terça-feira, 4 de outubro de 2011

Capítulo 10 - Gatos Pretos, Bruxas e Fantasmas

“Gatos pretos, bruxas e fantasmas.
A princesa viu-se cercada por gatos pretos, bruxas e fantasmas. Naquele dia os raios de sol pareciam estar aquecendo a terra fria, trazendo alguma felicidade de volta para as coisas. A princesa se encontrava curiosa, por aquele fantasma de branco do outro dia. E como era uma dessas modernas princesinhas aventureiras, com certeza ela iria se meter em algumas por causa daquilo. Mas claro, o foco principal do dia era seu encontro com a feiticeira branca. Que era talvez a única pessoa que pudesse esclarecer de uma vez o que havia acontecido naquela vila há um longo tempo atrás.
O problema era o segundo, e verdadeiro, príncipe encantado. Ele definitivamente ia ser um pé no saco. Queria meter o nariz onde não devia e iria acabar se queimando por isso. Ela até poderia deixá-lo se ferrar, mas o problema é que ele era tão perfeitinho.
Bem, príncipes encantados não são dos mais espertos. A princesa daria um jeito de proteger e cegar ele. Afinal de contas... Eles só eram uteis mesmo na hora do ‘Felizes pra sempre’.
Ele não podia morrer antes disso.”

Finalmente uma noite de sono ótima.
Brigith tinha se esquecido como era dormir bem, apenas por causa daquela ultima noite. Ela foi acordar somente de tarde, depois do almoço. Ninguém ousou acordá-la (pra sua sorte), talvez por causa das tosses do outro dia. Ou por causa daquela sua “indisposição” causada por Victoria na curiosa boate chamada Blue Moon.
A morena levantou-se, olhou ao redor e viu somente aquele gato preto deitado nas suas pernas. Sadako tinha desaparecido da cama. O que fazer?
Ela optou por ir tomar um banho, comer algo e escovar os dentes. Mas de alguma forma, o gato não a deixava se levantar. Sempre que ela tentava, o animal esticava as patas e o corpo sobre as pernas dela, cravando as unhas no edredon e encarando Brigith friamente.

- Você é bem mimada, não é?

O gato miou baixinho. Como se estivesse respondendo.
Segundo Emily, aquele era o bichinho de estimação de Elisha. Um gato bem bizarro, pra uma cidade bizarra e uma irmã bizarra.
Além de parecer entender o que Brigith falava (devia apenas reagir ao som de vozes), aquele animal era folgado demais. Ficava mendigando carinho sempre que podia e quando se cansava, simplesmente levantava e ia embora. Agora por exemplo, o gato não queria nem pensar em se levantar. E menos ainda deixar Brigith se levantar. Era engraçado.

- Sinto muito, mas tenho coisas pra fazer hoje. Não posso servir de cama o dia inteiro.

Bri se livrou das cobertas e enrolou o gato. Deixando apenas a cabeça dela de fora. Então saiu do quarto, primeiro foi pra cozinha dar um ‘bom dia’ ao menos pra eles. E a cena que viu foi ainda mais engraçada. Estavam todos acabados.

Emily estava com um roupão azul marinho, amassado e meio aberto, seus seios só não eram visíveis por causa da posição em que ela estava deitada. Com o busto, cara e braços jogados por cima da mesa. Podia ouvi-la gemer às vezes.
Josh estava com calças de pano pretas e uma regata branca, estendido pra trás na cadeira, com a nuca no topo do apoio pras costas e os braços caídos sem vida pros lados. Parecia estar morto. Devia ter vomitado tudo que comeu na semana antes de se encontrar desse jeito.
Chisame estava sorridente, com um vestidinho amarelo e avental. Bancando a única alma responsável na casa enquanto preparava algo pra eles comerem.
Sadako não estava ali também.

- Acho que eles não vão conseguir comer. – Comentou.

- Me disseram que coisas salgadas fazem bem pra ressaca.

- Eu creio que beber muita água seja melhor. Mas comer deve ajudar também.

- Vamos descobrir né. – A loira deu um risinho.

- E Sadako? Não viu ela?

- Acho que está no banheiro. Faz horas...

- Deve estar vomitando. Ela não bebeu nunca antes. – Claro que não. Afinal, que tipo de assassina profissional fria e leal a uma seita séria e rígida iria beber?

Brigith sorriu pra Chisame e foi para o banheiro.
A porta estava trancada, então Sadako estava mesmo ali.

- Ei bebunzinha, abra a porta. Vou dar um banho em você pra ver se melhora.

Nada.
Absolutamente nenhuma resposta.
Como diabos ela iria saber se Sadako estava bem se ela não falava?
Achou melhor se apoiar na porta e esperar. Esperou por longos minutos, até que começou a ouvir alguns gemidos bem baixos. Não pareciam gemidos como os de Emily, por estar passando mal, entretanto. Parecia um choro abafado. Imediatamente Brigith voltou pra cozinha e perguntou rápido pra Chisame. Com um tom preocupado:

- Tem como abrir a porta do banheiro por fora? A Sadako não está bem.

- A Emi-sensei consegue abrir ela com chutes, sem arrombar. A fechadura tem defeito acho, é só você bater nela com força e a tranca abre. Pelo menos ela consegue... – Resmungou Chisame, fazendo um beicinho, se recordando de coisas desagradáveis.

Emily nem se manifestou pra impedi-la. Então Brigith se apressou para o banheiro, e usou um daqueles seus chutes técnicos de Tae Kwon Do. E não é que a porta realmente destrancou?
Depois de ouvir o barulho da tranca, ela abriu a porta. E o que ela veria ali mudou completamente o clima daquela manhã tão calma e divertida.
Uma assassina profissional fria e leal a uma seita séria e rígida ahn?
Brigith perdeu a fala na mesma hora que viu aquilo.

Sadako estava ajoelhada no chão, despida e molhada. Já devia ter tomado banho antes de Brigith chegar, apesar de não ter se enxugado direito. Usava apenas vestes intimas de coloração rosada, o que caia bem com aquela sua pele tão pálida, já que a peça de roupa estava molhada também e semitransparente. Seus cabelos tingidos estavam soltos. Chegavam até um pouco abaixo dos ombros e estavam jogados sobre seus pequenos e delicados seios. Mas o que chamou a atenção de Brigith não foi isso.
A garota estava segurando uma adaga e estava se cortando com ela. Seus braços tremiam por completo, ela mordia os lábios de dor e os braços já estavam cheios de marcas disformes. Sem significado algum, os cortes eram apenas longos o suficiente pra causar o máximo de dor que pudessem. O que ela tinha na cabeça?
Brigith precisou ver os dois isqueiros de ferro jogados do lado de Sadako pra entender o que ela fazia e o motivo de não ter muito sangue espalhado no chão.
Ela cortava os braços e queimava as feridas lentamente em seguida. Já tinha feito isso no braço esquerdo inteiro. E agora estava no direito.
Mesmo com a presença da morena no banheiro, ela não parou.
Não iria parar. Ela estava se punindo pela sua falha.

O estomago de Brigith gelou, revirou. Ela fechou a porta e a trancou com rapidez, correndo pra menina e tomando a adaga das mãos dela em seguida. Jogou a arma no chão e apertou a pequena contra si mesma com força.
Sentiu seu corpo inteiro tremer, como se pudesse sentir a dor que Sadako estava causando a si mesma naquele momento. Seus olhos se encheram de lágrimas, como os de Sadako não faziam. Continuavam frios, sem expressão.
Ela até ergueu as duas mão tremulas na direção da lamina novamente, e se debateu sem forças pra tentar se libertar e continuar com aquilo.

- O-o que você tá fazendo... ? – Brigith sussurrou pra ela. Tentando não se alterar. Tudo que ela não precisava era que Chisame ou Emily vissem aquilo. – O que você tem na cabeça sua idiota?

Sadako como de costume não respondeu. Mas Brigith pôde imaginar a feição chorosa no rosto dela, a partir do gemido quase inaudível que a garota produziu. Ela continuava estendendo as mãos pra adaga no chão. Pedindo-a de volta pra continuar.

