sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Coisas que acabam saindo da cabeça

"Eu sempre pensei que se você fosse forte conseguiria chegar onde você quer,
e talvez até consiga se der um pouco de sorte.
Mas ser forte, sonhar, ser fiel às pessoas e aos seus principios, ser diferente nesse mundo só
compra um ticket com destino à uma eterna solidão pra você.

As pessoas são hipócritas, mentirosas.
Como é possível aceitar um mundo assim ? Qual é a mágica que as pessoas sensiveis fazem pra conseguirem continuar em frente com um sorriso no rosto e serem tão fortes, mas ao mesmo tempo tão fracas e frágeis ?
Talvez nesse tempo todo eu tenha sido forte demais, e tenha esquecido das coisas importantes que só quem já foi fraco sabe.Talvez eu tenha machucado demais quem gostou de mim de verdade, e tenha dado importância demais com quem sempre me viu como uma segunda opção e sempre me tratou como lixo. Mas uma coisa eu aprendi...

Quem é forte constroi o destino.
Escolhe seus amigos, seus amores, sua vida.
Mesmo que seja um caminho difícil e pouco recompensador, que mais vai fazer você se decepcionar com a capacidade que as pessoas tem de serem todas ridiculamente iguais.

Enquanto os fracos estão fadados a aceitar o lugar em que o destino deles colocá-los.
A ficarem satisfeitos em não realizarem seus sonhos e não lutarem por nada, por ninguém.
E o pior de tudo, estão fadados a machucar quem os amou com essa fraqueza.

Como dizem por ai...
Sem força não se pode proteger nada. Nem a si mesmo.
Nem aos seus sonhos.

Fico pensando se um dia eu vou mesmo alcançar a minha ambição.
Ter algo pelo que lutar. Algo que lute por mim.
Talvez então ser forte vá valher a pena.


Não... Eu não vou olhar pra trás"

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Um conto sobre heróis

Um paladino com armadura prateada, recebendo uma missão daquele seu deus pra eliminar o mal da terra, combatendo dragões, acumulando tesouros, mulheres, naquele cavalo caro e belo, empunhando um escudo cheio de jóias e a espada sagrada feita por ferreiros divinos, dignos das histórias dos bardos... Essa foi a grande ilusão que aquele homem sempre quis que fosse real no caso dele, um guerreiro puro, salvando o mundo contagiando tudo com aquela poderosa e bela luz de bondade. Esbanjando uma aura tão radiante que encheria os corações daqueles que já não conheciam mais a esperança, com a dose mais pura da mesma.
Mas o que ele era? Só mais uma vitima de um mundo sem heróis.

Aquele mundo já estava quebrado há muito tempo... As épocas dos reis gloriosos já haviam passado, bem antes de ele nascer. Alias... Ele podia se lembrar brevemente do que era ter uma família. Antes do reinado, daqueles três reis-heróis, ter sido corrompido. Todos eles eram aclamados por terem defendido o mundo de demônios, orcs, vilões semelhantes àqueles tiranos de livros de historia e contos épicos... Mas a sorte daquele garoto foi tanta que ele pode ter uma vida normal até os cinco anos de idade no máximo. Foi naquela maldita época que aqueles três reis haviam caído. Os heróis haviam sido derrotados pelos vilões, corrompidos por eles. Os reis bondosos haviam se tornado algo que nem poderia ser chamado mais de humano. Aqueles cavaleiros com armadura e espadas reluzentes, que carregam com orgulho a bandeira dos seus reinos, que antes protegiam os indefesos agora só davam as caras se fosse pra brincar com as vidas dos tais. Homens esquartejados na frente de suas esposas, jovens estupradas e qualquer resistência esmagada. Aquele maldito mundo tinha sido jogado nas trevas. Quem ele havia se tornado?

