domingo, 14 de fevereiro de 2010

[Vol.2] Capítulo 4 - Ritual

“Naquela terra distante, muito distante do seu castelo, a princesa continuou sua longa jornada para encontrar-se com a Bruxa. Apesar da grande aventura por qual ela e seu cavaleiro de armadura brilhante passaram, derrotando terríveis monstros ferozes que aterrorizavam uma família camponesa, algo ali não estava certo.
Aquele cavaleiro desgraçado tinha pisado na bola legal, e agora a princesinha teria uma viagem bem mais desagradável do que já estava sendo. O que ela queria era chegar na porcaria do ponto de encontro com a porcaria da tal Bruxa e acabar com tudo isso de uma vez. Só pra se livrar daquele babaca que de nobre não tinha nada...”


“Não vai demorar mais nenhum dia lindinha. Estamos voando, ao anoitecer já estaremos lá.”

Louis mantinha aquele seu sotaque sedutor besta mesmo depois de tudo. Ela tinha dormido, não sabia como conseguiu dormir naquele estado de irritação, mas dormiu. A noite péssima de sono no dia anterior com certeza a teria ajudado. Não se dava ao trabalho de responder o que ele dizia, nem olhava pra cara dele. Quando sua consciência começou a voltar de forma mais completa, a garota se viu enrolada num cobertor que não lembrava estar antes. Jogou ele no chão sem hesitar, estava frio. Não importava, seu orgulho já era quente o suficiente pra suportar o clima. Louis chiou algo do lado oposto da cabine do helicóptero, ela olhou pela janela. Civilização finalmente.

Não era uma cidade tão grande ou moderna, mas era melhor que aquele monte de mato onde eles tinham se metido nos dias anteriores. Brigith quase ficou feliz quando apanhou seu celular e viu que ele estava com sinal, ajeitou-se no banco de couro e fuçou a mochila procurando uma bala. Mochila de rico sempre tem bala... Ela gostava das de melancia ou menta, aquela em particular era de melancia. Arremessou o doce na boca, pra aliviar um pouco aquele hálito incomodo que se pega depois de dormir.
Não falou com Louis por pura birra, queria saber onde iam pousar e quando. Preferiu bater na janelinha e perguntar diretamente para o piloto.

- Daqui há uma meia hora estaremos pousando num estádio da cidade, já conseguimos permissão pra isso, senhorita.

A morena nem falou mais nada, estava mais preocupada com suas roupas. Ficaria sem nenhuma pra se trocar caso não comprasse novas. Olhou pras horas no seu celular, ainda eram oito da noite. Talvez fosse possível comprar algo por lá nesse horário, já que a cidade parecia bem iluminada ainda. Pelo menos a movimentação de carros era bem intensa lá em baixo, vários faróis na escuridão misteriosa da cidadezinha.
O estádio em que iam pousar era no meio da cidade, estava vazio. Obviamente Louis tinha mexido uns pauzinhos pra ter permissão pra estar pousando ali. Quando saíram daquele lugar (Brigith nem sequer quis reparar em como era o tal estádio), já com os pés no chão, se dirigiu à Louis num tom seco, quase agressivo:

- Que dia vai ser o encontro?

- Daqui a três dias doçura.

- Só me ligue exatamente nesse dia. Com três horas de antecedência.

Não falou mais nada pra ele, parou um taxi e entrou nele, pedindo pra ser levada a um shopping que estivesse em funcionamento essas horas. A cidade passava pelo vidro rapidamente, ela quase não reparou na decoração de natal... Que valor tinha o natal pra uma pagã de qualquer forma? Sim, tinha sido natal. Ela nem tinha notado a data passar, tinha sido ontem. A essas horas ontem ela devia estar correndo de um cachorro gigante, não queria lembrar daquilo. Ophelia não tinha ligado...
Será que ela não recebeu o e-mail? O que será que a ruivinha estava fazendo afinal... E Josh? O idiota estaria se adaptando ao estilo de vida dos Velmont?
Sacudiu a cabeça tentando afastar as perguntas, conectou fones no seu celular e os enfiou nas orelhas que ficavam cobertas pela parte encurvada de seu cabelo negro. Restless, Within Temptation... Era uma das suas músicas preferidas.
Calma, bonita. Brigith até chegava a sentir-se sonhando acordada quando ouvia, mas com certeza não iria dormir tão cedo hoje.

Avistou o shopping cheio de luzes e enfeites coloridos. Era ótimo ver um shopping ali, ela nem acreditava que poderia haver um naquele lugar. Pagou o taxista que parou no estacionamento e jogou a mochila nas costas, rumando em direção do shopping enquanto cantava junto com a música de forma discreta.
Já nem aguentava usar aquela roupa que estava usando... Ia jogá-la fora também assim que comprasse novas. Menos aquele seu casaco longo vermelho, foi presente de Ophelia, a morena gostava desse. E tinha conseguido salvá-lo...
Era um shopping bonito pra uma cidade tão sem graça. Depois de passar pelo portão gigante de vidro veio a parte engraçada da sua caminhada por aquele lugar, Brigith não estava com o espanhol tão bom, não conseguia acompanhar o ritmo rápido das pessoas ao redor. Aquilo estava de fato bem movimentado e era bem chato chamar atenção quando não se consegue entender tudo que os outros falam sobre você. Mesmo com a cara amassada de sono Brigith conseguia fazer os outros olharem pra ela abestalhados pelo seu jeito diferente e belo. Pudera... Uma morena que parecia uma boneca de porcelana com olhos amarelos em meio a muitas outras mulheres com características iguais. Obviamente ela iria se destacar, pra variar.

Avistou uma loja de roupas de nome francês, deu uma olhada nas vitrines e não pensou tanto. Tinha estilo e qualidade, tudo que ela exigia do que costumava vestir. Três trocas de roupa bastavam por enquanto, camisetas pretas, uma social feminina e outra regata pra se caso o clima esquentasse e uma branca de mangas ficando um pouco acima dos ombros, daquelas que se agarra à pele; comprou mais um moletom preto, uma saia, dois jeans diferenciados (bem caros) e meias longas, uma meia-calça preta pra cobrir as pernas caso estivesse de saia e com frio. Depois de ter incrementado com alguns acessórios, comprado um vestido luxuoso com sapatos, para o grande dia, e mais roupas da loja da Victoria’s Secret que achou por lá, a morena foi pro banheiro feminino do shopping carregando as sacolas. Não estava tão lotado, só umas duas mulheres lá dentro. Até que era bonito, limpo e grande pra uma cidade tão esquisita. Por algum motivo ela não conseguia ver aquela cidade com bons olhos, sempre as palavras “esquisita” e “sem graça” vinham à mente. Brigith teve uma ideia.

Só uma louca faria aquilo, mas Brigith não era das mais sãs. Principalmente por pensar que ela podia comprar o mundo se assim desejasse também. Trocou de roupa dentro de uma das cabines mesmo, saia, camiseta social e as meias longas até as coxas. Colocou de novo o casaco vermelho e lavou o rosto, enxugando ele nas mangas da roupa, ajeitou o cabelo (prendendo-o) e retocou o batom no espelho do banheiro. Mirou a Uusikuu em seu pescoço e sorriu, ficando parada um tempo ali. Por fim, pegou as roupas velhas e jogou no lixo daquele mesmo banheiro. Precisava se distrair um pouco, foi ao cinema.

A possibilidade de entender o filme ou pegar um filme bom era difícil, ela acabou tendo que assistir um meloso sobre vampiros bonzinhos que brilham. Detestou o tal filme, nem sequer prestou total atenção naquilo, romance forçado era demais para o gosto dela. Com certeza ela preferia as historinhas do Lestat. Acabou apanhando o laptop na mochila bem no meio da sessão pra ver algo na internet, enquanto continuava ouvindo suas músicas calmas e melancólicas.
Não ficou pra ver o filme até o fim, só o suficiente pra se sentir descansada. Na saída do shopping Brigith até enrolou um pouco pensando se devia ir conversar com um galãzinho espanhol que ficou a devorando com os olhos enquanto ela passava pelo portal de entrada. Testar a pericia de caras espanhóis interessantes no quesito ‘beijo’ poderia muito bem melhorar seu humor. A morena chegou a pensar, mas achou que não ia acabar ali mesmo caso ela se deixasse levar apenas pra curar o mal humor. E ela não queria Louis comentando sobre “o cara que estava no quarto com ela” pra alguém.

Por fim, chamou outro taxi ali na entrada e ordenou que fosse levada a um hotel.
“El Castillo” era o nome do lugar. O melhor segundo a recomendação do taxista, Brigith se arrependeu de não ter levado o homem que tinha visto no shopping consigo quando o clima esfriou. Seria ótimo ter alguém com quem se esquentar.