- Pára! Pára com isso agora, é uma ordem! – Murmurou num tom mais rígido, porém ainda silencioso. Apesar de sua voz estar chorosa e também abafada.

A menina então sossegou, abaixou as mãos para o chão. Ficando em silencio. E com o pouco de sangue no chão, escreveu algo no piso branco. Mais exatamente algo como “Eu não protegi...” o que já era de se esperar. O motivo era óbvio.
Ela tinha falhado em capturar Victoria. Em proteger Brigith de Victoria, se necessário. E o clã Kaori não era de aceitar falhas, claro. Mas aquilo era demais pra Brigith.
Ela não podia assistir ou deixar que Sadako continuasse com aquilo.

-... Buhaoyisi.

Aquilo foi impressionante. Essas palavras tinham saído da boca da própria Sadako. Uma voz fina, delicada, muito baixa e infantil que soou como se ela estivesse chorando. O que significava? Com algum esforço Brigith se recordou brevemente de alguns dicionários básicos de mandarim, “Puraíssa” como era pronunciado, ela estava pedindo desculpas. Estava se sentindo culpada pela sua falha.
Ela tinha sentimentos. Agora a morena tinha certeza disso. Aquela coisinha pequena e letal estava triste, estava se culpando, estava se autoflagelando como punição. Ela sentia. Ela tinha uma alma afinal. A menina cor de rosa tinha falado, finalmente falado. Com aquela voz infantil e baixa e triste, mas tinha falado. E pra ela, especialmente pra ela.
Seu peito inflamou, apertou, e então sentiu lagrimas começarem a lhe escorrer pela face. Não conseguia evitar, não era boa em se reprimir.

- Eu nunca vou te perdoar! – Respondeu ainda bem baixo. Sadako abaixou a cabeça vagarosamente, Brigith sentiu o corpo de ela amolecer. Mas continuou a apertando com força contra si – A menos que você me prometa que nunca mais vai fazer isso.

Sadako ficou daquele jeito por alguns momentos. Mas Brigith insistiu, tentando conter um pouco seu pranto. “Vai me prometer? Palavra de futura líder dos Kaori? Jura por mim e pela sua mãe, e toda Black Rose?” e a menina continuou em silencio, até que hesitantemente acenou com a cabeça, várias vezes.
Brigith acabou por chorar mais um pouco. Porém soltou-a, procurando algum kit medico nas coisas de Emily. Revirou as gavetas que ficavam embaixo daquela pia grande de mármore no banheiro e por sorte achou algumas gazes, algodões, remédios e analgésicos.
Ela não entendia praticamente nada de medicina, mas fez o que pode nos braços de Sadako. E a garota dos cabelos cor-de-rosa ficou a olhar pra ela com uma passividade estranha. Os olhos de Sadako pareciam exibir uma estranha emoção, pela primeira vez.
A garota não acreditava que Brigith estava tendo alguma piedade dela e a tinha feito prometer algo daquele tipo. Brigith por outro lado se esforçava pra conseguir fazer os curativos e enxugar suas lagrimas ao mesmo tempo, depois de ter enxugado e limpado os braços dela com sabão e uma toalhinha de rosto vermelha que estava pendurada ali antes. Sadako ficou olhando pra ela o tempo todo, sem piscar uma única vez. Naquele seu silêncio misterioso, e dessa vez, sereno.
Depois de tê-la enxugado, Brigith limpou o chão. Teve que tirar todos os respingos de sangue que achou e só então se levantou e olhou pra Sadako, que retribuiu o olhar de uma forma triste.

- Não saia daqui. Vou pegar roupas de mangas compridas.

Saiu, foi para o quarto rapidamente depois de fechar a porta atrás de si.
Apanhou algumas roupas discretas pra ela e voltou depressa, trancando a porta de novo. Vestiu Sadako cuidadosamente, lhe penteou os cabelos e prendeu fazendo um rabo de cavalo. Ela tinha ficado estranhamente normal daquele jeito. Sem roupas e penteados chamativos. Parecia uma menina normal.
Mas brigith agora sabia quão quebrada ela era por dentro. O quanto aquela família a destruiu. Não deviam fazer de crianças criaturas sem sentimentos. Ela nunca conseguiria perdoar a Black Rose por isso.
Afinal, nem todas as famílias eram calorosas e tinham princípios como os Velmont.
No momento ela só conseguia tentar reprimir suas lágrimas e a tristeza que sentia por Sadako. E sua falta de poder pra tentar fazer algo no momento.
Mas devia ter algo que Ophelia pudesse fazer.

Depois de recompostas elas voltaram pra cozinha.
Sadako silenciosa como sempre, dela ninguém nunca desconfiaria de nada. Já Brigith ainda parecia levemente abatida por tudo que tinha acontecido. Mas a cena ali continuava a mesma, a diferença básica foi que Emily estava cutucando com o dedo os ovos com bacon e pão que Chisame tinha feito, e Josh passou correndo por elas. Entrando no banheiro.
Brigith imaginou que canadenses gostassem mesmo de bacon.

- Quais os planos pra hoje? – Murmurou Emily, apertando a mão contra a cabeça.

- Fiquei sabendo de uma pessoa importante que vai vir aqui pra perto. Pretendo achá-la.

- Quem?

- Luise... – Droga! Por que diabos ela tinha dito aquele nome? Sim, foi por deslize, mas ela não poderia ter dito. Bri torceu pra que Emily não se alterasse ou não se lembrasse de nenhuma Luise, mas antes de ela abrir a boca pra terminar, a professora disse séria:

- Luise Kayoshi? A mãe da Yuna?

- É... – Brigith quis enfiar a cabeça naquela panela quente que Chisame estava manuseando pra fora do fogão – Vou tentar acha-la, me disseram que ela estaria por perto.

- Brigith... – Emily pareceu melancólica, parou de se mover e seu olhar permaneceu na comida – Eu sei que talvez seja pedir muito, mas se for ver ela eu poderia ir junto?

- Não acho que você está em condições Emily. Por outro lado, eu não vou fazer nada demais. Só vou conversar com ela sobre minha irmã.

- É importante, entenda. Eu... – Ela não conseguiu terminar de falar. Apenas suspirou.

- Por favor, Brigith-san. É muito importante pra Emi-sensei ver essa tal Luise de novo.

Surpreendentemente, Chisame disse aquela ultima frase. Num tom mais sério que o de Emily e mais determinado. Quando olhou pra ela, Brigith se impressionou com a feição daquele seu rostinho de anjo. Seus olhos azuis estavam sérios. De onde será que veio aquele clima todo?
Emily tinha alguma ligação forte com Luise?
Bem, agora que ela já tinha entrado na chuva era impossível não se molhar.
Ia prestar mais atenção na sua boca a partir dali.

- Tudo bem... Eu só vou confirmar se conseguiram encontra-la pra mim.

- Obrigada. – a professora respondeu educadamente, como se fosse outra pessoa. Então olhou pra Chisame de lado. Sorrindo de uma forma sem graça.

Chisame por sua vez, sorriu de volta pra professora.
Brigith também acabou sorrindo, admirando a ligação estranha que aquelas duas tinham. Era algo realmente muito bonito e engraçado.
A cena foi curta, entretanto.
Um pouco depois, Chisame fez uma expressão de dor e soltou um gritinho, jogando a panela para o alto e derrubando comida quente na cozinha inteira.
Brigith e Emily conseguiram ver quando ela deixou a panela se inclinar de uma forma que derrubou um pouco de gordura quente em sua mão. A única que não notou foi a própria Chisame, que estava distraída com aquela cena de carinho e compreensão. Aquilo doeu, sim. Porém era um exagero jogar a panela pra cima daquele jeito.

- Idiota. Você vai limpar tudo, espero que saiba! – Emily falou de um jeito cruel, que fez Chisame fazer uma cara de choro.

- Tá bom. – E foi buscar um pano na área de serviço.

-... Obrigada. – Isso foi quase inaudível. Brigith conseguiu ler os lábios de Emily, quando ela viu Chisame se afastar e soltou um riso bem baixo. Parecia comovida pelo que a loira fez.

Brigith se sentou e decidiu comer alguns dos ovos de Chisame, com pão. Até que era uma mistura boa de manhã. Apesar de ela não costumar comer frituras nesse horário.