Seu nome era Blank, seu sobrenome não era importante. Sua família tinha sido uma das muitas que foram massacradas durante aquela bizarra reviravolta na personalidade dos governantes dos três reinos.
Não era alto e nem baixo, possuía um físico avantajado e maltratado como conseqüência da vida que ele tinha que levar. Cabelos negros que chegavam aos ombros, cicatriz no queixo, olhos negros e profundos, roupas também negras que deixavam apenas os braços a mostra, pedaços de armadura negra nas pernas, ombros e mãos... Era o que ele julgava necessário pra não ser atrapalhado na movimentação, mas o que realmente chamava atenção eram as duas espadas longas que ele carregava nas costas. Pareciam ser pesadas, e de fato eram. Maiores que as pernas do rapaz e tinham quase a mesma largura delas se viradas de lado.
Pra ele, a única coisa chamativa na sua aparência era aquela Runa que havia aparecido no seu braço direito. Não era mágica, ele não podia lançar fogo ou coisa do tipo como os guerreiros rúnicos que ele tinha visto conseguiam fazer. No que aquilo seria útil?
Um homem da raça imortal dos Místicos que havia passado pela taverna outro dia tinha dito pra ele que era uma Runa especial. Que não poderia ser encontrada em lugar algum, era única. Runas únicas assim eram raras, mas pra Blank, se ele não podia usá-la pra matar algo e trabalhar devidamente, era inútil. Especial ou não.

Qual era o trabalho? Muito simples.
Já que os soldados não protegiam mais porcaria nenhuma no reino, quem tinha que manter as criaturas perigosas que agora estavam infestando aquele mundinho eram mercenários. Os donos de estalagens, prefeitos de vilarejos ou cidades pagavam. Bem pouco, mas dava pra ter algum conforto vivendo daquilo. Quanto maior o perigo, maior o pagamento. Mas Blank não fazia aquilo pelo dinheiro. Na verdade ele não sabia por que fazia... Era a única coisa que ele fazia bem, usar aquelas espadas pesadas pra cortar coisas vivas. Ou mortas, tanto fazia.
Não havia outra coisa que ele quisesse fazer na sua vida, tinha sido assim sempre. A velocidade e força que aquele jovem tinha pra manusear as espadas era espantosa, o que fez os contratos crescerem cada vez mais. Em pouco tempo a fama dele pela região tinha se espalhado bastante, mas era diferente da fama de um herói.
Não existiam mais heróis, ele era apenas mais um caçador pago. Sem mérito ou glória.

Daquela vez ele tinha sido pago por uma vila que carregava o nome simples de “Shan” tinha ouvido falar que era o nome de um mestre espadachim que morou na região uns tempos atrás. Ter uma vila com seu nome como homenagem era uma das coisas que Blank julgava ser reservadas praqueles heróis antigos, nos quais ele pensava tanto.
A chuva estava forte demais pra ele se distrair com sons, ele estava sendo pago pra eliminar um grupo de saqueadores conhecidos como “Lobos Cinzentos”, que estava infernizando aquela vila, e não pra ficar remoendo suas fantasias com heróis. Tudo que ele sabia é que eles estavam naquela casa no meio da floresta, tinha sido um pouco difícil chegar ali. Sua salvação foi ter enxergado alguma luz no meio das arvores. Uma luz que simplesmente condenou todos aqueles ladrões indiscretos.
A chuva pesada ajudou a abafar o som, ele nem precisou se esforçar pra se aproximar daquela casa com as espadas se arrastando na terra molhada. Quando chegou na varanda, debaixo de um teto que o protegesse da chuva pelo menos, apoiou-se na parede de madeira e passou o rosto contra os braços, tirando um pouco da água dos olhos e o cabelo molhado da face. Ouvia vozes, chegou a prestar atenção na conversa apenas pra se certificar de que aqueles eram os alvos mesmo.

-... E o que você fez com a mulher? – Perguntava uma voz grave, masculina.

- Está desmaiada no porão. Os outros a desarmaram. Tem alguma idéia do que diabos aquela vadia pode ser? Será que mandaram ela aqui pra matar a gente?

- Como se aquela porcaria de vila tivesse ouro pra pagar alguém bom pra fazer isso, só um idiota viria atrás da gente aqui. Acho que ela deve ser só uma viajante que deu azar de ser atacada nesse fim de mundo.

- As armas que ela tava usando não eram de uma simples viajante.

- Quem liga... Ela vai acabar morta de qualquer jeito. Isso se o patrão não quiser brincar com ela antes de sangrar a vagabunda.

