidiu descer e ir bisbilhotar a casa do doutorzinho logo, o sol estava se pondo. E a morena tinha quase certeza que era ele quem estava por trás dos ataques.
A descida foi rápida, ela tinha ido direto pra casa do homem. Encarou aquele celeiro desde que o avistou até perdê-lo de vista. A porta da casa estava trancada, mas bastou dar um volta em torno dela pra achar uma janela que o cara esqueceu aberta. Era bem estabanado pra um ex-funcionário da Black Rose. O problema era que todos os ex-funcionários da seita eram caçados e a maioria estava morta. Colocou a mochila nas costas, tirou as botas e pulou pra dentro. Caminhou pela casa sem rumo até que avistou algo interessante... Um telefone. Vai ver ele tinha uma linha telefônica especial, a garota se aproximou olhando em volta e percebeu mensagens na caixa eletrônica do aparelho. Apertou o botão pra ouvir sem apagá-las.

“Hola Roberto no tiene La fuente que ha pedido. Tendrá que conseguir en La ciudad.”
Essa ela não entendeu bem, ficou com mão no queixo ouvindo o resto.

“Usted necesita tomar un vistazo a mi perro para mí. Cuando se libre?”
Nada fora do comum ainda.

“Te dije para matarlos! Si alguien descubre algo es El final Roberto! Llámame.”
Esse a interessou, era o que ela queria ouvir. Matar... Mandavam-no matar algo ou alguém para que não descobrissem algo.

Mas o que? O que diabos esse homem estava escondendo? Antes de dar uma olhada no lugar mais obvio e suspeito, ela subiu as escadas pra olhar lá em cima. Era uma casa bem normal, um escritório, mini-biblioteca que nunca chegaria aos pés da que tinha na mansão dos Velmont e dois quartos com suíte. Um estava desocupado, já o outro era o dele. Cheirava produtos de limpeza baratos, até que era organizado pra alguém como ele, era estranho alguém chegado a animais não ter nenhum. Entrou na suíte e viu um chuveiro... O doutor devia ter tomado banho há pouco, estava todo bagunçado. Ele não notaria uma bagunça a mais.Bri colocou a mochila em cima do vaso sanitário e tirou as roupas sem hesitar, deixou a porta aberta pra ouvir alguma possível movimentação na casa e ligou o chuveiro entrando ali debaixo, por sorte tinha seu próprio sabonete na bolsa e cremes pra cabelo, não ia precisar daquele cheio de pentelhos do veterinário. Era nojento só de ver.Demorou bastante, a sensação de água quente escorrendo pelo corpo era ótima depois de um dia todo na roça, depois do banho ela se enxugou também com a própria toalha e saiu do banheiro enrolada nela. Passeou pelo quarto do homem, fuçou gavetas e viu pouca coisa interessante, como ela pensou, viu alguns papéis relacionados a experimentos biológicos como Louis havia dito que os Archer faziam (e com certeza uns DVDS pornôs). Não restavam duvidas, aquele cara tinha pelo menos o mínimo de culpa no que estava ocorrendo naquele lugar. Brigith pegou sua câmera digital e tirou algumas fotos dos papeis, partes que denunciavam tudo, e aproveitando o embalo tirou algumas de si mesma. Ela achava que ficou bem de toalha e cabelo molhado perambulando pela casa de um estranho. Era melhor partir pro interessante logo, surrupiou uma lanterna da gaveta, vestiu-se com uma blusa de mangas longas preta (estava frio ainda) e uma calça jeans, colocou a mochila nas costas de novo e voltou por aonde veio. Já de botas calçadas ela foi em direção do celeiro, o sol já tinha sumido, a luminosidade estava escassa demais pra ajudar na sua busca lá dentro. Por isso a lanterna.

Brigith não conseguiu abrir a porta principal de forma alguma então teve que rodear o local pra procurar outro jeito de entrar. E acabou achando.Uma madeira solta, daria pra alguém pequeno movê-la e entrar, era o suficiente pra ela. O chão dali não estava tão sujo, então ela nem hesitou, deixou a mochila escondida ali do lado e pegou apenas a câmera digital e o celular e enfiou nos bolsos, colocou a lanterna boca e engatinhou pela passagem. Era quase impossível de se ver algo ali, mas fedia... Fedia demais. O próprio ar ficava pesado por causa daquele cheiro horrível. E o solo que parecia terra molhada ajudava muito pouco a melhorar.Acendeu a lanterna e começou a caminhar por lá, não demorou nada, ela achou algo. Um frio atravessou a espinha da garota e ela quase se arrependeu de entrar lá, era algo grande que ela não sabia mais dizer o que era. Cheio de sangue, dilacerado, algo devia estar se alimentando daquilo de pouco em pouco. Ela deduziu pelos cascos e pelo que ouviu, aquilo seria um cavalo. A garota ficou quieta e levou uma mão a boca, não tinha ficado com enjôo nem nada por causa daquela cena brutal, apenas tinha tomado um susto leve. Por instinto ela apanhou a primeira coisa que viu, era um tipo de foice curta e curvada pra cortar mato ou qualquer dessas coisas. Decidiu caminhar mais um pouco, iluminando com a lanterna. Haviam ossos ali, de cavalo... Se fosse mesmo um lobisomem o tal doutorzinho, ele tinha fome duas vezes maior do que ela imaginou. E aquela seria uma historia pra se contar... Caminhando em meio aquela escuridão e cheiro pesado de carniça, ela notou uma movimentação, parecia ser outro cavalo arrebentado, mas esse estava vivo. Ela se aproximou cautelosamente até chegar a um metro de distancia daquilo, porém ela demorou demais pra notar, era peludo demais pra ser um cavalo, e era cinza...

Ela só ouviu um rosnar assustador vindo daquela coisa que se ergueu penosamente do chão, o doutor não tinha colocado tantas correntes pra impedir alguém de entrar. Tinha colocado pra impedir algo de sair.Brigith sentiu seu coração lhe saltar a garganta, com a lanterna ela notou que era um cão enorme, do tamanho de um cavalo. Parecia mais um lobo por causa da pelagem, mas o focinho era curto demais pra ser. Aquilo não ficou de pé, era um quadrúpede como qualquer canino normal. Mas se fosse mesmo um lobisomem como disse Elisa, ela estava ferrada agora, não havia nada de prata ali além da corrente da sua jóia. Recuou, os batimentos aumentavam cada vez mais, combinados com um frio maldito no estomago. Ela não podia morrer, não agora. Tinha prometido que ficaria bem pra Ophelia, nem tinha tido seu encontro com a líder ainda... Não havia encontrado o que ela procurava...
Colocou a lanterna na boca de novo, ficando de lado praquilo, lembrou do Kendô e segurou a foice com as duas mãos.
O cão tentou abocanhá-la pela primeira vez, porém estava lento demais por causa dos ferimentos, era aquilo que Louis havia acertado na estrada e devia estar com os ossos destruídos. A morena se afastou num salto, mas o animal avançou contra ela de uma forma rápida. A mordida teria acertado em cheio o torso da garota se ela não tivesse balançado a foice em cheio contra o pescoço dele. Brigith acertou, era mais ágil que o cão naquele estado ela viu o sangue jorrar e ouviu os ganidos monstruosos dele, porém era diferente do que ela pensou. A garota não teve forças pra segurar a foice depois daquele golpe e perdeu ela na escuridão, o cão não caiu, ficou bem mais agressivo e a acertou com o corpo arremessando a garota no chão. Ergueu-se e correu o mais rápido que pôde pra perto de algumas ferramentas de campo que a luz da lanterna iluminou um pouco antes de sair da boca dela e rolar pra longe, conseguiu agarrar algo. Aquilo correu no encalço dela e saltou, porém Brigith se jogou no chão e ergueu o que tinha pegado na direção do animal que ela quase não enxergava. Ouviu a ferramenta (que tinha cabo de madeira) estalar por completo na sua mão e cravar-se na terra ao lado do busto dela por causa do peso. Tinha acertado mais uma vez em cheio a garganta do animal, Bri pode calcular graças aos olhos dele que era a única coisa que ela viu na hora. O tridente tinha atravessado o pescoço do animal por completo varando do outro lado e quebrando lá dentro. Os ganidos soaram engasgados e a morena sentiu sangue quente cair sobre ela, rolou pro lado e saiu de perto da criatura. Até que ouviu um baque, havia caído no chão. Ela apanhou um facão que estava no meio daquelas ferramentas que viu num suporte, por precaução, e voltou a apanhar a lanterna. Quando o iluminou, já tinha dado suas ultimas golfadas de sangue, estava morto. Não era um lobisomem... Apenas um cachorro raivoso grande demais. A morena se sentia um lixo, estava com nojo demais do seu estado e sentiu até o estomago embrulhar. Aquele liquido quente e de cheiro forte tinha encharcado a roupa dela.

-Vira-lata estúpido! Eu tinha acabado de tomar banho sabia? – Foi seu grito de vitória pra tentar se auto-acalmar. Chutou o animal no chão, sem reação.

Passou a mão pela blusa pra tirar os excessos de sangue, não tinha se ferido, estava apenas com as costas doloridas, cansada e fedendo. Ficou retomando o fôlego, porém ouviu algo bufando cada vez mais rápido e não era ela... Tinha cantado vitória cedo demais, no susto ela iluminou na direção de onde o ruído vinha. E enxergou o que temia... Um outro cão imenso preto (lembrava um rottweiler) saltando na sua direção, porém esse estava inteiro, ela não tinha chances. Só sentiu o impacto daquela pata gigante acertar seu peito e prensá-la no chão, perdeu todo ar, o facão e a lanterna foram pra longe. Ela tentou em vão tirar a pata de cima de si, mas era pesada demais. O cão rosnou e latiu contra a cabeça dela, alguma baba atingiu o rosto da garota indefesa. Ia acabar assim?
Porém antes de sentir uma mordida lhe esmagar o crânio, a morena ouviu um assovio agudo ao longe e o cão parou de rosnar e latir desviando o olhar pra outro lugar. Bri ficou muda, o peso que ele estava colocando sobre ela estava esmagando suas costelas.Por sorte, o cão a abandonou acabada no chão e saiu em direção do assovio. A garota ficou no chão gemendo de dor até parar de ouvir aquele caminhar pesado, levantou com dificuldade e pegou a lanterna com sua arma improvisada rumando pra saída o mais rápido que conseguiu. Passou por aquela madeira, apanhou a mochila, jogou nas costas e tentou correr. Tropeçava varias vezes nos próprios pés até normalizar seus movimentos, retomando o ar. Já tinha escurecido, Bri parou em frente da casa de Elisa minutos depois, bufando. Já estava tudo fechado, ela bateu na porta dizendo um “sou eu” sem fôlego. E quem abriu a porta foi Marianne, a mulher derrubou a madeira que segurava (a que travava a porta) no chão quando viu Brigith nesse estado.

