quinta-feira, 6 de agosto de 2009

[Vol.2] Prólogo

Essa é outra “historinha” sobre pessoas incomuns que acabam por deixar nossas vidas comuns de cabeça pra baixo. Pra ser mais exato, a minha... Ela começou simples, acho que eu mesmo sempre fui meio desinteressante. Dois adolescentes encarando o amor sem nada a temer, apenas mais um casalzinho desses. E com um pequeno deslize, minha mãe ficou grávida. E desse erro, o resultado fui eu.Um nome? Meus pais me batizaram de Josh, Josh Ylonen. Tá, é ridículo, pode rir. Fazer o que, nasci na Finlândia, o país do gelo. E sabe... Você até que se acostuma a morar num lugar assim com o tempo, o frio, os meses de noite no inverno e os meses de “sol” no verão. Eu não vou falar do meu país e os nomes esquisitos em si, o que está em questão aqui é uma pequena parte da minha vida. Uma bem importante se você quer saber.Pra começar, eu fui criado pela mãe que engravidou ainda muito nova (como eu já citei acima) e acabou sendo expulsa de casa pela família. Meu pai? Bem, ele foi esperto e fugiu.Ter um filho não planejado sempre é um teste de amor severo pros casais jovens apaixonados. Um que ele definitivamente não passou.Herdei o cabelo preto do pai e os olhos cinza da minha mãe, sempre achei ela parecida com aquela cantora Tarja Turunem, bem, nem tanto.Nos primeiros anos foi realmente difícil pra minha mãe se virar sozinha, não sei bem dessa parte porque nem tinha nascido direito e ela mesma nunca me contou sobre o assunto, pra mim tanto faz. Eu to vivo agora mesmo. Ela se casou de novo quando eu tinha uns quinze anos, só que daí fui eu quem fugiu dessa vez. Não me dava bem com o novo marido dela e queria evitar dor de cabeça pra ela. A mulher me bancou até eu arrumar emprego, sempre ralei desde cedo. Mas pra chegar à parte importante eu vou ter que cancelar esse salto no futuro e contar um pouco do passado. Minha vida se tornou esquisita por causa de uma garota incomum. Era um dia de inverno na primeira série quando aquela garota foi transferida de uma escola da classe alta pra minha, nunca entendi o motivo pelo qual ela mudou do alto pra algo tão comum. Eu iria notar o quanto ela não se encaixava naquele lugar cedo. Lembro da primeira atividade em classe, a professora contou um conto de fadas clássico e pediu pra sala desenhar a bruxa. Mas quando terminamos tal atividade a professora acabou brigando com tal garota.

- O que você desenhou aqui querida? Bruxas são feias e tem verrugas no nariz. – É o conceito que as pessoas tem. Ela tinha desenhado uma mulher bem bonita pra ser feita por uma criança de seis anos. Sabe o que a professora ouviu? Isso:

- Só na sua mente ignorante. Bruxas são muito mais bonitas que mulheres normais, principalmente megeras que ganham pouco pra cuidar de criança.

Não preciso dizer que a sala toda riu da cara da professora e a garota foi mandada direto pra diretoria né... Isso era pouco perto das coisas incomuns que eu presenciei relacionadas a ela. Um nome pra ela? Sim, Ela tinha um legal.Brigith Velmont. Era linda, como toda bruxa de verdade... Tinha cabelos lisos e curtos até os ombros, bem mais escuros que os meus, mas quase no mesmo comprimento. (Os meus chegam à metade do pescoço) Porém os dela tapam as orelhas e se voltam pras bochechas.A pele dela sempre foi muito branca, as de todos nós nativos dali são. Já os olhos, refletiam o ar enigmático que ela tinha. Amarelos, como os de um gato preto. Ninguém por lá estranhava essa cor por mais bizarra que fosse.

