sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Capítulo 8 - A Bruxa

“E foi naquele dia que a princesinha conheceu a morte. Ela sempre imaginou que iria morrer de um jeito lindo. Algum dragão gigante cuspindo fogo, suicídio por causa de uma pessoa amada que ela iria perder, ou que ela fosse mesmo viver feliz pra sempre como os contos de fadas sugeriam. Mas não existia uma historia onde a princesa era imortal.
Isso era óbvio, na medida que ela sentiu seus órgãos romperem lentamente por causa de tanta água, a dor era insuportável. Naquela hora ela imaginou se devia invejar as bruxas que eram torradas como carne em churrasco, naquelas fogueiras. Onde é que estaria a porcaria do dragão pra queimar ela agora? Pois é. Fantasias são meras fantasias quando a morte decide fazer o pano cair e encerrar a encenação.”

Sim, ela viu sua vida esvair ali debaixo da água. Mas tinham alguns detalhes com os quais ela não contava. Seus cabelos estavam longos... E isso não era nada normal.
Como poderia ser? Ela tinha cabelos negros e curtos. Nem passar dos ombros eles passavam, mas agora eles pareciam mais claros e eram longos até metade das costas. Aquela não era ela.
Brigith perdeu os sentidos. E só então ela conseguiu visualizar a cena, como se ela fosse a alma que abandonava o corpo daquela garota morta na banheira. E definitivamente não era ela.
A menina ali parecia mil vezes mais uma princesinha de contos de fada do que ela.
Cabelos castanhos ondulados tão claros que poderiam ser considerados loiros, olhos azuis extremamente claros também, mas a feição aterrorizada naquele rosto angelical roubava toda beleza naquela cena. O que mais ela pode ver? Um rapaz.
Ela nunca iria se esquecer daquele rosto. O albino que tinha poupado a vida dela por pouco durante aquele encontro com Anita. Foi Kasuya Ishida quem entrou pela porta do banheiro e se aproximou do corpo submerso.

- Isso era mesmo necessário? – O jovem murmurou bem baixo pra si mesmo, com aquela expressão fria no rosto. – É claro que era... Você não queria Erin de volta?

Estar vendo e ouvindo aquilo era como sonhar. Parecia irreal, e com certeza era bizarro ver alguém falar consigo mesmo daquele jeito. Viu Kasuya caminhar calmamente até um dos quartos daquele lugar e parar na porta. E na cama ela viu o que parecia ser um fantasma tirado diretamente daqueles filmes de terror. Uma garota albina que tinha cabelos praticamente prateados de tão louros, estava com vestes brancas e sua pele era bem mais branca que a de Brigith. Parecia uma boneca de porcelana de tão branca e delicada.
Então a bonequinha se sentou na cama e ficou ali, tonta e sonolenta.
Até que ergueu os olhos preguiçosamente para Kasuya e perguntou de um jeito frio, porém doce. E o albino pareceu tão surpreso com aquilo que Brigith até diria que ele estava feliz.

- Kasu? É você mesmo?

Aquela cena foi rapidamente associada pela morena às coisas que haviam acontecido nos últimos anos. Kasuya Ishida tinha tentado ressuscitar a sua irmã gêmea. Mas pelo que ela soube, a tentativa falhou. Era confuso ver aquela garota albina viva ali. Ela parecia muito bem ressuscitada pra não ter funcionado.

E em alguns segundos, de um jeito muito rápido ela já estava vendo outra cena diante de si. Dessa vez era ela mesma. Morena de olhos amarelados, seminua se olhando na frente do espelho. Parecia bem abatida, com olheiras... Sentia-se levemente tonta.

- Devo estar com sono... – Repetiu pra si mesma. Sentindo aquela sensação de Deja vú.

Mas bastou um olhar mais atento ao espelho e ela notou que mais uma vez tinha algo errado. Seus cabelos negros estavam longos ainda. E seus olhos... O branco dos seus olhos no espelho foram se escurecendo e o tom amarelado foi ficando cada vez mais intenso. Até se tornar um amarelo brilhante. Sua pele foi perdendo a saturação até ficar de um tom pálido perto do cinza e sua boca foi aumentando, formando um sorriso sinistro que se alongava até as orelhas. E como o toque final para aquela distorção, a boca dela engrossou até que tornou-se visível que estava costurada com linhas grossas de algo que parecia um tipo de metal negro.
Aquilo não era mais ela em todos os aspectos. Parecia um demônio de algum tipo, uma aparição. Mas Brigith só tomou o susto quando aquilo falou.

- Por que sono? Se a noite é uma criança?

Uma gargalhada infernal ecoou na cabeça dela, a dor foi tão forte que ela escorregou e caiu de costas nos azulejos do banheiro, tapando os ouvidos.

- Ora ora... Não é a minha companhia habitual que está por aqui hoje. Embora vocês sejam idênticas, não posso negar. – Risos e mais risos.

Brigith se ergueu do chão muda, encarando aquela coisa no espelho. As primeiras visões eram memórias de alguma outra garota, aquelas com certeza deveriam ser também. Mas de quem? Isso era óbvio. O mesmo rosto que o dela, mas com cabelos longos e olheiras... Eram memórias da sua irmã. Tinha sido assim que sua gêmea tinha morrido?

- Você está no lugar errado bruxinha! – A imagem subitamente foi erguendo a mão para Brigith. Os dedos dela eram longos e negros, como se tivessem sido imersos numa lata de graxa. Pareciam garras... Lembravam muito garras. – Corra bruxinha! Corra!

Aquilo foi se tornando um pesadelo ainda pior.
Brigith quase soltou um grito quando viu aquela mão de dedos longos atravessarem o espelho e se agarrarem nas bordas da pia do banheiro. Aquela coisa iria sair em questão de segundos. Ela sentiu um frio horrível na espinha e um aperto avassalador no coração. Pra onde ela iria correr? Como ela iria se defender contra aquilo? A adrenalina chegava a deixá-la tonta e totalmente sem ação. Brigith não queria descobrir como a sua irmã morreu. Não daquela forma. Então atravessou a porta correndo como nunca tinha corrido antes.
Tropeçou na sala de estar e caiu em cima de uma mesinha de madeira, que não se quebrou por pouco. Era uma casa pequena, de classe média baixa. A próxima porta que ela tentou foi a que parecia ser a saída. Mas estava trancada.
Mal conseguia andar com aquela dor na coluna agora. Nem soube como se levantou quando caiu na porcaria da mesa.
Todas as janelas fechadas, não tinha saída. Ela estava presa naquela casa junto com aquele monstro. O desespero da morena apenas aumentou quando ela ouviu um baque no banheiro. Um corpo caindo... Aquela coisa tinha saído do espelho.
E a primeira coisa que a morena fez foi apanhar uma garrafa de uísque que estava enfeitando o suporte da televisão na sala. Caminhou lentamente pra perto da primeira porta que viu aberta, sem tirar os olhos do banheiro.
Suas mãos tremiam freneticamente, ela esperava que aquela coisa viesse se rastejando pelo chão, aparecesse no teto em cima dela ou a surpreendesse por trás. Igual sempre acontecia nos filmes de terror. Mas a única coisa naquele momento foi a voz:

- Você não devia estar aqui sua cadelinha assustada. A tua irmã não gosta dos outros fuçando a vida dela e infelizmente a cabeça dela só tem espaço pra uma consciência extra. – Nesse momento a visão da morena começou a ficar embaçada e ela tonta. Mas não... Ela não teria a sorte de cair inconsciente agora. A visão só embaçou o suficiente para voltar ao normal depois,quando aquela criatura aterradora já estava na sala. Olhando fixamente para Brigith, com aquele sorriso sinistro – Então acho que ela não vai ligar se eu brincar um pouquinho com o que você tem ai dentro desse saco de carne que você chama de corpo.

Sem pensar, Bri arremessou a garrafa contra aquela criatura.
O uísque estourou contra a cabeça dela e esta quase caiu no chão. Ela deveria ter caído, mas não caiu. Ao invés disso apenas reergueu a cabeça que agora estava cortada completamente, e de sua testa escorria um liquido negro parecido com sangue. Aquilo era sangue, mas de uma coloração negra. A mesma coloração daquilo que estava cobrindo aquelas mãos bizarras do monstro. Era sangue? Dela mesma?

Não fazia sentido. Ela queria sair dali! O que diabos estava acontecendo?
Atordoada por aquela sensação de desespero mista com perda da realidade, Brigith correu para a porta mais próxima, entrou e a bateu. E jogou tudo que achou em cima dela, arrastou a cama pra travá-la, jogou os criados em cima da cama e varias coisas em cima dos criados. Até que o quarto se resumiu em uma pilha de moveis e um computador ligado, em cima de uma mesinha em um canto do cômodo. Brigith se agachou ali do lado dessa mesinha e abraçou os joelhos, mas não demorou muito até que ela pudesse ouvir o som daquelas unhas gigantes da aparição arranhando a porta do quarto com força.

- Vai embora! – Berrou ela.

Sua voz saiu num tom choroso, o desespero dela estava cada vez mais visível. Brigith não conseguia parar de tremer. Ela não queria ser estripada por aquela coisa, não queria sentir mais dor. Já tinha sido torturada demais quando estava se afogando nas memórias daquela outra pessoa, não queria passar por uma morte de novo. Não desse jeito!

- O que foi bruxinha? Não sabe nenhum feitiço pra se proteger?

Aquela voz lhe causava dores terríveis na cabeça, principalmente os risos que seguiam cada frase que era dita. Brigith escondeu o rosto nos joelhos e começou a repetir pra si mesma, ainda tremula e abalada:

- Para com isso... Para com isso... Vai embora. Por favor.

- Oh! Agora eu vejo... Você não está aqui por querer, está?

Os risos pararam imediatamente e Brigith se viu naquele quarto escuro, iluminado apenas pelo monitor do computador. O silêncio foi ajudando a recuperar a calma, em poucos segundos ela já tinha conseguido se levantar.
Hesitantemente ela caminhou na direção do computador, sem tirar os olhos da mobília que ela tinha empilhado em cima da porta. A paranóia ainda continuava, não dava pra saber se aquela coisa ainda estava tentando entrar. Vagarosamente ela analisou o monitor.
Ali ela viu que alguém estava logado num chat comum de internet, e ela nem precisou olhar duas vezes pra ter certeza.
Elisha Sayonomi.
Era o nome de usuário.

Então dessa vez ela estava vendo coisas sobre sua gêmea. Agora era uma certeza.
A próxima coisa interessante foi ver em uma das conversas da irmã a seguinte frase:

“As coisas aqui estão menos entediantes. Uma das minhas colegas de classe morreu esses dias, chamava Yuna Kayoshi. Chata pra caramba e felizinha demais. Provavelmente você ia gostar dela. Eu gostaria se fosse uma pessoa mais legal.”

Sua gêmea tinha estudado junto com Yuna Kayoshi e Kasuya Ishida. Aquilo com certeza não seria uma mera coincidência. Mas a questão era: Qual o objetivo daquilo?
Não se tratava de apresentar uma parte da família biológica de Brigith. Vincent devia ter algum outro objetivo por trás disso.
Ela achou que tivesse ligação com o fato de que sua irmã gêmea que esteve viva até os dezessete anos. Enquanto deveria ter sido sacrificada naquele ritual da família Sullivan. No décimo terceiro aniversario de Victoria. Ela nunca soube exatamente quais seriam os benefícios daquele ritual. Afinal um sacrifício só era realizado se fosse pra pedir algo aos deuses, não?
O que poderia ter sido isso que Anita pediu ao sacrificar seis crianças?
Na visão de Brigith isso era desumano. Mesmo que Anita fosse uma grande líder, Brigith nunca concordaria com essa decisão. Sacrificar inocentes era crueldade demais, e tratava-se de crianças. Isso era mesmo monstruoso.
Mas aquela não era a melhor hora pra pensar nisso. A respiração que ela sentiu na sua nuca era fria como o gelo, porém não teve tempo de se virar pra certificar de que era mesmo aquele monstro de antes. Brigith sentiu um toque molhado no seu ombro nu. Eram aquelas mãos negras, de dedos longos e pontudos. A morena perdeu a fala no mesmo instante, foi como se tivessem apertado com força sua garganta e seu coração juntos.

- Tudo bem. Eu vou deixar você ver umas coisas. Mas só você! Agradeça por ter o mesmo rosto que eu. – As palavras vinham num tom zombeteiro. Mas Brigith sentiu medo delas.

E não era sem um motivo.
Aqueles dedos começaram a apertar o ombro dela, até que ela pôde senti-los atravessando sua pele lentamente, a dor a seguir era insuportável. Aquilo ardia demais, não simplesmente pela dor do corte, mas parecia que aquele liquido queimava. A sensação era próxima à de se jogar limão ou sal grosso em grande quantidade em cima do corte. E que corte...
Ela sentiu aqueles dedos rasgando os músculos e cortando os ossos do seu ombro, a dor foi tão destruidora que o grito de desespero e dor da morena poderia ter sido ouvido no quarteirão inteiro. Porém subitamente tudo parou.
Sua visão escureceu, seus sentidos se desligaram.
O que viria em seguida? Ela tinha morrido mais uma vez?
A única coisa que ela queria nesse ponto era sair dali. Acordar, ir embora pra Finlândia novamente. Seria ótimo se ela pudesse.