Risos e mais risos... Blank também riu baixo daquilo. Apesar de ele ser uma pessoa fechada. Só idiotas pegariam um contrato daqueles? Então ele era um idiota, e dos grandes. Tudo que ele queria era uma desculpa pra usar aquelas suas laminas. Não era pelo dinheiro, não era pra ser um herói. Heróis precisavam de motivos bons pra matar alguém.
Ele não.

Caminhou pra perto da porta em silencio e bateu nela duas vezes com o joelho, e bem... O silencio que veio a seguir lá dentro indicou que eles tinham ouvido. Blank fechou os olhos. Focou-se no ranger que chão fazia com cada passo dos dois. E quando ele viu uma sombra embaixo da porta e um ranger mais forte, foi o suficiente pra ele fazer o resto. O que ele fazia de melhor, a única coisa que ele sabia fazer.
Atravessou aquela porta com uma de suas laminas, sentiu ela varar a madeira e a carne da outra pessoa que estava do outro lado. E com um chute ele derrubou a porta em cima da pessoa, deixando a espada livre mais uma vez. O que ele viu em seguida?
Um homem magro de cabelos longos, com um punhal na mão. Que olhou pra ele aterrorizado, começando a gritar pra quem quer que estivesse ali dentro daquela casa.
Blank pulou em cima da porta e depois pra dentro da casa, encarando aquele homem, o que será que ele ia fazer? Parecia do tipo que fugia.
Mas não... O jovem tinha subestimado a coragem daquele rato. Ele avançou com o punhal nas mãos, gritando como se quisesse amedrontar alguém. O movimento de Blank foi simples, com um único golpe vertical ele quebrou o punhal e arrancou a mão do homem. O segundo golpe com a outra espada foi direto no pescoço, estava acabado. O único som que seguiu foi o baque do corpo caindo no chão.
Quem dera tudo estivesse acabado ali... Seria fácil demais. Sem graça.
Ele viu mais cinco pessoas descendo apressadas pelas escadas do segundo andar do esconderijo. Era um bando afinal. Deveriam ter no mínimo umas dez pessoas, ou mais. O que ele sabia era que os números deles tinham se reduzido em dois. Que os outros oito viessem...

Só precisou se posicionar de frente pra escadaria, eles vieram de um por um. E Blank começou sua dança com aquelas duas laminas imensas. Podia sentir o aço rasgando a carne deles, cortando ossos... Chegava a ser engraçado como o poder sempre proporciona uma sensação prazerosa. E aquela brutalidade era prazer pra ele. O jovem não podia dar vidas, não podia mais salvar vidas naquele mundo. O único prazer que lhe restava e que os heróis deveriam ter também era aquele. Tirar a vida de quem ele julgava ser seu inimigo.
Foi tudo rápido, quando ele voltou a abrir os olhos os corpos estavam jogados por todos os lados. Era apenas uma de suas manias, lutar de olhos fechados. Se concentrando apenas nos sons. Confiando apenas nos seus ouvidos, mesmo que fosse difícil se esquivar de uma espada guiado apenas pelo zumbido do metal no ar. O cheiro de sangue lá dentro estava mais forte que o cheiro de terra e mato molhado causado pela chuva que continuava castigando a casa.
Quantos eram? Cinco... Seriam sete no total agora.

Blank subiu as escadas sem pressa. Nada lá em cima além de camas desarrumadas e armaduras velhas que aqueles homens não tiveram tempo de colocar antes de descerem pra confrontá-lo. Sorte? Nada disso.
Eles haviam mencionado um porão, coisa que ele não demorou muito pra achar. Tinha uma portinha debaixo da escada e ali a entrada pro tal porão. Com certeza teriam mais pessoas ali.
Foi ótimo quando no meio da sua descida ele pode ouvir uma voz arranhada:

- Barton, é você? O que diabos tá acontecendo ai em cima?

- Lamento... Mas acho que o Barton não vai conseguir te responder. – O moreno nem hesitou em dobrar aquele corredor e encontrar mais um daqueles homens.