Não preciso dizer que eu me apaixonei por ela mais rápido do que meu cérebro lento pode perceber. Acho que fui notar isso só na sexta série ou por ai, Brigith sempre teve aquela escola toda aos seus pés, era a garota mais popular mesmo sendo alguém arrogante e rude. Se fosse por escolha dela eu tenho certeza que seria uma daquelas anti-sociais que ficam presas no próprio mundinho, sentadas num canto isolado da sala. Porém as pessoas não a deixavam em paz, sempre iam puxar saco dizendo o quanto ela estava bonita, ou sobre as coisas caras e as notas altas que ela sempre tirava. O que ela poderia fazer além de falar que “não era nada demais” ou se manter educada e conversar um pouco? Brigith era brilhante, perfeita, como se a luz própria dela ofuscasse qualquer outra que pudesse aparecer ali.Que chance alguém como eu iria ter? Eu era mais um daqueles garotos que ficavam observando ela passar pelo corredor com aquele uniforme azul e negro sempre arrumadinho, reparando nas saias, pernas e afins. Assim são os garotos de treze anos. Todos nós suspirávamos coisas cafonas tipo “Uau... Ela é demais.” e ganhávamos o dia quando ela falava algo pra gente, nem que fosse um “Não enche!”.Porém acho que fui o único a notar o grande vazio que aquela garota sentia dentro de si mesma. Ela ficava horas olhando pela janela, pro céu. (Os professores nunca reclamaram, afinal, isso nunca afetou o desempenho dela) Parecia procurar algo que ela perdeu há muito tempo, sempre se isolava quando as pessoas davam brechas. Eu sentia um pouco de tristeza observando por esse lado, as pessoas sempre esperavam muito de Brigith e tudo que ela fazia era perfeito pra eles. Eu provavelmente nunca vou saber, mas deve ser um fardo pesado a se carregar. Mas ela não reclamava, sabia que era superior aos outros e gostava de viver assim. Quer saber de algo que eu não esperava? Eu e aquela garota acabamos ficando próximos um do outro. E o jeito que isso aconteceu foi bizarro... Vou contar.

Foi no primeiro ano, eu andava com alguns caras da sala por falta de opção, no que eles chamam de “amizade”. Mesmo que eu não colocasse a mão no fogo por nenhum deles, acho que a gente chama de ser colega isso. E me metia em muita fria por culpa deles, uma delas foi entrar no vestiário feminino pra roubar sutiãs. Tá... Muita gente faz isso, eu era imaturo, admito. E adivinha quem eu vi lá? Exato, Brigith.Eu fiquei pasmo quando a vi tirando a camiseta e a saia lá, o corpo dela despido era ainda mais perfeito que coberto. Todo mundo sabia que ela era vegetariana e malhava muito, eu senti o efeito disso na pele. Mesmo tímido com essas coisas, eu não conseguia parar de olhar. Até que aconteceu algo estranho, ela começou a tossir sem parar e caiu no chão. No desespero, eu não soube o que fazer quando a vi ali e joelhos, se acabando daquele jeito. Saí detrás dos armários e fui até ela, para socorrer. Ótimo, eu realmente me orgulho de ter tido essa idéia brilhante, porque ela se recompôs rápido e me acertou uma joelhada no lugar que dói. Faltei no dia seguinte, ir pra escola mancando era um mico que eu não queria pagar, pensei que eu tinha acabado de vez com a minha reputação para com ela naquele momento. Amaldiçoei milhares de vezes minha idiotice e quando topei entrar lá só pra eles pararem de me atormentar. O interessante foi que, no outro dia, ela me encarou a aula toda e eu não sabia onde enfiar a cara. A sala toda parou quando no intervalo ela veio até a minha mesa e disse num tom agressivo:

- Me encontre na parte detrás do refeitório daqui a sete minutos. Temos um assunto pendente pra resolver.

Não consegui abrir a boca, só engolir seco e pensar “Merda... A Brigith Velmont quer falar comigo!? Morri...” e exatamente sete minutos depois lá estava eu com aquela cara de cão arrependido, sem conseguir olhar praqueles olhos amarelos dela. Principalmente porque ela ficava uma gracinha com aquela cara de “Eu vou te matar” e com os braços cruzados enquanto batia o pé no chão.

- Achou que ia escapar só com uma joelhada?

- Acho que já foi o suficiente pra fazer eu me arrepender...

-Então você se arrependeu do que viu?

-Sim... Quer dizer, não! Ah... Deixa pra lá. Vai me castrar ou algo do tipo agora?

-Não seria má idéia. Mas eu tenho algo mais interessante em mente.

Eu não consegui pensar em nada além de coisas pervertidas na hora, não sei de onde achei que aquilo devia ser uma indireta de algum tipo, doce ilusão. Ela riu da minha cara antes que eu juntasse coragem pra responder. Foi a primeira vez que eu vi Brigith Velmont rir tão sinceramente. É, ela era linda sorrindo também.