Mais tarde ela resolveu tomar um banho, mantendo sempre os olhos em Sadako. E por algum motivo a menina parecia diferente, seguia e olhava Brigith como um cãozinho obediente. Ajudava ela em tudo, desde apanhar guarnapos pra ela limpar seus lábios depois de comer até pegar a toalha e entregar pra ela, dobrada, no banho.
E bem, obviamente Brigith adorou aquilo.
Foi lá pelas uma e pouca da tarde que Sadako veio correndo com o celular dela, esticando sua mãozinha na direção da morena. Era Ophelia. Brigith tinha pedido pra ela ligar quando pudesse, por uma mensagem de texto.
Se trancou no banheiro, impedindo Sadako de ouvir a conversa.

- Pippuria!

- Seja breve minha filha. – Disse ela secamente. Bri sabia que ela não gostava do apelido – Me falta tempo pra discutir sobre teus charminhos.

- Sobre Luise, quando ela vai estar aqui?

- Como lhe disse antes, ela vai ficar por curto tempo. Talvez tu tenhas apenas o dia de hoje para questioná-la. Tem certeza que não quer que eu a avise sobre tua visita? Ela vai lhe receber de braços abertos.

- Não, não. Quero pegá-la de surpresa. – Claro, afinal, seria divertido se Luise a confundisse com Elisha e entregasse que estava escondendo sua irmã em algum lugar – A questão é onde acha-la.

- Presumi que escolheria isso. – Murmurou Ophelia, num tom muito calmo – Então já obti a localização dela para ti. Deve estar chegando a uma de suas lojas, chamada Enchant. Daqui a uns minutos. Se pegar o taxi agora consegue alcancá-la.

- Otimo. Já estou saindo daqui.

- Cuidado com a menina dos Kaori, Brigith.

- Estou conseguindo domesticá-la. Você não acreditaria.

- E de fato não acredito. Apenas tome muito cuidado.

- Sim senhora! – Respondeu com um risinho. – Espero que esteja com saudades.

- Morrendo de saudades. – a vozinha de Ophelia soou terna, mas breve – Tenho que ir agora.

Despediram-se com algumas juras de amor, o de sempre. E Brigith saiu depressa do banheiro. Não tinha tempo pra despistar Emily. Ela precisava ver Luise naquele exato dia, não tinha outra opção. Apressou Emily, dizendo que era agora que iria ver a outra mulher.
Teria que levar Sadako também.
Mas não queria que ela ouvisse sua conversa com Luise. Tinha que pensar imediatamente num jeito de despistá-la quando chegassem lá. Isso não ia ser fácil.
Em poucos minutos a professora estava pronta. Blusa preta decotada e com mangas longas, jeans e tênis. Algo bem básico. Brigith mesma não pretendia trocar de roupas, estava usando uma blusinha branca com saias pretas e botas. O clima estava esquentando, não tinha necessidade pra agasalhos.
Sadako permaneceu vestida de menina normal, como estava.
Sairam apressadas dali, e a morena só parou pra segurar os braços de Josh, dizendo pra ele da forma mais clara que conseguiu:

- Você fica e toma conta da Chisame ok? Volto logo.

Deu um beijo rapido no rosto do rapaz e saiu às pressas, pro carro de Emily. (Claro, ela tinha um belo Jaguar prateado. Algo que Brigith só tinha notado agora.)
Josh ficou ali parado, com um olhar melancolico que a garota falhou em perceber.
Ela sentou ao lado de Emily, no banco do passageiro e Sadako ficou no banco de trás.

- Loja Enchant. Sabe onde é?

- Aham. Fica num shopping aqui perto se não me engano.

Emily parecia bem ansiosa para o seu encontro com Luise Kayoshi, já Brigith estava preocupada com a sua conversa. Ela precisava falar com a tal donzela da rosa branca sobre os Sayonomi. Sua irmã e Kyrie... Era impossivel que ela não soubesse de nada.
Afinal, ela era a maior presença da Black Rose em Sleepy Hill até um tempo atrás. Com certeza se seus pais eram procurados pela Seita, Luise havia escondido ambos ali. Naquela cidade.
O passeio delas demorou um pouco.
Ou pelo menos estava parecendo demorar. Mas não foi dificil identificar o local. Era um Shopping Center bonito, parecia bem movimentado e animado.
Emily estacionou fácil. Roubou uma vaga de alguém que não teve coragem de reclamar. Então caminharam pelo estacionamento até chegarem aos portões automaticos de vidro.
Não foi dificil de achar. Ficava no terceiro piso, uma fachada inconfundivel.
A loja era enorme pra um lugar destinado a artigos esotericos. O nome “Enchant” estava escrito num letreiro prateado, com letras elegantes. E logo ao lado havia uma rosa. Simbolismo óbvio pra quem conhecia a Black Rose.

Era o lugar de venda de produtos esotéricos mais completo que a morena já vira. Aquilo tinha desde livros sobre seitas, bruxaria e rituais a bolas de cristal e jóias místicas. De alguma forma o ambiente não era nada gótico. Pelo contrário. A loja era clara, cheirava incenso e podiam-se ouvir “mensageiros do vento” ecoando pelos fundos do salão.
Estava vazio, semi-fechado. Nada que fosse impedi-la.
Ignorou a placa “Fechado” na vidraça e entrou. Foi abordada no meio da loja por dois homens de terno. Black Rose? Ah sim.

- Brigith Velmont. - Sussurou no ouvido de um deles – Vim falar com Luise. E trouxe uma mulher de fora, podem me ajudar com isso?

Sim, eles estavam ali em ótima hora. A Black Rose sabia como esconder seus assuntos de estranhos, mas a morena queria falar com Luise por ultimo.
Acompanhados pelos seguranças, elas foram até uma discreta varanda que ficava no centro da loja. Um local para leitura talvez. E lá estava ela. A Senhora da Rosa Branca.
Sentada numa cadeira de metal, fina, elegante e com tintura branca. Acompanhada por uma mulher nos seus sessenta anos e por um bule, com algumas xícaras de chá em cima da discreta mesinha branca.
Luise Kayoshi era uma mulher alta, de cabelos dourados. Seus olhos eram azuis, tão puros quanto o azul dos céus. Tinha um corpo não-exageradamente curvilíneo que se encaixava simétricamente com a sua estatura. Parecia o estereotipo de mulher perfeita americana. E provavelmente ela era.
A loira estava trajando um sobretudo branco, combinado com um cachecol xadrez. E por baixo uma camiseta justa azul, com um saião preto.
Brigith queria uma reação de surpresa daquela mulher também, mas esta olhou diretamente para o grupo, com um lindo sorriso, pousando sua xícara na mesa.

- Lady Velmont! Que bom vê-la aqui. – Levantou-se e caminhou para Brigith, a beijando na face – Trouxe a Sadako e a professora também. –Apertou a bochecha de Sadako, que a olhou irritada. E Emily apenas fez um gesto com a mão, recusando o abraço que Luise iria lhe dar.

- Sabia que eu ia vir? – Questionou Brigith.

- Ophelia me avisou.

- Aquela pilantra...

- Querem um gole de chá? –Perguntou a mulher, radiante. Mas todas as três recusaram, já que Sadako estava com algum doce na boca. - Então, primeiro me digam o que querem de mim. Depois preciso conversar a sós com a senhorita Velmont, tudo bem?

“Ophelia é um gênio!”

Sadako e Emily não insistiriam em ficar ali caso Luise solicitasse que elas ficassem de fora daquele papinho particular. E isso não seria tão suspeito.
Ophelia com certeza estava completamente a par da situação, e já teria avisado Luise.
Foi a professora então quem deu os primeiros passos pra frente. Emily parecia desanimada, apesar de que se dava pra notar a ansiedade em seus olhos. A senhora que estava com Luise se ergueu, acenou com a cabeça para elas e se retirou. Deixando a cadeira livre para Emily sentar-se. E ela o fez sem tardar.

- Quer que eu peça para as meninas nos deixarem sozinhas? – Perguntou Luise, com seu tom de voz compreensivo.