-(Deuses... Estou pensando como uma vagabunda).

E realmente estava. Pagou o taxista e desceu, indo pra recepção do hotel. Subornou a recepcionista (uma gorda esquisita) pra conseguir uma reserva que não tinha feito nas suítes caras, pagou com o cartão de Ophelia e subiu sozinha. Recusando que o funcionário levasse suas sacolas e a mochila. O elevador era rápido, o hotel decorado na típica coloração da realeza, em vermelho com bordas douradas, não era tão ruim. Ela estava terrivelmente acostumada com esses hotéis. Abriu a porta luxuosa do seu quarto de numero 1213 e entrou empolgada, com certeza tinha motivos pra isso.

Uma cama vermelha redonda gigante, cheia de travesseiros, janelas que ocupavam as paredes inteiras (Com vista pra cidade toda), uma banheira aquecida cercada por um piso lustrado de madeira em um dos cantos do carpete vermelho, bem no meio do quarto, som e TV de ótimas qualidades e também enormes, banheiro com um cheiro de limpeza que chegava a fazer querer fungar o chão. Enfim, tudo que um ser humano precisa pra sentir-se confortável. A garota largou as coisas no chão e a primeira coisa que fez foi deixar a banheira pra encher enquanto ela se despia e se atirava na cama. Pegou seu laptop e o ligou, tinha recebido um e-mail de Ophelia.

“Espero que tenha se saído bem em tua escapada do campo. Tive alguns problemas com teu aprendiz aqui, nada que não consiga solucionar, mas de fato me causou certa dor de cabeça e incomodo. Desculpe-me não ter respondido a mensagem de ontem mais rapidamente, estou muito ocupada. Recentemente os lideres do nosso clã nas outras partes do continente estão me encurralando com perguntas e medo do rumo que o clã Ishida possa tomar. Sabes que eles são extremamente leais ao líder e no ano passado o ultimo líder se rebelou contra a seita inteira. Eles são perigosos, se Anita não forçar uma nova indicação à liderança no clã logo... Receio que o líder traidor possa retornar e tomar controle do clã, jogando-o contra nós. O grande problema é que eles não têm candidato algum ao cargo já que Tetsuo está morto e Kasuya revoltou-se. Agora são dois, Bri.
Não só Kasuya dos Ishida, mas Victoria dos Sullivan também. Ambos se voltaram contra Anita.
Fora que o clã Kayoshi também precisa indicar uma nova herdeira, já faz um ano que a filha e herdeira dos Kayoshi morreu. Receio que a mestra do clã da Rosa Branca esteja descontente com Anita também. Essa mulher está colocando tudo de pernas pro ar desde que assumiu o comando da seita. Mas ninguém tem coragem suficiente pra ficar no caminho dela, a não ser lógico, a própria Victoria Sullivan e o tal Kasuya Ishida.
Tenha bom senso e volte para casa, piveta... Algo me diz que esse não é o momento mais esperto pra se ficar ao lado daquela mulher.
Lhe telefonarei assim que possível.
Provavelmente hoje mesmo.
Cuide-se, minha criança.”

Brigith chegava a achar engraçado o jeito certinho de Ophelia escrever seus e-mails. Podia imaginar a voz refinada da garotinha pronunciando aquele minitexto. Sentiu saudades dela na hora, adorava aperta-la contra si. O cheiro dela, a maciez da pele e dos cabelos... Brigith às vezes sentia como se fosse a mãe ou irmã mais velha da ruiva e não havia nada melhor do que a abraçar forte, sentir o motivo da sua determinação bem ali nos braços.
Vontade de chorar, olhos lacrimejando.
A morena devia estar muito mais emotiva nesses últimos dias. As palavras de Louis e daquele doutorzinho ainda ficavam vagando pela sua cabeça. A banheira já estava cheia.

- Vocês tão muito errados. É a diferença que faz do mundo interessante, mesmo que seja anormal. No meu mundo tanto ela quanto tudo que é diferente tem espaço. Vocês que se danem com o mundinho cheio de mesmice de vocês. – Precisou falar isso pra si mesma.

Sacudiu a cabeça e se livrou das roupas intimas, entrando na banheira depois de ligar o som em algum rock animado, afundou a cabeça pra molhar os cabelos e se apoiou nos encostos de madeira depois, olhando para o teto da suíte.
A primeira coisa em que ela pensou foi no cara do shopping, se arrependeu mais uma vez de não ter arrastado ele pro hotel consigo. Aquela banheira ia ficar bem mais divertida com duas pessoas dentro dela. Brigith riu sozinha.

Ficou quase duas horas ali dentro ouvindo musica e se lavando, depois vestiu pouca coisa e se enrolou num cobertor, naquela cama imensa. Tinha um cheiro ótimo, quase dava pra se sentir em casa. O único defeito era a falta de companhia, achou que devia ter mesmo levado Josh. Talvez da próxima, se caso ele estivesse merecendo. Viu-se olhando pro celular por longos minutos, ansiosa para a tal ligação que Ophelia prometeu.
Estava quase cochilando, ainda era cedo pra dormir, mas aquele clima aconchegante tinha tudo pra derrubar a garota fácil. Porém o celular tocou.
Brigith quase saltou na cama pra apanhar o aparelho, o lado emotivo-depressivo dela sumiu no mesmo segundo em que ouviu aquela voz mansa falar as primeiras palavras:

-Bri? Estás ouvindo?

-Claro. Ainda desacostumada com telefones? – A morena abriu um largo sorriso.

-Só com os pequenos. Aurora disse-me que seria melhor pra falar contigo quando eu estiver ocupada. Já lhe informei pelo e-mail sobre a situação.

-E o que vão fazer sobre isso?

-Liguei para Anita hoje, ela disse que vai deixar isso pro ano que vem... Porque não pretende sair da Espanha só pra “lavar a roupa suja”. Trocou as obrigações de líder por uma mera passagem de ano nesse país.

-Você deve estar possessa com isso né? – Brigith riu baixo, era notável a irritação e frustração na voz da garotinha. – Mas bem... Tem que admitir que ela tem estilo.

-Estilo? Eu chamo isto de irresponsabilidade! É de fato uma megera mimada.

-Mas nós temos que seguir o que ela manda né, lealdade, vermelhinha.

-Bah... – Ophelia suspirou, Brigith riu mais uma vez – Não precisas lembrar-me. Como está sendo a viagem com Louis?

-Com ele? Insuportável. Se o desgraçado não fosse importante, eu teria matado ele há umas horas atrás. – Não era somente por isso – Mas me livrei dele por uns dias ao menos. Tenho certeza que esse “encontro” é apenas pra receber a matriarca na Espanha, então não vou ficar muito aqui depois que encontrar ela.

A ruiva ficou em silencio no telefone. Brigith sabia o motivo, mas não entendia por que Ophelia era tão contra seu encontro com Anita. E antes que ela perguntasse, a garotinha falou de Josh. E sobre a prima dele, Matilda. Brigith não se alegrou muito com a nova noticia.

-Ele meteu a família dele com o clã é?


-Por isso escolhemos os membros quando pequenos. Se eles são criados na seita, não quebram o sigilo. Mas tu teimaste...


-Tá, talvez tenha sido erro meu colocar ele no clã em primeiro lugar. Mas você sabe... Ele é meu único amigo. Um idiota, mas é meu amigo.


-Sim sim... Entendo. – Ophelia suspirou novamente- Mas creio que eles vão se adaptar bem. A garota parece ser esperta. Lembra-me a ti um pouco.

-Tentando me substituir Ophelia Velmont? – Ela soltou um riso.

-Receio que eu não conseguiria. – A voz dela não saiu tão animada.

-Não vai se livrar de mim tão fácil assim. Prometo. – Era engraçado como ela sempre sorria pra Ophelia. – Sinto sua falta...

-Eu e a casa dos Velmont também sentimos a tua, minha filha. Volte pra Helsinque... Sabes que esse encontro não é necessário.


-Você é superprotetora demais baixinha. Já disse que eu não vou morrer aqui.


-Tu sabes o que faz... Tenho que desligar agora.


-Ok. Se cuida...

-Guarde isso para ti. Boa noite criança.

-Ophelia... – Sempre era uma hora desanimadora ter que desligar. Tinham conversado muito pouco, antes costumavam passar horas no telefone.

-Que foi?

-Te amo. – Quase suspirou.

-Sabes que eu também amo a ti... Mas tens que parar de ser tão mole assim. Ou vais sofrer muito um dia por causa destes sentimentos.

-Naah.. – Ela riu – Você vai estar comigo até o fim. Não me importo.