-Você é engraçado. Tem algo nesse seu jeito esquisito que me dá vontade de rir. – Fiquei quieto por imaginar se isso era bom ou ruim. Esquisito, eu? – Eu vou te perdoar por enquanto, mas vai ter que fazer tudo que eu pedir a partir de agora. – Não seria algo difícil, acho que eu obedeceria sem ela falar.

-Tá bem... Alguma ordem inicial? – Fui ridículo agindo como um cachorrinho assim, achei que iria ser divertido e realmente ia.

-Senta atrás de mim nas aulas, eu guardo lugar. Quero ter alguém sincero pra conversar.

Ótimo! Eu voltei pra casa com um sorriso besta de orelha à orelha, aquilo era perfeito. Sempre quis sentar perto dela, mas nunca conseguia por chegar atrasado todo dia. Nunca dormi tão feliz em toda minha vida, bem, talvez eu tenha quando ganhei meu computador novo. Mas aquilo... Me fez dormir muito bem.Alias, nem dormi direito de tanta ansiedade pelo dia seguinte.Ter alguém sincero pra conversar... Então eu estava certo em algumas partes, ela achava as pessoas cínicas quando falavam bem dela assim? Bem, elas falavam de Brigith com razão, não consegui entender o que ela quis me dizer naquele dia.

Na manhã seguinte eu me senti como se fosse ter um encontro com ela, passei meu uniforme, me arrumei vaidosamente como uma menina faz nessas ocasiões, me perfumei e tal... Até tomar banho pra ir à escola tomei! O engraçado é que fiquei pensando em mil coisas que poderiam acontecer, começar a namorar Brigith, casar com ela e ter filhos. Um emprego bom com direito a passeios a dois nos fim de semanas... Coisas absurdas. Foi ai que eu imaginei como seria a família daquela menina. Com certeza eram podres de ricos. Nunca que iriam aceitar um pé rapado como eu de genro. Não demorei muito pra chegar na escola, pro meu normal, porque cheguei atrasado de novo. Foi bizarro quando a sala inteira parou pra me olhar na porta, todo produzido e me acompanharam com os olhos até eu chegar na mesa que estava ocupada pela mochila preta e cara dela. Eu hesitei pra sentar, achei que ia tomar algum tiro se soubessem que Brigith Velmont guardou lugar pra mim. Foi ela quem cortou o suspense:

-Senta ai logo. Tá atrapalhando a aula. – E tirou a mochila da mesa, pra me dar espaço. E nem preciso mencionar que mais da metade da sala arregalou os olhos, e vinte e cinco por cento dela soltou um:
“Queee??”
e alguém em particular gritou:
“Esse Mané sentando perto dela???”.
Não me ofendi, claro. É isso que eu era.Sentei ali com calma, respirando fundo pra não errar e cair. Basicamente foi algo dramático demais pra só sentar numa porcaria de cadeira, eu perdi a aula toda nesse dia. Às vezes ela se deixava escorregar pela cadeira na minha frente, e a nuca ficava encostada na borda de madeira superior. Isso fazia os cabelos negros dela caírem por cima das minhas mãos, era o suficiente pra eu ficar sonhando acordado. O perfume dela era bom, me acostumei com ele nos dias seguintes. Tinha quase certeza que era uma fragrância que Brigith tinha especialmente pra si. Ela virava por inteiro pra mim algumas outras vezes, pra dizer coisas não muito importantes ou pegar alguma caneta e materiais meus sem pedir. Certa vez ela até tomou o meu caderno apenas pra rabiscar o nome nele, “Brigith Velmont”, pontuou os “I” ’s com crânios de caveira e fez os “T” ‘s em formato de cruz. Daquele ano em diante foi comum esse tipo de coisa, ela foi a primeira amiga de verdade que eu tive e tenho a impressão que eu fui o único dali em quem ela conseguiu confiar, o único que chegou a conhecer a verdadeira Brigith Velmont.Os meus colegas passaram a me odiar por isso e eu deixei de andar com eles, todo mundo parecia me difamar só por que ela conversava comigo. Não demorou muito pra minha popularidade inexistente no colégio cair, por causa disso eu nunca fui capaz de arrumar uma namorada. A única que não ligava pra minha má fama, era ela mesma. Aquela garota morena de misteriosos olhos amarelos.Mas se você pensa que aquela garota se resumia em perfeição, cometeu um terrível engano, ela também teve os namoros (que ela sempre terminava de forma turbulenta) e enrascadas em que se metia. A pior parte era que Brigith tinha mesmo um lado aventureiro dominante... Ela se metia em confusão por gostar das tais, parecia atrair problemas. Também não preciso dizer que me arrastava pra alguns deles. Voltando pro assunto de namorar, brevemente, a única mulher que eu cheguei a beijar na época de escola foi por culpa de Brigith, uma amiga que ela me empurrou dizendo que era pra tirar um pouco da minha castidade.Mesmo que a tal fosse bonitinha, eu preferia que a senhorita Velmont resolvesse isso pessoalmente, se é que você entende. “Beijos são apenas beijos, nada de especial.” Era o que ela sempre dizia, o que sempre cortava minhas esperanças.Algo peculiar nela era que apesar de levar uma vida intensa, Brigith era uma pessoa fria. Você podia dizer pelos olhos dela, que não amava nada. Não gostava verdadeiramente de nada. Era um engano meu, porque tinha sim alguém que ela amava verdadeiramente.Um dia desses, pelo segundo colegial, ela bateu na porta da minha casa as seis da manhã, de shorts de ginástica, moletom e boné, me fez correr por umas duas horas. “Saúde”, é uma das prioridades dela, não entendo por que. Brigith sempre levou sua saúde muito a sério, é vegetariana e desde que eu me lembro freqüenta academias. Era demais pra um cara folgado que só come porcaria como eu acompanhar, quando paramos eu estava morrendo. Ela suou também, mas era acostumada, mesmo assim se jogou no chão daquele bosque no qual a gente foi parar. Minha vontade foi de me jogar ao lado dela, aquela paixonite que eu tive só se intensificou com o tempo, mas ela nunca percebeu. Não fazia mal, eu me contentava ficar numa boa do lado dela. Eu me sentia de alguma forma próximo, olhando ela ali exausta no chão, bufando e rindo de mim. Dizendo que era mais homem que eu mesmo só porque tinha mais fôlego e era mais rápida, nunca me rebaixei ao ouvir isso. Quando eu dizia que ela beijava mais mulheres que eu, era ela quem perdia a linha e me batia. E eu? Eu ria demais, eu era feliz. Meias verdades, Brigith era sim bissexual, tava na moda. Mas acho que ela preferia homens, mesmo que eu mesmo preferisse saber que ela estava com meninas. Acho que deve ser algo machista meu, como se não fosse perigo ela estar com outra mulher. Voltando ao ponto, ela leu meus pensamentos e notou a timidez que eu disfarçava bem como sarcasmo ou falta de interesse, acertou as dobras dos meus joelhos e me fez cair (Sim, ela sabia lutar melhor que eu), bem de nuca entre as pernas dela. Seria perfeito se ela estivesse de saias e não tivesse uma pedra naquele local. Doeu, mas eu nem liguei, só xinguei um pouco. Sem ligar pros xingamentos ela parou de rir e ficou olhando pras copas das árvores, aquele clima estava bem agradável, quente pro nosso padrão. E estar ali daquele jeito imóvel deitado nas pernas dela... Bem, acho que não preciso comentar.

-Ei Joh... – Ela disse que meu nome era feio e passou a usar o diminutivo, eu nunca reclamei, mas nunca tive coragem de ter a mesma intimidade – Você acredita em bruxas?

-Tipo Harry Potter?

-Não seja ridículo. To falando de bruxas de verdade, que queimaram nas fogueiras, faziam rituais a luz da lua e afins...

-Se os livros de historia dizem que existiram, acredito é claro. Só acho que elas são extintas hoje, não imagino como seria uma bruxa moderna. Algo tipo “Sabrina, a bruxinha camarada” ou por ai. – Foi uma tentativa fajuta de piada, ela nem se deu o trabalho de rir. Ficou em silencio olhando pra cima por alguns minutos, quando eu ia quebrar o silencio ela acabou fazendo isso antes, falou num tom sério que eu nunca ouvi dela.

-Eu sou uma bruxa moderna.

-Uhum... – Eu ri, como toda pessoa faria ao ouvir uma dessas. Ela manteve a expressão e olhou pra baixo, tendo como alvo a minha cara. Parecia séria, mas eu achava que ela tinha enlouquecido. Aquele olhar torto dela me fez não resistir e soltar mais uma – Tá bem, eu acredito. Senão você vai jogar um feitiço em mim pra me transformar em rato.

