segunda-feira, 10 de agosto de 2009

[Vol.2] Capítulo 1 - Iniciação

“Era uma vez, num país muito frio e distante, uma princesa de cabelos curtos mais negros que as mais secretas trevas, de pele tão alva quanto a neve, de olhos amarelos tão luminosos quanto as estrelas das noites mais escuras. Uma mulher que possuía um corpo e beleza de causar inveja nas clássicas ninfas gregas. Porém uma princesa incompleta e perdida... Uma patricinha confusa que não sabia o que infernos ela fazia nessa porcaria de mundo.”

Brigith não tinha paciência pra escrever algo bonito naquele seu velho diário, mas em resumo iria ser assim o inicio dele. Aquela “princesa” cresceu cercada de lacaios, mimos e riquezas; na sua época escolar foi a aluna mais brilhante, a única garota que conseguiu ser linda, popular e tirar notas assustadoramente altas, tudo isso numa vida só.
Naquela sua perfeição toda, a garota teve uma infância incomum. Não tinha uma única memória de onde tinha nascido ou quem eram seus pais verdadeiros, tinha sido abandonada ainda com um ano de idade por motivos que ela mesma iria descobrir mais tarde. Cresceu numa mansão aos cuidados de outra criança, chamada Ophelia Velmont.
Os anos se passaram rapidamente e já era visível na primeira década de vida o tédio e indiferença de Brigith com tudo que a cercava, ela não cresceu em uma família normal. Sua existência sempre foi rodeada de bizarrices e fatos incomuns, para começar com aquela prisão domiciliar. Até os seis anos de idade Brigith cresceu dentro de uma mansão antiga, na Finlândia, tendo aulas particulares com os melhores professores. Coisa que durou pouco, pois a garota quis ver como era o mundo fora daquela casa. E sua “mãe” sempre deu total liberdade a ela, Brigith foi “transferida” pra uma escola comum. Que ela mesma escolheu. E seguindo os costumes e crenças daquela sua tão estranha família a garota teve uma estréia turbulenta na vida escolar, porém aquele seu jeito diferente conquistou com facilidade as pessoas comuns.

-Nós somos superiores àqueles a quem você vai encontrar lá fora, Bri. Mas nunca deves subestimá-los, foram eles que uma vez nos caçaram como animais.

Essas eram as palavras de Ophelia, que generalizavam as pessoas comuns. E como ela guardava rancores disso... A garota ruiva odiava as pessoas comuns, Brigith entendia os motivos que ela tinha. Ophelia era portadora de uma “doença” única e totalmente intrigante, algo que as duas ocultavam de todos que podiam.
Se havia alguém que Brigith respeitava e amava acima de tudo, esse alguém seria Ophelia. A menina era tudo que ela tinha, e a morena fazia o possível para trazer alguma alegria para o coração cinza daquela de cabelos vermelhos flamejantes de pontas encurvadas para fora. Ophelia tinha a aparência de uma menina comum e bela de doze ou treze anos, desde que adotara Brigith essa aparência permaneceu imutável. Porem os olhos verdes pálidos dela pareciam mais cansados do que os de uma velha a beira da morte. Algo que seria decifrado também um pouco mais pra frente, já que o assunto é Brigith.
A herdeira daquela família, Velmont, nunca levou as palavras da sua “mestra” a sério. Por toda sua vida escolar ela não havia conhecido uma “pessoa comum” interessante, todos a idolatravam tanto que tinham medo de se aproximar dela por completo, e a vida que levava fez Brigith criar uma máscara para eles. Mesmo criança, ela tinha plena consciência das suas obrigações como membra da família Velmont e do significado da palavra “descrição” que saia bastante dos lábios delicados da sua pequena mãe.

Já no colegial Brigith estava secretamente pensando em abandonar a escola pra viajar pelo mundo, como sempre fazia nas férias, já que tinha dinheiro o suficiente pra isso. Porém algo que ela não esperava aconteceu, em uma das suas crises de tosse (algo que ela também escondia de todos, inclusive Ophelia) foi flagrada por um colega de classe. Alguém que ela não tinha notado até ali, um tal de “Josh Ylonen” (Um cara preguiçoso meio magrelo de cabelos escuros meio-compridos lisos, ele não era um galã, mas podia ficar bonito se fosse mais vaidoso), no momento exato Brigith forçou para as tosses pararem e acertou um joelhada no garoto, o fazendo fugir de lá.
Depois a tosse a derrubou de novo, deixando-a encostada em um daqueles armários metálicos, seminua. Se aquele garoto contasse o que viu, as tosses... Se aquilo chegasse nos ouvidos de Ophelia... Ela já não sabia mais o que fazer.
Seu desespero em esconder aquilo da garota era tanto que a morena quis matar aquele rapaz com as próprias mãos, chegou a chorar de raiva ali e soube disfarçar, se jogando debaixo de um chuveiro ligado que ficava numa das varias cabines daquele vestiário, quando suas “amigas” apareceram.
No dia seguinte Brigith ficou inquieta, tinha decidido dar um jeito de silenciar o garoto nem que fosse a força, porém o covarde faltou na aula e a fez perder uma noite de sono só de pensar se ele tinha contado algo pra alguém. Ela foi indiscreta com isso e acabou perguntando pra varias pessoas que via com ele, o que iria gerar alguns comentários sobre “O Josh ta de segredo com a Brigith!”. Era só o que ela precisava... Estar nas mãos de um fracassado como aquele colega de classe.