Por que todos gatunos daqueles tinham que ser parecidos? Quase todos eles eram barbados, e deviam ter de trinta anos pra cima. Alguns mais magros aparentavam ser mais jovens. Mas aqueles homens não eram guerreiros... Eram camponeses, com um treinamento bem básico no uso de espadas e punhais. A que ponto aquele reino tinha chegado?
Com certeza eles não tinham iniciado carreira num bando de ladrões por querer. Aqueles homens deviam ser alguns dos muitos que tiveram seus lares destruídos pela situação em que tudo se encontrava agora. Se eles fossem treinados conseguiriam bloquear pelo menos um único golpe de Blank. Mas não... Aquilo não teve graça.
Foi como massacrar pessoas indefesas.

Depois de perambular por aquele porão por pouco tempo, ele se surpreendeu com a quantidade de salas que o lugar tinha. Conseguiu achar pilhagens, mais camas, comida, mais homens... Já devia ter matado uns quinze agora.
E foi com o ultimo deles que Blank achou a chave praquela sala que estava trancada. Só mais uma sala, talvez não tivesse ninguém ali. Alias... Ele se lembrou de alguém que estavam mantendo prisioneiro, uma mulher não era?
Destrancou a porta e a abriu, empurrou-a com o pé mais exatamente. E lá estava a tal mulher... Amarrada numa cadeira, de cabeça baixa. Ela trajava vestes incomuns. Devia ser dos reinos do sul, onde ninjas eram famosos. Os símbolos naquela roupa branca dela eram desconhecidos, e ela não usava armadura alguma. Só uma cota de malha leve por baixo da blusa , e também usava shorts que lembravam cota de malha por baixo da saia aberta nas laterais. Com exceção daquilo, as vestes dela eram brancas e justas. Ela usava luvas, botas e um corset negro. Era uma mulher atraente, de cabelos louros que chegavam até um pouco depois dos ombros, o que a tornava peculiar era a mecha negra que brotava nos seus cabelos. Devia ser um tipo de costume da sua terra nativa.
Blank cravou as duas espadas no chão, na frente dela. E caminhou cuidadosamente até poder estender a mão pra tocar a cabeça daquela mulher. Ela ainda respirava e como era uma prisioneira, não havia necessidade de matá-la também. Seu trabalho ali tinha acabado.
Ao menos era isso que ele pensava.

Ela foi rápida... O suficiente pra segurar o braço do rapaz e torcê-lo, depois de ter girado no ar e prendido ele com as pernas. Já estava solta então? Com certeza ela teria se libertado sozinha e estava apenas esperando alguém ser idiota o suficiente pra tentar tocá-la. Aquela pessoa definitivamente era treinada. Finalmente alguma dificuldade no seu pequeno contrato.
Sem hesitar, ele apanhou uma faca pequena que levava consigo e a cravou em uma das coxas nuas da mulher. Porém foi tarde demais, ela já tinha se movimentado. Mesmo depois que ela rolou pelo chão soltando um gemido agudo de dor, o braço de Blank começou a queimar. Ele não podia mais movê-lo. Aquela desgraçada devia ter deslocado um dos ombros dele. E tinha que ser justo o direito?
Com a mão esquerda ele apanhou uma de suas espadas e ergueu na direção dela. Fitando a garota com frieza. E ele viu no olhar dela o mesmo tipo de frieza que o seu possuía. A diferença era que os olhos dela eram de um castanho esverdeado curioso. Ela estava desarmada. Blank não tinha sido mais idiota ainda pra deixar sua faca na perna dela. Um movimento agressivo e ele estaria preparado pra partir ela no meio. Mas para a sua surpresa, ela falou. Sua voz era mesmo agressiva. Mas era um jeito agressivo natural... Ela parecia ser uma pessoa agressiva, rebelde.

- Você... Não está com eles, está?

- Não. – Sua própria voz foi curta. Direta.

- Então quem é você? Um mercenário?

- Pode-se dizer que sim... Eu vim aqui a trabalho. Pela cabeça deles.

- Como eu posso ter certeza? – O olhar dela continuava firme. Será que ela achava que podia reverter aquela situação ao seu favor?

- Eu não pretendo te convencer de nada.