-É... Tens razão. – Mais uma vez desanimo na voz da ruivinha. Brigith sabia por quê... A garotinha tinha visto todos seus herdeiros morrerem, não iria ser diferente com Brigith. Quando ela morresse, Ophelia continuaria ali sozinha, vendo tudo ao seu redor envelhecer e morrer. Seus olhos lacrimejaram. – Bons sonhos.

-Pra você também lindinha.

Naquela noite Brigith finalmente chorou.
Acabou se cansando e dormindo sem perceber, uma noite sem sonhos. Mesmo que quisesse planejar algo pra amanhã, ela não conseguiu pensar em mais nada além da dor que Ophelia devia sentir. E de como ela era inútil tentando ajudar, estava fora de seus poderes. Fora do alcance de humanos, pelo menos ainda.
Talvez ela fosse mais superprotetora que Ophelia no fim das contas.

Três dias, era tempo demais pra ela esperar. Brigith odiava esperar... No primeiro dia ela apenas pensou em voltar pro tal shopping, era o único lugar que conhecia e provavelmente o mais civilizado ou divertido daquela cidade. Mas não, ela preferiu passar o dia todo deitada comendo chocolate enrolada num cobertor vendo filmes.

Segundo dia, ela finalmente venceu a preguiça e saiu. Direto pro shopping, assistiu mais filmes, fez alguns amigos de curto prazo e passeou um pouco por lá, se virando com seu espanhol enferrujado. E até se encontrou com o espanholzinho que ficou a secando no outro dia, dessa vez Brigith não o deixou escapar. E sim... Até que os caras da Espanha beijavam bem se fosse ver por aquele, mas não passou disso. Brigith queria se preparar mentalmente pro grande dia e foi embora mais cedo. Sem deixar vestígios pra ele.

E no terceiro dia, finalmente, ela quase não dormiu por ansiedade. Tomou dois banhos antes de se arrumar e vestiu algo que tinha comprado no dia anterior na sua volta ao shopping, um minivestido preto com salto. Colocou a joia dos Velmont orgulhosamente no pescoço como acessório, fez as unhas, maquiagem e tudo aquilo que pudesse pra ficar totalmente deslumbrante. Depois disso foi só esperar a ligação de Louis, decidiu levar seu casaco também por precaução, o clima estava um tanto frio. Brigith esperou que fosse se irritar bem mais do que de fato se irritou quando ouviu a voz daquele idiota:

- E ai princesinha, pronta?

- Apenas me leve pra lá. – Passou quase esbarrando em Louis. Havia uma limusine preparada ali, ela entrou sem fazer muitos rodeios. Colocou-se num canto do carro, sabendo que Louis iria entrar e ficar no outro. Era melhor manter a distancia.

- Não é tão longe daqui, tente fazer uma carinha feliz ao menos ok?

Louis falou num tom zombeteiro. Nunca ela iria faltar com cortesia com sua líder, o homem estava certo... Ela teria que engolir aquela sua raiva pelo menos momentaneamente. O frio ia ajudar, já que ela tinha largado o casaco dentro do carro.
Brigith não prestou atenção no letreiro luminoso diante o qual a limusine parou, mas com certeza era lá o local de encontro. A morena esperou um lugar mais... Elegante.
Aquilo era sem duvidas uma boate, pelo menos o primeiro andar daquele prédio. Que tipo de mulher era Anita Sullivan pra marcar um encontro com os lideres dos Archer num lugar desses? Interessante...

Entraram sem pressa, por um corredor que se estendia até um salão, luzes piscando, musica alta, varias pessoas dançando abaixo da passarela pela qual eles passavam. A pista era no piso inferior, uma boate linda por sinal, Brigith ficou tentada em entrar ali no meio e dançar um pouco também, mas não era por isso que ela estava lá.

Ela se sentia ansiosa, sentia vontade de comer ou roer algo na medida em que caminhava pra um pequeno e luxuoso elevador de vidro, que os levou para a parte mais alta do prédio. Não era tão grande assim, mas era notável que havia uma boate em cada andar de lá. Um ambiente diferente do outro, com pubs e quartos nos andares do meio. A viagem até a cabine VIP pareceu longa. Louis ficava apenas olhando pra baixo, as luzes piscando, as pessoas... Parecia que o gosto por lugares assim era uma das únicas coisas em comum entre ele e ela. Sempre que Brigith olhava para o rapaz, este lhe lançava um sorrisinho galante pra tentar irritá-la e fazê-la se portar inadequadamente. A morena resistiu bem àquilo. O elevador parou.
Passaram por uma sala pequena, dois seguranças na frente de uma porta dupla. Eles reconheceram Louis, e abriram a porta pra ele. Brigith achou que fosse enfartar antes de entrar ali, mas como toda menina com espírito de representante classe, ela respirou fundo e manteve a calma na hora final. Sua líder estaria dentro daquela sala.

Louis caminhou na frente, Brigith analisou o local com rapidez. Era uma sala um tanto ampla, parecia a sala do “chefe” da boate. De lá podia se ver a maior pista, pela gigantesca vidraça que ocupava toda a parede da sala. Uma mesa preta com duas garrafas de vinho de melhor qualidade e alguns petiscos. Sentada num canto numa poltrona vermelha bem maior que ela, estava uma menina pequena de cabelos cor de rosa, presos em dois rabos de cavalo; com roupas de mangas gigantes. Lembravam o estilo de blusa chinesa, mas com os toques coloridos dos japoneses e shorts justos não tão curtos combinados com um tênis cor de rosa. A garotinha nem sequer olhou pra eles, estava entretida demais com um pirulito daqueles gigantes. Louis passou por ela e bagunçou o cabelo da garotinha, que olhou emburrada pra ele com seus olhos cinza. Era a única parte sem vida e sem cor naquela garota, e a que mais chamava atenção. Brigith a reconheceu, era Kaori Sadako.

Acenou com a cabeça para a garotinha e recusou uma bala que ela lhe ofereceu com um gesto de mão e um sorriso.
A pessoa que ela tinha esperado tanto pra ver estava ali logo a frente, uma taça de vinho nas mãos, mirando as multidões que dançavam logo abaixo dela, no ritmo da musica que ela havia escolhido. Uma deusa no mundo dos mortais.

Anita estava se balançando um pouco para os lados de forma graciosa e discreta no seu vestido negro elegante, como se também gostasse daquele tipo de som eletrônico pesado. Uma coisa que Brigith nunca imaginaria da líder da Black Rose.
Seus cabelos negros e longos a acompanhavam, até que fizeram um movimento mais demorado, quando a mulher virou-se para olhar seus dois visitantes. Seus lábios no dia estavam com uma cor rubra, mais bela que o sangue; e aqueles seus olhos verdes eram mais belos que qualquer joia ou coisa que um deus pudesse ter criado.
Duas mechas negras serpenteavam ao lado da sua franja que cobria a testa, ela não parecia se enjoar daquele penteado. O usava desde quando Brigith era apenas uma criança. Ninguém nunca poderia reclamar de qualquer forma, aquela mulher era deslumbrante.
E o sorriso que acompanhou aquele olhar era ainda mais mortal que o das ninfas. Brigith ficou estática... Em toda sua vida, discursos escolares e afins que tivera que fazer na frente de multidões, ela nunca tinha ficado sem saber o que falar. Mesmo que se esquecesse dos seus discursos que eram preparados às vezes, a morena sempre tinha sido capaz de improvisar. Ao menos até ter visto aquela mulher. Apesar da musica alta, foi como se tudo tivesse ficado no mais absoluto silencio.
Quem tomou a coragem pra soltar a primeira frase foi Louis:

- Anita Sullivan, cada vez que eu vejo a senhorita sinto que estou cada vez mais próximo da morte sabia? – Com seu ar galante, ele primeiro beijou as mãos de sua senhora e depois fez uma cortesia se ajoelhando diante dela. Como um súdito leal faz a uma rainha.

Brigith pensou em fazer o mesmo, mas Anita olhou pra ela. E só por aquele olhar ela desistiu da ideia. Era como se Anita tivesse lhe ordenado telepaticamente pra permanecer de pé. Dessa vez, a voz que saiu foi a dela.

- Me faz derreter com esse cortejo todo, querido. – A mulher tocou o queixo dele com um dedo, e o fez se erguer do chão pra ficar no mesmo patamar que ela. Será que Louis não ficava sem jeito diante daquela mulher também? – E essa mocinha ali é a herdeira dos Velmont?

-Sim, Brigith Velmont. Estou honrada... – Ela se enrolou um pouco, mas fez questão de se apresentar com uma reverência.