Porém os sentidos dela foram voltando devagar.
Ela estava na mesma casa em que estava quando na visão de Elisha. Mas agora ela via a luz da sala acesa, junto com a da cozinha. E ali arrumando a mesa estava aquele homem.
Cabelo preto, cavanhaque, usando roupas de trabalho ainda... Aquele era o pai dela, o cara que se chamava Mark. Ali era a casa dele e de Elisha.
Então eles eram mesmo uma família. A mãe devia ter morado ali também, e somente ela foi abandonada. Não que isso fosse ruim, mas ela sentiu um pouco de raiva deles no momento. Como eles poderiam tê-la abandonado assim?
Não fazia mal... Ophelia e os Velmont eram a melhor família que ela poderia ter.
O próximo rosto que ela viu foi mais familiar ainda.
Cabelos curtos vermelhos, de um tom extremamente vivo, tatuagens, camiseta vermelha com calças largas, coturnos negros com bico de ferro e um casaco preto com uma serpente estampada. Com certeza aquela era Ayako, a líder dos Kaori.
O que ela estaria fazendo ali?

- Feliz Halloween Mark. – Murmurou ela com aquele sotaque russo.

- Ayako... – O homem ficou surpreso. Quem não ficaria?

- Não vai me perguntar por que eu estou aqui? – Ayako cruzou os braços e encarou o homem, até que ele se sentou e apanhou um cigarro enfiando na boca.

- Acho que só tem um motivo pra você ter aparecido. – Depois de acender o cigarro, ele deu a primeira tragada e soltou a fumaça lentamente – Victoria Sullivan esteve aqui esses dias. Não acho que vocês vão me deixar respirando agora que me encontraram.

- Esteve é? Anita foi ver sua filha hoje. Ela me disse por celular que ela é muito parecida com a Kyrie. Ironico vocês estarem nessa cidade, isso deixa óbvio que foi a Luise escondendo você e sua filha esse tempo todo.

- Vocês fizeram algo pra ela? – Dessa vez o homem ousou lançar um olhar irritado pra Ayako.

- Não não. – Mas ela riu, estava se divertindo com a visita – Anita não a quer morta. Só viemos aqui pra confirmar umas coisas.

- Hm... – Isso deixou Mark mais relaxado.

- E você é um pai exemplar? – Disse sarcasticamente.

- Exemplar? – Ele riu, e fitou o teto da casa de um jeito melancólico – Ela me odeia. O plano era dar uma vida normal pra pelo menos uma delas, mas eu falhei nisso. Eu não pude ser um pai pra minha filha... E desde que a Kyrie morreu, Elisha se tornou uma garota melancólica. Sem felicidade dentro de si mesma. Irônico não acha?

- Bem parecida com você. O que ela está fazendo agora? – Ayako puxou uma cadeira e se sentou também.

- Trabalhando. A professora dela me disse.

- E você é o cozinheiro de hoje então?

- Eu cozinhei hoje pra tentar me reaproximar dela, jantar em família sabe? Ela gosta de Halloweens, quero aproveitar que ela está de bom humor pra tentar conversar um pouco.

- Problemas tão pequenos... – Ela soltou mais um riso.

- É... Pra vocês é. Vocês ficam brincando tanto de deuses que acabam esquecendo o lado de bom ser um mero humano e ter preocupações pequenas como querer a amizade de uma filha por exemplo. – E soltou a fumaça dos pulmões para o alto, com um sorriso na face – Você pode dizer que ama a sua filha Ayako? Pra você tudo bem nem tentar mostrar o que você sente? Submetê-la a viver manchada de sangue justamente como você?

- São mundos diferentes Mark. Eu aceitei as responsabilidades que foram impostas a mim e decidi dedicar minha vida ao meu clã e à Anita Sullivan. Você não acreditaria que eu amo minha filha, então não vou perder meu tempo dizendo que eu sinto tal coisa. – Ela se levantou e recolocou a cadeira no lugar. Caminhando em direção à saída – Eu aceitei o meu fardo e decidi cumprir com as obrigações impostas a mim. Aceitei o meu destino. Enquanto você está inutilmente tentando escapar do seu.

- Ser controlado por destino deve ser triste. Você não tem vontade própria?

- A minha vontade é a vontade de Anita. – Era inútil tentar mudar a opinião daquela mulher. Ela já tinha tomado sua escolha há muito tempo atrás – E foi ela quem me pediu pra vir aqui e me certificar de que você estava com a sua outra filha. E também mandou um recado: Não saia da cidade, nós sabemos que você anda visitando alguém que tem alguma ligação com a sua antiga família. Você e a sua filha vão poder viver normalmente enquanto estiverem em Sleepy Hill e ficarem longe de Victoria e da Black Rose. – Mark não soube responder. Anita estava sendo piedosa? Ele conhecia aquela mulher. Isso era bizarro no mínimo, mas era Halloween. Tudo podia acontecer em um Halloween em Sleepy Hill. Ayako saiu pela porta murmurando um tipo de adeus – Boa sorte com o seu jantar papai.

- Obrigado. De certa forma, foi bom ver você de novo. Fazia tempo que eu não ficava perto de uma mulher perigosa de verdade. – Sorriu.

- Continua galanteador é? Me desculpe, mas um fumante não iria agüentar o meu ritmo. – Ayako devolveu o sorriso e saiu pela porta.

Depois de alguns minutos Mark suspirou aliviado, não acreditando que tinha escapado vivo daquilo. Só então apagou o cigarro e voltou-se para o jantar que estava preparando. Brigith não fazia idéia de que seu pai biológico tinha ligações com a Black Rose.
Ela tinha ido lá pra ficar sabendo de coisas, mas agora só surgiam mais e mais perguntas. O que significava tudo aquilo? Ele era um antigo membro da seita?
Quase trinta minutos se passaram desde a saída de Ayako, e o homem já tinha terminado quase tudo. Mas algo o assustou, a porta da sala havia sido aberta. E alguém estava vindo pra cozinha. O que criou certa tensão no ambiente.

- Elisha? – Perguntou ele, tentando achar a filha na escuridão da sala.

Mark não teve resposta.
Depois de apanhar uma faca e fingir que estava limpando a lamina com um pano, ele caminhou em direção à porta. Porém antes que ele pudesse sair alguém apareceu. Era um jovem de cabelos muito claros, brancos. Estava vestido de preto, pareciam roupas japonesas. Nada pra se estranhar naquela cidade, a parte que deixou o homem assustado foram os olhos. Ele poderia jurar que os olhos daquele rapaz estavam com as íris brilhantes, num tom rubro. Tão vermelho quanto sangue.