- Não é necessário. Não tenho nada tão intimo pra te perguntar de qualquer jeito. – Respondeu a professora seca, claro que Brigith iria odiar a idéia de deixá-las conversarem e não poder ouvir nada.

- Tudo bem. – Sorriu Luise, parecendo se sentir culpada quando olhava para a professora. Estranhamente culpada por algo que ficaria claro provavelmente. – O que quer falar comigo?

- Nada demais... – Suspirou Emily – Eu só queria saber como ela cresceu. Quais eram os sonhos, gostos, hobbies. Coisas que uma mãe deveria saber.

- Oh... Isso. – A loira continuou com seu sorriso melancólico – Yuna era uma menina dócil. Queria apenas fazer as pessoas ao redor felizes como ela pudesse. Sempre foi dedicada à nossa família, gostava de flores, animais, filmes, amigas. Passava horas no computador falando com uma prima de Londres. Ela foi uma criança excelente. Você deve ter reparado na sala de aula, afinal, foi professora dela por uns anos.

- Eu nunca reparei. Ela era prestativa, parecida comigo fisicamente, mas eu nunca fui capaz de reparar que ela estava bem debaixo do meu nariz. – A professora deu um riso triste e baixo – Ela tinha algum namorado?

- Bem... – Luise riu sinceramente, cobrindo os lábios – Ela era apaixonada por alguém sim. Mas não sei se vai lhe agradar saber disso.

- Quero saber de tudo... Não que isso vá mudar algo.

- Elisha. Ela sempre gostou da Elisha Sayonomi. – Brigith arqueou a sobrancelha ao ouvir aquilo. Que mãe liberal a de Yuna, não? – Engraçado, não acha?

- Muito. Não imaginava que ela teria um gosto tão distorcido pra mulheres. – Emily acompanhou os risos de Luise, e Brigith começou a entender a situação. – Ela... Nunca teve curiosidade? Pra saber quem eu era?

- Sempre teve. – Luise abaixou a cabeça diante da professora, de forma submissa. – Eu sei que não mereço o seu perdão pelo que fiz Emily, então não vou pedi-lo. Fui eu quem achou melhor mantê-la afastada da família biológica, mesmo que eu nem tivesse idéia que você a procurasse por tanto tempo. Não tenho palavras pra expressar a angustia que sinto por tê-la afastado de você. Eu realmente sinto muito.

- Corta essa... – A professora fez um estalo com a boca, encarando a outra – Você foi a mãe que eu jamais conseguiria ser pra ela. Garanto que ela foi muito mais feliz com você do que seria comigo. – Como Bri havia suspeitado. Então Emily era a mãe biológica de Yuna.

- Não fale assim. Você é uma pessoa incrível. É mais forte e independente que eu em todos os sentidos, precisa enxergar isso e seguir em frente Emily.

- E quanto à irmã dela? – Murmurou, ignorando os elogios.

- Me tiraram ela ainda quando era bebê. Infelizmente não pude dar um futuro pra ela, faleceu aos doze ou treze anos. – Foi notável a dor na voz da loira. Brigith sabia exatamente o motivo. Uma das gêmeas precisava morrer naquele ritual, Luise se culpava por ter deixado aquilo acontecer até agora. Anita parecia mesmo um monstro quando vista daquele ângulo.

- Entendo. – Emily cerrou os punhos sobre a mesa, olhando para eles com indignação. – Eu precisava saber disso. Precisava olhar na sua cara uma ultima vez. Só assim eu poderia seguir em frente de bem comigo mesma.

- O mundo não é tão cruel Emily. Você precisa ser forte como sempre foi. Não podemos perder tempo com lágrimas ou tristeza.

- E o que você sabe sobre mim? – Sorriu sarcástica, com um olhar distante. – Eu não consigo mais chorar. Eu não sei nem se consigo ser feliz depois que me tiraram tudo que eu tinha tantas vezes. Mas você não está completamente errada, eu estou seguindo em frente. Tenho algo pelo que lutar de novo... Então não me venha com seu positivismo. Eu já não sou mais virgem o suficiente quanto você pra ver flores em tudo, e nem tão imatura pra achar que eu fui abandonada num inferno ou que nada nunca vai melhorar. – A professora sorriu para a dama de branco, mas dessa vez era um sorriso honesto. Daquele seu jeitinho apimentado.

Luise devolveu um sorriso satisfeito para ela, e lhe segurou as mãos com carinho. Olhando para Emily com tanta doçura que elas pareciam irmãs ali, eternamente rivais, mas ligadas por algo terno e incompreensível para quem olhasse.
Não saíram mais palavras de nenhuma das duas, então Emily se afastou, levantando-se e caminhando pra porta. Mas antes disso, Luise se ergueu rapidamente e a segurou pelo ombro, sussurrando algo que Brigith não conseguiu ouvir na orelha da professora.
E Emily fez uma cara de espanto indescritível, ficou encarando Luise até que esta voltou a sentar-se na mesa. Pra depois dar as costas e passar por Brigith rapidamente, murmurando um ríspido e breve:

- Eu preciso fumar. Te espero lá fora.

Foi então que as duas olharam pra Sadako. Hora do tal papo particular, então a garotinha fez um beicinho e saiu andando atrás de Emily. Parecendo resmungar mentalmente.
Brigith deu um riso e foi se sentar. Estava tudo muito interessante até ali, e ela teria conseguido manter sua pose elegante se Luise não tivesse se debruçado sobre a mesa e segurado o rosto da morena rapidamente, o analisando como um pintor compara seu quadro com a modelo que estava pintando, assim que ela terminou de sentar-se. Brigith ficou espantada, fitando a loira sem saber o que falar.

- Deuses... Você é parecida demais com ela! Muito mais que sua irmã. Seus olhos são travessos como os dela, e esse seu jeitinho de moleca é inconfundível.

- Você conheceu minha mãe? – Oras, essa tinha sido mais uma surpresa agradável. Luise conhecia Kyrie, então obviamente a família Sayonomi teve ligações profundas com a Black Rose. Isso era inegável agora.

- Eu amava Kyrie! Tanto eu quanto Anita éramos amigas muito intimas dela. Quando vi Elisha pela primeira vez eu até perdi a fala! Eu não imaginava que vocês eram tão parecidas assim com Kyrie. Isso me deixa emocionada a tal ponto que você nem imaginaria.

- Poderia soltar meu rosto agora? – Riu Brigith, simpática, porém intolerante. As palavras de Luise tinham a irritado um pouco, por algum motivo que ela não reconheceu.

- Oh, me desculpe. – Luise riu, soltando-a e se reposicionando na cadeira.

- Por que você escondeu meu pai e minha irmã de Anita aqui em Sleepy Hill?

- Anita sabe que eles estiveram aqui. Ela veio ver sua irmã pessoalmente, e ficou quase tão surpresa quanto eu.

- Isso explica umas coisas... Mas eu tenho outra perguntinha mais importante. – Dessa vez Bri fez uma feição impassível, afinal, aquilo poderia ser considerado traição à Black Rose – Por que você está escondendo sua filha e minha irmã da Black Rose, Luise?

- Foi Victoria quem as escondeu. – Para a decepção de Brigith, ela nem se alterou. Não pretendia esconder aquilo de Brigith desde que ela tinha entrado na loja. – Eu tenho que admitir que dei uma ajudinha, mas a autora desse capitulo foi a própria Victoria. Se eu soubesse onde minha filha está, eu teria ido vê-la faz meses. Não vejo Yuna há quase um ano, isso acaba com qualquer mãe.

- Anita quer que Yuna volte para os Kayoshi pra evitar escolher outro líder, você sabe. E quanto a minha irmã? Por que ela está viva? Ela deveria ter morrido no ritual.

- Yuna vai voltar quando for seguro. E Elisha... Kyrie a salvou. Kyrie teve a força que eu nunca consegui ter, ela contrariou Anita e os Sullivan até o fim pra proteger as crianças dela. Nunca fomos a favor desse ritual, mas foi inevitável.

- Minha mãe fugiu com a minha irmã pra cá querendo salvar ela de Anita então. Suponho que foi Anita quem mandou matá-la, estou correta? – Sua irritação parecia subir, na medida em que o dialogo prosseguia. Era inacreditável o numero de intrigas por trás daquela história.