Foi direta quando finalmente ficou cara a cara com o menino na sala de aula, e reparou que ele usava um brinco na orelha. Esquisito.
O encontro com ele foi simples, ela foi agressiva, não conseguiu manter sua mascara diante dele. Porém a perfeita Brigith Velmont havia cometido um erro, ela subestimou aquele garoto. Pode dizer pelos olhos dele que ele não tinha falado pra ninguém, podia ver algo sincero, um tom ingênuo. Todos os outros teriam falado, e aquela altura já correria um boato sobre “Brigith passando mal nos vestiários!” pela escola inteira. Mas ela notou que isso não estava acontecendo e apagou a agressividade, a transformando em um riso demorado.
Então foi aquilo que Ophelia quis dizer com “não subestimar”... Nem todas pessoas comuns eram iguais, talvez por lerdeza dele não tivesse comentado com ninguém, mas isso não mudava o fato de não ter contado.
A morena então decidiu pegar leve com ele e por curiosidade decidiu saber mais sobre aquele rapaz tão hilariamente desajeitado.
Curiosidade se tornou afeição, mesmo que nunca tivesse percebido que ele tinha uma paixão por ela. O recém batizado “Joh” era alguém legal de se ter por perto, um amigo que ela sabia que não iria traí-la, ou que era apenas mais um dos seus puxa-sacos. (Na verdade, ele era. Só foi escolhido pela menina por obra do acaso.)
E esse era o ponto de vista de Brigith sobre os ocorridos mais notáveis na sua vida escolar, que acabou de modo incomum.

Josh tinha descoberto sobre a família de Brigith, a tão temida e oculta “Black Rose”. Foi exatamente como a garota queria que acontecesse, foi a intenção do convite pra dormir em sua casa desde o começo. Brigith sabia que ele era um pervertido (que apenas disfarçava não ser) acima de tudo, que o primeiro palpite dele seria que ela almejava levá-lo pra cama.
Foi engraçado ver ele ali espancado amarrado numa cadeira sob o olhar cruel de Ophelia, era um tipo de amizade violenta o que a garota sentia em relação aquele rapaz.
E foi ainda mais divertido salvá-lo daquela garotinha impiedosa, Brigith tinha certeza que aquele burro não tinha idéia do que ela o havia livrado. A Black Rose nunca tinha sido mais perigosa que naquela época em que estavam, sob o comando daquela mulher de olhos verdes traiçoeiros.
Brigith sabia bem o que ia fazer, ia tornar daquele idiota seu pupilo. Seu escravo pessoal. E lá estava ela, dando uma aula sobre o que ele precisava saber antes da sua iniciação no clã dos Velmont. Naquela sala de café grande e luxuosa, com moveis de madeira escura e de qualidade, exalava um cheiro de limpeza mista com incenso.

-Na Black Rose existem sete famílias tradicionais, escolhidas entre a elite da elite no mundo todo. É claro que alguém como você não teria o pedigree e raça necessários pra ser um líder de um desses clãs, mas no máximo você pode se tornar o braço direito de um desses líderes com muita dedicação e sorte... – Josh ficava bem desagradado ouvindo coisas como “você não é bom o suficiente” e já estava se cansando daquela explicação toda, ficando com sono – Pra adiantar, os nomes são Velmont, Kaori, Ishida, Kayoshi, Archer e Sullivan...

-Não eram sete famílias? Você deu seis nomes só...

-Deixa eu terminar... Bem, a sétima família é nova e mantida em sigilo. Ainda não chegou nos meus ouvidos nada sobre ela. Só fiquei sabendo que uma das antigas famílias foi destruída por algum tipo de revolta e agora foi substituída por algum outro culto maior. Você não precisa saber de nenhuma delas de qualquer forma, a única a qual você deve lealdade é à nossa, Velmont. Mesmo que nós sejamos parte de algo maior e aliados uns dos outros... Eu acho que não estamos numa fase boa pra usar a palavra “confiança”. –
Brigith obviamente se empolgava quando o assunto era a Black Rose, apesar de tudo, ela adorava levar aquela vida. Adorava se dizer bruxa e futura líder de uma parte de algo que movia o mundo todo, agora que ela podia contar isso para aquele garoto, ele que agüentasse... – Sobre sua graduação no nosso clã... Vamos exemplificar como na máfia. Você se “associa”, depois se torna um dos nossos “soldados”, sobe pra “Capo” e no máximo acaba como um “Consigliere”. Os cargos de “Don” e “Sub-Chefe” são ocupados pelo atual líder e o herdeiro. No caso Ophelia e eu.

-Quer dizer que você já tem influencia em algo tão mundialmente extenso assim? – Ele fingia estar entendendo aquilo. Em resumo tudo que Bri dizia era simplesmente: “Josh, você colocou seu pescoço na corda de novo...”

-Sim. Eu sou a herdeira oras! – Brigith disse num tom autoconfiante extremo.

-Agora sim o mundo ta fodido de verdade...

Antes que Brigith pudesse xingar o novo pupilo pelo vocabulário que ele usou, o segurança chefe da família Velmont os interrompeu. Era um homem alto e forte, careca e cheio de tatuagens célticas que escapavam um pouco pela nuca dele, naquele terno negro e ajeitadinho. Pra Josh isso era bizarrice demais pra um dia só, aquele cara parecia do FBI ou da MIB... Ele não via a hora de acabar logo com isso.

-Chegou a hora. Lady Ophelia pediu pra levarmos ele.

-Todo seu. – Brigith sorriu e Josh engoliu seco, aquele cara o segurou pelo braço e o levou.

Ouvindo reclamações do garoto tipo “Eu consigo andar sozinho sabia?”, a morena teve tempo de murmurar algumas coisas pra ele :

– Não vai demorar! Iniciação é algo simples: renúncia do batismo, ritual e juramento. Também é indolor, no máximo vão te cortar pra usar um pouco de sangue, então relaxa.

-Me cortar!? Perâe, o que eles vão cortar?? Ei!!- Não foi muito efetivo, Brigith deixou de ouvir a voz dele por causa da distância. Então riu satisfeita e jogou-se sobre uma das cadeiras almofadadas daquela sala. Bem no fundo, nas mais ocultas profundezas do coração dela, Brigith sentia-se culpada por fazer aquilo com seu melhor amigo. Mas esse sentimento era facilmente coberto pelo egoísmo dela. Agora ele não poderia sumir de vista.