-Meu santo deus! O que houve com você menina?

-Eu descobri o que está matando seus cavalos do pior modo. – Nessa hora ela entrou sem se importar se ia sujar o chão, Louis, Elisa e o velho apareceram logo depois, estavam jantando.

Todos ficaram boquiabertos ao ver a garota daquele jeito. Elisa ia dizer algo, mas o bigodudo foi mais rápido. Brigith notou que ele estava com um ferimento feio no braço, um pano estava amarrado ali pra estancar sangue:

-Foi os desgraçados dos vizinhos que fizeram isso? Eu sabia! Filhos de uma cabra maldita!

-Não... Foi algo maior, Elisa... Você estava meio certa. – Morena parecia muito desagradada com a sua atual situação, quem não ficaria?

-Meu deus! U-um lobisomem?! Isso existe mesmo ?!

-Eu vou contar, mas primeiro preciso de um banho...

-Vem, eu te ajudo. – Elisa pegou ela pela mão e a levou pro banheiro que ficava escondido naquele primeiro andar.

Era pequeno, e a água vinha de um cano que devia dar em um rio, fria... Brigith suspirou, estava odiando aquilo. O cheiro, a sensação insuportável de sujeira. Se livrou da blusa e da calça, o resto estava menos sujo. Elisa gritou para a mãe esquentar alguma água, seria terrível tomar banho frio naquele clima. A loira disse pra ela esperar e saiu do banheiro, a deixando sentada num banquinho de madeira que estava por lá. Ia ser tranqüilo agora, se não fosse aquela sensação repentina. A morena sentiu seus pulmões esquentarem e as tosses vieram, junto com elas, sangue. Ficou mirando as próprias mãos tremulas, tinha que ser da pancada... Era da pancada.Ficou repetindo isso mentalmente inúmeras vezes até que cerrou os punhos e socou a parede, olhando pros próprios pés pálidos no chão.Não era... Ela sabia muito bem que não era.
Elisa e Marianne entraram, carregando dois baldes de água quente cada. A mulher se adiantou dizendo que ia procurar por algum machucado, mas Brigith recusou. Era visível algum desanimo na voz dela.
“Eu estou bem, Marianne... Poderia deixar só a Elisa aqui me ajudando?”
A velha cedeu sem saber o que falar, olhou pra filha e saiu deixando ambas a sós. E Brigith não hesitou, se despiu na frente da outra garota sem cerimônias e puxou um balde pra perto, enchendo as mãos de água e jogando contra o rosto, era o fim ter que tomar banho assim. Mas isso não ia a afetar agora, ela já tinha se deprimido o suficiente. Elisa hesitou um pouco a tocá-la, mas começou a lavar-lhe as costas. Tinha mãos macias, Brigith suspirou.

-Como ele era? – Perguntou a loira.

-Preto, grande e fedorento. O que foi no braço do seu pai?

-Quando você saiu ele arrumou briga com os vizinhos, acabou levando uma facada. Mas o Louis cuidou de tudo, ele bateu nos dois, desarmado. Ele é... Incrível.

-Ah é? –
Ótimo, ela estava encantada mesmo por ele. Não importava se fosse casado – Vou colocar ele pra lutar contra aquela merda que me atacou e ver se o heroísmo dele dura. E seu irmão? Eu não vi ele lá.

-Meu pai deu uma surra nele por ficar invadindo a casa do doutor, daí ele sumiu logo depois que teve a briga dizendo que ia buscar alguma coisa pra se vingar dos vizinhos. Fico preocupada, talvez ele tenha ido esperar eles voltarem da pesca na estradinha, se tentar algo sozinho ele vai apanhar e como se não fosse demais, ainda tem o bicho que tentou te comer.

Brigith ficou em silêncio, tinha que falar com aquele metido a herói, fitou o seu reflexo na água e perdeu-se em pensamentos, sentindo as mãos da outra garota lhe esfregarem as costas. Podia até se dizer reconfortada com aquilo, pareciam caricias, massagem. Naquele momento ela quis tomar aquelas mãos delicadas da amiga pra si.Elisa notou que ela estava inquieta e questionou:

-Aconteceu algo Brigith? Você parece triste.

-Você já chegou a odiar algo físico em si mesma? Tipo o seu corpo?

-Bem... Eu não sei, acho que não. Mas você também não tem motivos, você tem um corpo lindo! Se é que posso dizer... – Ela ficou encabulada, a morena se aproveitaria desse comentário se estivesse no seu humor normal. Mas não era o caso.

-É... Eu tenho...

Elisa se manteve falante e ela em silêncio, não prestava muita atenção no que a garota dizia, seus pensamentos estavam distantes. Perdidos.Depois daquele banho esquisito ela se enxugou e trocou mais uma vez de roupa, aquela outra estava acabada. Nunca mais ia usar aquilo. Escolheu outra calça e uma blusa de frio pretas, com aquele seu casaco vermelho de antes. Quando saiu o velho e sua esposa estavam discutindo alto sobre algo que ela nem quis saber, deixou Elisa pra trás e procurou Louis. Ele estava sentado folgadamente na sala a encarando como se quisesse rir.Brigith sentou do lado dele e murmurou baixo:

-São cachorros gigantes... Lembra de alguma coisa que sua família fez relacionado a isso?

-Acho que sim, não to lembrado ao certo.

-E você se chama de atual líder dos Archer... – Ela encarou o rapaz com desaprovação – Eu tenho certeza que o doutorzinho está por trás disso. Além de esconder aquelas coisas no celeiro da própria casa, achei papeis provando que ele teve envolvimento em experiências da sua família e ainda ouvi uma mensagem dizendo pra ele matar algo antes que alguém descobrisse. Não duvido que ele solte aquela coisa pra vir devorar a gente aqui quando ver o cinzinha morto no celeiro.

-Quantos cães ele tem afinal? Agora que você mencionou eu lembro de rumores sobre uma falha na segurança dos laboratórios certa vez... Eles estavam desenvolvendo algo como um chip pra controlar animais modificados geneticamente.

-Eram dois. E se for mesmo... Acho que encontramos os seus animais modificados. Afim de esperar o outro vir pegar a gente pra acabar com isso de uma vez?

-Nenhum pouco. Você sabe das regras... Só existe um modo de sair da Black Rose e é morto. Eu vou ter que ir atrás do doutor pra esclarecer umas coisas antes que ele fuja.

-Isso que eu chamo de um “chefe de família” resolver os problemas de perto. Estou preocupada com aquele pirralho. –
Louis a olhou com espanto, não esperava ouvir essa – Que foi? É só um moleque... Seria besteira deixar ele morrer.

-Eu sei, mas jurava que você era do tipo que apoiava sacrifício humano. Você vem comigo?

A morena acenou com a cabeça positivamente e ambos se levantaram, Louis pediu uma rifle pro velho. O cara hesitou um pouco, mas olhou pra mulher mandando ela ir pegar aos berros, ela voltou correndo com a arma e munição. O líder dos Archer parecia saber atirar muito bem, então Bri se sentia um pouco segura... Apenas um pouco.

-Onde vocês vão? – Elisa pareceu aflita com isso.

-Caçar, senhorita. – E o galanteador sorriu pra ela, carregando o rifle e o colocando no ombro.

Brigith e Louis saíram da casa ouvindo aquela madeira travar a porta nas costas deles, o jovem pegou a pistola que guardava e jogou pra garota que a apanhou no ar. Estava se sentindo num filme de ação... Fazia tempo que não passava por coisas do gênero. Começaram a andar, na direção da casa do doutor.

-Algum plano, gênio?

-Entramos lá, pegamos o infeliz, o fazemos falar e depois o expulsamos da seita a La Anita Sullivan. Ah sim, enterramos no fim. – Ele estava confiante.

A morena pensou se seria mesmo necessário matá-lo, Roberto não parecia ser má pessoa. Mas assim eram as regras, ela tinha decido segui-las há tempos.Andaram um pouco e encontraram o moleque, Julian, vindo correndo pela estradinha. Avistaram o garoto e Louis gritou pra ele se aproximar, foi o que ele fez.

-O que houve ninõ?

-O lobisomem! Pegou os vizinhos! – Ele parecia até contente com isso. – Eu vim correndo.

-Vai pra casa pirralho. – Quem disse foi Brigith – Seus pais tão preocupados.

-Mas e você moça?

-Eu coloco ele na frente caso aquilo tente me morder de novo.

O garoto sorriu hesitante e correu pra casa, o casal prosseguiu pra onde estava indo. Louis comentou que aquele garoto era esquisito e que ia ficar trancado umas dez horas no banheiro por causa da morena. Ela riu baixo, não era hora praqueles comentários, já estavam cara a cara com a casa do homem. O carro estava lá e a porta do celeiro estava completamente aberta. Brigith deixou a pistola preparada pra qualquer movimentação que notasse e Louis avançou direto pra casa, acertou uma pesada na porta, e algumas outras até que ela se destrancasse bruscamente. Entraram e acharam o cara bem rápido, ele parecia estar um tanto bêbado, com uma garrafa de vodka na mão sentado na cozinha. Não se surpreendeu nenhum pouco com a entrada repentina dos dois. Pelo contrario, sabia que eles viriam.

-Ah! Então os cães dos Archer vieram. Vocês soltaram ele não é? Vocês mataram o outro!

-Não cara... Sinta-se honrado, eu sou o próprio cabeça dos Archer. – Louis sorriu e voltou a colocar a rifle nos ombros – O que diabos ta havendo aqui?

-Ele mantinha os cães presos... Agora um deles escapou e quanto ao outro, ele me atacou mais cedo e eu tive que me defender. – A morena o encarou de braços cruzados.

-Então foi você! Era só um animal como outro qualquer!! Por que vocês sempre tratam animais como meros experimentos sem importância??

-Sem essa de moralismo. Você tava sabendo que essas coisas estavam matando os cavalos, não pode vir me dizer pra me importar com os bichinhos. Por um lado eu fiz até um bem, mas tem outra daquela coisa solta por ai! E pode acabar matando a Elisa por exemplo.

-Eu tentei! Juro que tentei manter eles presos e sob controle, até comprava montanhas de ração pra não acontecer isso. Mas alguém ia lá e soltava os dois toda noite, não sei como ou por onde! Só sei que o desgraçado descobriu como controlar eles e agora acabou assim! –
O homem falava gritando, parecia que ia chorar de tanto que engasgava. Ele não tinha como culpar a morena.