Brigith suspirou e olhou pra cima de novo, eu até que achei que ela ia deixar essa passar, mas foi só ela levantar a mão pro céu e abaixar com tudo pra acertar um tapasso na minha testa, ficou até com marcas dos dedos finos dela. Doeu mais que a queda na pedra, fora o barulho estalado que fazia soar mais humilhante...

-Você já é um rato.

Clima estragado, vou pular pra ultima parte notável da nossa vida escolar. O nosso baile de formatura... Algumas semanas antes do baile, ainda em novembro, Brigith virou-se pra mim na sala de aula e disse como se quisesse ver como eu reagiria àquilo:

-Meu pai morreu num Halloween, bizarro não?

-Exatamente no Halloween? – Eu achei aquilo frio demais e acabei me enrolando pra responder, não conhecia a família dela mesmo que ela tivesse dado algumas festas na mansão velha em que morava.

-Sim. Ele morava com a minha irmã na América, foi degolado e queimado segundo os especialistas.

-Ahnn... E você não gostava dele? –
Era bizarra a normalidade com que ela falava aquilo. Fiquei esperando um “Era brincadeira” vindo dela, mas não veio. Brigith estava falando sério.

-Não muito. Eu só via ele uma vez ao mês no máximo, não dava pra saber que tipo de homem ele era. Odiava os cigarros dele, disso eu sei.

-E a sua mãe, ela tá bem ou ta levando a noticia igual a você?

-Ela me olhou torto quando eu não me alterei, era meu pai biológico. Ela me adotou, não tinha nada a ver com ele.

-Você é adotada e tem uma irmã... Legal.

-Problemas na família de sangue. Eu não conheci minha mãe e minha irmã, só via meu pai de vez em quando, mas nem fazia questão.

-Saquei... Mas acho que você devia ligar um pouco mais, afinal, eles são seus parentes de sangue. Também é família.

-A única família que tenho é minha mãe adotiva, eu não preciso deles. E nem venha com essa de “ter rancor por ter sido abandonada”, já passei dessa idade. Simplesmente não quero me envolver com eles... Digamos que eu sou diferente do “normal”.

-Me diz algo que eu não sei...

Minha maior curiosidade além da família dela era com quem Brigith iria aceitar ir ao baile. Obviamente ela foi convidada por todos que achavam ter alguma chance de ouvir um “sim”, eu não fui uma dessas pessoas. E quando ela me contou que o par dela era alguém de fora, eu perdi totalmente o interesse pelo baile. Nunca gostei de festas mesmo.O único “porém” foi que ela pediu pra eu ir, era nosso ultimo dia juntos. E pensando nisso, nunca consegui dizer um “não” pra pedidos desse tipo vindos daquela menina. Minha mãe ficou feliz quando soube que eu decidi participar, eu tava meio afastado dela nos últimos anos, a mulher teve uma filha do meu padrasto e eu comecei a me achar um penetra na família deles. Por outro lado era legal ter uma irmã de oito anos que te acha o máximo, a pena era que aquele infeliz falava mal de mim pra pirralha todo dia e ela me chamava de “vagabundo” ao invés de me chamar pelo nome. Isso é aturável, mas quer saber algo que não era?Entrar naquele salão de terninho, de braço dado pra mãe e ter que dançar valsa com ela a noite toda porque não arrumou par. Mas não foi isso que colocou minha estima no chão, o que mexeu comigo foi ver Brigith ali, mais linda que nunca, naquele vestido preto todo detalhado e chique, que a fez ganhar o salão todo pra variar.

Como sempre, ela era a estrela mais brilhante da noite, aliás, ela era como a lua. As outras pessoas que eram as estrelas, que só serviam de realce para a beleza do brilho dela (eu pessoalmente me achei a “estrela” mais apagada dali). E estava acompanhada por um galãzinho com cara de espanhol.Tinha que ser espanhol? Eu sempre odiei caras espanhóis.Depois das danças ela veio até mim dizendo que depois queria falar comigo, pra mim não fugir. O que eu fiz? Deixei minha mãe ir embora sozinha e esperei.Quase uma hora depois eu estava bebendo tudo que via, na parte de fora do salão, onde dava pra se ver o céu e tomar algum ar, longe daqueles puxa-sacos. Me distrai conversando um pouco com eles, mas acabei preferindo me isolar pelo menos dessa vez.Até que ela apareceu, quase soltando fumaça pelo nariz por ter sido segurada lá dentro tanto tempo pelos colegas. Eu sabia como era, não foi a primeira vez que eu esperei por Brigith tanto assim por causa do sucesso que ela fazia. Mas valia a pena. Aquela Brigith um tanto arisca e agressiva era um privilégio meu, que ninguém ali iria ter, a minha Brigith Velmont.