- Os Sullivan nunca conseguiram encontrar Kyrie depois que ela fugiu. Só ficou sabendo que os Sayonomi estavam em Sleepy Hill quando Ayako localizou Mark e Elisha na cidade. – Luise tomou fôlego e colocou a mão sobre a de Brigith, calma. – Tem certeza que não quer um pouco de chá? Não é algo pelo qual você deva se sentir injustiçada. Kyrie faleceu por culpa de uma doença, Anita nunca a machucaria.

- Como você pode dizer isso da mulher que sacrificou uma das suas filhas? Você não tem orgulho? – Respondeu irritadiça.

Luise recolheu sua mão, pousando-a sobre o colo. Com uma feição mais uma vez coberta de culpa. Brigith sentiu seu peito apertar, arrependeu-se amargamente de ter tido aquilo. Aquela mulher já havia sofrido demais afinal.

- Me desculpe... Eu não queria ter dito isso. Acho que estou um pouco alterada sim, essa história está me deixando maluca. Poderia me servir um pouco de chá? – Tentou parecer mais calma e compreensiva, sorrindo.

- Não se preocupe Brigith. Eu realmente não tenho muito orgulho me restando. Usei o que me sobrou pra tirar Yuna e Elisha de perto da Black Rose, eu queria que elas vivessem uma vida tranqüila. No momento, com Kasuya caçando Anita e as intrigas que alguns dos clãs vêm causando... Não podemos confiar em ninguém mais além de nós mesmos. – Sorriu ela de volta, mas de um jeito enfraquecido. Enquanto servia o chá para Brigith.

- Intrigas? Fala dos Sullivan? – Respondeu, apanhando a xícara que Luise a ofereceu. Deu uma bicada no chá, mas acabou soltando um “Ai” baixinho. Estava quente demais ainda.

- O clã mais recente. Ophelia não deve ter tido tempo para lhe falar. – Luise assoprou seu chá e deu um gole antes de continuar – Eles se denominam a família Crowley.

- Crowley? De Alesteir Crowley? Isso é serio? – Brigith sentiu seu entusiasmo pelo ocultismo crescer ao ouvir aquele nome.

- Na verdade, são aprendizes de Alesteir. O próprio Crowley não era um membro da Black Rose, juntar-se a seita foi uma escolha dos pupilos dele que mantiveram um tipo de seita menor depois da morte de Edward. Com o fim dos Sayonomi, nós procuramos bruxos “demonologistas” pra preencher o buraco, sabe como é. – Recuperada, Luise deu um risinho – Crowley foi um amigo pessoal da própria Ophelia, a ruiva é bem famosa no submundo do ocultismo. É estranho ela não ter mencionado que os pupilos dele eram interessados na Black Rose e fundaram um clã que carrega o nome de Alesteir há um tempo.

- Aquela pirralha safada! Não acredito que ela ainda faça tantos segredos pra mim! – Bufou ela revoltada, e então tentou beber o chá de novo. Assoprando dessa vez. Era chá preto, estava ótimo. – Então os Sayonomi eram demonologistas? Minha mãe definitivamente não parecia alguém ligava a coisas tão pesadas assim.

- Kyrie era um anjo. – Risos curtos – Ela nunca se interessou por bruxaria ou demônios, muito menos pela Black Rose. E quase arrastou a mim e Anita para o desinteresse pelos nossos clãs, com o espírito de gato dela. Na época nossas famílias todas residiam em Londres. A falta de tempo dos nossos pais fez com que acabássemos estudando sobre magia e tradições no mesmo local. E quando caia a noite, Kyrie aparecia nos nossos quartos pra nos obrigar a ir a algum rock bar dançar, passear em florestas de noite, ou apenas perambular pela cidade. Anita é apaixonada por vinho por culpa da sua mãe, mocinha. – Luise ria deliciosamente contando aquela historia. E Brigith estava interessada. Sua mãe tinha sido uma mulher notável na seita. Influenciado a própria Anita, como Luise dizia. – Era como uma irmã mais velha para nós. Até que ela conheceu Mark, se apaixonou pelo jeitão calado e galanteador dele e começaram a namorar. Contra a vontade da família dela, claro. Anita também nunca gostou de Mark, queria até que matassem ele. Nunca aceitaram Mark. Até que Kyrie ficou grávida, e as coisas saíram de controle...

- Ela não era estéril? As lideres não ficam grávidas, adotam as crianças.

- Esse foi o problema. O caso de Kyrie foi um escândalo, e os pais de Anita, que eram os lideres na época não encararam isso bem. A família tentou proteger Kyrie, mas foi em vão.

Brigith ficou muda por uns momentos.
Sua mãe tinha sido caçada como um tipo de herege. Era o que parecia. E sua família biológica toda dizimada pelos Sullivans, que eram tão tiranos quanto Anita.

- Eu deveria estar ligando pra isso? –Disse pra si mesma. – Eu nem conheci ela, mas me sinto um pouco revoltada agora que você me contou um pouco das coisas.

- Ela é sua mãe Brigith. Não a veja com rancor, porque ela amou você assim como amou sua irmã. E daria a vida por você.

- Então por que ela me abandonou? Por que não me levou junto com eles quando fugiu pra cá? – Era a pergunta que ela queria fazer. A que ela mais fazia questão de uma resposta. A morena apertou os dedos contra a xícara, olhando-a com uma ponta de tristeza.

- Isso eu não sei responder. Talvez seja a hora de você perguntar para Ophelia como você caiu nas mãos do clã Velmont, não acha?

- Isso ajudaria. – A morena riu desanimada – Eu amo Ophelia. Amo ela mais que tudo que eu já amei. E achei que perguntar sobre isso iria abalar esse amor. Eu não precisava de outra família, Ophelia sempre foi a única família que eu quis.

- Pois comece a confiar mais nesse amor senhorita Velmont. – Luise tornou a segurar a mão de Brigith. – Se vocês se amam com tanto fervor, nem o sangue ou a morte podem separar vocês duas. Duvidas menos ainda.

- É. Você tem razão. Eu achei que sentir desinteresse pelos meus pais biológicos fosse o melhor caminho pra continuar vivendo como eu vivia ao lado dos Velmont. Mas foi uma infantilidade idiota, né? – Ela riu baixinho. Sentindo-se aliviada e confortada com a mão macia de Luise acariciando a sua. Aquela mulher conseguia compreender perfeitamente a situação, afinal, ela era uma mãe. Ela também amava Yuna tanto quanto Ophelia amava Brigith.

- Não odeie Anita por isso também. Ela nunca faria mal para Kyrie.

- Minha admiração pela Anita está acabando aos poucos, não vou mentir. Mas ela é nossa líder. E Ophelia disse que apesar de tudo, a Black Rose era um caos total antes de Anita. Foi ela quem parou os conflitos internos e está mantendo as famílias unidas, então por hora eu vou ter que perdoar o que ela fez e acreditar no caminho que ela está traçando, como líder dos Velmont é o que tenho que fazer.

- E é uma excelente e sábia líder Brigith. Ophelia deve se orgulhar de você. – Sorriu calorosamente pra morena – Preciso ir visitá-las em Helsinque. Não vejo Ophelia faz tanto tempo. Chego a ter saudades, embora duvide que ela vá me retribuir.

- Ophelia é uma garota boazinha. Vai te receber bem, apesar do pavil curto dela. Pelo visto criar um filho é fácil, faz sentido porque Ophelia não tentou se livrar de mim ainda. Mas criar dois... – Riu, tentando fazer uma brincadeira pra quebrar o resto do clima melancólico de antes – Vai ver foi por isso que meus pais me abandonaram. Criar duas filhas deve ser um saco.

- Duas? – Bri soube que a brincadeira funcionou quando Luise riu do que ela disse – Na verdade não é bem isso, tem uma coisa que eu não contei. Eram você, Elisha...

Elas teriam continuado o assunto, mas subitamente um som cortou o ar. Abafou as vozes de ambas. E tanto Brigith quanto Luise olharam pra porta de entrada, tentando retomar o fôlego.
Eram tiros. Elas ouviram tiros.
E subitamente aquele mesmo homem de terno que falara com Brigith mais cedo entrou correndo pela porta, estava ensangüentado, bufando. Colocou-se na frente delas, forçando-as a se levantarem.