- Quem é você? O que está fazendo na minha casa? – Perguntou num tom duro.

- Kasuya... Respondeu ele friamente, enquanto focava os olhos em Mark. Aquele era um nome familiar – Quero falar com Elisha Sayonomi, ela mora aqui.

- Ela saiu hoje de tarde às pressas. Começou a trabalhar. Entendo que seja amigo dela, mas isso não te dá o direito de entrar aqui assim. Como você abriu a porta? Ela estava trancada. Por acaso minha filha te deu alguma chave daqui? – Ele demonstrava estar bravo, mas ainda não tinha notado a gravidade da situação.

- Não tenho chave. Eu somente abri. – Kasuya passeou com os olhos pela cozinha até parar naquela faca. Na mão de Mark.

- Vou ter um papo sério com a Elisha por isso depois. Agora, se não se importa, é melhor você ir embora. Eu estou ocupado e não posso ficar conversando. Mas foi bom te conhecer senhor... – Esperou que ele completasse, e pela surpresa do homem, Kasuya o fez.

- Ishida.

- Ishida... – Sim. Como ele poderia ter esquecido? Ele conhecia mesmo aquele nome. O novo líder do clã Ishida. Milhares de coisas passaram pela cabeça de Mark naquela hora. Ayako tinha o traído? A Black Rose o mandou pra fazer o serviço sujo? Ele estudava mesmo com Elisha? – Ok... Então saia agora, por favor. Tenho coisas pra fazer.

- Você é irritante... – Kasuya percebeu o nervosismo dele ao ouvir aquele nome. E caminhou na direção de Mark. – Me expulsando daqui com uma faca na mão... Não tem problema. Eu vim aqui pra acabar com a irritação que a sua filha está causando. Ela fica perambulando pela cidade com Victoria Sullivan, metendo o nariz onde não deve. E até visitar a casa da mulher da Rosa Branca visitou... Isso é irritante demais!Ela não devia se meter!

A essa altura Kasuya já tinha começado a falar alto, agressivamente. Parecia que ele estava entrando em um tipo de estado de fúria, a faca na mão de Mark só piorou as coisas.
Ele deu uns passos pra trás, sabia que seria inútil tentar atacar.
Mas o que ele poderia fazer? Kasuya avançou contra ele.
Seu primeiro reflexo foi tentar acertá-lo com a faca, mas não foi uma surpresa quando o jovem bloqueou o braço dele e girou seu pulso. Quebrando ele por completo.
Que força ele tinha... Mark nem teve muito tempo pra gritar, Kasuya apanhou a faca que ele derrubou, ainda no ar, e acertou em cheio sua garganta. Um corte fatal.
O homem caiu no chão e em segundos já estava se engasgando com seu próprio sangue.
Era tarde demais pra tudo.

Brigith ficou abalada com aquilo. De alguma forma ela podia entender o que Mark sentia naquele momento. Quando Kasuya jogou a faca do lado dele e se afastou segurando a cabeça, como se estivesse saindo daquela raiva assassina que o levou a matar aquele cara desconhecido.
E quando conseguiu e deu-se conta de onde estava, ele caminhou até o fogão de deixou o gás vazar. Ele parecia ter planejado um “acidente”. Brigith não pode ver de onde, mas Kasuya saiu dali e rapidamente entrou pela sala trazendo mais dois botijões de gás. Ele planejava explodir o local? Aquilo era doente...
Mas uma voz arranhada e falha impediu que a morena prestasse atenção no albino. Mark estava tentando dizer algo. Pra si mesmo provavelmente.
Bri conseguiu ouvir em partes, e levou as mãos à boca. Tentando conter o choro. Ela podia entender perfeitamente a frustração daquele homem.
Podia sentir a dor que ele sentiu naquele momento.

“Me desculpem... Elisha... Brigith... Kyrie... Eu falhei com vocês.”

Foi o que ele disse entre os engasgos. Tentou falar mais, porém não conseguiu. Então apenas sorriu e fechou os olhos. Uma forma irônica de dizer adeus aquela vida.
Morrer quando finalmente ele queria começar a ser um pai para aquela garota chamada Elisha. Brigith não ficou chocada com isso, mas sim com o fato de que ele tinha murmurado o nome dela na hora da morte.
E Kyrie? Seria quem? Sua mãe biológica?
A visão da garota escureceu, até que quando ela notou já tinha ficado tudo escuro novamente. Talvez aquilo fosse a única coisa que ela deveria ver ali. O que viria depois? A sua irmã morrendo talvez. Embora tivesse sido um prédio em chamas o lugar em que disseram que ela morreu. A curiosidade dela havia crescido bastante, de um modo que deixava seu coração acelerado só de imaginar qual seria a ligação que a família biológica dela teria com a Black Rose. Brigith queria ter algo de especial, além de ser a líder dos Velmont. Ela precisava ter. Era nisso que ela queria acreditar.

Os sentidos demoravam pra voltar dessa vez. Por outro lado, além da escuridão total, ela conseguiu sentir um cheiro. Um perfume doce e sutil.

- Que tal... Essa camisola ficou boa em mim?

Por algum motivo ela começou a sentir-se nervosa. Aquela voz manhosa e cheia de veneno que ouviu lhe deu calafrios.

- Esse seu ar de “to nem ai” te deixa bem mais atraente, sabia?

Sentiu um toque nos braços e uma respiração na sua face por uns segundos. E depois mais nada. Apenas uma sensação boa... Estava se sentindo completa. Estranhamente completa.

- Ela ia gostar de ver a gente assim... Próximas.

Por uns instantes pôde ver olhos verdes, que desapareceram na escuridão. Olhos intensos, familiares. E com eles, a sensação de um abraço. Felicidade... A mais pura felicidade.

- Eu vou dar um jeito. Assim que eu resolver esse meu problema com os pais volto pra buscar você. Daí a gente some juntas, vamos rodar por esse mundo todo sem precisar ter mais nenhuma preocupação. Topa?

E logo em seguida ela sentiu dor... Um aperto terrível no peito, solidão, traição. Como se tivesse sido esfaqueada pelas costas pela pessoa que mais amou.
Ela viu um rosto. Delicado e belo, com cabelos curtos e negros com duas mechas em destaque dos lados do rosto. Lábios volumosos, róseos extremamente atraentes...
Pareciam muito macios.
Nariz pequeno e delicado, sorriso divino... E os olhos...
De um verde macabro, assustador, demoníaco e angelical ao mesmo tempo.
Essa garota estava olhando pra ela de longe enquanto abaixava os óculos escuros que estavam cobrindo-lhe os olhos.