-Alguém? Os vizinhos? – Louis estava indiferente e relaxado.

-Não, idiota... Julian, o pirralho. Isso é obvio, Elisa me disse que ele invadia essa casa, deve ter descoberto de alguma forma e passado a controlar os cães... Foi ele quem mandou aquilo atacar os vizinhos que brigaram com o pai dele.

-Essa história é meio ridícula mesmo...

Nessa hora os três tomaram um susto, ouviram um arranhar ruidoso em uma das janelas, ela quase se quebrou. Foi o suficiente pra ver a aquele focinho enorme cheio de sangue farejando a casa e soltando um latido. Brigith instintivamente ergueu a pistola naquela direção e se pôs atrás de Louis, que mirou pra janela. O doutor se levantou e perguntou o que eles iam fazer, gaguejando.

-Louis... Não tem outro jeito, aproveita que aquilo ta na sua mira agora. Atira logo. Se ele der a volta e ver a porta aberta nós estamos mortos... Anda!

-Não precisa nem me dizer madame. – Ele mirou pra janela e apertou o gatilho, porem Roberto gritou e se jogou contra Louis, tirando ele do foco. Aquele ganido ensurdecedor deixou claro que tinha acertado e o cão provavelmente correu pra longe dali.

Louis acertou o “veterinário” com o cotovelo e o arremessou no chão, correndo pra porta pra não perder aquele cachorro enorme de vista. Roberto ia ir atrás dele, mas a morena ergueu a pistola pra cara do imbecil.

-Você fica quietinho ai. Já causou problemas demais.

-Não vai atirar em mim, você não consegue! É só uma menininha.

Ele riu e Brigith riu junto por um tempinho, porém os risos cessaram depois do barulho do disparo. Ela acertou um vaso do lado da cabeça dele e o encarou com seriedade, algo que fez o homem se calar e permanecer boquiaberto.

-Tenta a sorte querido.

-E-ele... Ele não precisa morrer. – Dessa vez ele parecia mesmo um verme, a expressão dele dava dó – Eu trouxe os dois pro campo justamente pra que eles vivessem em paz...

-Por que todo esse drama? São só cachorros.

-Diz isso porque você não viu eles crescerem! Não acompanhou eles desde filhotes, enquanto todos os outros morriam por causa daquela porcaria de experimento os dois sobreviveram! E quando eles viram que funcionou, mandaram matar ambos pra não correrem riscos! Você não entenderia... Pra vocês eu sou só um idiota mole que acabou ferrando a própria vida pra proteger um par de animais.

- Eu até entendo que existam pessoas amem animais a esse ponto ridículo, mas... Não tem outro jeito, se ele ficar vivo vai matar mais alguém.

-É... –
Ele se recompôs – O que é anormal não tem mesmo direito de estar nesse mundo...

Nessa hora foi Brigith quem ficou sem ter o que falar. Se fosse mesmo verdade... Se nada anormal pudesse viver no mundo... A morena sentiu um aperto no peito, ela entendeu o que ele quis dizer. Mesmo que não compreendesse os sentimentos dele para com aqueles cães monstruosos, conseguiu entender o que era querer achar um lugar no mundo pra alguém “anormal”, alguém que era privado de viver como as outras pessoas.Aquilo lhe soou terrivelmente familiar. E doloroso.

-Vamos atrás do Louis... Tem uma forma de parar aquilo sem matá-lo?

-S-sim! – Ele se impressionou com o que ouviu – Ele tem um tipo de microchip na cabeça, se você assoviar aquilo reconhece o som e o cão automaticamente vai ficar dócil e esperar por alguma ordem simples, como “Ataque” ou “Sente-se”.

Foi como o outro homem falou, um chip. Ela não quis ouvir mais nada, apenas saiu correndo na direção que Louis foi. O doutor a seguiu, quase caindo por não conseguir acompanhar a garota. Não demoraram muito pra achar ele, mas foi um erro correr daquele jeito. Louis tinha avistado o animal e estava com ele na mira, no meio do mato alto, mas a correria dos dois fez o cachorro perceber a presença de todos ali. Ele rosnou e Louis atirou, teria acertado o olho se a garota não tivesse empurrado as mãos dele. O tiro acertou no peito, perto do pescoço do animal que ganiu e correu pra longe, porém o doutor assoviou alto e aquilo realmente fez o monstro parar. A morena disse pra Louis esperar, ele não entendeu, porém obedeceu sem abaixar o rifle.
Roberto caminhou a frente deles, o cão tinha se virado e estava bufando de língua de fora, coberto de sangue. Louis não quis acreditar quando viu o doutorzinho fazer aquela cena estúpida e avançar na direção daquela coisa falando:

-Calma... Ninguém vai te machucar mais.

-O que diabo ele ta fazendo? – Encarou Brigith.

-O chip... É controlado por um assovio. Se ele estiver certo o cachorro não vai fazer nada.

Foi irônico demais o que houve a seguir, ele se aproximou do cachorro e estendeu a mão na direção dele para tocar o focinho do monstro, porem antes que ele conseguisse o animal se movimentou tão rápido que o casal nem pode ver quando foi que ele abocanhou a cabeça e o torso do veterinário e o chacoalhou com força como se fosse um brinquedo. O homem nem conseguiu gritar, Louis gritou um palavrão e mandou a garota atirar enquanto ele recarregava a rifle que era um tanto antiga e dava um tiro por vez. Ela ergueu a arma, viu o tronco do homem sendo dilacerado, os ossos dele quebrando na boca do animal, mas não conseguiu atirar. Simplesmente não podia...
Louis disparou a rifle de novo, contra o pescoço daquele cão enorme, ele soltou o veterinário na hora. Mesmo que fosse tarde demais pra ele. Tomou a pistola da mão de Brigith, largou a rifle no chão e começou a atirar, segurando ela pelo braço e a jogando rumo à casa de Elisa que estava bem próxima.

-Corre lesada! Rápido!

A morena nem questionou, aquilo não tinha caído mesmo com três tiros de rifle e com o homem descarregando uma Beretta nele. Brigith correu, e pra sua surpresa, o cão correu e derrubou Louis indo na direção dela. A garota juntou todo seu fôlego e pratica pra correr o mais rápido que pode, viu Marianne abrir a porta da casa assustada, mas foi pouco depois que ela viu aquilo. A mulher começou a berrar apressando Brigith, gritou pro marido lá dentro trazer a arma, mas a morena se manteve focada na sua corrida. Ela precisava... Se não chegasse lá seria o fim, não podia olhar pra trás. Sentia várias coisas lhe acertando as pernas, aquele barulho aterrorizante de rosnar que o animal fazia atrás dela, e as patadas no chão, cada vez mais próximas. Ela não conseguiria correr mais rápido que aquela besta nem em um milhão de anos... Era tarde demais, as coisas ficaram lentas.
O velho do bigode saiu na porta com o outro rifle, ela ouviu a mulher gritar, o cão saltou, ela ouviu um disparo e um ganido, se jogou pro lado. Aquilo caiu em cima das pernas da garota mesmo assim, Brigith começou a chutá-lo como podia, mas estranhamente ele se mexeu de forma lenta no chão sem se levantar. Tentou até abocanhá-la, mas em vão, não conseguia se mexer mais. A morena saiu de baixo dele e se afastou, Louis tinha acertado ele com a rifle mais uma vez. Mas no topo do crânio, tinha sido fatal não importava o tamanho dele.O do bigode correu pra fora e deu outro tiro pra garantir, e mais outros dois diretamente na cabeça. Louis nem ligou, sabia que tinha acabado mesmo... Foi até a morena e colocou uma mão no ombro dela, estava sem fôlego, suas pernas quase quebraram, tremia por completo.

-Saciou a vontade de ser perseguida por um predador? – Ele riu sarcástico.

-Vai se ferrar... Até um cachorro geneticamente modificado e louco não quer colocar a boca na sua carne, de tão baixa qualidade que ela tem. – Estava com as mãos nos joelhos, retomando o fôlego e olhando pra baixo.

-Pelo visto o assovio não funcionou.

-Por sua culpa! O primeiro tiro que acertou na fuça dele deve ter ferrado o tal chip.

-Provavelmente. Mas veja pelo lado bom, não vamos precisar dar cabo do doutorzinho. –
Louis continuou a rir, e aquela família ficou encarando os dois horrorizados.

O velho olhou Louis com outros olhos, parecia ter gostado de ver o tiro dele. Marianne tinha pegado a cabeça de Julian e socado contra o peito pra impedi-lo de ver, já Elisa... Ela estava muda, perguntando quem eram aqueles dois afinal.

-Nós vamos dormir na casa do doutor que está desocupada agora. – Ele sorriu.

E de fato dormiram, Brigith tomou outro banho e jogou fora sua antepenúltima troca de roupa também. Ia precisar fazer compras em breve.Dormiu num dos quartos de hospedes enquanto Louis ficou no quarto de Roberto, Elisa tinha ficado pasma com a morte do doutor. Colocaram o corpo dele ao lado do cachorro morto, iam ser tomadas providencias amanhã. Bri não conseguiu dormir aquela madrugada toda. Mesmo que aquela cama azul fosse confortável e limpa. Ela não conseguiu parar de pensar.As palavras de Roberto ficavam incomodas na sua cabeça: “O que é anormal não tem mesmo direito de estar nesse mundo.” Ele tinha sido morto pelo que tinha tentado defender... Coisas anormais eram assim?
Sem sentimentos? Por serem diferentes eles deviam odiar tudo que fosse normal.
E isso... Pensar que ela odiava Brigith por ser anormal.Pensar que aquela garotinha que era a pessoa mais importante pra ela a odiava...
Era tão egoísta, tão perfeita e arrogante. Esbanjava isso sem pensar no que a menina pensava, no quanto ela devia se magoar com aquilo.
“Se eu pudesse... Eu trocaria de lugar com você...”
Foi o que ela disse entre soluços, com a cara enterrada no travesseiro.
Por aquela madrugada ela se odiou, se viu como a pessoa mais baixa naquele mundo.
A manhã chegou e ela ouviu o helicóptero que tinha pedido ainda cedo, pensou que só chegaria a tarde. Conseguiu dormir duas horas depois disso, quando finalmente foi acordada por Louis. Ele parecia diferente do habitual, com alguma seriedade no rosto.

-Se eu não te conhecesse diria que chorou a noite toda.

-Já vamos? – Ela não tinha chorado, mas sua expressão estava horrível e seus olhos avermelhados. Louis a observou levantar da cama e esfregar a vista pra ver se parava de coçar.
O momento depressivo tinha passado.