Nesse momento alguém adentrou a sala, Brigith em particular não gostava muito dessa pessoa, mas também não o odiava.
O tal “homem com cara de espanhol”, ele também tinha suas tatuagens de origem indiana e latina, alto (vinte e um anos), com um corpo digno de “lutadores de rua”, sua pele era bronzeada pelo sol, diferente da dos habitantes daquele país. Era obvio que ele não era finlandês, até as roupas semi-abertas e folgadas denunciavam. Cabelos ondulados até os ombros e olhos castanhos escuros reforçavam isso ainda mais, e aquele sotaque espanhol... Era engraçado e sedutor ao mesmo tempo, a pena era que Brigith não era fã de sotaques desses.

- Então a bonequinha sabe ser feliz também? – Saudou Brigith com um sorriso.

-Se veio aqui me cantar de novo só porque to de bom humor, nem perca seu tempo. – E ela por sua vez, o recebeu desfazendo o seu e erguendo uma sobrancelha enquanto o encarava.

Aquele era Louis Archer, o líder novato daquele clã. Mesmo sendo um galanteador bêbado e desregrado, ela sabia que era alguém que devia ser levado a sério.

-Não era esse o objetivo, mas se for funcionar avisa. A baixinha me disse que você tava querendo viajar, tirar férias da vida.

-É... Acho que eu vou estar mais preparada pra cumprir com as minhas obrigações no clã caso eu me torne mais experiente... E consiga entender algumas coisas.

-Imagino que tipo de coisas você quer experimentar por esse mundo. –
Ele piscou pra garota e riu. Não ligando se ela iria achar graça ou não.

-Pode ter certeza de que não é com você.

-Mulher agressiva heh? Adoro. – Louis coçou a cabeça, bagunçando um pouco do cabelo depois da tentativa falha de criar alguma intimidade com aquela morena sentada ali – Um homem sempre está ferrado no meio de uma organização dominada por mulheres. E vocês, meninas da Black Rose, são assustadoras.

-Se não agüenta a pressão, mude de time homenzinho. – Dessa vez foi Brigith quem riu.

-Não não. – Ele tornou a sorrir também – Já disse que eu adoro ser dominado. Mas vamos deixar isso pra mais tarde, eu vim avisar que estou voltando pra Espanha um pouco antes do natal. Se quiser pode aproveitar a viagem.

-E pra que eu iria viajar com você pra Espanha? Não chega nem perto de viagem ideal pra espairecer... – Brigith pegou um copo de água, de uma jarra ali perto. Falar tanto a deixou com a garganta seca.

-Vai com calma moça. Eu te dou alguns motivos: Primeiro, você vai desfrutar da companhia de um homem lindo, rico e bom de cama e segundo, Espanha é um pais lindo, romântico. – A garota quase jogou água na cara dele depois de ouvir aquilo, o que a fez hesitar foi notar que ele iria falar algo a mais – Ah, tem um pequeno detalhe também. Eu estou indo me encontrar com Anita Sullivan lá, se eu jogar um charminho posso te apresentar.

Foi aí que Brigith engasgou e chegou a cuspir um pouco da água que bebia. Aquele era o nome da líder da Black Rose. Brigith só tinha a visto uma vez na vida, com uns doze anos de idade durante a festa de aniversário da filha dela, Victoria.
Aquela mulher era algo próximo a uma heroína para Brigith, a mulher que tomou totalmente a Black Rose, talvez a mulher mais poderosa daquele mundo. Louis pode perceber o brilho nos olhos amarelos da menina quando ouviu aquele nome, então ele riu vitorioso. Brigith quis degolar aquele maldito, era uma oportunidade que ela não queria deixar passar. O homem nem precisou de uma resposta dela, sabia o que ela iria escolher.

-Um dia antes das festas à meia noite ok? Esteja lá com uma fitinha vermelha na cabeça pra mim. – Então ele mandou um beijo para Brigith, que mordeu o lábio inferior de raiva, sem ter como possivelmente recusar a proposta. Realmente, ele não era um homem pra se subestimar. Isso iria ter troco.

“Espanhol desgraçado...”