- Você me odeia Elisha? Depois de tudo que eu te fiz... Você ainda gosta de mim?

Mais uma vez as coisas foram ficando claras.
Aquela garota era Victoria Sullivan. Sua irmã gêmea era apaixonada por Victoria Sullivan. Algo bizarro, não era? Brigith se sentia atraída por mulheres também, mas não se acharia capaz de amar uma daquele jeito. De ter um relacionamento sério com outra mulher.
Aquela era uma paixão forte demais... Algo que Brigith nunca tinha experimentado na vida. Algo demasiadamente forte pra uma menina fácil como ela compreender.

- Gatas têm nove vidas lembra? Eu vou proteger você e a Yuna. Custe o que custar. Mesmo que vocês duas me odeiem no final.

O que isso queria dizer?
Antes que ela pudesse pensar mais no assunto, tudo se apagou de novo. Mas dessa vez era como se ela tivesse acordado. Deitada numa cama, ela sentiu uma mão lhe afagar o rosto e uma voz carinhosa lhe alcançar os ouvidos.

- Ei. Hora de acordar dorminhoca.

- Ahn? – Dessa vez sua voz saiu, mas estava diferente. Mais infantil.

- O almoço tá quase pronto. Levanta logo porque você tem que ir pra escola ainda.

Quando abriu os olhos Brigith viu mais uma coisa que a chocou um pouco.
Era uma mulher jovem com uma face arredondada e olhos amarelos, muito incomuns. Cabelos lisos negros estavam presos num rabo de cavalo que caia até metade das costas dela, com algumas mechas encurvadas na direção das bochechas. E um sorriso sereno que chegava a parecer brincalhão. Brigith soube imediatamente quem era aquela mulher.
Era sua mãe. Sua verdadeira mãe.
Ela não era uma gorda acabada como Bri tinha imaginado. E nem uma drogada problemática como a imagem que Brigith tinha criado pra poder imaginar o motivo de ter sido abandonada. Pelo contrário... Ela parecia uma mulher forte. Feliz.
O tom de voz, aquele jeito que ela tinha ao se erguer da cama e se espreguiçar, naquele jeans combinado com regata branca. O caminhar, com pés descalços, até a porta. O pousar de mãos nos quadris e aquele olhar de “Anda logo menina, senão vou ai pegar você!”, tudo nela lembrava uma criança.
Brigith conseguia ver determinação naqueles olhos amarelos. Paixão.
E isso atingiu pela primeira vez a consciência dela, deixando-a intrigada com uma pergunta:
“Por que uma mulher assim a teria abandonado?”

Ela se levantou, caminhou até a cozinha atrás da mãe. Estava sonolenta, parecia sonhar. Mas não queria a perder de vista, então foi com passos rápidos. E quando chegou lá viu um tipo de comida chinesa servida na mesa. E a mulher disse animada:

- Achei isso num livro ontem. Experimenta!

Brigith caminhou até lá e sentou-se na mesa, sob o olhar atento da mulher. Espetou algo com o garfo e ia colocar na boca, mas ouviu outra voz. Aquela era mais reconhecível, seu pai.

- Usando a menina de cobaia pros seus experimentos gastronômicos?

- É porque eu gosto mais dela do que de você. – A mulher sorriu pro cara sério que entrou no lugar, era Mark. Ele sempre teve aquela cara de sério, desde mais jovem. Mas de alguma forma ele parecia mais leve, mais feliz.

Ambos ficaram proximos um do outro, e olharam pra Brigith. Ela não teve escolha a não ser colocar a comida na boca. E pra sua surpresa, não estava tão boa quanto toda comida de mãe. Mas também não era ruim. A garota limitou-se a sorrir de fraco, como resposta ao olhar cheio de expectativas da sua mãe.
E ela ficou satisfeita com isso. Poucos minutos depois eles estavam sentados e tagarelando sobre coisas sem importancia do dia a dia, como uma familia normal.
Sem clãs, bruxaria, assuntos politicos ou qualquer coisa relacionada à Black Rose.
Apesar daquele ambiente, Brigith não pôde dizer nada.
Pois era aquela sensação ruim o que aumentava em seu peito. Será que eles não sentiam falta de nada? Ela estava ali como Elisha. Era uma memória da sua irmã obviamente.
E quanto a ela, Brigith? Será que eles não sabiam que ela existia?
A cena foi se distorcendo um pouco... Como se alguém que controlava aquela sua “viagem” quisesse responder à pergunta que ela fez.
Brigith agora se viu diante daquela mulher, mas ela estava sentada na cama. Chorando disfarçadamente. Bri se aproximou, perguntando de forma timida:

- O que foi mãe? – E ela imediatamente enxugou os olhos e sorriu. Como se quisesse esconder o que estava sentindo, como Ophelia fazia... Aquilo era ser uma mãe?

- Nada linda. A mamãe só tá sentindo falta de alguém.

- De quem? – Continuou ela curiosa.

- De alguém que a mamãe teve que deixar um tempinho atrás... – E mantendo aquele sorriso ela se levantou e se ajoelhou diante dela, apoiando-se sobre o jeans que ela parecia gostar tanto de usar – Você sabe que eu te amo não é?

Brigith ficou em silencio. Não sabia a resposta pra essa, mas acenou com a cabeça apenas pra não gerar alguma cena dramática. Mas de qualquer forma a mulher a tomou nos braços e abraçou sua cabeça contra o peito. Como ela mesma fazia com Ophelia.

- Eu quero que você seja feliz e forte Elisha... Não se esqueça disso nunca. A mamãe lutou muito por você até aqui, então não me desaponte tá? Eu sei que você vai ser tão forte quanto a mamãe e não vai deixar nada te derrubar. – E com uma piscadela, ela beijou a testa de Brigith, e apertou ainda mais forte. Brigith soube que ela ainda estava chorando, com um sorriso no rosto, mas estava.

Kyrie.
Esse era o nome dela. Japonês, a mãe dela era uma japonesa. Kyrie era mestiça. Embora tivesse mais traços ocidentais que orientais. Ela era uma mulher viva, forte, invencível.
“Ah não. Eu estou chorando por felicidade, não seja bobinha.”

A sua visão foi escurecendo aos poucos, e tudo voltou a parecer um sonho. Agora ela viu Elisha, pequena. Não devia ter mais de oito anos.
E Mark sentado naquela mesma mesa na cozinha, cabisbaixo.

- Por que eu não posso ver ela? Ela tá doente... Eu quero ver ela!

- Não pode Elisha. Sua mãe tá muito mal... Eu não quero que você veja ela assim.

- Me deixa ver ela! Por que você não quer me deixar?