- Oh! Já fazia um tempinho que eu não via esse rosto. – Anita caminhou até ela, Brigith desviou o olhar para longe. Tempinho? Não a via desde criança... – Acho que se eu pudesse colocaria esses olhos amarelados na minha coleção pessoal, não se importaria, não é?

- Acho que eles seriam mais uteis para a senhora onde estão. – Bri sorriu, tentando quebrar um pouco do seu nervosismo.

- Tem razão doçura, tem razão. Apenas Anita ok? Eu não estou tão velha.

- Não mesmo. Parece até melhor do que da ultima vez que nos vimos.

- É tão fofa... – Anita riu, tocando a face de Brigith com as duas mãos, numa caricia que chegava a ser até sedutora – Você me lembra demais a sua mãe. Os mesmos olhos...

- Minha mãe? –
Ophelia não lembrava a garota em nada além dos hábitos.

- Ops... –
Anita soltou um riso delicioso, se afastou de Brigith e ficou de costas para ela e Louis, voltando a olhar para as pessoas lá embaixo – Já se decidiu quanto ao sucessor Louis?

- Não tenho nem ideia ainda. –
Murmurou Louis que havia se sentado folgadamente numa poltrona que estava ali e tomou a liberdade de pegar uma taça de vinho para si. Agindo daquela forma, o homem devia estar acostumado demais a ficar por perto de Anita. – Estou em duvida se devo colocar mais uma donzela ou garantir o espaço masculino na Black Rose.

- Na minha opinião devia escolher outro homem. – Anita se aproximou sentou-se na mesa no centro da sala, distraída com o seu vinho - Com o mesmo gênio que você tem. É um dos meus preferidos Louis, sabia?

- Você sabe como fazer um homem ficar aos seus pés Anita. – Ele riu, Anita não deu atenção. Como se tivesse se desinteressado de Louis subitamente depois de ouvir aquilo. Voltou-se para Brigith de novo e perguntou com sua voz macia e encantadora:

- Fiquei sabendo que você estava ansiosa pra me ver. – Anita arqueou uma sobrancelha, desenhando um sorriso sensual e frio nos lábios.

- Agora que terminei a escola eu pretendo me esforçar ao máximo pra ser uma excelente líder. Então quis conhecer de perto a quem vou seguir.

- E faz bem. Exatamente como eu esperei que a nova menina de Ophelia fizesse. – Deu uma golada na bebida – Me diga Brigith... E como Ophelia está?

- Preocupada comigo. Diz que não é boa hora pra sair de perto do clã, sabe como é... Paranoia de velha de guerra. – A morena riu discretamente, Ophelia devia ter lutado em alguma guerra mundial mesmo. Explicaria algumas de suas atitudes, Anita não riu junto, mas manteve o sorriso divertido.

- Sabe, Ophelia se recusa a deixar que os Sullivan estudem a “peculiaridade” dela. – A mulher abandonou a mesa e começou a caminhar pela sala, Brigith cessou os risos na hora. – É possível pra nós por meio de rituais ou a medicina dos Archer dar um jeito no que atormenta tanto aquela cabecinha vermelha e tradicionalista dela.

- A baixinha é paranoica, como eu disse. Não confia em rituais proibidos e nem quer se submeter a uma operação de algum tipo... – A garota suspirou, se lembrando da depressão que tinha enfrentado por isso mais cedo.

- Ia ser um tanto difícil com a regeneração do corpo dela. – Quem falou foi Louis – Mas acho que com os esforços da minha família e da família principal juntas, nós poderíamos fazer algo por ela. Basta ela dar o braço a torcer.

- É estranho ouvir isso de quem diz que o que é anormal nunca vai ter espaço nesse mundo. – Aquilo escapou, mas ela não conseguiu ouvir algo assim dele e ficar quieta.

- Você mesma tá tentando arrumar um jeito da sua “mamãe” se tornar uma pessoa normal princesa. Se não ligasse pra anormalidade, ia querer ela do jeito que é. E não ficaria tentando tirar a imortalidade dela. – Aquele sorriso venenoso foi a gota.

- E você acha que ela quer? – Mais uma vez ela lançou aquele olhar de ódio pra Louis – Seria muito fácil ela aceitar esses rituais e as operações milagrosas da sua família. Mas ela não quer. Ela aceita viver daquele jeito por mais que isso a machuque. Você não entende porcaria nenhuma. Ophelia é forte, coisa que um idiota como você nunca seria.

Louis não respondeu por estar sob o mesmo teto que Anita, por algum motivo ele se mantinha de um jeito bajulador cínico perto dela. Brigith notou que tinha falado demais, mas aquela deusa de olhos verdes tinha estava em silencio com um sorriso que ficava entre o divino e o sinistro na face. Como se ela tivesse adorado aquele olhar que Brigith tinha lançado pra Louis.

- Me desculpe... É difícil manter a calma com esse imbecil. – Ela suspirou, abaixando a cabeça diante de Anita um tanto envergonhada daquilo. Só não se sentiu tão mal por causa daquele sorriso. Por achar que aquilo a agradou.

- Nada disso querida. O poder de um líder se baseia nas atitudes que toma também, não apenas nos discursinhos bonitos. – Por fim, ela caminhou até as janelas grandes. Voltando a olhar pras pessoas – Se você discordar de algo, pode dar sua forma de modificar. Se não puder modificar, destrua e construa de novo. Você pode um dia convencer Louis do que você acredita. Se não conseguir, mate ele e o substitua por alguém que acredite. É simples.

Louis deu risada disso, embora soubesse que o que ela tinha dito era bem sério apesar do sorriso que a dama mantinha, esse sempre foi o jogo de Anita desde que assumiu a liderança da Black Rose, uma ditadura. Eliminava aqueles que se opunham, tomava posse das próprias almas daqueles que se submetiam e às vezes deixava algumas coisas estarem, só pra poder se divertir observando elas acontecerem justamente como ela queria ou ter algum desafio. Por certo ângulo, aquela mulher parecia uma criança sádica.
Com a sua própria fazendinha de insetos pra brincar.
Brigith por sua vez, ficou em silencio. Era verdade. Ela chegava até a concordar com cada palavra que Anita tinha dito. Era muito simples visto por esse lado, mas ela tinha algo mais a acrescentar.

- Eu espero muito de você Brigith Velmont, você tem um ótimo potencial pra se tornar algo grande na nossa pequena seita. Mais do que já é. Não te imagino como uma mera vice-líder como foram todos os herdeiros de Ophelia até a morte. Eu sinto que você tem capacidade de superar ela de muitas formas. A geração dela já passou há séculos, e nós precisamos de sangue novo nas rédeas. –Olhou pra Brigith de canto – Não te digo pra traí-la. Mas talvez esteja na hora dela se aposentar e descansar um pouco. E com isso, seria sua vez de nos mostrar essa energia toda que você tem acesa dentro de si, ahn?

-Talvez você tenha razão... Acho que umas férias longas fariam bem pra ela. – Por que não tinha pensado nisso antes? Talvez se Ophelia se afastasse um pouco da Black Rose, ela conseguisse o descanso que tanto queria. – Obrigada Anita, acho que você é mais incrível do que me falavam. Sabe... Seus métodos podem ser cruéis segundo o que eu ouvi, mas graças a você nós temos alguma ordem aqui. Admiro muito isso... E espero que um dia eu possa ser metade da líder que você e Ophelia são. – Anita soltou um risinho.

-Só não se esqueça de uma coisa lindinha... – Virou-se pra Bri lentamente e caminhou até ela, perto o suficiente pra poder sussurrar - O que você disse aqui pra Louis poderia ser considerado uma ofensa grave aos Archer, à seita, e voltar a Black Rose inteira contra os Velmont. Então eu sugiro que você tenha consciência dos seus atos, por que esse não é um jogo de crianças. É um jogo de adultos. E adultos mentem, são cínicos, usam uns aos outros sem sentimentalismo algum. Sentimentos como esse no qual você está se afogando no momento são fúteis, só vão te destruir no final e se tornarem seu ponto fraco. Então não erre, não tenha pontos fracos. Por que se você errar nesse nosso jogo, são as pessoas por quem você luta que vão pagar com as vidas. O que seria de você sem sua preciosa Ophelia ou seus aprendizes recém iniciados ahn?

Brigith não conseguiu nem piscar durante aquelas palavras. Naquela hora ela entendeu o motivo de todos temerem a líder da Black Rose, o motivo pelo qual Ophelia não queria deixar que ela fizesse tal viagem. Nos olhos dela, Brigith pôde ver o inferno.
A sensação que ela sentiu por segundos foi como ter perdido Josh, Ophelia e todo o seu clã de uma vez só. Ter perdido tudo que ela dava valor, tudo que ela considerava seu. O seu pior medo, o mais terrível dos seus medos.