-Você não é de beber, praticamente dormiu na rua quando exagerou aquela vez.

-Não é só você que pode se divertir por aqui ué.

-Queria que eles soubessem disso. Que saco... Amassaram todo o meu vestido.

-O espanhol?

-Espanhol? – Ela riu – Ele é latino. Um amigo da família.

-Seu noivo?

-A essa altura você acha que eu tenho cara de quem vai se casar?

Eu ri por alivio, ela riu por algum motivo que desconheço. Era surreal estar ali com ela naquele momento, Brigith caminhou até as beiradas da sacada e se apoiou ali, olhando pro alto com uma mão de repouso pro queixo. Eu não consegui dizer nada, apenas fiquei admirando ela sob a luz do luar, que parecia ter sido feito pra ela.Brigith suspirou, olhando pro chão que estava uns quatro andares abaixo.

-O que você pretende fazer depois da escola?

-Faculdade, advocacia. Sempre quis ajudar assassinos perigosos a escaparem da prisão. Acho que vou ficar por aqui mesmo e você?

-Não sei. – Isso foi uma surpresa pra mim, Brigith sempre foi decidida sobre o que queria, mas tinha algo diferente nos olhos dela. Mais uma vez eu vi ali aquela garota solitária, incompleta. – Eu quero ver o mundo sabe... Acho que vou sair da Finlândia, tirar férias bem longas.

-Por que, cansada da popularidade? – Por um lado eu entendia, aquele país era pequeno demais pra alguém tão grande quanto ela. Brigith tinha nascido mesmo pra ser livre, pra sumir pelo mundo. Mas por outro lado, se isso acontecesse talvez eu a perdesse pra sempre. E o que seria da minha vida sem aquela garota? Só uma rotina sem graça.

-Eu andei pensando, e descobri que eu não sei absolutamente nada sobre mim mesma. Não sei qual é o meu objetivo de vida, não sei o que é realmente importante pra mim. Você mesmo sabe disso... Eu nunca fiquei em apenas um tipo de atividade extracurricular, meus namoros nunca duraram mais de dois meses, nem sei dizer qual é minha preferência sexual ao certo, você adora me zoar por que sabe disso. Fora que sempre fui mimada e tive todos aos meus pés. Mas sabe... Isso me cansou. Eu quero descobrir o que é ser forte, descobrir o que é viver, o que é amar. Eu não sei se isso vai me dar respostas, mas eu pretendo procurar por elas desse modo mesmo assim. Quero descobrir quem é Brigith Velmont...

-Pois é... – Fiquei sem palavras diante daquele desabafo. Não queria que ela fosse, mas quem disse que eu falava o que sentia? Se for isso que ela queria, eu ia bancar o cachorrinho mais uma vez e apoiá-la, por mais que fosse difícil pra mim – Só lembra de mandar um e-mail e cartões postais de vez em quando.

Brigith virou-se pra mim, me olhando nos olhos, mesmo com a distância eu desviei o olhar. Mas não adiantou muito, ela soube que eu iria sentir falta dela. Só não imaginava o quanto. Nunca fui do tipo que chora, mas eu me sentia engolindo um sapo naquele clima. Ela riu mais uma vez e me abraçou, quase me derrubando no chão.

-Idiota. Não fica ai achando que vai ser a ultima vez que a gente vai se ver, você não vai me perder tão fácil assim.

-Eu vou sentir saudades dessa porcaria.

-É... Eu também.

-Vou torcer por você, espero que ache o parafuso que ta faltando ai nessa sua cabecinha confusa. E volte assim que achar, ok?

-Eu vou mesmo fazer falta pra você assim, de verdade?

Me pegou despreparado com essa, mas sabe... Eu não precisei responder. A resposta pra essa ela já sabia muito bem, o incomum ali é que quando eu percebi vi que era ela que estava chorando no meu lugar, molhando a minha camiseta social. Brigith nunca tinha chorado na minha presença antes, ninguém nunca tinha visto ela chorar. Naquela hora eu soube que eu era importante pra ela, nem que fosse um pouco. Foi o suficiente pra eu me contentar mais uma vez e rir da cara dela, só consegui colocar uma mão na cabeça daquela moreninha, pra deixar claro que ela podia descarregar o que fosse em mim. Afinal, dos amigos dela, o lado humano daquela deusa era algo reservado pra mim. E eu achei que eu ia chorar...