Ophelia e aquele Louis Archer se conheciam a um bom tempo, a família “Archer” era tão próxima dos Velmont como os Kaori costumavam ser dos Sullivan, não eram criados pro auxilio do outro como no caso dos Kaori (Que era oficialmente a família protetora dos Sullivan agora), mas a menina ruiva sabia que apesar de tudo aquele cara era alguém de bom coração. E isso já bastava pra encará-lo como um valioso aliado. Brigith não entendia ainda o que Ophelia via naquele tarado manipulador, mas se confiava nele... Fazer o que além de aceitar a opinião dela? O nome daquele homem tinha sido “remodelado” por culpa da própria peculiaridade da garotinha, antes era chamado de “Luís”, um nome comum na terra natal dele na America do Sul. O único problema era que Ophelia, como uma européia tradicional e antiquada, era amiga do antigo líder dos Archer e acabou convencendo-o a mudar aquele feio “Luís” para um mais inglês “Louis”. Pelo que Brigith sabia, ele não ficou muito agradado com isso, mas se acostumou bem com o novo nome.
“É mais sexy.”
Grande coisa... O problema era que Brigith chegava a se sentir atraída por homens exibidos e espertinhos daquele tipo, mas algo naquele em especial conseguia tirá-la do sério. Ainda estava de punhos cerrados, caminhando pela casa mais tarde. A entrada de Joh no clã tinha causado algum alvoroço e movimentação no lar dos Velmont, era animador aos olhos da morena, mas tinha sido um dia cansativo até lá. Por hora, ela achou melhor ir pro seu quarto e se livrar daquela roupa pra tomar um banho quente.
A garota deixou-se de molho, nua, naquela banheira grande que ficava no seu banheiro pessoal no quarto. Esbanjando sua perfeição. Ela sempre amou a si mesma, adorava ser “a Brigith Velmont” e isso não era estranho.
Ela era rica, inteligente e linda... Qualquer um que nascesse assim se sentiria bem na própria pele, pelo menos era o que ela achava. Se pudesse escolher alguém pra ser, com certeza escolheria a si mesma.
Porém isso tudo a fazia sentir-se fraca. Pois ela não havia conhecido as partes verdadeiramente ruins da vida, e em breve ela não desejaria ter conhecido nunca. Talvez fosse impossível ser perfeito. Ela não fazia questão de qualquer modo.
A questão no momento ali era pra onde ir depois de Espanha. Queria visitar a America de novo, mas estava mais interessada em ir pra Veneza. Lá sim era um lugar romântico.
Depois do seu banho Brigith checou seu laptop e mandou providenciarem malas, depois registrou aquele dia agitado no seu diário e foi ao encontro de Ophelia, trajando apenas seu roupão negro que sua tutora tinha lhe trazido da Itália.
Para a surpresa dela, Ophelia estava na sala de refeições acompanhada por Josh, a morena ficou sem palavras para aquilo. A menina também estava dando uma aula sobre a seita para o jovem, que estava visivelmente detestando. Era engraçado a forma com que Brigith se parecia com Ophelia... Pareciam mesmo mãe e filha, descontando as aparências.

-Hitler só tomou a Alemanha porque nosso líder na época guardava rancor dos cristãos por causa das épocas da inquisição e isso aplica-se a Judeus. Ou tu achas que um pobre hipócrita iria chegar tão longe sem auxilio ou motivo aparente algum?

-Brigith... Graças a deus, essa menina ta me dando medo. Ela tá ligando o nazismo a magia negra! Josh parecia não levar Ophelia a sério por causa da aparência de menininha fofa dela, não a via como a líder toda poderosa dos Velmont. E aquele papo ainda era muito esquisito pros ouvidos do rapaz, certamente ele se enrolou um pouco com as palavras, notou que aquele roupão e cabelos molhados significavam que a garota tinha saído do banho a pouco.

-Não deves agradecer a um deus, o nosso panteão é composto por várias deusas principalmente. Brigith, por que tu me fazes passar por isso? Devias ter escolhido alguém com uma mente mais aberta e produtiva ao invés de um traste desses. – A morena riu, fazia tempo que não via Ophelia animada desse jeito.

-Prefiro ser um traste do que uma anã metida a besta. – Assim que terminou essa frase, Brigith acertou o rapaz com um soco, sem poupar força, na parte detrás da cabeça. Ele colocou as mãos na região da pancada e soltou um gemido de dor, a garota ia bater de novo, mas Ophelia fez um sinal pra ela parar. Ouvir comentários do tipo irritava Brigith profundamente, mais do que a própria Ophelia. Josh não entendia o motivo disso, como várias outras coisas ali. Aquelas duas sem duvida tinham muitos mistérios.

-Decidiste pra onde vais?

-Espanha... Digamos que aquele outro imprestável arrumou um compromisso que me interessa. Então eu decidi ir com ele pra conhecer alguém.

-Aquela mulher... – Brigith notou o suspiro discreto que a garotinha soltou, Ophelia sabia quem ela estava indo ver – Se eu pudesse te impediria de encontrá-la.

-Já disse pra relaxar Pepper... – Era um costume de Brigith usar inglês às vezes, pra mostrar que dominava bem a língua “padrão” do mundo. Costumava chamar Ophelia de Pepper, Pippuria (em finlandês) ou Pimentinha, por causa dos cabelos vermelhos dela. Isso seria um tipo de apelido carinhoso, mas Ophelia parecia não gostar muito de nenhum dos dois. Dessa vez ela não ligou e fitou Brigith com um olhar desanimado, como se não quisesse que ela fosse de forma alguma. E a morena sorriu, foi até a garotinha e a abraçou contra o peito outra vez. Porém Ophelia não desfez o olhar, aquilo nem a irritou dessa vez – Eu sei me cuidar. Não vou morrer no caminho e nem na volta.

-Espero que realmente saibas atrás do que estás indo...

A menina conhecia toda a história da tal mestra da família Sullivan, sabia que tipo de demônio era aquela mulher. No fundo ela sabia o quão era perigoso para Brigith se envolver com ela, porém sabia melhor ainda que quando aquela garota desejava algo, iria conseguir de qualquer jeito. Josh decidiu ficar calado e fingir não prestar atenção na cena, ficou comendo algumas torradas que estavam sobre a mesa, pensando que devia ser um erro colocar uma garotinha na liderança daquela família, pra ele outra pessoa (talvez Brigith) era quem tomava as decisões importantes, já que a própria Ophelia admitia falta de poder pra impedir Brigith. A relação das duas garotas era mesmo incomum. Ele nunca tinha visto algo assim. Seria possível uma criança com idade pra sétima série se sentir no papel de mãe como Ophelia fazia no caso de Brigith, uma adolescente prestes a chegar à idade adulta? Pelo menos o rapaz de cabelos escuros passou a acreditar.

“Vou deixar esse inútil por sua conta... Mãe.”