De lábios entreabertos, ela sentiu seu coração apertar, suas mãos começaram a tremer e seus próprios olhos lacrimejarem. O que era aquilo? O que diabos era aquela mulher?
Quis ir embora dali naquele minuto, correr pra longe daquele demônio, telefonar pra Ophelia ou Josh e ver se ambos ainda estavam vivos. O seu desespero só parou quando ela sentiu o toque de um dos dedos de Anita na ponta do seu nariz.

- Relaxe fofa... Só estou brincando. – Ainda estava sorrindo, Brigith ficou muda. E a dona dos olhos verdes ergueu a taça que segurava em frente ao rosto, parecendo admirá-la. E logo depois voltou o olhar para as janelas – A dança mais excitante só vai começar agora.

Nesse exato momento, Sadako que estava silenciosa com seus doces naquela poltrona lançou um olhar para a mesma direção em que Anita olhou. Não era o mesmo olhar indiferente que ela estava mantendo desde a entrada dos dois e durante o dialogo deles. Louis percebeu o significado de tal olhar. E Brigith só ouviu o vidro quebrar depois que a musica lá embaixo parou subitamente.

No mesmo instante aquela taça que estava na mão de Anita também estourou e logo depois um buraco foi feito na porta atrás de Brigith. Pelo barulho e estrago, aquilo tinha sido um tiro. Direcionado à própria Anita pelo visto. Mas por incrível que parecesse, a mulher estava totalmente tranquila. Ela sabia que não ia acertar...
Ophelia estava coberta de razão. Era uma péssima hora pra ficar perto de Anita Sullivan, pra se meter naqueles jogos dela.

Brigith se abaixou perto da mesa, viu Louis sacar sua pistola de estimação e se esconder em algum lugar. Anita ficou parada de pé onde estava, olhando pela vidraça quebrada como se estivesse encarando alguém do outro lado. (Provavelmente a musica ter parado no exato momento do tiro tinha sido obra dela. Pra todos ali poderem ouvir.)
E Sadako... Foi quem teve a reação mais inesperada. Ela correu para o vidro e saltou por ele, Brigith não pode acreditar que uma menina daquele tamanho tinha pulado de tão alto assim. E achava que seria mais seguro ela ficar na frente de Anita ou coisa do tipo se estivesse tentando protegê-la. Durante aquela adrenalina, Bri nem notou quando Louis abandonou seu esconderijo e correu pra ela. Outro tiro acertou a mesa em cheio, por pouco não raspou em um dos braços da morena. Ao invés disso, foi a mão de Louis que ela sentiu ali.
O rapaz de cabelos castanhos a puxou dali com pressa, indo pra porta de saída.

- Ela sabe se cuidar. Não é a toa que ficou de pé sorrindo na cara das balas. – Murmurou antes que Brigith dissesse algo sobre abandonar a líder ali.

Outro tiro acertou a parede antes que eles saíssem daquela sala, e quando saíram, foram cercados por cinco seguranças. Porem um deles caiu no mesmo instante em que o viram, Brigith deduziu que fosse a bala que atingiu a parede. Devia ser um rifle e tanto o autor dos disparos... Ao invés do elevador, usaram as escadas. Era notável a gritaria naquele andar. Tudo devia estar um caos nos pisos da discoteca, mas eles não iriam ter que enfrentar tumulto pra sair de lá. Vantagens de ser a terceira pessoa mais importante no local pra Brigith.
Mesmo assim, a correria pelas escadas foi tanta que a morena se viu tonta... Quase caiu varias vezes e se não fosse por Louis estar segurando firme no seu braço, ela teria mesmo caído. Dessa vez ela conseguiu se sentir segura perto dele. Pois tudo ao redor estava ocorrendo rápido demais, Brigith não era muito acostumada a situações do tipo. Ela nunca precisou ser protegida a esse ponto, cercada por seguranças armados. Talvez o cão contasse, mas ai já era um caso um tanto diferente. Humanos são mais descontrolados que cães. E sabem usar rifles.

A garota perdeu a conta de quanto tempo eles ficaram descendo escadas, mas finalmente pararam um pouco. Era um daqueles pubs que Brigith chegou a ver pelo elevador de vidro no meio do prédio. Os seguranças montaram guarda ali, já Louis, guiou a morena até o bar e aproveitou que o barman tinha fugido pra pegar alguma bebida gelada e não muito alcoólica pra colocar nas mãos dela e pedir pra que ela bebesse pra se acalmar.
Aquilo rendeu uns pontos a menos na raiva que ela estava do homem, mas não foram suficientes pra zerar o placar negativo dele.

- Prefiro um energético. – Falou tomando fôlego.

- Até nessas horas a senhorita não deixa de ser uma patricinha mimada? – Riu ele.
Brigith já estava começando a relaxar, ali era um local seguro de certo. Bebeu dois goles do energético que Louis trouxe. Mas foi um engano terrível achar que ela teria proteção em algum lugar quando o problema era com a Black Rose.

Não demorou muito pra os estalos começarem a vir da porta do elevador. Parecia que tinha algo grande se chocando contra as paredes de vidro dele, dava pra se ouvir trincando às vezes. Louis levou as mãos pra pistola, mas só sacou ela quando viu algo atingir a porta de vidro e quebrá-la por inteiro, Brigith só notou o rapaz encapuzado com uma blusa longa amarela e preta rolar pelo chão do pub depois do barulho.
Ele ficou deitado ali, imóvel. Os dois e os seguranças ficaram olhando o corpo no chão, apontando armas pra ele. Parecia estar morto apesar de não ter nenhum ferimento visível, o torso ficou por cima dos braços e a face dele parecia enterrada no chão. Nenhum sinal de respiração. Brigith não conseguia ver o rosto por causa do capuz.
Analisando melhor, a roupa que o rapaz usava por baixo daquela jaqueta era inteira preta, e a pele dele muito branca. Tinha um porte físico excelente e não era tão alto, a morena deu outra golada na lata olhando para ele no chão. Estava curiosa sobre o rosto, Louis e os outros homens se aproximaram devagar ainda atentos.
Louis fez um sinal pra eles, todos apontaram as armas para o corpo e então o líder dos Archer se aproximou mais pra checar o pulso. Surpresa desagradável, não estava morto.

Louis que estava mais próximo levou uma cotovelada violenta na cabeça e caiu desnorteado por cima do rapaz, o encapuzado tinha acabado de se girar rapidamente no chão, o acertando em cheio, e logo depois o impediu de cair diretamente em cima dos seus braços colocando o joelho sobre o peito do espanhol para mantê-lo só um pouco acima de si e usá-lo como escudo, no mesmo instante ouviram-se dois disparos, dois seguranças caíram. Ele estava segurando duas pistolas que estavam escondidas sob seu próprio corpo. Aquela agilidade e técnica eram terrivelmente incríveis.

O hesito que os outros homens tiveram em atirar por medo de atingir Louis foi o suficiente pra mais dois corpos caírem sem vida no chão com mais duas balas nas cabeças. Depois o que o assassino precisou foi somente atingir o peito do homem com o outro joelho pra tirá-lo de cima de si. Sobrou apenas ele, o espanhol que estava sem ar no chão tentando se levantar e a garota de cabelos negros que deixou a lata de energético lhe escorregar das mãos e chocar-se contra o chão.
Brigith pode ver o rosto dele. Devia ter a mesma idade que ela, e aqueles cabelos prateados albinos... Ela teve uma ideia de quem era.

Aquele era o líder dos Ishida, só podia ser.
Brigith tinha o visto uma vez quando pequeno, e aquela coloração de cabelo era inconfundível. Tudo faria sentido se fosse ele, tinha ido ali apenas pra matar Anita. Brigith e Louis eram aliados de Anita, e ele pareceu saber bem disso quando ergueu uma pistola pra cada um deles. Mas aconteceu algo pelo qual a morena não esperava, ao invés de puxar o gatilho, o tal Kasuya a encarou com estranheza com seus olhos avermelhados sob aquele capuz e murmurou num tom surpreso:

- Você... Por que justamente você está aqui Sayo... – Antes que ele terminasse aquele nome, outro disparo o interrompeu. Pegou de raspão no braço do rapaz albino.

Louis estava de pé, visivelmente tonto ainda, mas conseguiu disparar contra ele. Kasuya voltou seu olhar para o homem de cabelos castanhos e por pura sorte, sua munição tinha acabado. Em ambas as pistolas. Louis riu tentando manter seu ar de durão.

- Não tem mais como usar os brinquedinhos, pivete? Heh...