-Obrigada.

Nessa mesma noite, mais tarde, ela veio me pedir algo esquisito. Pra dormir na casa dela. É claro que eu aceitei sem pensar duas vezes. O motorista de Brigith veio nos pegar na porta do salão, eu fiquei feliz por morar sozinho e não precisar ligar pra mãe avisando que não ia dormir em casa. Dentro do carro mesmo Brigith tirou os sapatos, luvas e acessórios, tudo sem cerimônia. Eu evitei olhar pra ela durante a viagem toda e mantive aquele meu jeito sarcástico sem graça, ela me dizia que eu era o típico mané que quer ajudar as pessoas, mas finge que não. Acho que estava certa sobre isso, eu era bonzinho demais, inclusive com ela. Acabei soltando que tinha falhado em todos vestibulares que tentei esse ano, a infeliz riu da minha cara e me chamou de burro. Só parou pra ficar pensativa quando eu disse que ia ter que fazer alguma coisa da vida até o próximo vestibular. A casa dela não era tão afastada da cidade, ficava num dos bairros mais antigos de Helsinque, e que casa... Era digna de atores milionários americanos. Como chegamos ali lá pelas duas horas da manhã achei que não ia encontrar a mãe dela, que não vi no baile, acordada. Assim que atravessamos aquele jardim imenso e acabamos num estacionamento, ela me guiou pro hall de entrada. Aquilo tudo era imenso e chique, só paramos de andar quando chegamos em uma sala de estar, onde uma menina de uns doze anos, ruiva, de camisola branca e elegante, estava sentada na frente de uma TV gigante com home theater assistindo ao canal de noticiários e economia. Achei a cena bizarra demais, uma pirralha interessada por economia e coisas do tipo? Antes de Brigith falar algo, eu brinquei:

-Pelo menos essa menininha não deve ter problemas com a sua mãe por ficar acordada até tarde, já que é pra algo financeiramente útil.

Por que eu abro minha boca quando não devo? A garotinha olhou pra mim arqueando uma sobrancelha, irritada com o comentário. E Brigith? Ela riu, caminhando até a menina e apertando ela contra o peito. (A ruivinha ficou visivelmente desagradada com o ato de Brigith, mais do que com o comentário infeliz.)

-Tu nunca chegaste ao ponto de trazer homens para dentro de casa, Bri. – Foi bonitinho a ouvir falando daquele jeito esquisito e chamando Brigith por um diminutivo, coisa q eu sempre quis fazer. Mas achei que ela iria me ridicularizar se o fizesse.

-Relaxa “pimentinha”, ele é só um amigo. Quero conversar com ele mais um pouco já que foi nosso último dia de escola. Tenta largar a segunda pessoa, é coisa de séculos atrás já. – A menina apertou o olhar pra “Bri”, obviamente detestava o apelido que tinha recebido dela.

Apesar de ser fofa, aquela menina parecia ser séria demais.

-Bah... Faças como quiser. Vou retirar-me para os meus aposentos. – Então a menininha rabugenta escapou dos braços da Brigith e saiu da sala. Eu perguntei quem era, mas ela riu e não respondeu. Nós ficamos ali até o sono vir, depois eu fui levado pra um dos inúmeros quartos gigantes da casa. Não demorei pra dormir.