Na véspera do natal cristão, uma hora antes da meia-noite, foi quando ela se despediu do seu recém adotado pupilo e o deixou aos cuidados da sua própria mentora. Ophelia iria disciplinar aquele garoto melhor que qualquer outra pessoa, assim que ele descobrisse o segredo daquela garotinha, a maldição dela, Brigith tinha certeza que Josh ia passar a olhá-la com mais respeito. Era questão de tempo, preferia que a própria ruiva contasse e provasse a ele. Já ela... Não precisava de prova alguma, ela cresceu observando essa peculiaridade da “mãe”.
E de alguma forma, tinha vontade de livrá-la disso.
Brigith não fez malas gigantes, apenas pegou o necessário. Três trocas de roupas, tênis, meias e roupas intimas (fora o moleton preto com saias vermelhas riscadas e botas que usava na hora) ; perfumes, brincos, batons e acessórios higiênicos que toda garota bem cuidada tem. Fora isso, levou apenas seu laptop, celular e diário. E caminhou para a porta da mansão, onde um carro, Ophelia e Josh a esperavam.

-Por que não levas o garoto junto com você? – Finalmente algo que Josh gostou de ouvir vindo de Ophelia. Era uma boa idéia, ele nunca tinha saído da Finlândia.

-Quem sabe no dia que ele aprender a ter educação com a nossa líder. – Normalmente ela teria aceitado, seria divertido colocar Josh e Louis no mesmo ambiente. Isso se a menina não tivesse guardado rancor pelo jeito que o amigo tinha falado com Ophelia. Ela não admitiria ninguém, absolutamente ninguém, falando daquele jeito com a ruivinha.

-Que saco... – Ele percebeu que essa foi a vingança da amiga, não pode reclamar.

-Bem, então não me resta alternativa a não ser transformar-te em um homem de verdade. – Ophelia sorriu de canto, de um jeito maldoso que só ela e Brigith conheciam, uma troca de olhar entre elas foi o suficiente pra Bri notar que a garotinha ia judiar daquele palerma.

-Má sorte. (Não sou chegado a lolicon...) – Ele fechou os olhos, aborrecido, acenando pra morena que havia dado um abraço demorado na pequena e se dirigido para o carro preto que iria levá-la pro aeroporto. Pelo visto ela tinha ficado com raiva de verdade do que ele tinha feito, se não tivesse ela teria lhe dado um abraço também. O garoto achou melhor prestar atenção no que dizia a partir dali. Era Ophelia a pessoa que Brigith mais amava, acima de tudo. Ele queria saber se a pirralha sentia o mesmo, porque ela era fria demais pra uma criança.

Outra cena estranha ali foi quando a pequenina olhou para um servo ali presente e recebeu dele uma caixa luxuosa de veludo. A ruiva chamou-a e abriu aquilo diante de Brigith que ficou sem palavras ao observar a jóia que estava lá dentro: um amuleto com corrente prata, e pendurada nela, estava uma jóia de um roxo escuro que o rapaz não identificou. Era uma jóia perfeita, linda até para quem não gostava de pedras preciosas. Devia valer milhões.

-Leve isso contigo. Tu já tens idade o suficiente. – Ophelia apanhou a jóia com cuidado e colocou-a nas mãos de Brigith que ainda estava pasma.

-Isso é...

-Sim, o símbolo supremo de autoridade no nosso clã, a Uusikuu. Cuide bem dela. – Bri não acreditou que Ophelia estava lhe dando algo que esteve com ela por tanto tempo, algo tão precioso não só em dinheiro, mas na própria família. Aquilo era algo que só os líderes eram dignos de usar. A morena não colocou aquilo no pescoço, foi Ophelia quem tomou o amuleto das mãos dela e puxou Brigith pela gola da blusa, deixando a cabeça dela baixa o suficiente para colocar aquela corrente de prata em volta do pescoço e fechá-la. – Agora ela é tua.

Foi uma cena e tanto, a morena ficou sem palavras até o ultimo minuto. Joh pensou se significava tanto assim pra ela... Estava indiferente com o presente da garotinha. Aquelas duas se abraçaram firmemente mais uma vez e depois se despediram com olhares iguais, emocionados, acenando uma pra outra.
Quem levou Brigith para o aeroporto foi aquele mesmo servo (careca de tatuagens), o mais confiável de Ophelia, era o homem “de fora” mais próximo e graduado na família. Era um sujeito legal pra um segurança, Brigith se sentia segura perto dele e a vontade pra falar. Mesmo que o tal fosse alguém de poucas palavras. O nome dele era mais um daqueles bizarros finlandeses “Aki Heinonen”, mas era fácil chamá-lo de Aki.
Não era a primeira vez que ocorria aquela cena, ele dirigindo no banco da frente, olhando às vezes pelo retrovisor pra checar se Brigith estava bem. E ela, ficava ali sentada esfregando os olhos, com o nariz vermelho. A diferença era a jóia que ela ficava observando.

-Desculpa, sempre fico assim quando vou pra longe.

-A pequena mestra é muito importante pra você, não é estranho que fique assim quando vai pra longe dela. – Ouvir isso de alguém mal-encarado e com aquela voz grave era engraçado, Brigith riu sem graça. Ainda sentindo vontade de chorar um pouco.

-É sim... Eu quero deixá-la orgulhosa de mim algum dia. Ser uma ótima vice-líder e honrar a nossa família, fazer aquela baixinha sorrir um pouco.

-Lady Ophelia se orgulha de você, mestra. Ela escolheu muito bem sua herdeira. –
A morena sorriu reconfortada e esfregou os olhos com mais força, engolindo aquela sensação. Não via motivo algum pra Ophelia se orgulhar, não ainda. Mas agradeceu ao seu guardião pelo consolo, aquilo a fez sentir-se menos emotiva.

Aki a deixou no aeroporto e dali a morena seguiu sozinha, encontrou Louis em um dos portais, acenando pra ela. Só de olhar praquele exibido Brigith sentiu uma veia lhe saltar na têmpora. Ia ser uma longa viagem... E ela não tinha levado sua shinai de praticar kendô.
Respirou fundo e colocou seu amuleto dentro da blusa.