-Exagerou ao pedir um helicóptero sabia?

-Dane-se... Acho que a gente não dá a sorte de bater num pombo mutante agora.

-Sobre a nina, vou oferecer emprego pra ela na cidade. E adivinha, ela quer me ver antes de eu ir e a sós. – Agora ele tinha voltado ao normal.

-Não envolva ela com a sua família. Não quero mais um caso igual a esse, e vê se proíbe esses tipos de experimentos... Animais tem mais direito de viver que humanos.

-Se te deixa feliz, linda... Quem fazia isso era meu velho. Eu prefiro insetos a animais, já a loira, eu vou colocar ela num lugar sem risco.

-Assim espero, vou me despedir e ir direto pro helicóptero. Não demora.

E ela foi. Todos estavam na frente da casa olhando o helicóptero como se nunca tivessem visto um, era de um azul esquisito, o velho rindo estrondosamente com a quantia gorda de dinheiro que tinham lhe pagado, Marianne parecia abalada com tudo que houve, Julian foi o primeiro a chegar perto de Brigith pra se despedir. Elisa o seguiu.

-Nunca mais vamos nos ver moça?

-Acho que não, mas quem sabe... Se cuida pirralho. E vê se para de mexer com coisas que não são da sua conta. – Ele entendeu o que Brigith quis dizer e prometeu pra ela não repetir aquilo, por culpa dele tinha acabado assim. O moleque soube disso.

Depois dele, Brigith apenas acenou pra Marianne e pro bigodudo, olhou pra Elisa e as duas foram pra outro lugar onde pudessem conversar mais a vontade, mais exatamente pra perto daquela plantação de uvas em que elas foram no outro dia. Elisa sentou-se no tronco que ficava ali, Brigith ficou de pé.

-Eu vou me encontrar com o Louis daqui a pouco e... Papai gostou dele, disse que é um homem de verdade depois que viu ele matar aquela coisa.

-Que bom... Ele provavelmente vai agarrar você. Não se importa com a noiva dele?

-Ele me contou a verdade, disse que vocês não tem noivo ou esposa, que são só viajantes que precisavam de um teto. – Ela pareceu admirar isso.

-Bah... E o que vai fazer? – Contar a verdade e omitir alguns fatos... Ela não pensava muito nisso, mentia sem hesitar. Talvez ela tivesse perdido.

-Hm... Se ele me beijar mesmo, eu não... Eu não sei como fazer isso. – Ou não.

-Fecha os olhos. – Elisa não entendeu, mesmo sendo tão obvio. Obedeceu Brigith e fechou os olhos, a morena pegou o celular e colocou pra filmar. Jogou o aparelho na terra macia bem abaixo delas e se aproximou da garota a beijando.

Elisa se assustou no começo, mas depois se rendeu totalmente. Os lábios da loira eram macios e delicados, assim como os de Brigith. Porém a morena sabia conduzir bem aquilo, sabia brincar com lábios de forma que fazia pessoas delirarem e esquecerem-se das coisas ao redor. Foi o que houve ali, a única coisa que Elisa sentia eram os lábios se roçando de forma lenta e envolvente contra os dela. Ficou tomada por aquilo, longos segundos, até que Bri parou.

-É mais ou menos isso. Mas duvido que ele seja melhor que eu, bem, boa sorte.

Ela apanhou o aparelho no chão e parou de filmar, a outra garota nem percebeu. Depois que Elisa disse tudo que tinha pra dizer (na verdade ela ficou sem fala, mas era só aquilo que ela queria dizer e pedir conselhos pra Brigith), as duas voltaram pro helicóptero, onde a morena se despediu dela com um abraço e cochichou no ouvido dela:

-Aquele tarado vai arrumar um emprego pra você na cidade, ok?

A loira de cabelos cacheados não podia ter ficado mais feliz com a notícia. Despediu-se dela como se fossem melhores amigas, com certeza era isso que ela achou. Mas pelo lado de Brigith aquela garota era tão dispensável... A morena entrou no helicóptero com a sua mochila e a largou num canto, perto de si mesma. Cochilou ali naqueles bancos de couro.
Sonhou com Ophelia.
Sonhou com ela sorrindo, não era bem Ophelia, não a que ela estava acostumada a ver, mas ela sabia que era. Aqueles lindos cabelos ruivos encurvados nas pontas, os olhos pálidos...
A pessoa mais importante.
Acordou com o barulho da hélice, estavam levantando vôo. Olhou em volta e viu apenas Louis com um cigarro na boca, não dava pra sentir a fumaça por causa do vento, então ela nem reclamou. Só perguntou de forma sonolenta, quando eles viam tudo ficar pequeno lá em baixo, Louis estava olhando pela janela.

-Se satisfez com ela?

-Não. Achei melhor não iludir a coitada.

-Por quê?

-Porque você ganhou. Eu vi quando vocês foram conversar em particular e sei como você é. – Ele riu e a garota jogou o celular pras mãos dele mandando-o checar os vídeos recentes. Ele assistiu inteiro e soltou um comentário – Caliente heh?

-Só preciso pensar em como ferrar você agora.

Ficaram quietos por um tempo, Brigith pensou em como eles eram... Até que formavam uma dupla boa apesar dela detestar tanto o infeliz. Louis jogou o cigarro pra fora e se apoiou nos joelhos encarando a garota, a cara dele ficou bem pouco distante. Brigith retribuiu o olhar.

-Me diz nina, por que você não atirou naquela coisa?

-... – Ficou uns minutos em silencio, aquela frase de Roberto ecoou novamente pela mente dela, até que falou - Eu quero acreditar que há um lugar nesse mundo pra pessoas que são diferentes das demais... Se eu fizesse isso com um animal, seria a mesma coisa que achar que pessoas anormais também não têm o direito de viver.

-Pessoas anormais, bichos... Se forem aberrações devem morrer, não é o mundo deles esse aqui pirralha. É o nosso, tudo que altera a ordem natural das coisas, que se torna absurdo mesmo explicado pela ciência deve deixar de existir pra não trazer desordem à nossa existência. E sinceramente, aberrações são melhores mortas do que complicando a nossa vida que é “normal” não acha? – Louis riu.

A morena foi rápida, ele nem sentiu quando o tapa o acertou em cheio no rosto, só a sensação de ardor depois. Louis notou a besteira que tinha falado quando viu aquele olhar de ódio aterrador que ela lhe lançava. Aberrações... Aquela garota amava uma aberração, acreditava que um dia daria uma vida normal àquela aberração. Pra ele era inútil, mas pra ela... Aquilo significava tudo. Desde que ele tinha conhecido Brigith Velmont.

-Eu posso não ter tido coragem pra atirar naquela “coisa”, mas juro que se você ousar dizer outra merda dessas na minha cara eu mato você!

Ela se afastou pro outro canto da cabine e se encolheu ali tentando esquecer toda a raiva que sentiu e adormecer. Seria em vão, ela tinha vontade de matar aquele homem ali mesmo. Louis por sua vez sabia a gravidade que aquele comentário teve, decidiu se calar e fumar outro cigarro enquanto esfregava o rosto na parte vermelha que fora atingida pelo tapa.Aquela guria a amava mesmo... A amava mais que tudo.
Era confuso demais pro homem, mas como ela podia amar tanto assim uma menina que tinha simplesmente a adotado e a colocado numa gaiola sem portas como a Black Rose?
Como ela conseguia amar Ophelia Velmont?
Aquela mini aberração vermelha...

“I would kill anyone who tries to harm you…”

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

[Vol.2] Capítulo 1 - Iniciação

“Era uma vez, num país muito frio e distante, uma princesa de cabelos curtos mais negros que as mais secretas trevas, de pele tão alva quanto a neve, de olhos amarelos tão luminosos quanto as estrelas das noites mais escuras. Uma mulher que possuía um corpo e beleza de causar inveja nas clássicas ninfas gregas. Porém uma princesa incompleta e perdida... Uma patricinha confusa que não sabia o que infernos ela fazia nessa porcaria de mundo.”

Brigith não tinha paciência pra escrever algo bonito naquele seu velho diário, mas em resumo iria ser assim o inicio dele. Aquela “princesa” cresceu cercada de lacaios, mimos e riquezas; na sua época escolar foi a aluna mais brilhante, a única garota que conseguiu ser linda, popular e tirar notas assustadoramente altas, tudo isso numa vida só.
Naquela sua perfeição toda, a garota teve uma infância incomum. Não tinha uma única memória de onde tinha nascido ou quem eram seus pais verdadeiros, tinha sido abandonada ainda com um ano de idade por motivos que ela mesma iria descobrir mais tarde. Cresceu numa mansão aos cuidados de outra criança, chamada Ophelia Velmont.
Os anos se passaram rapidamente e já era visível na primeira década de vida o tédio e indiferença de Brigith com tudo que a cercava, ela não cresceu em uma família normal. Sua existência sempre foi rodeada de bizarrices e fatos incomuns, para começar com aquela prisão domiciliar. Até os seis anos de idade Brigith cresceu dentro de uma mansão antiga, na Finlândia, tendo aulas particulares com os melhores professores. Coisa que durou pouco, pois a garota quis ver como era o mundo fora daquela casa. E sua “mãe” sempre deu total liberdade a ela, Brigith foi “transferida” pra uma escola comum. Que ela mesma escolheu. E seguindo os costumes e crenças daquela sua tão estranha família a garota teve uma estréia turbulenta na vida escolar, porém aquele seu jeito diferente conquistou com facilidade as pessoas comuns.

-Nós somos superiores àqueles a quem você vai encontrar lá fora, Bri. Mas nunca deves subestimá-los, foram eles que uma vez nos caçaram como animais.

Essas eram as palavras de Ophelia, que generalizavam as pessoas comuns. E como ela guardava rancores disso... A garota ruiva odiava as pessoas comuns, Brigith entendia os motivos que ela tinha. Ophelia era portadora de uma “doença” única e totalmente intrigante, algo que as duas ocultavam de todos que podiam.
Se havia alguém que Brigith respeitava e amava acima de tudo, esse alguém seria Ophelia. A menina era tudo que ela tinha, e a morena fazia o possível para trazer alguma alegria para o coração cinza daquela de cabelos vermelhos flamejantes de pontas encurvadas para fora. Ophelia tinha a aparência de uma menina comum e bela de doze ou treze anos, desde que adotara Brigith essa aparência permaneceu imutável. Porem os olhos verdes pálidos dela pareciam mais cansados do que os de uma velha a beira da morte. Algo que seria decifrado também um pouco mais pra frente, já que o assunto é Brigith.
A herdeira daquela família, Velmont, nunca levou as palavras da sua “mestra” a sério. Por toda sua vida escolar ela não havia conhecido uma “pessoa comum” interessante, todos a idolatravam tanto que tinham medo de se aproximar dela por completo, e a vida que levava fez Brigith criar uma máscara para eles. Mesmo criança, ela tinha plena consciência das suas obrigações como membra da família Velmont e do significado da palavra “descrição” que saia bastante dos lábios delicados da sua pequena mãe.