Viu ela agarrar as mangas da blusa do pai e sacudir os braços dele. Mas aquilo era inutil, o homem parecia sem vida. Com o olhar distante.
Ela tinha uma noção do que viria em seguida... Ela podia sentir o desespero da sua irmã como se fosse o seu próprio.
E a proxima cena veio. Uma que ela não queria ter visto.

- Ela...

Mark estava agora encostado na porta da cozinha da casa. E Elisha em pé de frente pra ele, com um olhar apreensivo e infantil.

- Você... Não vai mais poder ver a mamãe Elisha.

- Por que ... ? Você disse que ela ia melhorar! Eu quero ver ela!

- Ela... Não está mais com a gente. Ela foi pro céu, com os anjos...

A palavra ecoou na mente de Brigith. Assim que Elisha conseguiu entender o que tinha acontecido. Ela estava morta.
E a primeira reação daquela menininha foi correr.
Correu sem rumo. Até ir parar na sua cama e enterrar a cara no travesseiro.
Primeiro ela culpou os médicos. Quis acreditar que era culpa de alguém, quis culpar alguém, mas não era... Não era aquilo.
Ela tinha morrido, uma doença. Se alguém tivesse culpa, seria deus ou a porcaria dos anjos dele que quiseram roubar a mãe daquela garotinha pra si mesmos.
Ela chorou. Foi o choro mais desesperado e horrivel que Brigith ouviu na sua vida toda.
Não havia nada a ser feito.

- Morta. E o velho estava tão acabado quanto eu naquele dia. Nem tentar me consolar ele tentou. – Quem disse foi Elisha, que estava do lado de Brigith agora. Apesar de ela poder notar que não era mesmo Elisha, mas sim aquela assombração de mais cedo.

- Eu não pude ver ela, não pude me despedir. E ela me pediu pra ser forte... Mas como ela queria que eu fizesse isso sozinha? Eu até tive os meus avós depois, mas é demais conseguir enfrentar solidão e continuar forte e feliz. Não se trata de qualquer compania... Foi apenas ela quem me amou. Era apenas dela que eu precisava.– Agora ela encarou Brigith com um olhar sarcástico – Não que uma patricinha que sempre foi amada por todo mundo como você fosse saber o que é solidão. Você sempre teve a merda da sua mãe, as merdas dos seus lacaios que você chamava de amigos. Você nunca esteve sozinha! E se acha no direito de se sentir injustiçada porque minha mãe decidiu te dar uma vida melhor e mais segura que a minha? Você devia sofrer! Ela se sacrificou por você, sua mediocre! Sou eu quem tive que ser forte e enfrentar tudo isso sem ninguém. Você se acha vazia, mas é porque você não conhece porcaria nenhuma sobre dor de verdade!

- Cala a boca! – Berrou pra ela – Você não sabe nada de mim!

- Você se sente vazia porque é isso que você é.Vazia. Fútil.

E com risos, Elisha desapareceu na escuridão.
Brigith estava com raiva... Porque de alguma forma, ela sabia que sua irmã não estava errada. A morena suspirou e se sentou ali no meio das trevas onde estava.
Talvez viajar não fosse dar as respostas que ela queria. Ela precisava pensar sobre o que tinha visto ali. Mas o transe ainda não acabou... Ela se encontrou sentada numa mesa dessa vez.
E do outro lado dessa mesa estava Elisha novamente. Com uma cara de tédio e um olhar de peixe morto pra porta. Enquanto ficava batendo um garfo na mesa.
Estava perdida em pensamentos provavelmente, até que uma voz animada invadiu o comodo:

- Prontinho!

Brigith olhou pra trás com a mesma expectativa que sua irmã.
E la estava aquela garota... Cabelos castanhos claros e olhos azuis, rosto delicadinho, pele clara. A mesma que ela tinha visto morta na banheira. Mas dessa vez estava radiante, exibindo um sorriso lindo.

- Torta de limão. Do jeito que você gosta!

- Não precisava fazer... Você sabe. – Resmungou Elisha, mas mesmo assim ela tratou de estender o prato pra garota quando esta cortou uma fatia.

- Eu tenho que ser uma esposa dedicada oras. – A outra jovem riu deliciosamente com aquele comentário. Dando uma piscadela pra irmã de Brigith.

- ... E por que diabos eu tenho que ser o marido ? – Elisha encarou a outra parcialmente irritada. Como se tivessem dito que ela não era feminina. Perto da outra, não era mesmo.

- Quer trocar? Eu posso começar a falar grosso, parar de usar vestidos e usar jeans igual você. – Riu-se a outra.

- Esquece... Respondeu a irmã dela de forma rude.

- Você... Tá brava? – O sorriso da quase-loira se apagou.

- Não.

- Você tá brava. – Agora a voz dela foi chorosa. Elisha encarou ela indiferente, e a outra garota correu pra ela e a abraçou subitamente, quase implorando – Me desculpa Elisha, por favor!

- Yuna... Eu não to brava merda, você tá sendo ridicu... – Foi o que a outra morena disse antes de ser surpreendida pelo abraço. Então Brigith deu um tapa no proprio rosto não acreditando naquela cena melosa que viu.

- Elisha Sayonomi, sua safada... Eu não consigo acreditar que você tava pegando a Yuna Kayoshi e a Victoria Sullivan!

Dessa vez ela riu. Nem notou quando aquela visão começou a desaparecer também. E o mais importante, Brigith enxergou um calendário naquele lugar, e a data marcava exatamente o dia de ontem. Então tudo ficou claro.
Elisha e Yuna estavam vivas. Ninguém tinha morrido.
Talvez fosse essa a intenção de Vincent. Usá-la pra saber o que tinha acontecido de verdade anteriormente. A questão era: Por que ele queria tanto saber se as duas estavam vivas?

A dor na sua cabeça foi arrebatadora. Ela chegou a gritar um pouco por causa daquela pontada infernal que sentiu, então quando ela abriu os olhos novamente se deparou com a camisa de alguém e depois de uns segundos atordoada ela viu que foi Vincent quem a segurou, e agora estava gentilmente mantendo ela contra o peito. Talvez porque ela iria cair de cara no chão quando aquilo terminou. Rapidamente ela tratou de se afastar, não podia cair muito nos “encantos” daquele cara. Então deu uns passos pra trás até acertar a parte de trás dos joelhos no sofá e acabar se sentando ali de novo por acidente.

- Você disse que não ia doer nada. – Esbravejou ela, colocando a mão nos olhos.

- Mil perdões. A mente da sua irmã é mais conturbada do que eu pensei. – E Vincent riu, aquele maldito com certeza sabia que iam ter algumas “dores”.

- Qual é o objetivo de vocês Sullivans com isso? Se puder me falar claro.