Se ela quisesse sangue, é o que eles teriam. Pela milésima vez naquela noite ele pensou que não tinha propósito em querer ser um herói. Se ele tivesse que matá-la ali, tanto fazia. Isso não ia mudar o mundo em nada.
Mas Blank pôde perceber hesito no olhar dela. O que foi o suficiente para ele julgar que não deveria perder tempo ali, e que seu braço estava lhe proporcionando uma dor insuportável. Guardou a espada nas costas e tratou de colocar o ombro no lugar.
Uma sensação péssima...
A garota abaixou a guarda e ficou apenas olhando para aquele jovem, como se o analisasse. Coisa que o desagradou. Ele odiava quando alguém o olhava de um jeito que desse a parecer que queriam adivinhar no que ele estaria pensando na hora.
No que ele estava pensando? Em como seu encontro com aquela garota iria acabar.

- Qual o seu nome? Quem te mandou? – O tom agressivo dela parecia o mesmo.

- O nome... Blank. O contratante não é da sua conta.

O silencio a seguir fez a mulher virar-se e começar a procurar coisas dentro de um baú que estava ali no canto da sala. Por que não tentar se comunicar com ela afinal? Mesmo que ele não tivesse ilusões sobre fazer amigos àquelas alturas, seria bom descobrir quem era ela.

- Você é do sul?

- Eu não tenho um lar. Não sei de onde eu vim.

- Uma nômade então?

- Pode me chamar assim se quiser. Mas eu planejo ter um lar em breve.

- Nesse reino? – Ele quase riu. Caminhou em direção da porta.

- Sim. Eu pretendo construir meu “lar” aqui.

- Então eu sugiro que você desista do lugar e pegue um barco pra outro continente. Vai ser mais fácil. – Ele viu a garota achar o que queria no meio daquela baderna. Eram duas shurikens grandes, do tamanho de uma cabeça humana. Até um pouco maiores. Possuíam correntes penduradas no centro delas, as quais a garota loira prendeu nas suas luvas. Armas típicas do sul, bizarras.

- Eu sou patriota o suficiente pra ficar aqui. – Ela passou por ele, e começou a rumar para a saída da casa. Blank a seguiu.

- E qual seria seu plano? Não parece tão ignorante assim a ponto de achar que pode mudar e lutar contra uma não inteira sozinha.

- A rainha Allienny do terceiro reino se voltou contra Natra. Contra o próprio rei dela. E eu estou procurando a mulher pra me juntar à pequena revolução dela.

- Uma rainha se voltar contra o próprio marido... Que tempos estranhos.

- Poder feminino. E por outro lado... Parece divertido.

- Porque você quer lutar contra Natra? Contra os reinos?

Já estavam do lado de fora agora, aquela caminhada não foi nenhum pouco longa. Ela olhou pra aquela chuva com desanimo, mas mesmo assim foi pra fora. Se molhando inteira, sem medo ou receio. E quando já tinha dado alguns passos em direção à floresta ela gritou, para que sua voz pudesse ser ouvida em meio ao barulho da chuva.

- Você gosta do nosso governo, Blank? Gosta de ver esses desgraçados matarem os filhos na frente dos pais? Gosta de ver essas garotas que ainda brincam de boneca serem violentadas sem ter direito a reagir? De ver nossos reis cobrarem dos aldeões comida que eles não têm nem pra si mesmos?

Blank ficou em silencio. Como devia responder aquilo?
Era obvio que não era agradável, mas aquela era a realidade. Eles tinham que encará-la e aceitarem o fato de que não podiam mudá-la tão fácil assim. Só com determinação. Porém, as palavras que aquela garota disse a seguir naquele dia de chuva ficaram marcadas pra sempre na cabeça daquele jovem. Palavras simples... Infantis:

- Eu sempre quis ser uma heroína. Sempre quis salvar o mundo, estar nas canções dos bardos. Seria uma idiota se deixasse esse sonho morrer só porque tudo parece sem esperança não acha? Se você prestar atenção... São nesses momentos que surgem os heróis. Se o mundo fosse perfeito, heróis não seriam necessários, não acha?