Já no colegial Brigith estava secretamente pensando em abandonar a escola pra viajar pelo mundo, como sempre fazia nas férias, já que tinha dinheiro o suficiente pra isso. Porém algo que ela não esperava aconteceu, em uma das suas crises de tosse (algo que ela também escondia de todos, inclusive Ophelia) foi flagrada por um colega de classe. Alguém que ela não tinha notado até ali, um tal de “Josh Ylonen” (Um cara preguiçoso meio magrelo de cabelos escuros meio-compridos lisos, ele não era um galã, mas podia ficar bonito se fosse mais vaidoso), no momento exato Brigith forçou para as tosses pararem e acertou um joelhada no garoto, o fazendo fugir de lá.
Depois a tosse a derrubou de novo, deixando-a encostada em um daqueles armários metálicos, seminua. Se aquele garoto contasse o que viu, as tosses... Se aquilo chegasse nos ouvidos de Ophelia... Ela já não sabia mais o que fazer.
Seu desespero em esconder aquilo da garota era tanto que a morena quis matar aquele rapaz com as próprias mãos, chegou a chorar de raiva ali e soube disfarçar, se jogando debaixo de um chuveiro ligado que ficava numa das varias cabines daquele vestiário, quando suas “amigas” apareceram.
No dia seguinte Brigith ficou inquieta, tinha decidido dar um jeito de silenciar o garoto nem que fosse a força, porém o covarde faltou na aula e a fez perder uma noite de sono só de pensar se ele tinha contado algo pra alguém. Ela foi indiscreta com isso e acabou perguntando pra varias pessoas que via com ele, o que iria gerar alguns comentários sobre “O Josh ta de segredo com a Brigith!”. Era só o que ela precisava... Estar nas mãos de um fracassado como aquele colega de classe.

Foi direta quando finalmente ficou cara a cara com o menino na sala de aula, e reparou que ele usava um brinco na orelha. Esquisito.
O encontro com ele foi simples, ela foi agressiva, não conseguiu manter sua mascara diante dele. Porém a perfeita Brigith Velmont havia cometido um erro, ela subestimou aquele garoto. Pode dizer pelos olhos dele que ele não tinha falado pra ninguém, podia ver algo sincero, um tom ingênuo. Todos os outros teriam falado, e aquela altura já correria um boato sobre “Brigith passando mal nos vestiários!” pela escola inteira. Mas ela notou que isso não estava acontecendo e apagou a agressividade, a transformando em um riso demorado.
Então foi aquilo que Ophelia quis dizer com “não subestimar”... Nem todas pessoas comuns eram iguais, talvez por lerdeza dele não tivesse comentado com ninguém, mas isso não mudava o fato de não ter contado.
A morena então decidiu pegar leve com ele e por curiosidade decidiu saber mais sobre aquele rapaz tão hilariamente desajeitado.
Curiosidade se tornou afeição, mesmo que nunca tivesse percebido que ele tinha uma paixão por ela. O recém batizado “Joh” era alguém legal de se ter por perto, um amigo que ela sabia que não iria traí-la, ou que era apenas mais um dos seus puxa-sacos. (Na verdade, ele era. Só foi escolhido pela menina por obra do acaso.)
E esse era o ponto de vista de Brigith sobre os ocorridos mais notáveis na sua vida escolar, que acabou de modo incomum.

Josh tinha descoberto sobre a família de Brigith, a tão temida e oculta “Black Rose”. Foi exatamente como a garota queria que acontecesse, foi a intenção do convite pra dormir em sua casa desde o começo. Brigith sabia que ele era um pervertido (que apenas disfarçava não ser) acima de tudo, que o primeiro palpite dele seria que ela almejava levá-lo pra cama.
Foi engraçado ver ele ali espancado amarrado numa cadeira sob o olhar cruel de Ophelia, era um tipo de amizade violenta o que a garota sentia em relação aquele rapaz.
E foi ainda mais divertido salvá-lo daquela garotinha impiedosa, Brigith tinha certeza que aquele burro não tinha idéia do que ela o havia livrado. A Black Rose nunca tinha sido mais perigosa que naquela época em que estavam, sob o comando daquela mulher de olhos verdes traiçoeiros.
Brigith sabia bem o que ia fazer, ia tornar daquele idiota seu pupilo. Seu escravo pessoal. E lá estava ela, dando uma aula sobre o que ele precisava saber antes da sua iniciação no clã dos Velmont. Naquela sala de café grande e luxuosa, com moveis de madeira escura e de qualidade, exalava um cheiro de limpeza mista com incenso.

-Na Black Rose existem sete famílias tradicionais, escolhidas entre a elite da elite no mundo todo. É claro que alguém como você não teria o pedigree e raça necessários pra ser um líder de um desses clãs, mas no máximo você pode se tornar o braço direito de um desses líderes com muita dedicação e sorte... – Josh ficava bem desagradado ouvindo coisas como “você não é bom o suficiente” e já estava se cansando daquela explicação toda, ficando com sono – Pra adiantar, os nomes são Velmont, Kaori, Ishida, Kayoshi, Archer e Sullivan...

-Não eram sete famílias? Você deu seis nomes só...

-Deixa eu terminar... Bem, a sétima família é nova e mantida em sigilo. Ainda não chegou nos meus ouvidos nada sobre ela. Só fiquei sabendo que uma das antigas famílias foi destruída por algum tipo de revolta e agora foi substituída por algum outro culto maior. Você não precisa saber de nenhuma delas de qualquer forma, a única a qual você deve lealdade é à nossa, Velmont. Mesmo que nós sejamos parte de algo maior e aliados uns dos outros... Eu acho que não estamos numa fase boa pra usar a palavra “confiança”. –
Brigith obviamente se empolgava quando o assunto era a Black Rose, apesar de tudo, ela adorava levar aquela vida. Adorava se dizer bruxa e futura líder de uma parte de algo que movia o mundo todo, agora que ela podia contar isso para aquele garoto, ele que agüentasse... – Sobre sua graduação no nosso clã... Vamos exemplificar como na máfia. Você se “associa”, depois se torna um dos nossos “soldados”, sobe pra “Capo” e no máximo acaba como um “Consigliere”. Os cargos de “Don” e “Sub-Chefe” são ocupados pelo atual líder e o herdeiro. No caso Ophelia e eu.

-Quer dizer que você já tem influencia em algo tão mundialmente extenso assim? – Ele fingia estar entendendo aquilo. Em resumo tudo que Bri dizia era simplesmente: “Josh, você colocou seu pescoço na corda de novo...”

-Sim. Eu sou a herdeira oras! – Brigith disse num tom autoconfiante extremo.

-Agora sim o mundo ta fodido de verdade...

Antes que Brigith pudesse xingar o novo pupilo pelo vocabulário que ele usou, o segurança chefe da família Velmont os interrompeu. Era um homem alto e forte, careca e cheio de tatuagens célticas que escapavam um pouco pela nuca dele, naquele terno negro e ajeitadinho. Pra Josh isso era bizarrice demais pra um dia só, aquele cara parecia do FBI ou da MIB... Ele não via a hora de acabar logo com isso.

-Chegou a hora. Lady Ophelia pediu pra levarmos ele.

-Todo seu. – Brigith sorriu e Josh engoliu seco, aquele cara o segurou pelo braço e o levou.

Ouvindo reclamações do garoto tipo “Eu consigo andar sozinho sabia?”, a morena teve tempo de murmurar algumas coisas pra ele :

– Não vai demorar! Iniciação é algo simples: renúncia do batismo, ritual e juramento. Também é indolor, no máximo vão te cortar pra usar um pouco de sangue, então relaxa.

-Me cortar!? Perâe, o que eles vão cortar?? Ei!!- Não foi muito efetivo, Brigith deixou de ouvir a voz dele por causa da distância. Então riu satisfeita e jogou-se sobre uma das cadeiras almofadadas daquela sala. Bem no fundo, nas mais ocultas profundezas do coração dela, Brigith sentia-se culpada por fazer aquilo com seu melhor amigo. Mas esse sentimento era facilmente coberto pelo egoísmo dela. Agora ele não poderia sumir de vista.

Nesse momento alguém adentrou a sala, Brigith em particular não gostava muito dessa pessoa, mas também não o odiava.
O tal “homem com cara de espanhol”, ele também tinha suas tatuagens de origem indiana e latina, alto (vinte e um anos), com um corpo digno de “lutadores de rua”, sua pele era bronzeada pelo sol, diferente da dos habitantes daquele país. Era obvio que ele não era finlandês, até as roupas semi-abertas e folgadas denunciavam. Cabelos ondulados até os ombros e olhos castanhos escuros reforçavam isso ainda mais, e aquele sotaque espanhol... Era engraçado e sedutor ao mesmo tempo, a pena era que Brigith não era fã de sotaques desses.

- Então a bonequinha sabe ser feliz também? – Saudou Brigith com um sorriso.

-Se veio aqui me cantar de novo só porque to de bom humor, nem perca seu tempo. – E ela por sua vez, o recebeu desfazendo o seu e erguendo uma sobrancelha enquanto o encarava.

Aquele era Louis Archer, o líder novato daquele clã. Mesmo sendo um galanteador bêbado e desregrado, ela sabia que era alguém que devia ser levado a sério.

-Não era esse o objetivo, mas se for funcionar avisa. A baixinha me disse que você tava querendo viajar, tirar férias da vida.

-É... Acho que eu vou estar mais preparada pra cumprir com as minhas obrigações no clã caso eu me torne mais experiente... E consiga entender algumas coisas.

-Imagino que tipo de coisas você quer experimentar por esse mundo. –
Ele piscou pra garota e riu. Não ligando se ela iria achar graça ou não.

-Pode ter certeza de que não é com você.

-Mulher agressiva heh? Adoro. – Louis coçou a cabeça, bagunçando um pouco do cabelo depois da tentativa falha de criar alguma intimidade com aquela morena sentada ali – Um homem sempre está ferrado no meio de uma organização dominada por mulheres. E vocês, meninas da Black Rose, são assustadoras.

-Se não agüenta a pressão, mude de time homenzinho. – Dessa vez foi Brigith quem riu.

-Não não. – Ele tornou a sorrir também – Já disse que eu adoro ser dominado. Mas vamos deixar isso pra mais tarde, eu vim avisar que estou voltando pra Espanha um pouco antes do natal. Se quiser pode aproveitar a viagem.