-Não acha arriscado demais alguém tão importante quanto vossa eminência viajar sozinho com uma garota em TPM constante? – Foi a pergunta inicial, ela estranhou algum líder de clã da Black Rose andar sozinho por ai. Esse cara era um irresponsável.

-Fique sossegada linda. Eu sei me defender e ser discreto. – Louis se ofereceu pra pegar a mala dela, mas Brigith passou por ele deixando a mão do jovem no ar. Rindo, o rapaz levou a mão até os cabelos longos, como sempre fazia em situações dessas que aquela guria lhe proporcionava. – E eu particularmente prefiro viagens a dois.

-Que bom, porque eu tenho lepra. Ia ser um desastre passar pra alguém além de você. – Era uma mentira descarada e irônica, mas até que seria uma boa pra manter aquele oferecido longe. Eles caminharam para pegar o vôo, sem cessar o dialogo.

-Lepra é algo do passado, minha família está nessa seita porque entende bem de ciências gerais, inclusive medicina.

-Herpes.

-Eu posso dar um jeito nisso também.

-Você é nojento... –Brigith olhou pra ele fazendo uma careta enojada.

-Não, estou apenas perdidamente apaixonado por você. – A morena soltou um “tsc” para os risos dele. Era um cara insistente, mas não dava pra saber se falava sério.

-Ótimo então... Um último segredinho pra você: Eu sou homem.

-Bem, isso pode ser um problema de verdade. – Louis riu com mais vontade, e isso acabou por gerar alguns risos discretos da morena também. Ela não duvidava que ele fosse capaz de ter casos com mulheres horríveis em dias de necessidade, mas homens... Já era demais.
Brigith não se imaginava sendo um homem.

Chegaram no avião, melhor classe, a morena era acostumada a vôos mas o cara não parecia ser do tipo que amava grandes alturas. Eles teriam que se sentar lado a lado, Brigith soube usar seu carisma de garota popular pra reverter a situação de acordo com sua vontade, bastou algumas simpáticas palavrinhas pra uma aeromoça:

-Por favor, poderia me arrumar um lugar na janela, longe daquele rapaz? Ele está me seguindo desde que entrei no aeroporto e isso me incomoda um pouco. – Foi simples, ela conseguiu um lugar longe de Louis num estalar de dedos. Fingir que não o conhecia foi maravilhoso, fez ele a olhar torto e abrir a boca pra tentar dizer algo. Mas no fim ele sorriu e piscou para a garota, que respondeu balançando negativamente o indicador pra ele.

A aeromoça quase viu essa troca de sinais, mas Brigith foi rápida no seu sorriso cínico de boa menina, que a enganou mais uma vez.
Louis se conformou em sentar ao lado de uma senhora qualquer.

Algumas horas de vôo e eles aterrissaram em algum lugar da Espanha, e Bri quis matar Louis quando ele disse que o resto do caminho eles iriam seguir pela estrada, de carro.

-Como assim viajar de carro? Não era aqui o tal encontro?

-Eu nunca disse isso moça. A cidade pra onde vamos é mais discreta que uma desse porte, não tem aeroportos e coisas muito grandes do tipo.

-E por que diabos você não disse antes? Esse país é área de influencia da sua família, arrume um helicóptero ou um ultraleve, sei lá.

-Eu pessoalmente prefiro viajar de carro, mas podemos entrar num acordo e eu arrumo um helicóptero pra madame.


-O que você quer? –
Cruzou os braços irritada.

-Um beijo soa justo, não?

Uma hora depois os dois estavam na estrada, a bordo de uma Hummer. Brigith com o laptop ligado nos bancos de trás, aproveitando enquanto a internet sem fio ainda funcionava pra avisar Ophelia que ela tinha chegado bem na Espanha. E Louis estava ouvindo alguns sons agitados espanhóis no rádio. Brigith tinha enfiado seus fones nas orelhas, ouvindo algo mais ao seu gosto: The Rasmus, ela era vidrada nessa bandinha finlandesa. Perdeu as contas de quantos shows deles já tinha freqüentado.
O frio que fazia ali não era nada comparado com o do seu lar, mas o suficiente pra manter um agasalho. As árvores passavam pela janela da caminhonete bem rápido, e a noite estava prestes a cair. O frio deixava os vidros embaçados um pouco e Brigith já sabia que em breve entrariam em uma neblina. Cenário de filme de terror que começa na estrada, Bri amava isso. Nada a fascinava mais que o que era obscuro ou sobrenatural. Pessoas normais a chamariam de louca psicótica no mínimo. Levou algumas horas para a internet cair e o rádio sair do ar, sem opções, outro dialogo iniciou-se entre os dois.

-Vai demorar muito ainda?

-Se está entediada vem aqui pra frente. – Ele sorriu brincando, e ajustou o retrovisor pra poder olhar a morena que estava de pernas cruzadas uma sobre a outra, e de saias naqueles imensos bancos. Se ele se esforçasse até via partes do que queria ver, mas era perigoso fazer isso dirigindo numa estrada escura de neblina.

-Dispenso. Eu só não quero dormir aqui com você, para em algum hotel. Amanhã nós continuamos a viagem. – A garota não reparava em Louis mexendo no retrovisor.

-Nessa velocidade a gente chega lá em uma hora e meia. Não tem necessidade de parar pra descansar, tenho gasolina o suficiente. Se viajar é muita pressão pra você menininha, é melhor desistir das férias que você planeja ter. – Ela soube que aquilo foi pra dar o troco sobre o que ela tinha dito ainda na mansão dos Velmont.

-Idiota... Eu não disse nada sobre a viagem ser cansativa, só acho você insuportável. É algo bem simples de se entender. Ah é, esqueci que seu cérebro é dividido em duas partes miúdas redondinhas que ficam no seu saco escrotal ao invés do crânio. Isso deve afetar sua percepção de coisas óbvias como essas.