- Certamente que posso, afinal... Você é uma das lideres. – Sorriu ele venenoso – A senhora dos Sullivan deseja encontrar Yuna Kayoshi pra devolvê-la ao clã da Rosa Branca. Pra não haver necessidade de escolhermos uma nova criança.

- ... E quanto a minha irmã? – Brigith encarou o homem severamente. E ele forçou o sorriso mais um tempo, era uma pergunta que ele não queria responder.

- Sua irmã está apenas no local errado com a pessoa errada. Mas ela não vai se ferir. Victoria, nossa princesa só escondeu elas pra tentar pregar uma peça nos Sullivan. Nosso objetivo é apenas conseguir a garota de volta. Sua irmã não tem importancia pra nós.

- Pode me responder uma coisa Vincent? – E não esperou a resposta dele, dessa vez ela tinha que mostrar um pouco do seu proprio ar venenoso pra ele – Por que minha gêmea foi a única que não foi sacrificada no ritual do décimo terceiro aniversario de Victoria? E qual seria o propósito desse sacrificio? Eu sou uma das lideres, como você disse, então eu tenho direito de saber. – Arqueou uma sobrancelha pra ele, com um sorrisinho confiante. Com certeza Elisha não sairia ilesa daquilo, ela precisava arrancar as respostas deles.

Vincent encarou ela com estranheza e então soltou um riso longo, levantou-se de onde estava e caminhou pra ela. Colocou as duas mãos dos lados da cabeça da garota e aproximou seu rosto dela apenas pra murmurar num tom sério, com um olhar firme e assustador sobre ela.

- Eu sou um mero representante da minha familia com alguma influencia. Não cabe a mim responder essa pergunta pra você, quem devia ter lhe contado é a sua amada Ophelia.

Então ele levantou e virou-se de costas, esbanjando sarcasmo e cinismo. O que foi o suficiente pra Brigith se erguer furiosa e respondê-lo secamente:

- Se eu fosse você tomaria cuidado com o tom que usa pra falar de Ophelia! Como você mesmo disse, é um mero representante. Não está em posição de insinuar nada ou usar esse tom irônico ridiculo pra falar da minha mãe.

Quem a impediu de continuar foi Sadako, que puxou o braço dela. E balançou a cabeça negativamente. Vincent apenas encarou Brigith por cima do ombro e virou-se pra ela, fazendo uma reverência.

- Peço desculpas se a ofendi senhorita Velmont, não era minha intenção. Espero que perdoe minha insolência.

- Esqueça... Preciso descansar um pouco, isso tudo está encurtando meu pavil. Me desculpe também. – O pedido de desculpas não foi sincero, de nenhuma das duas partes. Mas Brigith lembrou das palavras de Anita naquela boate. Ela tinha que tomar cuidado com quem discutia. – Tenha uma boa noite. E mande um abraço pra Anita.

- Eu vou. – Ele sorriu novamente.

Brigith e Sadako sairam daquele predio depressa. E assim que a morena viu Josh parado na frente do taxi esperando ambas sairem de lá, ela correu pra ele e se jogou nos braços do rapaz. Colocando a cabeça no ombro dele.

- O que houve ? – Perguntou ele apreensivo.

- Não estou me sentindo bem... Só quero sair daqui logo, achar a casa da professora e dormir.

Seu corpo estava mesmo mole. Ela sentia tontura, e um gosto férrico lhe subir pela garganta. Mas dessa vez ela segurou, não podia ter um acesso de tosse perto deles. Entraram no taxi e sairam com destino a casa da professora Emily Locke.

A casa ficava mesmo perto daquele terreno abandonado onde era a casa da sua familia biologica. Brigith ficou por longos minutos encarando aquele lugar e relembrando o que ela tinha visto. Era mesmo uma pena que o local tivesse explodido.
Bem no fundo a curiosidade dela sobre seus parentes foi criando dentro dela uma simpatia pela familia que a abandonou. Não conseguia compreender, mas ela sabia que tinha algo mais nessa historia. Eles não poderiam ter simplesmente abandonado ela.

A casa da professora era simpática. De tijolos alaranjados, dois andares, lembrava um sobrado. Parecia que tinha sido reformado recentemente. O cheiro de tinta agradável que alcançava os sentidos dela não enganava.
Chegando lá ela fez Josh tirar as malas do taxi e Sadako a seguiu. Tocou o interfone da casa e sem muita demora ouviu a voz da professora:

- Quem é ?

- Brigith. Irmã da Elisha.

- Oh, você veio mesmo. Espera ai, já vou abrir a porta.

Então ela estava achando que Brigith não viria ? Engraçado.
Do mesmo jeito ligeiro, a professora atendeu os três usando shorts azuis bem curtos e um camisetão largo e branco. Bri até olhou de relance pra ver Josh começar a imaginar coisas pervertidas. Emily se apressou e mandou eles entrarem.

Brigith não era lá das mais educadas em casa de gente que não era da Black Rose, então saiu caminhando por lá enquanto Emily ia mostrar o quarto onde eles iam ficar pra Josh. Alias, onde Brigith e Sadako iam ficar. E as malas.
E a morena continuou sua exploração.
Foi uma surpresa quando Bri viu alguém sentado à mesa de Emily.
Era uma garota loira de cabelos longos, de um loiro muito claro. Ela estava vestindo um vestidinho simpático amarelo e usando uma boina branca. E nem pareceu notar a presença de Bri ali. Motivo pra ela dizer um “Olá.” Alto. O que assustou a garota e a fez levantar num salto, colocando-se de frente pra Brigith, boquiaberta.

- Meu deus... É a Elisha? Ela mesma ? – A voz da garota era delicada como a sua aparencia. Ela era baixinha demais, com um corpo atraente e curvilineo. Com busto e quadris avantajados, mas proporcional ao corpo dela. E olhos azuis também muito claros, o que a faziam ser no minimo linda. Brigith nem disse nada, ficou perdida analisando a menina. Parecia uma personagem de anime de tão meiga e “desenvolvida” ao mesmo tempo.

- É a irmã dela. Acabei de te falar sua estupida. – A voz agressiva foi da professora. E a garotinha se encolheu toda quando ouviu. – Essa é a Chisame. Era da sala da tua irmã também, e acabou virando uma parasita que vive aqui em casa já que não tem amigas.

Palavras duras. A professora parecia tratar a garota de um jeito muito rude, mas a menina por sua vez, parecia ingenua demais pra notar isso. Ela só ria sem graça ou se encolhia igual antes, como um cachorrinho carente repreendido.

- Prazer Chisame. Meu nome é Brigith Velmont, e fique tranquila. Eu adoraria ser sua amiga. – Sorrisinho simpático, beijo no rosto, apresentações feitas.