-E pra que eu iria viajar com você pra Espanha? Não chega nem perto de viagem ideal pra espairecer... – Brigith pegou um copo de água, de uma jarra ali perto. Falar tanto a deixou com a garganta seca.

-Vai com calma moça. Eu te dou alguns motivos: Primeiro, você vai desfrutar da companhia de um homem lindo, rico e bom de cama e segundo, Espanha é um pais lindo, romântico. – A garota quase jogou água na cara dele depois de ouvir aquilo, o que a fez hesitar foi notar que ele iria falar algo a mais – Ah, tem um pequeno detalhe também. Eu estou indo me encontrar com Anita Sullivan lá, se eu jogar um charminho posso te apresentar.

Foi aí que Brigith engasgou e chegou a cuspir um pouco da água que bebia. Aquele era o nome da líder da Black Rose. Brigith só tinha a visto uma vez na vida, com uns doze anos de idade durante a festa de aniversário da filha dela, Victoria.
Aquela mulher era algo próximo a uma heroína para Brigith, a mulher que tomou totalmente a Black Rose, talvez a mulher mais poderosa daquele mundo. Louis pode perceber o brilho nos olhos amarelos da menina quando ouviu aquele nome, então ele riu vitorioso. Brigith quis degolar aquele maldito, era uma oportunidade que ela não queria deixar passar. O homem nem precisou de uma resposta dela, sabia o que ela iria escolher.

-Um dia antes das festas à meia noite ok? Esteja lá com uma fitinha vermelha na cabeça pra mim. – Então ele mandou um beijo para Brigith, que mordeu o lábio inferior de raiva, sem ter como possivelmente recusar a proposta. Realmente, ele não era um homem pra se subestimar. Isso iria ter troco.

“Espanhol desgraçado...”

Ophelia e aquele Louis Archer se conheciam a um bom tempo, a família “Archer” era tão próxima dos Velmont como os Kaori costumavam ser dos Sullivan, não eram criados pro auxilio do outro como no caso dos Kaori (Que era oficialmente a família protetora dos Sullivan agora), mas a menina ruiva sabia que apesar de tudo aquele cara era alguém de bom coração. E isso já bastava pra encará-lo como um valioso aliado. Brigith não entendia ainda o que Ophelia via naquele tarado manipulador, mas se confiava nele... Fazer o que além de aceitar a opinião dela? O nome daquele homem tinha sido “remodelado” por culpa da própria peculiaridade da garotinha, antes era chamado de “Luís”, um nome comum na terra natal dele na America do Sul. O único problema era que Ophelia, como uma européia tradicional e antiquada, era amiga do antigo líder dos Archer e acabou convencendo-o a mudar aquele feio “Luís” para um mais inglês “Louis”. Pelo que Brigith sabia, ele não ficou muito agradado com isso, mas se acostumou bem com o novo nome.
“É mais sexy.”
Grande coisa... O problema era que Brigith chegava a se sentir atraída por homens exibidos e espertinhos daquele tipo, mas algo naquele em especial conseguia tirá-la do sério. Ainda estava de punhos cerrados, caminhando pela casa mais tarde. A entrada de Joh no clã tinha causado algum alvoroço e movimentação no lar dos Velmont, era animador aos olhos da morena, mas tinha sido um dia cansativo até lá. Por hora, ela achou melhor ir pro seu quarto e se livrar daquela roupa pra tomar um banho quente.
A garota deixou-se de molho, nua, naquela banheira grande que ficava no seu banheiro pessoal no quarto. Esbanjando sua perfeição. Ela sempre amou a si mesma, adorava ser “a Brigith Velmont” e isso não era estranho.
Ela era rica, inteligente e linda... Qualquer um que nascesse assim se sentiria bem na própria pele, pelo menos era o que ela achava. Se pudesse escolher alguém pra ser, com certeza escolheria a si mesma.
Porém isso tudo a fazia sentir-se fraca. Pois ela não havia conhecido as partes verdadeiramente ruins da vida, e em breve ela não desejaria ter conhecido nunca. Talvez fosse impossível ser perfeito. Ela não fazia questão de qualquer modo.
A questão no momento ali era pra onde ir depois de Espanha. Queria visitar a America de novo, mas estava mais interessada em ir pra Veneza. Lá sim era um lugar romântico.
Depois do seu banho Brigith checou seu laptop e mandou providenciarem malas, depois registrou aquele dia agitado no seu diário e foi ao encontro de Ophelia, trajando apenas seu roupão negro que sua tutora tinha lhe trazido da Itália.
Para a surpresa dela, Ophelia estava na sala de refeições acompanhada por Josh, a morena ficou sem palavras para aquilo. A menina também estava dando uma aula sobre a seita para o jovem, que estava visivelmente detestando. Era engraçado a forma com que Brigith se parecia com Ophelia... Pareciam mesmo mãe e filha, descontando as aparências.

-Hitler só tomou a Alemanha porque nosso líder na época guardava rancor dos cristãos por causa das épocas da inquisição e isso aplica-se a Judeus. Ou tu achas que um pobre hipócrita iria chegar tão longe sem auxilio ou motivo aparente algum?

-Brigith... Graças a deus, essa menina ta me dando medo. Ela tá ligando o nazismo a magia negra! Josh parecia não levar Ophelia a sério por causa da aparência de menininha fofa dela, não a via como a líder toda poderosa dos Velmont. E aquele papo ainda era muito esquisito pros ouvidos do rapaz, certamente ele se enrolou um pouco com as palavras, notou que aquele roupão e cabelos molhados significavam que a garota tinha saído do banho a pouco.

-Não deves agradecer a um deus, o nosso panteão é composto por várias deusas principalmente. Brigith, por que tu me fazes passar por isso? Devias ter escolhido alguém com uma mente mais aberta e produtiva ao invés de um traste desses. – A morena riu, fazia tempo que não via Ophelia animada desse jeito.

-Prefiro ser um traste do que uma anã metida a besta. – Assim que terminou essa frase, Brigith acertou o rapaz com um soco, sem poupar força, na parte detrás da cabeça. Ele colocou as mãos na região da pancada e soltou um gemido de dor, a garota ia bater de novo, mas Ophelia fez um sinal pra ela parar. Ouvir comentários do tipo irritava Brigith profundamente, mais do que a própria Ophelia. Josh não entendia o motivo disso, como várias outras coisas ali. Aquelas duas sem duvida tinham muitos mistérios.

-Decidiste pra onde vais?

-Espanha... Digamos que aquele outro imprestável arrumou um compromisso que me interessa. Então eu decidi ir com ele pra conhecer alguém.

-Aquela mulher... – Brigith notou o suspiro discreto que a garotinha soltou, Ophelia sabia quem ela estava indo ver – Se eu pudesse te impediria de encontrá-la.

-Já disse pra relaxar Pepper... – Era um costume de Brigith usar inglês às vezes, pra mostrar que dominava bem a língua “padrão” do mundo. Costumava chamar Ophelia de Pepper, Pippuria (em finlandês) ou Pimentinha, por causa dos cabelos vermelhos dela. Isso seria um tipo de apelido carinhoso, mas Ophelia parecia não gostar muito de nenhum dos dois. Dessa vez ela não ligou e fitou Brigith com um olhar desanimado, como se não quisesse que ela fosse de forma alguma. E a morena sorriu, foi até a garotinha e a abraçou contra o peito outra vez. Porém Ophelia não desfez o olhar, aquilo nem a irritou dessa vez – Eu sei me cuidar. Não vou morrer no caminho e nem na volta.

-Espero que realmente saibas atrás do que estás indo...

A menina conhecia toda a história da tal mestra da família Sullivan, sabia que tipo de demônio era aquela mulher. No fundo ela sabia o quão era perigoso para Brigith se envolver com ela, porém sabia melhor ainda que quando aquela garota desejava algo, iria conseguir de qualquer jeito. Josh decidiu ficar calado e fingir não prestar atenção na cena, ficou comendo algumas torradas que estavam sobre a mesa, pensando que devia ser um erro colocar uma garotinha na liderança daquela família, pra ele outra pessoa (talvez Brigith) era quem tomava as decisões importantes, já que a própria Ophelia admitia falta de poder pra impedir Brigith. A relação das duas garotas era mesmo incomum. Ele nunca tinha visto algo assim. Seria possível uma criança com idade pra sétima série se sentir no papel de mãe como Ophelia fazia no caso de Brigith, uma adolescente prestes a chegar à idade adulta? Pelo menos o rapaz de cabelos escuros passou a acreditar.

“Vou deixar esse inútil por sua conta... Mãe.”

Na véspera do natal cristão, uma hora antes da meia-noite, foi quando ela se despediu do seu recém adotado pupilo e o deixou aos cuidados da sua própria mentora. Ophelia iria disciplinar aquele garoto melhor que qualquer outra pessoa, assim que ele descobrisse o segredo daquela garotinha, a maldição dela, Brigith tinha certeza que Josh ia passar a olhá-la com mais respeito. Era questão de tempo, preferia que a própria ruiva contasse e provasse a ele. Já ela... Não precisava de prova alguma, ela cresceu observando essa peculiaridade da “mãe”.
E de alguma forma, tinha vontade de livrá-la disso.
Brigith não fez malas gigantes, apenas pegou o necessário. Três trocas de roupas, tênis, meias e roupas intimas (fora o moleton preto com saias vermelhas riscadas e botas que usava na hora) ; perfumes, brincos, batons e acessórios higiênicos que toda garota bem cuidada tem. Fora isso, levou apenas seu laptop, celular e diário. E caminhou para a porta da mansão, onde um carro, Ophelia e Josh a esperavam.

-Por que não levas o garoto junto com você? – Finalmente algo que Josh gostou de ouvir vindo de Ophelia. Era uma boa idéia, ele nunca tinha saído da Finlândia.

-Quem sabe no dia que ele aprender a ter educação com a nossa líder. – Normalmente ela teria aceitado, seria divertido colocar Josh e Louis no mesmo ambiente. Isso se a menina não tivesse guardado rancor pelo jeito que o amigo tinha falado com Ophelia. Ela não admitiria ninguém, absolutamente ninguém, falando daquele jeito com a ruivinha.

-Que saco... – Ele percebeu que essa foi a vingança da amiga, não pode reclamar.

-Bem, então não me resta alternativa a não ser transformar-te em um homem de verdade. – Ophelia sorriu de canto, de um jeito maldoso que só ela e Brigith conheciam, uma troca de olhar entre elas foi o suficiente pra Bri notar que a garotinha ia judiar daquele palerma.