-Você é uma guria bem simpática sabia? – Louis era bem paciente e tinha um espírito esportivo excelente, mas a implicância da morena já estava enchendo...

-Só quando me convém.

-Fica falando sobre eu ser pervertido aí, mas você pelo visto também é bem ousadinha pra escolher calcinha. Parece até lingerie vendo daqui.

Só então a garota notou o motivo de ele olhar periodicamente no espelho, a primeira reação dela foi colocar a mochila por cima das pernas e xingar ele de algum palavrão em voz alta. Iria até arremessar algo contra a cabeça dele, se aquele pervertido não estivesse dirigindo. Porém no meio do “Presta atenção na estrada seu filho da...” ela viu algo quase do tamanho de um cavalo na estrada, Louis percebeu tardiamente e bateu naquilo de lado. O que causou um estrondo muito alto e alguns vidros quebrados, sem falar na lataria amassada. A caminhonete deslizou pela estrada úmida, e o homem perdeu o controle entrando no meio de uma fazenda perto das florestas por quais passavam. Brigith segurou-se em algum lugar e protegeu a cabeça, e o laptop, claro. Foi preciso bater em algumas cercas e por fim numa arvore no meio do mato pra parar aquela Hummer.

Louis falou mil palavrões em espanhol ao ver aquele estrago todo e Brigith ficou olhando para trás, imaginando se seria alguma vaca ou animal desse porte que eles tinham acertado. Depois que tudo se estabilizou, ela respirou fundo e checou suas coisas. Tudo em perfeito estado, inclusive ela mesma. Só então olhou pra ele.

-Satisfeito agora?

-Isso lá é horas de deixar uma merda de um animal desse tamanho solto na estrada?! Agora eu quero ver o que a gente vai fazer pra chegar na cidade mais próxima!

-Não vamos ir a lugar nenhum a essa hora. Já é quase uma da manhã, larga esse seu orgulho masculino idiota de lado e vamos procurar um lugar pra dormir.

-E onde a madame sugere? No alto de uma dessas árvores?

-Se você quiser bancar o Tarzan, tudo bem. Eu prefiro ir pedir abrigo naquela casa de campo ali. Pessoal do campo é mais fácil de dobrar do que o da cidade.

-Sabe falar espanhol por acaso?


-Sim, um pouco. Até logo. –
A morena então pegou suas coisas e se agasalhou mais um pouco, com um casaco mais pesado, saiu da caminhonete e bateu a porta. Agradeceu por estar de botas, o chão estava úmido, meio mole e lamacento e o mato era quase da altura dos seus joelhos. A Hummer tinha praticamente rachado a árvore que bateu no meio, mas dava pra ver que o motor estava danificado.

Ela caminhou sozinha naquele frio por pouco tempo, chegou a achar ter visto uma criança perto da estrada, olhando, até que Louis socou o volante revoltado com o acidente e pegou seu sobretudo marrom, saindo e trancando a Hummer. Ele sabia que Ophelia iria caçá-lo até os confins do mundo se acontecesse algo com Brigith, então era melhor acompanhá-la. Apenas por precaução.
A garota percebeu a aproximação dele fácil, o azarado não usava botas. Dava pra se ouvir os xingamentos dele a cada pouco de lama que entrava dentro de seus sapatos ou sujava sua calça cara. Isso arrancou um riso maldoso da morena, que comentou com ele quando já estava perto o suficiente pra ouvi-la:

-Estive pensando... O que era aquilo no meio da estrada? Conseguiu ver?

-Acho que algum touro ou cavalo. Só deu pra ver que andava de quatro e tinha uma coloração meio acinzentada, seja lá o que for, conseguiu estragar meu dia melhor do que você.

-Nunca vi touros cinza. Mas acho que existem... E se for algum animal selvagem? Um predador?
– O sorriso de Brigith tomou outro ar, queria tentar assustar o companheiro – Seria interessante se ele viesse correndo atrás de nós agora não? Como num filme de terror.

-Estamos atolados nessa merda de barro e com essa idade você ainda imagina essas coisas? Quer tanto assim ser comida por algo grande?

-Ambígua a sua pergunta. Mas se quer saber, acho que atacaria você primeiro. É o maior.


-E você a mais frágil. Acho que estamos no mesmo patamar. –
Nesse momento eles já estavam bem próximos daquela casa, apenas a luz da sala estava acesa ali. Pularam uma cerca no caminho, atolando os pés em mais barro. Devia chover bastante ali, e olhando por um lado... Aquilo não parecia uma fazenda que criava gado.

-Eu frágil? - Bri olhou pra ele de canto, ela era bem graduada em Tae kwon do, um dos motivos de ser uma ótima corredora e ter pernas bem “saudáveis”. Porém Louis moveu um pouco o sobretudo e relevou uma pistola pendurada nele.

-Sim, frágil.

-Que seja. – Ela soltou um “tsc” e subiu as escadinhas de madeira da casa, que a deixaram bem em frente a porta. Então tomando fôlego, usou o seu espanhol enferrujado pra chamar alguém. Louis a seguiu e ficou olhando pro mato, talvez as palavras de Brigith tivessem o deixado um pouco paranóico.

Já era tarde, para uma fazenda, era estranho ver que tinha alguém acordado àquela hora. Gente que mora em tais lugares costuma dormir muito cedo comparado ao povo da cidade, a morena pôde ouvir alguma comoção lá dentro. E então ouviu um uivo ao longe, assustou-se virando pra Louis que colocou um mão pra dentro do sobretudo. Era engraçado ver que ela tinha conseguido colocar minhocas na cabeça dele sobre aquele assunto de ser perseguido por algo que pudesse matá-lo, mas Brigith admitia que aquele não era o cenário mais agradável pra se ouvir um uivo. A porta de madeira se abriu subitamente, num outro barulho que assustou ambos. E a garota se deparou com um cinqüentão robusto, não muito alto e com cabelos e bigode castanhos escuros. Ela nem se incomodou em ver o tal apenas com um roupão, que indicava que ele devia dormir nu ou coisa do tipo. Causava náuseas só de imaginar a cena... O que chamou a atenção foi o rifle na mão do homem. Louis ia se movimentar, mas Brigith fez um sinal por trás das costas pra ele esperar.