- Hunf... – Kasuya lançou um olhar entediado para o homem e antes que Louis pudesse disparar de novo, de forma mais certeira, o albino arremessou uma das suas pistolas contra ele. Mais uma vez acertou em cheio, entre os olhos de Louis que caiu mais uma vez. O disparo acabou atingindo o teto.

Com a testa cheia de sangue, dessa vez o espanhol não iria levantar tão rápido. Ficou gemendo no chão xingando o outro de palavrões no idioma local. Mas Kasuya não prestou atenção, tornou a virar-se pra Brigith ainda com um olhar intrigado.
A morena não sabia o que ele iria fazer, olhou Louis no chão, boquiaberta e em seguida olhou de volta pra Kasuya vacilante. As únicas palavras que saíram da boca dela na hora foram esquisitas, mas de certa forma, verdadeiras e impressionadas:

- Acredita em amor a primeira vista? Porque acho que me apaixonei...

O garoto soltou um ‘tsc’ e murmurou algo pra si mesmo que Brigith não conseguiu ouvir, mas antes de mais alguma coisa acontecer, ambos ouviram passos leves na sala. De alguma forma, podia se sentir irritação em cada pisada no chão que ouviam. Brigith olhou para a escadaria e quem estava lá era Sadako. Com quatro lâminas entre os dedos de cada mão. Os lábios delicados dela estavam sangrando e seus olhos cinza sem vida estavam lacrimejando, como se ela estivesse prestes a chorar, mas de raiva.
Atrás dela podia-se notar uma movimentação grande, com certeza eram mais membros do tal time de segurança do local descendo as escadas.
Kasuya imediatamente arremessou a outra pistola descarregada na direção da menina e correu, lançando um ultimo olhar para aqueles olhos amarelos de Brigith. A morena sabia que ele já a conhecia de algum lugar, mas provavelmente estava a confundindo agora. Se ele soubesse que ela era Brigith Velmont, teria a matado sem hesitar. Ou pelo menos a deixado como deixou Louis, estirado no chão.

Sadako desviou-se da arma fácil, e arremessou três das laminas que segurava contra Kasuya, mas o rapaz virou uma das mesas do pub às suas próprias costas enquanto escapava, as laminas atingiram o segundo ‘escudo’ improvisado, e o albino desapareceu rapidamente pelos corredores que iam para os quartos. A garota de cabelo cor-de-rosa ficou irada com aquilo e chegou a tomar impulso para perseguir o assassino, mas uma voz familiar a impediu:

- Agora não Sadako. Se você seguir ele, não vai voltar mais.

Ao ouvir aquela voz autoritária e doce, Sadako deu alguns pulinhos raivosos que pareceram meigos aos olhos de Brigith e caminhou para a escadaria de novo, com passos firmes e uma careta estampada no rosto, como se estivesse fazendo birra.
Quem estava ali agora era Anita (Louis tinha arrumado um jeito de se sentar numa mesa pra não parecer tão patético jogado no chão perto de sua líder. Brigith riu disso.) a garotinha de cabelos coloridos caminhou para Anita fazendo um beiço, parou na frente dela e apontou para os lábios róseos que estavam sangrando. Algo tinha a atingido ali, Bri acreditou que ela tinha se encontrado com Kasuya antes e que ele fosse a causa.

Sadako soltou um gemido tímido de dor, com os olhos tentando fazer Anita sentir alguma pena. A mulher segurou o rosto da garotinha delicadamente e limpou o sangue dos lábios dela com o polegar, o levando a própria boca depois. Anita sorriu, como se tivesse gostado do sabor do sangue da garotinha e a abraçou contra o peito, acariciando aqueles cabelos cor-de-rosa. Sadako retribuiu o abraço, parecia extremamente chateada por não ter conseguido dar um troco no albino. E Anita, finalmente se voltou para os dois, naquela hora ela parecia uma verdadeira mãe:

- Parece que foi atropelado por um caminhão Louis querido.

- Algo pior, aquele era o Ishida certo? – Estava massageando a cara inteira pra ver se um pouco da dor e tontura passavam, e tentava rir pra disfarçar a irritação – Eu nunca acreditei no que diziam sobre eles serem monstros até hoje... O pirralho me pegou de jeito aqui.

- Pobrezinho... – Brigith estava segurando as gargalhadas, e pegou alguma bebida alcoólica pra servir Louis. Encarou-o com um olhar de pena que o fez se sentir mais humilhado ainda, Bri se sentiu realizada – Vou pegar gelo pra você tá?

- Aquele jovem é o meu preferido dentre vocês dessa nova geração. – Sorriu Anita – Mas acho que a minha Victoria vai tomar a posição dele. – Ainda acariciando a cabeça de Sadako, a mulher soltou algumas palavras de consolação para Louis, com aquele sorriso malicioso ainda – Alegre-se querido. Um homem qualquer estaria inconsciente agora no seu lugar.

- Reconfortante. – Louis riu, Brigith arrumou um saco de gelo por ali e colocou na cabeça dele, como se realmente estivesse com dó. Louis chegou a até gostar daquele gesto, e não resmungou. Apenas piscou pra morena com um sorrisinho besta na cara.

- Bem, crianças, eu tenho que ir agora. Negócios a tratar. – A piscada dessa vez veio dos olhos verdes de Anita, totalmente mais desconcertante que a de Louis. Ela murmurou algo no ouvido de Sadako e a soltou, caminhando para as escadas, cercada pelos homens de terno preto. – Até mais ver, Brigith Velmont. E Louis, arrume um herdeiro logo. Da próxima vez você talvez não tenha a sorte de encontrar o Kasu-chan de bom humor. – Soltou um risinho divertido e subiu as escadas. Brigith se viu perdida acompanhando os movimentos dela, até perdê-la de vista.

Para a surpresa da morena, Sadako permaneceu onde estava quando Anita saiu e caminhou na direção dela e de Louis, cruzando os braços aparentemente delicados atrás das costas enquanto os encarava com seus olhos sem cor.
Brigith olhou pra Louis com o canto dos olhos, ele estava se levantando da mesa. Seria má ideia perguntar algo para ele, então ela decidiu questionar a própria menina dos cabelos chamativos:

- Ahn... Você quer algo de nós? – Sadako acenou negativamente e segurou uma mão de Brigith com suas duas, mostrando um belo sorriso pra ela. A garota entendeu em partes quando Sadako começou a puxá-la pra saída, então foi Louis quem acrescentou:

- Acho que ela vai nos escoltar...

E foi exatamente isso que aconteceu. A garota praticamente carregou Brigith até o primeiro andar do prédio. Louis ainda estava com aquele saco de gelo na cabeça. Pelo menos aquilo tinha acabado com a vontade de fazer gracinhas pra cima da morena que ele estava demonstrando mais cedo. Tinha sido um dia pra se lembrar, ela voltou para a limusine com um sorriso discreto e satisfeito no rosto.

- Até onde você vai nos acompanhar, pequena? – Murmurou Louis, sentado num canto da limusine. Brigith e Sadako estavam uma de frente pra outra no canto oposto.

A garota dos Kaori apontou para Brigith olhando para Louis, ele não entendeu muito bem o que ela quis dizer com isso, mas suspeitou que a garotinha fosse acompanhar Brigith. Os dois ficaram em silencio olhando para Sadako como se esperassem ela falar algo, mas ela não emitia nenhum som. Louis parecia inseguro com ela ali, estava com a mão próxima da cintura, onde ele guardava sua pistola sempre.
Brigith viu a expressão esquisita que ele fez quando Sadako enfiou a mão no bolso dos shorts que estava usando, mas o que ela tirou dali foi um pirulito esférico grandinho de uva. O ofereceu para os dois, ambos recusaram.

- Ela é...

- Muda? – Louis deduziu a pergunta – Não... Mas também não sei por que ela não fala.

Nesse momento a morena sentiu a mão de Sadako lhe puxar a manga do casaco que ela tinha largado dentro do carro e tinha vestido assim que entrou ali. Estava bem frio, tinha sido um erro mesmo não ter usado aquele casaco desde o inicio. Provavelmente ela ia se gripar.
Porém, ela nem tinha visto quando foi que a pequena se inclinou na direção dela e alcançou seu braço. Silenciosa demais.