- Senhora, vocês precisam fugir para o terraço agora! Alguém está tentando entrar, é um ataque de algum aliado do Ishida provavelmente, vão pro terraço, rápido!

Luise fez uma expressão indecifrável, parecia aterrorizada e triste ao mesmo tempo. Tentou segurar o homem e forçá-lo a ir com elas, o homem estava baleado. Havia dois buracos naquele terninho dele. Era incrível ainda estar de pé.
Brigith gritou pelo nome de Luise, e por fim ambas correram para os fundos. Luise ajudou o seu guarda costas a se locomover até lá, subiram as escadas discretas da loja, que tinha uma saída para o topo do shopping. A morena manteve a mente vazia.
Não iria pensar no que diabos estava acontecendo, ela precisava sobreviver. Sair de lá viva, como tinha feito nas suas ultimas aventuras. Ela não ia morrer.
Na frente, ela abriu a porta rapidamente e a manteve aberta para Luise e o homem, correram para o centro do amplo terraço do shopping. Parecia um estacionamento, com grades protetoras, completamente vazio a primeira vista.

- Já acionamos um helicóptero senhora! Ele vai vir tirá-las daqui, vai ficar tudo bem.

- Tente não falar. – Disse Luise coberta de preocupação pelo seu subordinado, mas mesmo assim sorrindo. – Vai ficar tudo bem sim, não se esforce demais.

Brigith parou para olhar ao redor. Acalmou-se por alguns segundos, o que durou muito pouco. Tinha alguém esperando que elas tentassem fugir por ali. E ela só notou o homem saindo de onde estava escondido quando o guarda costas de Luise a puxou pelo braço e a jogou no chão. A arma do assassino estava silenciada, ela só conseguiu ouvir o tiro que era dirigido a ela zumbindo pela sua orelha. Tinha passado perto demais.
A garota caiu no chão, sentiu seus antebraços ralarem no terreno áspero, se cortaram levemente. E o mais rápido que pôde, Brigith se ergueu de novo. Apenas pra ouvir mais três zumbidos daquele, e um grito de Luise que tentou correr em sua direção. Quando seus olhos focaram o guarda costas dos Kayoshi, já era tarde. Aquele homem ferido não teve chance nenhuma de atirar. Ele caiu. Foi atingido por três disparos certeiros, caiu ao lado de Brigith, na mesma hora em que ela pôs-se de pé.
A adrenalina tomou seu corpo por completo quando viu o assassino erguer a pistola na sua direção dessa vez. Ela não sabia esquivar de balas e ele era um profissional. Ela precisava de um milagre ali.

“Você vai errar! Você vai errar! Você vai errar!”
Sim. Um milagre. Era a única coisa que podia salvá-la agora.
Um milagre... Ou um sacrifício.

O que ela sentiu se chocar contra seu corpo não foi uma bala. Foi o corpo de Luise, que a arremessou no chão novamente. Aquela mulher era mais forte que parecia. Muito mais. As duas caíram no chão como duas folhas de arvore secas. Gritaram juntas, ouviram novamente aquele zumbido sádico rasgar pelos seus ouvidos.
A morena não conseguiu sentir mais nada além de uma ânsia. Olhou pra cima, Luise estava imóvel em cima dela, e o atirador recarregando a pistola.
O pânico da morena aumentou ainda mais quando notou que Luise estava sangrando. Quando viu o homem se aproximar das duas que estavam inofensivas no chão.
Bri chacoalhou Luise, suas palavras ficaram enroscadas em sua garganta. Ela não conseguiu falar nada. Não conseguiu soltar um único grito a partir dali.

“Não! Não! Não! Não! Não! Não!
Você não pode morrer! Você vai ver sua filha de novo! E um dia eu, Ophelia, você e Yuna vamos todas tomar chá juntas na nossa mansão em Helsinque! Como mães e filhas que se amam de verdade! Sua filha precisa de você assim como eu preciso da Ophelia, não ouse morrer agora sua desgraçada, não faça isso com a Yuna! Não ouse fazer isso com a sua filha!”

Era tarde.
Ela ouviu um “clique” o assassino estava diante dela. Olhando pra ela no chão. Usava um casaco de um vermelho rubro. Luvas pretas, óculos escuros e um boné. Brigith conseguiu ver alguns vestígios de cabelo louro por baixo de tal boné.
E para sua surpresa, ele falou. Sadicamente, com sua voz insípida:

- Quero ver quem vai te salvar uma terceira vez menininha. – O maldito riu. Como ele podia rir depois de ter atirado contra duas lideres da Black Rose? – Não é nada pessoal. Mas sua família precisa cair. Até algum dia.

Bem, o que Brigith poderia achar? Que ele queria matá-la com estilo.
Sua arma ergueu-se na direção da cabeça de Brigith. O que infernos ela poderia achar daquilo no fim das contas? Falta de profissionalismo.
Foi isso que ela achou mais tarde. Esse tempo que ele usou para falar e caminhar até ela calmamente foi o suficiente pra um zumbido ainda mais mortal cruzar o ar.
Ele tinha sido atingido com uma faca na garganta. Em cheio.
A lamina veio fulminante da porta de saída para o terraço. E junto com a lâmina, Kaori Sadako. Que correu para o homem, que golfava sangue, tentando disparar sua arma de fogo em vão. E então o atingiu mais uma vez com outra lamina no pescoço, o derrubando no chão.
Dessa vez Sadako tinha a protegido.
Mas na mente da morena, isso não importava mais.
E quanto à Luise?

Brigith tirou a loira de cima de si, colocou-a no chão. E viu Emily vir correndo pelas escadas, completamente aflita. “Liga pra uma ambulância agora!” foi a recepção que Bri conseguiu dar para a professora, que se ajoelhou do lado de Luise e passou as mãos pelos cabelos, como se aquilo fosse amenizar o desespero que as duas sentiam.
Sadako começou a andar ao redor, pra se certificar que não havia mais ninguém ali. E Emily num salto apanhou o celular e discou pro hospital. O mais rápido que pôde.
Enquanto Brigith viu-se fadada a segurar a mão de Luise, com força. Não conseguindo conter as lagrimas que começaram a lhe verter pelos olhos. Ela não podia morrer ali, não podia.

- Aguenta firme. Vai ficar tudo bem, eu prometo. Você vai sair dessa, vai ver a Yuna de novo.

Mas Luise sorriu. Com sangue escorrendo pelos seus lábios maduros, sorriu.
Ergueu a outra mão para a morena, mais exatamente três dedos se ergueram. Brigith segurou a outra mão dela também, sem saber o que dizer.
Olhou para a loira. Um tiro perto do pescoço e outro no peito, o terceiro não tinha a atingido.
Tentou fazer algo, estancar o sangramento enquanto ouvia Emily falar palavrões desesperadamente no celular, pra tentar acelerar as coisas.
Mas Luise... Ela estava calma.
Seu sorriso simples e bonito não tinha se apagado em momento algum. Ela balançou a cabeça negativamente, ordedando que Brigith parasse de se preocupar. Erguendo a mão num ultimo esforço, pra acariciar a face da garota. E ela não parou de chorar. Não parou de chorar um único segundo.
Ela não podia morrer. Não podia deixar Yuna órfã.
Brigith entendia perfeitamente o que aquela menina iria sentir.
E ela segurou a mão de Luise contra seu rosto.
Até o maldito helicóptero chegar e levá-las pro hospital.

Já estava escuro. As horas que ela passou no corredor sombrio daquele lugar pareciam eternas. Cheirava remédio, e as janelas eram enormes, rodeadas por uma parede branca limpida. A visão era privilegiada, dava pra se ver o pátio quase todo. O básico era que aquele lugar era sombrio. Brigith não se deu ao trabalho de notar mais que aquilo.
Estava ao lado de Emily, sentada em um dos corredores. Numa cadeirinha de plástico que era grudada na parede. Finalmente tinha conseguido conter seu pranto.
Sadako continuava ali, com seu olhar vazio.
Mas estava de pé, parecia bem atenta aos corredores. Talvez o hospital deixasse até ela paranóica, crianças costumavam ter medo de fantasmas.