-Má sorte. (Não sou chegado a lolicon...) – Ele fechou os olhos, aborrecido, acenando pra morena que havia dado um abraço demorado na pequena e se dirigido para o carro preto que iria levá-la pro aeroporto. Pelo visto ela tinha ficado com raiva de verdade do que ele tinha feito, se não tivesse ela teria lhe dado um abraço também. O garoto achou melhor prestar atenção no que dizia a partir dali. Era Ophelia a pessoa que Brigith mais amava, acima de tudo. Ele queria saber se a pirralha sentia o mesmo, porque ela era fria demais pra uma criança.

Outra cena estranha ali foi quando a pequenina olhou para um servo ali presente e recebeu dele uma caixa luxuosa de veludo. A ruiva chamou-a e abriu aquilo diante de Brigith que ficou sem palavras ao observar a jóia que estava lá dentro: um amuleto com corrente prata, e pendurada nela, estava uma jóia de um roxo escuro que o rapaz não identificou. Era uma jóia perfeita, linda até para quem não gostava de pedras preciosas. Devia valer milhões.

-Leve isso contigo. Tu já tens idade o suficiente. – Ophelia apanhou a jóia com cuidado e colocou-a nas mãos de Brigith que ainda estava pasma.

-Isso é...

-Sim, o símbolo supremo de autoridade no nosso clã, a Uusikuu. Cuide bem dela. – Bri não acreditou que Ophelia estava lhe dando algo que esteve com ela por tanto tempo, algo tão precioso não só em dinheiro, mas na própria família. Aquilo era algo que só os líderes eram dignos de usar. A morena não colocou aquilo no pescoço, foi Ophelia quem tomou o amuleto das mãos dela e puxou Brigith pela gola da blusa, deixando a cabeça dela baixa o suficiente para colocar aquela corrente de prata em volta do pescoço e fechá-la. – Agora ela é tua.

Foi uma cena e tanto, a morena ficou sem palavras até o ultimo minuto. Joh pensou se significava tanto assim pra ela... Estava indiferente com o presente da garotinha. Aquelas duas se abraçaram firmemente mais uma vez e depois se despediram com olhares iguais, emocionados, acenando uma pra outra.
Quem levou Brigith para o aeroporto foi aquele mesmo servo (careca de tatuagens), o mais confiável de Ophelia, era o homem “de fora” mais próximo e graduado na família. Era um sujeito legal pra um segurança, Brigith se sentia segura perto dele e a vontade pra falar. Mesmo que o tal fosse alguém de poucas palavras. O nome dele era mais um daqueles bizarros finlandeses “Aki Heinonen”, mas era fácil chamá-lo de Aki.
Não era a primeira vez que ocorria aquela cena, ele dirigindo no banco da frente, olhando às vezes pelo retrovisor pra checar se Brigith estava bem. E ela, ficava ali sentada esfregando os olhos, com o nariz vermelho. A diferença era a jóia que ela ficava observando.

-Desculpa, sempre fico assim quando vou pra longe.

-A pequena mestra é muito importante pra você, não é estranho que fique assim quando vai pra longe dela. – Ouvir isso de alguém mal-encarado e com aquela voz grave era engraçado, Brigith riu sem graça. Ainda sentindo vontade de chorar um pouco.

-É sim... Eu quero deixá-la orgulhosa de mim algum dia. Ser uma ótima vice-líder e honrar a nossa família, fazer aquela baixinha sorrir um pouco.

-Lady Ophelia se orgulha de você, mestra. Ela escolheu muito bem sua herdeira. –
A morena sorriu reconfortada e esfregou os olhos com mais força, engolindo aquela sensação. Não via motivo algum pra Ophelia se orgulhar, não ainda. Mas agradeceu ao seu guardião pelo consolo, aquilo a fez sentir-se menos emotiva.

Aki a deixou no aeroporto e dali a morena seguiu sozinha, encontrou Louis em um dos portais, acenando pra ela. Só de olhar praquele exibido Brigith sentiu uma veia lhe saltar na têmpora. Ia ser uma longa viagem... E ela não tinha levado sua shinai de praticar kendô.
Respirou fundo e colocou seu amuleto dentro da blusa.

-Não acha arriscado demais alguém tão importante quanto vossa eminência viajar sozinho com uma garota em TPM constante? – Foi a pergunta inicial, ela estranhou algum líder de clã da Black Rose andar sozinho por ai. Esse cara era um irresponsável.

-Fique sossegada linda. Eu sei me defender e ser discreto. – Louis se ofereceu pra pegar a mala dela, mas Brigith passou por ele deixando a mão do jovem no ar. Rindo, o rapaz levou a mão até os cabelos longos, como sempre fazia em situações dessas que aquela guria lhe proporcionava. – E eu particularmente prefiro viagens a dois.

-Que bom, porque eu tenho lepra. Ia ser um desastre passar pra alguém além de você. – Era uma mentira descarada e irônica, mas até que seria uma boa pra manter aquele oferecido longe. Eles caminharam para pegar o vôo, sem cessar o dialogo.

-Lepra é algo do passado, minha família está nessa seita porque entende bem de ciências gerais, inclusive medicina.

-Herpes.

-Eu posso dar um jeito nisso também.

-Você é nojento... –Brigith olhou pra ele fazendo uma careta enojada.

-Não, estou apenas perdidamente apaixonado por você. – A morena soltou um “tsc” para os risos dele. Era um cara insistente, mas não dava pra saber se falava sério.

-Ótimo então... Um último segredinho pra você: Eu sou homem.

-Bem, isso pode ser um problema de verdade. – Louis riu com mais vontade, e isso acabou por gerar alguns risos discretos da morena também. Ela não duvidava que ele fosse capaz de ter casos com mulheres horríveis em dias de necessidade, mas homens... Já era demais.
Brigith não se imaginava sendo um homem.

Chegaram no avião, melhor classe, a morena era acostumada a vôos mas o cara não parecia ser do tipo que amava grandes alturas. Eles teriam que se sentar lado a lado, Brigith soube usar seu carisma de garota popular pra reverter a situação de acordo com sua vontade, bastou algumas simpáticas palavrinhas pra uma aeromoça:

-Por favor, poderia me arrumar um lugar na janela, longe daquele rapaz? Ele está me seguindo desde que entrei no aeroporto e isso me incomoda um pouco. – Foi simples, ela conseguiu um lugar longe de Louis num estalar de dedos. Fingir que não o conhecia foi maravilhoso, fez ele a olhar torto e abrir a boca pra tentar dizer algo. Mas no fim ele sorriu e piscou para a garota, que respondeu balançando negativamente o indicador pra ele.

A aeromoça quase viu essa troca de sinais, mas Brigith foi rápida no seu sorriso cínico de boa menina, que a enganou mais uma vez.
Louis se conformou em sentar ao lado de uma senhora qualquer.

Algumas horas de vôo e eles aterrissaram em algum lugar da Espanha, e Bri quis matar Louis quando ele disse que o resto do caminho eles iriam seguir pela estrada, de carro.

-Como assim viajar de carro? Não era aqui o tal encontro?

-Eu nunca disse isso moça. A cidade pra onde vamos é mais discreta que uma desse porte, não tem aeroportos e coisas muito grandes do tipo.

-E por que diabos você não disse antes? Esse país é área de influencia da sua família, arrume um helicóptero ou um ultraleve, sei lá.

-Eu pessoalmente prefiro viajar de carro, mas podemos entrar num acordo e eu arrumo um helicóptero pra madame.


-O que você quer? –
Cruzou os braços irritada.

-Um beijo soa justo, não?

Uma hora depois os dois estavam na estrada, a bordo de uma Hummer. Brigith com o laptop ligado nos bancos de trás, aproveitando enquanto a internet sem fio ainda funcionava pra avisar Ophelia que ela tinha chegado bem na Espanha. E Louis estava ouvindo alguns sons agitados espanhóis no rádio. Brigith tinha enfiado seus fones nas orelhas, ouvindo algo mais ao seu gosto: The Rasmus, ela era vidrada nessa bandinha finlandesa. Perdeu as contas de quantos shows deles já tinha freqüentado.
O frio que fazia ali não era nada comparado com o do seu lar, mas o suficiente pra manter um agasalho. As árvores passavam pela janela da caminhonete bem rápido, e a noite estava prestes a cair. O frio deixava os vidros embaçados um pouco e Brigith já sabia que em breve entrariam em uma neblina. Cenário de filme de terror que começa na estrada, Bri amava isso. Nada a fascinava mais que o que era obscuro ou sobrenatural. Pessoas normais a chamariam de louca psicótica no mínimo. Levou algumas horas para a internet cair e o rádio sair do ar, sem opções, outro dialogo iniciou-se entre os dois.

-Vai demorar muito ainda?

-Se está entediada vem aqui pra frente. – Ele sorriu brincando, e ajustou o retrovisor pra poder olhar a morena que estava de pernas cruzadas uma sobre a outra, e de saias naqueles imensos bancos. Se ele se esforçasse até via partes do que queria ver, mas era perigoso fazer isso dirigindo numa estrada escura de neblina.

-Dispenso. Eu só não quero dormir aqui com você, para em algum hotel. Amanhã nós continuamos a viagem. – A garota não reparava em Louis mexendo no retrovisor.

-Nessa velocidade a gente chega lá em uma hora e meia. Não tem necessidade de parar pra descansar, tenho gasolina o suficiente. Se viajar é muita pressão pra você menininha, é melhor desistir das férias que você planeja ter. – Ela soube que aquilo foi pra dar o troco sobre o que ela tinha dito ainda na mansão dos Velmont.

-Idiota... Eu não disse nada sobre a viagem ser cansativa, só acho você insuportável. É algo bem simples de se entender. Ah é, esqueci que seu cérebro é dividido em duas partes miúdas redondinhas que ficam no seu saco escrotal ao invés do crânio. Isso deve afetar sua percepção de coisas óbvias como essas.

-Você é uma guria bem simpática sabia? – Louis era bem paciente e tinha um espírito esportivo excelente, mas a implicância da morena já estava enchendo...

-Só quando me convém.

-Fica falando sobre eu ser pervertido aí, mas você pelo visto também é bem ousadinha pra escolher calcinha. Parece até lingerie vendo daqui.