E com um riso, ela correu pela floresta.
Blank ficou estático ali. No meio daquela chuva. Teria ele desistido tão fácil assim? Por um momento ele pôde se ver pequeno de novo, se imaginando um paladino de armadura prateada. Lutando ao lado da renomada Ordem dos Cavalheiros Dragões contra criaturas abissais e contra os tiranos que governavam aquelas terras.
Talvez aquela garota tivesse razão. Heróis de verdade nunca poderiam aceitar a realidade como ela era. Blank só conseguiu apressar o passo minutos depois.
Só chegou à vila ao amanhecer e isso apenas pra encontrar tudo destruído. Em ruínas.
O que ele pensou? Nas palavras daquela garota que ele resgatou por acidente.
Tudo que ele conseguiu fazer foi caminhar pela vila em silencio, tudo tinha sido queimado até o chão. E num dia chuvoso... Trabalho de magos provavelmente.
Famílias destruídas, crianças tentando inutilmente reanimar os corpos de seus pais, sonhos destruídos, violentados... Aquilo era a realidade.
Como aquela garota conseguia ter esperança em meio a tanta desgraça? Blank a viu ali, tentando ajudar em uma coisa ou outra. Tirar alguém do meio de escombros, confortar alguma criança ou mãe desesperada. Coisas que ele mesmo não era bom em fazer.
Avistou um velho sentado no chão, perto do poço que ficava no centro da vila. Achou que seria boa idéia pelo menos tentar saber o que estava havendo.

- Ei velho, o que houve aqui?

-... Nós não conseguimos pagar as taxas a tempo. Acho que eles nos usaram de exemplo.

Exemplo? Aquele massacre inteiro só pra dar uma lição... Isso era patético.
Blank voltou seus olhos para aquela garota. Pôde ouvir um nome, ela se apresentou pra alguém ali como “Annika”. Eles estavam felizes por terem salvado uma criança que estava dentro de uma das casas que ainda queimava. O que havia de bom nisso?
Salvar uma vida sendo que dezenas delas foram perdidas... Blank não conseguia entender de onde aquelas pessoas tiravam forças pra sorrir. Sendo que haviam perdido tudo.
E também não entendeu o que o moveu na direção daquelas pessoas. O que fez com que ele ajudasse nos salvamentos até que mais ninguém naquela vila estivesse desaparecido. Quando eles terminaram o serviço, uma garotinha de uns treze anos sorridente veio correndo pra ele. Cabelos castanhos cheios de cachos e olhos claros, vestida com algo pobre, mas que a deixava graciosa da mesma forma. A menina lhe entregou uma flor branca e fez uma reverencia, levantando as laterais do vestido educadamente. E então se retirou correndo, enquanto o jovem ficou olhando para a flor em silencio. Os raios de sol foram surgindo entre as nuvens que estavam se dissipando, iluminando o lugar. Ele podia ouvir choro, gritos, mas em meio a isso ele via pessoas emocionadas por terem reencontrado alguém importante que deveria estar morto àquelas horas. Ele mesmo tinha ajudado a salvar algumas das pessoas que não deveriam mais estar vivas.
Aquela garotinha não tinha mais o que oferecer em troca além daquela delicada flor. Os aldeões por outro lado, estavam se reunindo nos lugares que tinham restado inteiros no vilarejo. Levando os feridos para quem entendia de ervas medicinais, os mortos para o cemitério da vila. Alguns até mesmo estavam começando a reconstruir casas.
Seu tempo ali tinha acabado. Não havia mais nada a se fazer por aquelas pessoas.
Aquele não era seu lar, assim como aquela garota tinha dito, Blank também não tinha um lar. Então era hora de partir e deixá-los com as suas próprias dores.

Caminhou pra fora do vilarejo, indo pro sul enquanto consultava brevemente sua bússola. Não teria comida pra viagem, provavelmente teria que parar pra caçar ou apanhar frutas em alguma arvore. Seria uma viagem bem cansativa até a cidade mais próxima, que se chamava Natain. Ele teria que atravessar uma caverna e andar durante dias pra isso.
Quando percebeu, ele já tinha caminhado quase vinte minutos, estando distraído com aquela flor. Relembrando-se da pequena que havia lhe dado aquilo.
Foi nessa hora que ele notou Annika parada do seu lado, com um sorriso iluminando o cansaço do seu corpo. Ela tinha trabalhado demais na vila, mas ele também estava cansado. Nem notou quando a garota tinha se aproximado. Sendo que sua audição era extremamente aguçada. Sentia-se pesado, com sono.