- Você acha que ela vai ficar bem? – Perguntou Emily, ainda abalada.

- Sim... Ela vai. Tem que ficar. – Positivismo era a chave. Bri precisava acreditar com todas as forças que a loira iria sair daquela viva. – Daqui a pouco eles vão nos dar a noticia que ela vai ficar bem, só vai precisar de repouso.

Emily sorriu de fraco, mas sorriu.
Foi então que eles ouviram passos pelos corredores, e sem muita demora avistaram um grupo de homens se aproximando da sala onde Luise estava sendo mantida.
Aparentemente eram mais membros da família da Rosa Branca. Todos de terno, parecendo mafiosos. Brigith julgou que seriam dos Kayoshi pelo homem que estava liderando o grupo, era um loiro alto, provavelmente com muitos músculos desenvolvidos por baixo dos seus trajes brancos. Usava óculos de grau e sapatos pretos, seus olhos eram azuis e sérios.
O que acabou completamente com o clima de segurança que eles traziam era notar que Vincent Sullivan acompanhava o grupo. Com suas roupas sociais, sua aura cigana e cabelos negros se movimentando em suas costas.
Brigith não soube como se portar quando ele estava já bem perto, apenas levantou-se e imediatamente sentiu aquele homem de oculos segurar sua mão.

- Lady Velmont, correto? Sou Nicolas Kayoshi, segurança chefe do clã. Gostaria que você me acompanhasse num almoço ou jantar amanhã, para falarmos sobre o ocorrido, seria possível?

- Ah, claro... – Disse desanimada, ele ia direto ao ponto pelo visto. – Eu não pude fazer nada. Ela se jogou na minha frente no ultimo segundo.

- Não se preocupe milady, não foi culpa sua. Só gostaria de ouvir o depoimento de você e dessa senhorita que a acompanha. Ela é membra da família?

- Não. Ela é “de fora”. – Respondeu sem ligar muito. Emily não era da Black Rose. Era a única totalmente ignorante da gravidade do que estava ocorrendo ali. Mas Brigith não ligou.

Aquela altura a professora provavelmente acabaria metida no meio de fogo cruzado novamente. E Brigith estava começando a achar que seria forçada a colocá-la na família Velmont também. O tal Nicolas entendeu o trocadilho “de fora”, e foi cumprimentar a professora. Que pareceu interessada nele, apesar da situação.

- Eu só estava lá por acaso. – Disse Emily, apertando a mão dele – Não era nem para estar no local, sinceramente... O nome é Emily Locke.

-Seria mais agradável tê-la conhecido em outra situação, Emily. – Retrucou ele. – Mas agradeço pelo seu apoio.

A professora, por sua vez não respondeu. Deu um sorriso sem graça e tornou a sentar-se, gesto que Brigith imitou, encarando Vincent, que apenas deu um sorriso satisfeito.

- Não se sinta obrigada a ficar aqui Lady Velmont. Deve estar cansada, agora a nossa senhora está em segurança. Dou minha palavra que nenhuma mal vá ocorrer a ela. E vamos disponibilizar homens para a sua própria segurança também.

- Você estava na cidade... ? Vincent não me contou. – A morena permaneceu com seu olhar em Vincent, que ajeitou seus negros cabelos com a mão. Parecia estar zombando dela com os olhos verdes, aquilo lhe dava arrepios.

- Não estava. Vim o mais rápido que pude, assim que me informaram do atentado.

Repentinamente a porta dupla daquela sala abriu-se, e um dos médicos saiu. Todos ali o encararam cheios de expectativas, menos Vincent.

- Ela está melhor. Vai sobreviver. Se quiserem, podem ir embora e voltarem para visitas amanhã quando ela estiver consciente. – Disse o tal medico, num tom morbidamente calmo. O que tinha de errado com o povo de Sleepy Hill afinal?

- Graças a Deus... – Comentou Emily, desabando em cima do próprio colo. Dando um riso curto e sinceramente aliviado.

- Iremos ficar. E você, por favor, vá descansar Lady Velmont. – Respondeu Nicolas, firme. Olhando para Brigith.

Ela acenou com a cabeça e levantou-se. Não iria ser de ajuda alguma ficar ali. Ela precisava voltar pra casa, pediria pra lhe informarem quando Luise saísse do hospital. Já era um alivio tremendo saber que a loira estava bem, que ia sair viva daquela.

- Então, com a licença de vocês, Sr.Nicolas e Vincent... Peço que me liguem, quando Luise sair daqui e para me dar noticias, ok? – sorriu falsa e acenou mais uma vez com a cabeça, se retirando pelos corredores. Sem antes lançar um olhar para Emily e Sadako.

- Tenha belos sonhos Brigith. – Foram as únicas palavras de Vincent.

Emily se despediu com um beijo no rosto de cada um dos homens (deviam ser uns seis no total), ela devia estar incrivelmente feliz por ter recebido uma noticia boa naquela situação. E as três se retiraram. Brigith só achou estranho nenhum deles ter se manifestado para com Sadako. Apenas no final a garota conseguiu notar um olhar fixo de Nicolas e Vincent na garota cor-de-rosa. E para sua supresa, Sadako devolveu uma olhada fria e estranhamente firme para este último, Vincent Sullivan.

Voltaram para o carro da professora, e foram para casa em silencio. Emily até tentou puxar algum assunto, mas Brigith deu poucas respostas. Tinha algo ali que ela não tinha engolido completamente. Estava abatida ainda, apesar de tudo ter acabado bem.

Quando chegaram, foram recebidos por Chisame, que estava visivelmente preocupada, pegou Bri pelas mãos e disse agitada, para as três:

- Nossa! Por que demoraram tanto?

- Assaltaram a loja em que estávamos. – Respondeu Brigith rapidamente. – Não se preocupe, estamos bem e não levaram nada.

Emily nem questionou o que Bri tinha dito, talvez ela estivesse evitando tocar nesse assunto na frente de Chisame também. A professora não era burra, com certeza ela viria perguntar milhares de coisas quando o calor das coisas abaixasse.
A primeira coisa que lhe veio à cabeça foi tomar um banho. Emily a encorajou quando olhou pra ela com um sorriso singelo e falou:

- Eu preciso beber. Você e esse monstrinho fiquem a vontade, amanhã conversamos melhor.

Emily viu que Sadako matou alguns homens com facilidade. Com certeza viu. Era inevitável agora, ela estava envolvida com a Black Rose quase que completamente. Aquilo não iria acabar bem, não tinha como Emily sair como uma civil neutra disso, aos olhos de Brigith.
Mas por enquanto era melhor esquecer, ela levou Sadako para o banho. Precisavam mesmo de um descanso. Ah se precisavam...

Josh não tinha dito nada, apenas ficou olhando para as duas pegando suas roupas e entrando no banheiro. Naquele seu desanimo. Brigith chegou a olhar para ele preocupada, tentando entender porque ele parecia tão quieto ultimamente. Mas desistiu de falar qualquer coisa, apenas deu uma piscadela.
Tratou de se despir e entrar na banheira dessa vez, depois de preparada. Sadako fez o mesmo, sentando-se no colo de Brigith, que começou a lhe esfregar as costas e lavar-lhe os cabelos. No meio do banho ela murmurou baixinho, no ouvido da garota. Não ia conseguir dormir com aquela duvida, era melhor perguntar.

- Esses caras... Eles vieram pra me matar, não é? Não estavam querendo você e nem a Luise, mas queriam a mim. Estou certa?

Um momento de silencio se prolongou por segundos intermináveis, mas Sadako balançou a cabeça positivamente. Confirmado o que Brigith temia. E antes que a garotinha pudesse escrever algo com o dedo nos azuleijos molhados pela umidade do ar, Bri sussurrou mais uma vez ao pé do seu ouvido, abraçando-a contra si:

- Bem... Então eu tenho sorte de ter você me protegendo. Obrigada por ter me salvado.