Só então a garota notou o motivo de ele olhar periodicamente no espelho, a primeira reação dela foi colocar a mochila por cima das pernas e xingar ele de algum palavrão em voz alta. Iria até arremessar algo contra a cabeça dele, se aquele pervertido não estivesse dirigindo. Porém no meio do “Presta atenção na estrada seu filho da...” ela viu algo quase do tamanho de um cavalo na estrada, Louis percebeu tardiamente e bateu naquilo de lado. O que causou um estrondo muito alto e alguns vidros quebrados, sem falar na lataria amassada. A caminhonete deslizou pela estrada úmida, e o homem perdeu o controle entrando no meio de uma fazenda perto das florestas por quais passavam. Brigith segurou-se em algum lugar e protegeu a cabeça, e o laptop, claro. Foi preciso bater em algumas cercas e por fim numa arvore no meio do mato pra parar aquela Hummer.

Louis falou mil palavrões em espanhol ao ver aquele estrago todo e Brigith ficou olhando para trás, imaginando se seria alguma vaca ou animal desse porte que eles tinham acertado. Depois que tudo se estabilizou, ela respirou fundo e checou suas coisas. Tudo em perfeito estado, inclusive ela mesma. Só então olhou pra ele.

-Satisfeito agora?

-Isso lá é horas de deixar uma merda de um animal desse tamanho solto na estrada?! Agora eu quero ver o que a gente vai fazer pra chegar na cidade mais próxima!

-Não vamos ir a lugar nenhum a essa hora. Já é quase uma da manhã, larga esse seu orgulho masculino idiota de lado e vamos procurar um lugar pra dormir.

-E onde a madame sugere? No alto de uma dessas árvores?

-Se você quiser bancar o Tarzan, tudo bem. Eu prefiro ir pedir abrigo naquela casa de campo ali. Pessoal do campo é mais fácil de dobrar do que o da cidade.

-Sabe falar espanhol por acaso?


-Sim, um pouco. Até logo. –
A morena então pegou suas coisas e se agasalhou mais um pouco, com um casaco mais pesado, saiu da caminhonete e bateu a porta. Agradeceu por estar de botas, o chão estava úmido, meio mole e lamacento e o mato era quase da altura dos seus joelhos. A Hummer tinha praticamente rachado a árvore que bateu no meio, mas dava pra ver que o motor estava danificado.

Ela caminhou sozinha naquele frio por pouco tempo, chegou a achar ter visto uma criança perto da estrada, olhando, até que Louis socou o volante revoltado com o acidente e pegou seu sobretudo marrom, saindo e trancando a Hummer. Ele sabia que Ophelia iria caçá-lo até os confins do mundo se acontecesse algo com Brigith, então era melhor acompanhá-la. Apenas por precaução.
A garota percebeu a aproximação dele fácil, o azarado não usava botas. Dava pra se ouvir os xingamentos dele a cada pouco de lama que entrava dentro de seus sapatos ou sujava sua calça cara. Isso arrancou um riso maldoso da morena, que comentou com ele quando já estava perto o suficiente pra ouvi-la:

-Estive pensando... O que era aquilo no meio da estrada? Conseguiu ver?

-Acho que algum touro ou cavalo. Só deu pra ver que andava de quatro e tinha uma coloração meio acinzentada, seja lá o que for, conseguiu estragar meu dia melhor do que você.

-Nunca vi touros cinza. Mas acho que existem... E se for algum animal selvagem? Um predador?
– O sorriso de Brigith tomou outro ar, queria tentar assustar o companheiro – Seria interessante se ele viesse correndo atrás de nós agora não? Como num filme de terror.

-Estamos atolados nessa merda de barro e com essa idade você ainda imagina essas coisas? Quer tanto assim ser comida por algo grande?

-Ambígua a sua pergunta. Mas se quer saber, acho que atacaria você primeiro. É o maior.


-E você a mais frágil. Acho que estamos no mesmo patamar. –
Nesse momento eles já estavam bem próximos daquela casa, apenas a luz da sala estava acesa ali. Pularam uma cerca no caminho, atolando os pés em mais barro. Devia chover bastante ali, e olhando por um lado... Aquilo não parecia uma fazenda que criava gado.

-Eu frágil? - Bri olhou pra ele de canto, ela era bem graduada em Tae kwon do, um dos motivos de ser uma ótima corredora e ter pernas bem “saudáveis”. Porém Louis moveu um pouco o sobretudo e relevou uma pistola pendurada nele.

-Sim, frágil.

-Que seja. – Ela soltou um “tsc” e subiu as escadinhas de madeira da casa, que a deixaram bem em frente a porta. Então tomando fôlego, usou o seu espanhol enferrujado pra chamar alguém. Louis a seguiu e ficou olhando pro mato, talvez as palavras de Brigith tivessem o deixado um pouco paranóico.

Já era tarde, para uma fazenda, era estranho ver que tinha alguém acordado àquela hora. Gente que mora em tais lugares costuma dormir muito cedo comparado ao povo da cidade, a morena pôde ouvir alguma comoção lá dentro. E então ouviu um uivo ao longe, assustou-se virando pra Louis que colocou um mão pra dentro do sobretudo. Era engraçado ver que ela tinha conseguido colocar minhocas na cabeça dele sobre aquele assunto de ser perseguido por algo que pudesse matá-lo, mas Brigith admitia que aquele não era o cenário mais agradável pra se ouvir um uivo. A porta de madeira se abriu subitamente, num outro barulho que assustou ambos. E a garota se deparou com um cinqüentão robusto, não muito alto e com cabelos e bigode castanhos escuros. Ela nem se incomodou em ver o tal apenas com um roupão, que indicava que ele devia dormir nu ou coisa do tipo. Causava náuseas só de imaginar a cena... O que chamou a atenção foi o rifle na mão do homem. Louis ia se movimentar, mas Brigith fez um sinal por trás das costas pra ele esperar.

-Me desculpe estar importunando essa hora, mas é que nosso carro quebrou...

-E o que quer que eu faça? – Falavam no idioma local, obviamente.

-Bem, eu pensei na possibilidade de ficar por aqui até amanhã pelo menos. Eu tenho dinheiro, prometo que não vamos atrapalhar o senhor. – O homem segurou o rifle com apenas uma das mãos e olhou bem para a cara de vitima que Brigith fez, caminhou um pouco e deu uma olhada pela varanda da casa e em seguida para Louis. Chegou a respirar fundo encarando ele, mas acabou por dar espaço para Brigith passar pela porta – Entrem. Nós estamos com uns problemas por aqui, não é boa idéia ficar fora de noite.

Brigith passou pela porta vitoriosa e lá de dentro sorriu para seu companheiro de viagem, que retribuiu discretamente. Aquela “menininha” até que sabia bem fazer caras de dar dó. A primeira vista ele achou que o homem iria jogá-los pra fora só pela cara de mau humor.
Já pro lado de dentro, estava tudo escuro exceto por um uma lâmpada pendurada no teto da sala. A casa era toda de madeira e poderia até ser aconchegante se fosse um pouquinho mais luxuosa, Brigith via uma escadaria indo pro segundo andar, uma cozinha com louça suja e restos de comida na mesa, outra escadaria, só que descendo pra um tipo de porão e por fim, um quarto vazio.

-Tem um quarto vazio aqui em baixo, cama de casal. Vocês cabem nele e aqui não tem coisa melhor. – Esbravejou o homem que trancava a porta com chaves e uma tora de madeira. Brigith murmurou no seu tom de pidão algumas coisas pra tentar melhorar.

-É que... Nós não somos um casal, senhor. Eu estou noiva e ele é o irmão do meu noivo, pode ser problemático se nós dormirmos na mesma cama.

-E que raios você ta fazendo viajando com ele então?

-Meu noivo foi visitar a mãe e mandou ele me pegar no aeroporto, já que acabo de chegar na Espanha, por causa de uma entrevista de emprego que tive que fazer eu acabei ficando sozinha. A mãe dele detesta esperar, então achamos melhor fazer isso. Estávamos indo pra lá quando o acidente aconteceu.

O velho coçou o bigode, olhando pra Brigith que juntou as mãos na frente das pernas. E acabou engolindo aquela mentira, soltando um “Hm” com seu tom de voz horrível. Pelo visto tinha se cansado de esperar o que ele estava esperando ali na sala e iria dormir, murmurou alto enquanto subia as escadarias:

- Tem um colchão lá no porão, tá fácil de achar. Depois apaguem a luz. – Quando o homem sumiu de vista Louis olhou pra cara da mentirosa, Brigith sorriu de novo e entrou no quarto, largando suas coisas em cima da cama. Louis a seguiu.

-Eu vou pegar o colchão, mas não quer dizer que você vai ficar com a cama.

-Tanto faz, tenho certeza que esse galinheiro ta cheio de pulgas mesmo. – Aquela foi a Brigith sincera, o rapaz de cabelos castanhos se assustava com a garota às vezes.

A esperteza das mulheres da Black Rose era algo a se temer sem dúvidas. Ela tinha contado toda uma mentira rapidamente, e com tanta convicção que até ele poderia acreditar que era mesmo o irmão do noivo inexistente de Brigith.
Caminhou pro porão sem pressa e clareou o lugar com seu celular, já que sabia que não ia encontrar um interruptor ali. Passeou pelo local uns cinco minutos, aquilo estava cheio de utensílios de fazenda, facões, foices, motosserras e afins, era um local amplo, mas conseguia ser apertado ao mesmo tempo. Podia-se ver luz da lua entrando por uma janelinha embaçada que ficava na altura do chão lá de fora. Fedia a esterco, então devia ter sido mesmo uma vaca o que ele acertou na estrada.
Louis achou o colchão e foi até ele, enrolou e colocou aquilo debaixo dos braços. Também não cheirava muito bem, mas parecia macio. Não poderia ser melhor...
Já estava prestes a subir as escadas quando ouviu passos, não eram passos comuns, mas sim pausados. Como se fosse algo ferido, mancando. O rapaz virou-se pra dentro do porão de novo erguendo o celular pra iluminar o local, mas o que viu o fez fechar o aparelho pra apagar a luz imediatamente. Os sons não vinham de pés, mas sim de patas caninas. Quatro patas imensas que passaram por aquela janelinha, do lado de fora da casa. Uma delas quase não tocava o chão, se arrastava.
Aquele não era um cão ou lobo normal, pelo que ele viu... Devia ser do tamanho de um cavalo, ou um pouco menor. Uma leve impressão de que não tinha sido um bovino que ele tinha atingido na estrada atravessou sua mente.

-Maldita bruxa finlandesa de boca grande...

Louis esperou um pouco até parar de ouvir as pegadas e subiu para o quarto bem rápido, depois daquilo, ele iria forrar o colchão fedido no chão e dormir ali.
Brigith podia ficar com a cama, já que ela seria a primeira coisa a ser vista caso alguém abrisse a janela. Como diria aquela frase de cavalheiros: “As damas primeiro.”

“There’s always a lot of beauty hiding under the dark mantle of the night.”