- Vocês tão com fome?

- Que tal pedirmos pizza? Eu pago. Como agradecimento. – Disse Brigith animadamente. E as duas outras garotas concordaram com a idéia.

Foi nessa hora que Josh chegou. E Chisame foi pra ele energeticamente dar oi, mas o garoto gaguejou e ficou olhando igual um idiota pra ela. Brigith teve que dar um tapa na cabeça dele pra ele desembuchar e dar oi pra loira.
Até que ela chegava a ser tão tirana quanto Emily parecia com aquela menina, não?
A morena soube que Emily gostava muito de Chisame no mesmo instante que comparou as duas com ela e Josh.

E no fim da noite eles estavam todos lá.
Sentados na mesa comendo pizzas diversas de frango e queijo (afinal, a morena era vegetariana ainda) e como todos pareciam estar cansados, decidiram deixar as conversas e socialização pra outro dia. A unica coisa notável naquela noite foi Chisame contando pra Brigith uma coisa ou outra sobre Elisha. Disse que sua irmã era uma garota quieta demais, mas protetora, timida e fofa. Embora Brigith duvidasse um pouco do julgamento da garota.
Chisame tinha sido a pessoa que aceitou mais fácil o fato de ela ser a gemea da tal Elisha Sayonomi. A propria Emily parecia analisar a morena a cada segundo procurando uma semelhança na personalidade e acusá-la de ser Elisha.

E no fim das contas Brigith se viu ali com os olhos pesados, respondendo coisas sem sentido quando lhe falavam algo. Ela não conseguia se concentrar nas pessoas que estavam na mesa. Estava tonta, sentia algumas dores estranhas no peito. Dores que ela conhecia.
Rapidamente ela pediu licença. Disse que estava com muito sono, e obviamente Emily disse pra ela ir se deitar. Já que o quarto que a irmã dela tinha usado ainda estava ali, intacto.
Brigith pediu pra Sadako levar a mala de roupas dela pro banheiro, ela não ia aguentar até chegar no quarto. Caminhou rapidamente pro banheiro e trancou a porta, foi o tempo exato praquele gosto férrico lhe subir pela garganta e sair pela boca.
Ela mal conseguiu se colocar diante da pia, as tosses vieram violentas e ela as abafou como pode com as mãos. Dores fortes no peito e falta de ar, ela demorou um pouco pra conseguir respirar e controlar seus movimentos de novo. Mas a fraqueza continuou.
E ali nas suas mãos sangue.
Mais sangue que o normal... Ela cerrou os dentes e lavou as mãos irritada. Aquilo estava piorando com o tempo. Mal podia lembrar quando aquilo começou.
O que se lembrava é que não havia uma cura possível. Mesmo que Ophelia pagasse os Archer pra achar uma, até ali eles não tiveram sucesso.
E aquilo a deprimia. Irritava. Era como uma bomba relogio.
Era o maior motivo de ela cuidar tão bem daquele seu corpo. Ele era falho...
E ela odiava aquilo. Era a unica coisa sobre si mesma que ela odiava. Aquele corpo.
Ouviu Sadako bater na porta, e enxaguou a boca rapido. Abriu a porta e segurou a mala, sorrindo fraco pra garotinha. Mas quando puxou a mala, viu que Sadako não tinha a soltado. Ficou segurando na alça e encarando Brigith com aquele olhar inexpressivo. Será que ela sabia? O que diabos ela queria com aquilo... A dor começou a voltar e Brigith acabou por puxar a mala com mais força das mãos da menina de cabelos cor de rosa, e conseguiu apossar-se dela. Então fechou e trancou a porta do banheiro, pra ter outra crise de tosse na pia.
Depois que conseguiu se recompor, tomou um banho demorado.
E vestiu-se com um pijama qualquer que tinha ali na mala. Quando já ia saindo do banheiro viu Josh esperando ela na entrada do quarto. Ele estava com um olhar estranho...

- Você tá bem? Deu pra ouvir a tosse daqui...

- Ah, eu comi algo estragado. – Mentiu ela, desviando o olhar.

- É só isso mesmo? – Mas Josh não pareceu acreditar tanto.

- O que foi? Vai ficar me interrogando? Já disse que comi algo estragado, passei mal. Não enche! – Esbravejou ela e passou pelo garoto. Abrindo a porta do quarto. Mas na mesma hora ela notou que aquilo tinha mexido com ela um pouco, soube que agiu errado com ele. – Obrigada por se preocupar... Aproveita o sofá ok?

Um sorriso sem graça pra ele e ela se enfiou no quarto. E encontrou Sadako ali, sentada numa cama olhando pra ela. Eram duas camas de solteiro, e ela nem precisou se esforçar pra saber qual era a da sua irmã. Cobertas mais escuras, um relogio novo e esquisito em formato de gato do lado da cama. Incensos, coisas esotericas.
Por hora ela só quis deitar-se ali e se agarrar as cobertas que foram usadas pela sua irmã antes. Estava frágil, como sempre ficava depois daquelas crises. E ela poderia até chorar se não fosse pelo desconforto que estava sentindo por estar perto de Sadako naquele dia. Sua cabeça estava doendo. Mas antes que ela pudesse descansar, Sadako puxou a alça da blusa dela devagar. E quando Brigith virou-se pra menina, ela entregou o celular com um texto digitado. E não... Aquilo não poderia ser bom.

“Vincent acabou de ligar. Disse que a nossa princesa está na cidade. E que se encontrarmos ela, devemos entrar em contato imediato com ele.”

Então era isso.
Victoria Sullivan tinha voltado pra Silent Hill justamente quando ela decidiu visitar a cidade.
Aquilo não poderia ser bom...

4 comentários:

  1. Peço desculpas pela demora desse... x-x
    E também pelos possiveis erros gramaticais que vocês possam achar no texto. Não pude usar o auto-corretor nele, e sabem como é. Escrever uma historia sem dormir por uns dois dias pode fazer você escrever atrocidades. rs

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  2. Gostei bastante!

    Realmente ainda existem muitos mistérios por desvendar nesta história.

    Ainda não compreendi ao certo que é a Dark Elisha... É a sua consciencia? Parte dela? Ela pareceu-me saber de muitas coisas... Coisas interessantes.
    Não sei bem porquê, mas gosto muito dela =P

    Estou super curiosa e ansiosa pela continuação!
    Bom trabalho!!
    Bjos =3

    Luina

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  3. lol.. Eu acho que a explicação pra "Dark Elisha" vai ficar só pro terceiro volume se eu tiver tempo de escrever viu.

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  4. Espero mesmo que escrevas o 3º volume.
    Esta história é muito boa!

    Bjos =3

    Luina

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