E beijou o topo da cabeça da menina, que deu um risinho animado. Estava feliz como um cachorrinho que faz o truque certo e ganha um prêmio. Brigith tinha certeza que estava conquistando aquela menina. Podia sentir isso. Ter Kaori Sadako em suas mãos seria muito útil, principalmente se alguém ali estivesse planejando tirar ela de cena.
Não era algo em que ela queria pensar no momento. Quis apenas relaxar, por longas horas dentro daquela banheira.

Quando saiu, já era madrugada. Uma da manhã talvez.
Ela e Sadako caminharam para o quarto, de pijamas. Mas algo deteve Brigith. Era Emily, que estava olhando pela janela da cozinha. Intrigada.
Fez Sadako ir pra cama, e foi ela mesma checar o que estava acontecendo.

- Emily? – Perguntou dócil.

- Tem um carro lá fora com dois homens de terno dentro... Brigith, esses caras são os mesmos do hospital não é?

- Sim... Eles vão proteger a casa, se por acaso o atentado de hoje tiver sido contra mim. – Disse hesitante – Olhe, se preferir, eu posso achar um hotel pra ficar. Então você e a Chisame devem estar mais seguras...

- Não... Você vai me dar as explicações depois, mas agora que eu acabei envolvida, quero que você fique. Aquela mulher era a mãe adotiva da minha filha, se minha filha tem a ver com tudo isso, eu vou descobrir. É um problema meu também. – As palavras da professora foram duras, e seu olhar para a morena, severo. Ela sabia que tinha algo maior por trás de tudo isso. – Por hora, é melhor descansarmos. Amanhã você me deve boas explicações.

- Tudo bem. – Bri sabia que ela tinha direito de saber, mas não era tão simples. Um descanso agora seria mais que justo. – Não precisa ter medo. Estamos protegidas.

- E essa é a certeza que me basta por enquanto. Vou lá terminar minha vodka, tomar um banho e dormir também. Não ouse tentar fugir enquanto isso. – Brincou, com um pouco de verdade nas palavras, de qualquer forma.

- Não vou. Obrigada. – Sorriu para a professora.

Despediram-se com um olhar caloroso, e dessa vez Brigith foi verificar Josh na sala. Ele estava sentado no sofá, meio-deitado, assistindo TV. Mas ela sabia que o garoto não estava prestando atenção nenhuma na tela. Ficou parada olhando pra ele, que por sua vez, não olhou pra ela segundo algum. Continuou fingindo assistir TV. Até que Brigith suspirou e deu as costas, indo em direção ao quarto. E teria entrado se não tivesse ouvido a voz dele.

-... Você quase morreu de novo não é?

- Se importa comigo ainda? – Não se virou pra ele.

- Como se você precisasse...

- Está sendo cruel comigo, sabe disso né?

- Não quer dizer que eu não me preocupe. – Cedeu um pouco, apesar dos dois estarem chateados com as atitudes um do outro.

Brigith silenciosamente caminhou até ele, e sentou-se no seu colo. Abraçando o garoto e colocando a cabeça no ombro dele.
Primeiramente, Josh ficou rubro, até um pouco excitado. Mas mesmo assim, o sentimento que veio depois foi um que ele nunca tinha sentido nessas situações: Decepção.
Ele sabia que aquilo era só o jeito de Brigith ser. Ela era quem fazia o papel de amiga cruel, o torturava dessa forma. Sendo tão carinhosa, bela e amável, como uma amiga era.
Não conseguiu retribuir o abraço. Nem mesmo conseguiu ficar sem graça ou excitado por muito tempo. Sentiu-se vazio.

- Por que você faz isso? – Não era pra essa pergunta ter saído.

- Isso o que? – Ela respondeu, satisfeita em sentir conforto naquele abraço.

- Esse ano você está tentando me provocar... Até beijar me beijou. O que eu sou pra você? Um bicho de estimação pra se distrair enquanto não se encontra com o namorado? – E toda magoa dele escapou. Na forma de perguntas.

- Basicamente, sim. – respondeu ela rindo. Estava brincando, obviamente.

- Bem... O bichinho se cansou de ser um bichinho então. – Josh nunca achou que fosse conseguir fazer aquilo, mas viu-se levantar, depois de empurrar Brigith de cima dele sentada no sofá. E foi em direção da cozinha. – Vou beber mais um pouco com a professora... E você tem que descansar.

O garoto se afastou sem olhar pra ela de novo. Seu peito pareceu explodir na hora, sentiu uma vontade terrível de chorar, voltar e pedir desculpas. Mas não o fez. Não podia fazer.
Brigith ficou atônita. Olhou para o rapaz como se fosse um desconhecido.
Aquilo a chocou de um modo tão estranho, que ela não conseguiu sentir mais nada pelo resto da noite. Caminhou pra cama e deitou-se sozinha, em silencio. Nem seus pensamentos ela conseguia ouvir. E adormeceu rápido, sem pensar em nada. Tão vazia quanto ele.

Sua consciência só conseguiu alcançá-la por meio de um sonho. Mais um sonho com Kyrie, mas esse parecia mais real que os outros. No sonho, Kyrie vinha correndo até ela, sorria e segurava-lhe as mãos como Luise e Chisame tinham feito mais cedo, de um jeito preocupado. Dizendo com sua voz esperta:

“Às vezes as coisas são exatamente o que parecem ser Brigith.”

“Às vezes as coisas são exatamente o que parecem ser.”

Nada mais que isso.
Essas frases ficaram ecoando pela sua cabeça durante o sono tanto, que se tornaram uma tortura. Um desespero crescente surgiu no seu peito, e ele começou a doer tanto que a morena acordou. Quase num grito. E quando percebeu o que tinha a acordado era o barulho do seu celular tocando. Um número desconhecido. Ainda eram quatro da manhã, quem ligaria pra ela àquelas horas? Esfregou as mãos nos olhos e atendeu, com a voz sonolenta:

- Mas que diabo... Quem é? Porque me ligar essas horas?

- Ah, me desculpe senhorita Velmont. Estou ligando do hospital. – Aquela voz... O coração dela gelou. – Espero que tenha reconhecido minha voz.

- Vincent Sullivan?

- Fico lisongeado. – Ouviu-o rir do outro lado da linha.

- O que você quer? Aconteceu algo? – No mesmo instante em que ele confirmou sua identidade, a sensação ruim ficou ainda maior.

- Só liguei pra lhe dar um aviso. Depois pode voltar a dormir.

- Diga logo de uma vez! – Berrou ela.

- Sem necessidade pra alterações senhorita... – Mais um riso de escárnio – É sobre Luise Kayoshi. Ela teve uma recaída agora há pouco.

- O que quer dizer com isso?

- Ela está morta, Brigith. Morta.

Morta? Mas ela tinha melhorado, aquilo era impossível! Brigith perdeu a fala, seu peito atingiu um estado de dor indescritível. E por algum motivo, ela soube que Vincent estava sorrindo enquanto lhe dava a noticia. Sabia que aquele bastardo estava sorrindo, como um demônio.

- De qualquer forma... Eu só liguei para avisar a senhorita que a segurança na casa onde está hospedada vai ser reforçada. O senhor Nicolas ficou muito abatido com a morte da líder deles, e decidiu proteger você a qualquer custo, assim como Lady Kayoshi fez.

- Isso é impossível... – Soltou a primeira coisa que lhe veio em mente, colocando as mãos nos lábios e começando a sentir as lágrimas quentes lhe acariciarem as maçãs do rosto.

- É uma pena Lady Velmont. Luise era uma mulher excepcional. – Respondeu com um tom falso de lamentação Preciso ir agora. As coisas vão ficar movimentadas na seita.

- Ok... Eu vou ao hospital amanhã mesmo pra saber o que houve.

- Descanse Lady Velmont. – Sussurrou ele – E se me permite a dica... Eu sugiro que fique de olhos abertos ao seu redor.

Vincent desligou.
E Brigith desfaleceu sobre o colchão, deixando o celular lhe escorregar pela mão e chocar-se contra o piso do quarto. Sentiu-se vazia, mesmo chorando, sentia-se vazia. Como se ela mesmo estivesse morta.
Seus olhos não se fechariam mais.
Eles ficariam abertos a partir dali, mesmo que ela quisesse fechá-los no momento.
Ela não teria bons sonhos.
Não naquele dia negro.