- Adeus pagamento?

- É... Acho que o prefeito da vila foi o primeiro a morrer. Vou ficar sem dinheiro se não arrumar outro contrato logo.

- Mas pelo visto você ganhou algo mais precioso. – Ela apontou pra flor.

- Uma flor? Isso não vai me comprar comida. – Largou aquela flor no chão e rumou em direção à saída do vilarejo. Mesmo sentindo algo vazio ao fazer isso.

- Gratidão. – Annika apanhou a flor no chão, analisando ela enquanto começava a andar ao lado de Blank – Mesmo que não tenha percebido você salvou o pai daquela menina. Impediu-a de enfrentar esse mundo sozinha.

- Bom pra ela. É questão de tempo até o pai dela morrer de qualquer forma.

- Pessimistas... – Annika riu, ainda seguindo ele – Pra onde você vai agora?

- Procurar um lugar inteiro onde eu possa ganhar algum ouro.

- Por que não vem comigo Blank? Encontrar a rainha? – Ela parou na frente de Blank dessa vez, como se quisesse impedi-lo de fugir daquela resposta.

Por que não? Que sonhos ele tinha pra vida dele?
Continuar sendo um mercenário e usar a força que ele tinha pelos outros? Talvez já fosse tempo de ele usar suas laminas pelos seus próprios motivos. Que outra opção tinha... Voltar pra Natain e ficar sentado numa taverna fedorenta até alguém contratá-lo pra mais um serviço sujo? A pergunta que ele fez foi simples:

- Ela pretende pagar algo pra quem se juntar a ela?

- Não sei. Mas você vai ganhar mais flores iguais a essa.

Com um sorriso curto, Annika passou por ele, enfiando aquela flor nos cabelos negros de Blank. De fato era uma pessoa energética, não parecia ser perigosa, mesmo que ele tivesse comprovado que ela era. Com o próprio braço. Ainda podia sentir certo desconforto naquele ombro. Uma pessoa bem incomum de ver naqueles dias negros.

- Me parece justo.

Foi a única resposta que ele foi capaz de dar. Antes de acelerar seus passos pra alcançar sua nova companheira de viagem.
E era aí que tudo estava começando... Ser um herói não se tratava somente de ser nobre. Heróis só existiam quando eles eram necessários no fim das contas. E pensando por esse lado, Blank até criou uma fé mínima que ele poderia ser um dos novos heróis daquele mundo. Naquele dia de chuva ele aprendeu que realistas não serviam pra fazer a mudança que o mundo precisava, ele precisaria sonhar. Ser um idiota iludido, no seu próprio ponto de vista.
Os “idiotas” tinham uma força e sabedoria ilimitada que nem os monges e magos mais sábios nunca conheceriam...
E era o significado dessa força que Blank quis entender naquele dia, quando seguiu aquela garota em seu objetivo suicida de juntar-se a um grupo de rebeldes e enfrentar aquele pais inteiro. Com uma chance mínima, quase impossível de vitoria.

Annika sabia quem ele era.
Havia reconhecido a Runa naquele braço dele. Aquela era a Runa que segundo as lendas estava destinada a derrotar os três reis. O que ela precisava era despertar o potencial daquele homem recluso. Mostrar pra ele que nem aquele mundinho tão cruel não era repleto de trevas assim. Quem havia se cercado de trevas tinha sido ele mesmo, quando desistiu daquele seu sonho besta. Quando desistiu de acreditar que ele poderia salvar alguma coisa, fazer alguma mudança. Esse era o maior erro de todos jovens não era?
Se tornar um adulto, em tudo.

Sempre é um erro desistir dos sonhos.
Blank aprenderia essa lição. Que mesmo sendo vitima daquele mundo sujo e sem heróis, ele poderia alcançar aquilo que ele tanto julgou ser uma ilusão.
A historia estava apenas começando. E a garota seguiu com um sorriso satisfeito e simples nos lábios, esse era o segredo da força dos idiotas.