Sadako apontou para o frigobar do carro, Brigith o abriu deduzindo que a garota devia querer algo e acertou. Depois de mostrar o refrigerante que queria e estar com ele em mãos, Sadako começou a molhar o pirulito dentro da lata e colocar ele na boca.
Era um costume incomum para Brigith, mas Louis soltou um riso ao ver aquilo. Desde que lembrava a garota vivia numa mansão cercada de tudo que ela queria comer, não tinha motivos pra misturar uma coisa com a outra pra ver se tinha um gosto bom... Mas de uma coisa ela teve certeza ali: Aquela menina era meiga demais. Principalmente por causa do jeito tão natural que ela lambia um pouco o doce com a pontinha da língua pra depois colocar na boca e sorrir pra eles. Pra quem olhasse ela pareceria ter quatorze ou coisa assim, mas Brigith sabia que ela e a garotinha tinham a mesma idade. E aquela pose meiga toda era talvez a arma mais mortal dela, ninguém suspeitaria da menininha fofa que come doce.
Louis sabia disso muito bem, por isso manteve a mão por cima da arma a viagem toda.

Ao chegarem ao hotel em que Brigith se hospedou, Sadako saiu junto com ela. E Louis acabou saindo também, atrasado. Caminharam até os corredores, e quando chegaram naquele quarto luxuoso foi Sadako que demonstrou estar impressionada e correu pra dentro. A morena riu, mas quando foi entrar sentiu Louis lhe segurar pelo braço e a puxar pra fora.
O homem a encostou na parede do lado de fora e a encurralou com os dois braços dos lados da cabeça, aproximando seu rosto do dela bastante pra murmurar algo. Ela não sentia a nicotina no halito dele. O coração da morena acelerou na hora e ela corou.

- Eu não faço ideia do motivo pelo qual Anita mandou a pirralha te seguir, mas não acho que seja só pra te proteger. Por outro lado, também não vejo motivo nenhum pra ela te matar, só toma cuidado mesmo assim. Quando é com a líder o assunto, a gente nunca sabe o que vai acontecer. Fica esperta com a sua ruivinha também.

- Oras... E desde quando você se preocupa? – Ela não desviou o olhar. De certa forma, aquela era uma situação tentadora, mesmo que ela ainda estivesse com tanta raiva dele.

- Desde quando Ophelia me deixou encarregado de você. O avião tá pronto pra você amanhã, alguém da minha família vai te levar na porta de casa por cortesia. Mas pro seu azar, eu vou estar ocupado, então a gente se despede aqui. – Deu um sorrisinho pra ela.

- A noticia mais feliz da minha semana.

Louis riu ainda a olhando nos olhos e se aproximou mais. Brigith tinha certeza que ele iria tentar um beijo, chegou a pensar um pouco e decidiu deixar que ele fizesse aquilo. Depois bastava dar um tapa na cara ou joelhada nas partes dele e tudo ficaria certo. Seu orgulho estaria intacto. A garota fechou os olhos e esperou, mas pra sua surpresa ouviu outro riso.

- Até algum dia, princesinha. – Num impulso ele deu as costas pra ela e saiu pelo corredor erguendo uma mão aberta. Brigith voltou a ficar com raiva.

“Família Archer ahn?”

Talvez eles fossem causar problemas sérios pra ela um dia.
Depois de soltar um “Hunf” ao seu modo esnobe, Brigith entrou no quarto. Sadako estava animada pulando na cama e quando a viu entrar, desceu de lá rapidamente e se colocou na frente da morena com as mãos atrás das costas assoviando inocentemente. Bri quis apertar ela contra si na hora, mas segurou o impulso.

- Pode ficar a vontade Srta. Kaori. – Sadako sorriu e voltou a pular na cama animada, Brigith se aproximou e sentou-se lá também pra tirar os sapatos. Tentou uma pergunta – Você vai voltar comigo pra Finlândia por acaso?

Sadako acenou positivamente com a cabeça animada. Parecia que ela era apenas uma prima de Brigith que queria passar um tempo com a outra parte da família. Seria mesmo isso se elas viessem de famílias normais, mas não era o caso.
Depois de se livrar dos sapatos Brigith ligou o aquecedor da banheira e falou para a nova companheira de quarto erguendo uma sobrancelha:

- Quer tomar banho também?

A garotinha acenou algumas vezes com a cabeça de novo sorrindo, e correu para o banheiro. Brigith decidiu escrever outro e-mail pra Ophelia enquanto isso foi se livrando do seu vestido pra poder entrar na água também.

“O encontro foi ótimo. Com direito a tiroteio e pancadaria por conta da casa... Mas fica tranquila, eu sai ilesa apesar de ter presenciado boa parte da ação.
E você que me disse que ia ser uma péssima hora hein.
Eu adorei.
Anita é incrível. Sim, ela dá medo como você me disse, mas é incrível. E parece que ela quer te ajudar. Não acho que seja de graça e tal, mas pelo menos ela pode fazer você ser mais feliz.
Eu sei que você já tá cansada de ser uma garotinha esse tempo todo.
Sei que você queria poder morrer também como todo mundo...
Se você fosse feliz assim, eu estaria feliz também.
Mas você estar assim e não querer consertar faz eu me sentir mal também...
Pensa nisso tá?
Te amo.”

Depois de fechar o laptop, a garota se assustou um pouco com o barulho e com a água espirrando, Sadako já estava com as roupas debaixo dentro da banheira. Brigith se juntou a ela sem muita demora, ela sabia que não iria levar aquilo pelo lado malicioso com Sadako. Era impossível a tratar como a maioria das meninas bonitas que via.
Estranhamente, a morena não sentia nenhuma vontade indecente com ela além de querer mordê-la ou apertá-la às vezes.

No começo Brigith ficou um tanto paranoica com a presença da garota ali, mas por fim acabou acreditando que se Sadako fosse fazer algum mal a ela, já teria feito. Então acabaram brincando na banheira por um longo tempo como se realmente fossem parentes distantes normais, o silencio de Sadako nem chegou a atrapalhar em nada.
A fome bateu (não tinha comido quase nada naquele dia), a morena acabou pedindo uma pizza de quatro queijos pra ambas, ficaram comendo na banheira mesmo. O serviço foi bem rápido... Sempre é quando se tem dinheiro pra uma suíte presidencial.
Sadako estava ficando cada vez mais irresistível... Principalmente quando limpou com o dedo um pouco do queijo que tinha ficado perto da boca de Brigith e depois o colocou na propria boca, sorrindo timidamente pra ela. Dessa vez a morena não conseguiu resistir.
Acabou mordendo Sadako (que soltou um gritinho).

No fim da noite estavam ambas jogadas na cama lado a lado trajando roupões de banho dormindo. Foi o dia mais fácil de dormir na semana.
Brigith sonhou com Anita e Ophelia.
Foi um sonho vago demais, aquele frio deu uma sensação nostálgica a tudo aquilo que passou por um momento pela cabeça dela. Estava ansiosa pra voltar pra casa. O perfume doce no ar... Devia vir dos cabelos perfumados da garotinha ao seu lado.

Ela acordou sem lembrar com o que havia sonhado, só viu que estava abraçada com Sadako. Ainda deviam ser umas sete da manhã.
A garota estava agarrada ao roupão dela com a cabeça um pouco abaixo da sua. Brigith podia sentir a respiração dela tocar seu pescoço e suas mãos puxarem um pouco o roupão de fraco. Como se estivesse tentando ficar mais perto.
Ela já estava quase nua quando notou as tais puxadas inocentes que Sadako já devia estar dando há um bom tempo na parte de cima do roupão, mas não ligou. Aquela menina parecia uma criança... Era ótimo estar dormindo assim com ela, assim como era ótimo quando ela dormia com Ophelia às vezes quando ainda era pequena. No fundo ela sentia falta disso.
Daquela sensação tão serena e inocente.
Brigith nunca achou que ela tinha algum espírito materno, mas se viu ali puxando um pouco mais a menina contra si. Encostou o queixo no topo da cabeça de Sadako e a abraçou de um jeito mais envolvente contra o peito, ignorando as partes do seu corpo que estavam a mostra.
Por fim, começou a acariciar os cabelos tingidos dela que ainda estavam um pouco molhados e fechou os olhos. Era fácil demais adormecer assim.
Mais tarde ela acordou mais pelada do que já estava de manhã, arrumou seu roupão e só depois notou que estava na cama sozinha. Aquilo de certa forma lhe deu um desespero e aflição tão estranhos... Só se acalmou quando ouviu um resmungo de Sadako na sacada do quarto. Suspirou e voltou a se deitar, dando um tapa no próprio rosto.

- (Se apegou a uma assassina profissional que parece um bichinho fofo de anime Brigith?)