-Me desculpe estar importunando essa hora, mas é que nosso carro quebrou...

-E o que quer que eu faça? – Falavam no idioma local, obviamente.

-Bem, eu pensei na possibilidade de ficar por aqui até amanhã pelo menos. Eu tenho dinheiro, prometo que não vamos atrapalhar o senhor. – O homem segurou o rifle com apenas uma das mãos e olhou bem para a cara de vitima que Brigith fez, caminhou um pouco e deu uma olhada pela varanda da casa e em seguida para Louis. Chegou a respirar fundo encarando ele, mas acabou por dar espaço para Brigith passar pela porta – Entrem. Nós estamos com uns problemas por aqui, não é boa idéia ficar fora de noite.

Brigith passou pela porta vitoriosa e lá de dentro sorriu para seu companheiro de viagem, que retribuiu discretamente. Aquela “menininha” até que sabia bem fazer caras de dar dó. A primeira vista ele achou que o homem iria jogá-los pra fora só pela cara de mau humor.
Já pro lado de dentro, estava tudo escuro exceto por um uma lâmpada pendurada no teto da sala. A casa era toda de madeira e poderia até ser aconchegante se fosse um pouquinho mais luxuosa, Brigith via uma escadaria indo pro segundo andar, uma cozinha com louça suja e restos de comida na mesa, outra escadaria, só que descendo pra um tipo de porão e por fim, um quarto vazio.

-Tem um quarto vazio aqui em baixo, cama de casal. Vocês cabem nele e aqui não tem coisa melhor. – Esbravejou o homem que trancava a porta com chaves e uma tora de madeira. Brigith murmurou no seu tom de pidão algumas coisas pra tentar melhorar.

-É que... Nós não somos um casal, senhor. Eu estou noiva e ele é o irmão do meu noivo, pode ser problemático se nós dormirmos na mesma cama.

-E que raios você ta fazendo viajando com ele então?

-Meu noivo foi visitar a mãe e mandou ele me pegar no aeroporto, já que acabo de chegar na Espanha, por causa de uma entrevista de emprego que tive que fazer eu acabei ficando sozinha. A mãe dele detesta esperar, então achamos melhor fazer isso. Estávamos indo pra lá quando o acidente aconteceu.

O velho coçou o bigode, olhando pra Brigith que juntou as mãos na frente das pernas. E acabou engolindo aquela mentira, soltando um “Hm” com seu tom de voz horrível. Pelo visto tinha se cansado de esperar o que ele estava esperando ali na sala e iria dormir, murmurou alto enquanto subia as escadarias:

- Tem um colchão lá no porão, tá fácil de achar. Depois apaguem a luz. – Quando o homem sumiu de vista Louis olhou pra cara da mentirosa, Brigith sorriu de novo e entrou no quarto, largando suas coisas em cima da cama. Louis a seguiu.

-Eu vou pegar o colchão, mas não quer dizer que você vai ficar com a cama.

-Tanto faz, tenho certeza que esse galinheiro ta cheio de pulgas mesmo. – Aquela foi a Brigith sincera, o rapaz de cabelos castanhos se assustava com a garota às vezes.

A esperteza das mulheres da Black Rose era algo a se temer sem dúvidas. Ela tinha contado toda uma mentira rapidamente, e com tanta convicção que até ele poderia acreditar que era mesmo o irmão do noivo inexistente de Brigith.
Caminhou pro porão sem pressa e clareou o lugar com seu celular, já que sabia que não ia encontrar um interruptor ali. Passeou pelo local uns cinco minutos, aquilo estava cheio de utensílios de fazenda, facões, foices, motosserras e afins, era um local amplo, mas conseguia ser apertado ao mesmo tempo. Podia-se ver luz da lua entrando por uma janelinha embaçada que ficava na altura do chão lá de fora. Fedia a esterco, então devia ter sido mesmo uma vaca o que ele acertou na estrada.
Louis achou o colchão e foi até ele, enrolou e colocou aquilo debaixo dos braços. Também não cheirava muito bem, mas parecia macio. Não poderia ser melhor...
Já estava prestes a subir as escadas quando ouviu passos, não eram passos comuns, mas sim pausados. Como se fosse algo ferido, mancando. O rapaz virou-se pra dentro do porão de novo erguendo o celular pra iluminar o local, mas o que viu o fez fechar o aparelho pra apagar a luz imediatamente. Os sons não vinham de pés, mas sim de patas caninas. Quatro patas imensas que passaram por aquela janelinha, do lado de fora da casa. Uma delas quase não tocava o chão, se arrastava.
Aquele não era um cão ou lobo normal, pelo que ele viu... Devia ser do tamanho de um cavalo, ou um pouco menor. Uma leve impressão de que não tinha sido um bovino que ele tinha atingido na estrada atravessou sua mente.

-Maldita bruxa finlandesa de boca grande...

Louis esperou um pouco até parar de ouvir as pegadas e subiu para o quarto bem rápido, depois daquilo, ele iria forrar o colchão fedido no chão e dormir ali.
Brigith podia ficar com a cama, já que ela seria a primeira coisa a ser vista caso alguém abrisse a janela. Como diria aquela frase de cavalheiros: “As damas primeiro.”

“There’s always a lot of beauty hiding under the dark mantle of the night.”

Um comentário:

  1. hum...
    eu acho que esse começou melhor q o primeiro....

    é mais longo, o suficiente pra ser um capitulo de um grande livro..........

    ResponderExcluir