Parecia que sim, por mais estranho que fosse. Mas aquilo era um erro... Eram puros sentimentalismo e carência desnecessários. Ela não podia se apegar a uma “arma”. Era exatamente isso o que Sadako era, por mais meiga e amorosa que fosse.
Se Anita mandasse, ela mataria Brigith sem hesitar. Não havia sentimento algum em retorno, Brigith sabia disso só de lembrar-se daqueles olhos frios sem cor dela.
Ela nunca tinha se sentido triste por ter dormido com alguém apenas uma noite assim. Tentou imaginar que era Ophelia quem ela via ali, não Sadako.
De fato... Ela estava bem mais sensível e carente nesses últimos dias.
Chegou a dormir mais umas três horas, até que seu celular tocou. Pra sua surpresa, marcava o nome “Carmen” no identificador. Quem mesmo era Carmen?

- Te acordei mocinha ?

- Mais ou menos... – Lembrou-se dela. Era aquela subordinada de Louis com a voz sexy.

- Peço desculpas então. Seu voo está marcado pra uma da tarde, quer que eu marque um horário mais tarde para a senhorita poder descansar mais?


- Não, uma hora tá bom. Já vou me levantar.


- Ok lindinha, vou estar esperando. –
soltou um riso – A propósito, a limusine já está te esperando ai pra levá-la ao aeroporto.

- Obrigada. Até lá então...

- Beijinhos.

Então era ela quem iria ser a acompanhante dos Archer. Brigith se animou apesar do sono. Tomou outro banho e vestiu as roupas mais leves que tinha comprado e apanhou aquele seu casaco olhando pra sacada pra ver se enxergava Sadako.
Tomou um susto quando notou sua mão ser segurada por trás. A garotinha estava ali com a mesma roupa de ontem, pronta pra sair.
Aquele sorriso inocente causou algum desconforto. Ela estava com medo de Sadako. Com medo de que aquele sorriso e aquela fofura toda fossem vazias, falsas. Aquela garota era a herdeira da família Kaori. Brigith ficou repetindo isso pra si mesma durante o trajeto ao aeroporto inteiro enquanto via Sadako se divertir com seus doces.

Entrou de mãos dadas com a pequena, o terminal estava movimentado demais. Foi até uma surpresa saber que Sadako tinha um passaporte consigo, como se já soubesse que iria viajar antes de tudo. Já por ali, Brigith ficou olhando de um lado pro outro pra ver se achava a tal Carmen. Porém, foi ela quem achou Brigith primeiro.

Como a garota pensou, ela era bonita e encorpada nas medidas certas. Na Black Rose era mesmo assim... Sempre mulheres extremamente belas e Louis por outro lado, não se cercaria de mulheres feias com certeza. Nenhuma surpresa.
Ela estava ali acenando para as duas, era alta, tinha características nativas fortes. Olhos escuros com sobrancelhas também destacadas e cabelos ondulados castanhos, também escuros. Sua pele tinha um tom mais escuro, mas ainda era considerada branca. As roupas que ela estava usando eram sociais e discretas, nem muito ousadas e nem muito comportadas. Blusa branca com uma saia preta e saltos. Segurava uns óculos escuros e uma bolsa na outra mão que estava na altura dos quadris.
Assim que se aproximaram a mulher as recebeu com um sorriso charmoso e rapidamente segurou rosto e deu dois beijos na face de cada uma das duas. Isso era inabitual para a morena, mas até que ela gostou desse tipo de cumprimento.

- Próxima parada: Finlândia mocinhas. Venham!

Nos primeiros momentos da viagem Sadako já tinha adormecido, o avião era luxuoso, três poltronas espaçosas de cada lado. Brigith tinha ficado na janela e Carmen no corredor, a outra tinha dormido no colo de Brigith, no meio.
A morena custou pra ceder, mas acabou acariciando os cabelos da garotinha no seu colo enquanto ela dormia. Cada vez mais arrependida disso.

- Me fala um pouco de você. Fiquei curiosa antes. –
Disse Brigith para a mulher.

- Falar de mim? –
Carmen esboçou um sorriso fascinante – Tenho vinte e nove anos, solteira, sou escorpião com ascendente em virgem, sangue AB... Quer as medidas? – Riu.

- Tenho meus próprios métodos de analisar essa parte. – Brigith riu um pouco também, brincando. Fazia um tempo que não ria desse jeito. Por diversão.

- Ah é? Quer começar aqui mesmo então? – Por algum motivo, a piscada que a mulher deu fez Brigith rir mais ainda. Carmen acompanhou os risos, até perceber que Brigith não ia falar nada por não conseguir parar de rir – Pensei que os finlandeses fossem mais tímidos.

- E eu pensei que todos espanhóis tivessem um charme forçado e feio.

- Na verdade, acho que eles têm. Mas eu sou espanhola ahn?

- Sim, é. Isso já faz muita diferença. – Brigith foi cessando seus risos aos poucos, e acabou olhando pra ela esfregando os olhos e sorrindo – Obrigada... Tava precisando disso.

- Segundo Louis romance ou beijos foi o que não faltou nessa sua viagem.

- Não digo isso de brincar ou azarar... Mas rir. Eu precisava rir.

- Imagino que deva passar por situações difíceis por causa da família incomum que você tem. Imortalidade é algo esquisito até pra nós dos Archer que lidamos com todo tipo de situação bizarra diariamente. – Brigith apagou o sorriso e iria começar a ser rude, mas Carmen não a deixou começar, deu um sorriso acolhedor para a morena – Mas entenda uma coisa bonequinha: Se você não for forte de verdade, não vai poder ajudar a pequenina a ter forças também. Então ao invés de sofrer escondida pela situação estranha que sua mãe se encontra, sorria pra ela. Mostre pra ela que apesar de tudo o amor que você sente é maior que esse sofrimento. E às vezes fica tão fácil esquecer-se disso...

Aquelas palavras a tocaram fundo.
Era verdade... Ela estava se deixando abater tanto pelo sofrimento de Ophelia que havia esquecido o sentimento que a levou a isso. Sim, amor.
Aquela porcaria de sentimento besta. Ela não podia se deixar fraquejar assim. Afinal, enquanto elas estivessem juntas, o resto podia se consertar.
Brigith continuou esfregando os olhos, mas foi porque eles se encheram de lagrimas naquele momento. Carmen estendeu a mão e apertou a bochecha da morena, dando uma piscada pra ela ainda se mantendo com um sorriso no canto dos lábios. Pareciam velhas amigas.

- Você tem razão... – Brigith sorriu, olhando pra baixo – Ficar me acabando por isso não vai resolver nada.

Ficaram em silêncio por uns momentos depois e trocaram palavras menos ousadas. Foi Louis que disse para Carmen que a morena estava depressiva por aquilo. Até que ele não era tão canalha assim... Conversaram como amigas normais conversam. Algumas horas depois Brigith pode ver a neve pela janela, reconheceu sua terra natal de imediato.

Era bom estar de volta. Ela sentia falta de tudo ali, o clima, a mansão. O chocolate quente que Aurora preparava pra ela de manhã no inverno. Josh...
As idiotices dele. A forma que ele ficava sem graça por qualquer coisa.
A forma besta que ele tentava ser carinhoso às vezes.
Era inevitável também imaginar a tal prima dele, sentia até uma pitada de ciúmes. Afinal, desde as épocas de escola aquele garoto foi propriedade dela. E ela não ia aceitar que isso mudasse assim. Não mesmo.
Estava ansiosa pra rever eles. Mas talvez não fosse tão fácil.
A pista devia estar horrível por causa do gelo.
O avião tremeu um pouco... Turbulência.
Aquele frio terrível era ótimo.

“Fly... Fly little Black butterfly.”

7 comentários:

  1. estou a amar esta história!!!

    continua o optimo trabalho JR. =)

    tenho uma duvida... por que é que a Ophelia tem que comer muito? Sendo ela imortal... essa pequena parte passou-me ao lado ... ^^

    Luina

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  2. A idéia da Ophelia comer muito vem da regeneração acelerada do organismo dela. Eu ainda não tentei explicar cientificamente (vou guardar isso pro Louis mais ppra frente), mas basicamente seria isso.
    O organismo dela se regenera de uma forma tão rapida que os orgãos, celulas e afins nem envelhecer envelhecem. E ela precisaria de um "combustivel" pra manter isso assim, ou seja, comida. ;p

    Jr.

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  3. Isso significa, que saso ela não comesse o corpo envelheceria, mas ela continuaria viva correcto?

    Luina

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  4. Hmm.. Não exatamente, mais pra frente você vai descobrir. rs
    Não falo muito pra não estragar as surpresas.

    Jr.

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  5. ^^ Okay! Então fico ansiosamente à espera do resto da história...!!

    Luina

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  6. Olá ^^ quando vais postar mais desta maravilhosa história?

    Bjos Luina

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  7. O proximo capitulo vai ser postado hoje de madrugada. Peço desculpas pela demora. ;p

    Jr.

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