No meio do sono, tive pesadelos estranhos e acordei lá pelas cinco horas, aquele casarão tinha um ar “místico” demais e cheiro de incenso. Isso me fazia imaginar que estava sendo observado, parecia que as paredes tinham olhos. As estatuas nos corredores do lado de fora também pareciam reais demais, como se criassem vida depois que todos dormiam.O meu erro naquela noite foi sair daquele quarto pra ir ao banheiro, sem ter idéia de onde ficava. Caminhei sem rumo e acabei descendo demais, indo pros andares mais fundos da mansão. Ouvi uma musica bonita quando pensei em voltar pro quarto e minha curiosidade me fez seguir o som, eram várias vozes femininas, chegando onde elas estavam vi que eram seis mulheres cantando e dançando, numa parte inferior a que eu estava, num salão enorme que parecia um templo antigo grego, céltico, sei lá, nunca entendi disso. Dançavam quase nuas em torno de um circulo estranho no chão, iluminado por tochas e velas em formatos bizarros.A principio eu fiquei hipnotizado pela beleza da cena, pela dança que me fazia lembrar de ciganas, imaginando por que elas estavam fazendo aquilo. Me deixei levar pela canção a tal ponto que fiquei parado lá em cima olhando pra elas igual a um idiota, nem percebi quando pararam de dançar e olharam pra mim.Eu sai dali bem rápido, mas fui abordado por um tipo de segurança da casa. Ele disse que eu vi demais e me nocauteou. Era só uma dança inofensiva, o que tinha demais?Sim... Agora aquela historia de Brigith não parecia tão absurda. Ela era uma bruxa de verdade, eu tinha me metido com uma bruxa de verdade. Com um culto de bruxas barra pesada. Quanta sorte a minha...Acordei com dores de cabeça infernais, e sob o olhar da tal “Pimentinha”. Estava numa sala, amarrado e com dois brutamontes mal encarados olhando pra mim. Era melhor ficar quietinho e deixar a pirralha falar.

-Não devias te meter onde não deves. Posso muito bem dar a ordem para estes senhores arrancarem teus olhos como punição.

-Era só uma dança, não é pra tanto. Vocês não tavam sacrificando alguém ou coisa do tipo.

-O que tu achas que fariam contigo se o achassem lendo um dos livros proibidos que o Vaticano esconde nos templos mais importantes da tua religião?

-Não foi por querer... Eu só queria ir no banheiro, tava apertado. Daí me perdi e...

-Agora não importa. Por mim, te soltaria longe daqui depois de uma surra. Mas meus superiores não permitem tal ousadia nem que sejas acidental. Só há dois meios de sair desta situação e...

-E nós vamos ficar com o segundo. – Quem disse aquilo foi Brigith, que entrou na sala as presas, como um anjo da guarda pra me salvar. Eu diria até que ela ficou feliz com o meu deslize.

A baixinha suspirou e colocou a mão na cara.

-Tens consciência do peso que estas colocando nas próprias costas piveta?

-Uhum. E pense comigo Ophelia, nós não somos assassinas. Agir dessa forma é justificar a má fama que a gente leva dos ignorantes lá fora. Dane-se se são ordens da “suprema” lá, nós, Velmont não sujamos nossas mãos de sangue inocente mais. Lembra?- Foi bizarro ouvir isso dela, e mais ainda ter ouvido a ruivinha chamar Brigith de piveta.

Mas o que mais me impressionou foi quando Brigith chamou a baixinha de Ophelia. Eu não tava entendendo nada, só sei que a minha heroína dobrou a menina sádica e acabou por me tirar de lá. Eu não soube como agradecer, se é que devia agradecer...

-Primeira vez que você livra a minha cara assim.

-Livrar sua cara? – Brigith riu de um jeito que eu detestei e olhou pra mim de um jeito mais cruel que a tal Ophelia – Sabe qual é a tal segunda condição?

-Sair vivo?

-Tornar-se um de nós, no seu caso, meu escravo pessoal oficial agora.

-Tá me zoando né?

-Não. A partir de hoje você é um membro, dos mais baixos, da nossa humilde seita oculta, e eu sou sua sacerdotisa. Sua mentora. Então você vai se mudar pra cá e lamber meus pés até eu achar que posso te dar alguma liberdade. –
Eu só acreditei naquilo por culpa daqueles olhos amarelos, aquele assunto bizarro era sério, Brigith estava falando mais séria do que nunca. E parecia satisfeita com isso, porque agora eu literalmente pertencia a ela, me tornei o “Amigo Pessoal” no sentido de “Personal Computer” me senti um objeto. E sabe do que foi mais bizarro? Eu achei aquilo interessante e nem pensei em reclamar. Agora eu tinha certeza que estaria do lado de Brigith pra sempre e isso soava bem pra mim.

-Só uma duvida, você chamou aquela menina de doze anos de Ophelia, isso quer dizer...

-Sim, aquela menina de “doze” anos é minha mãe adotiva.

-Tá... Agora sim eu me sinto dentro de um anime. – Mais uma vez aquele belo riso dela ecoou nos corredores da mansão, era algo que ela ia me explicar depois.

-A parte bizarra da sua vida começa aqui seu velho ranzinza. – Então ela virou-se pra mim sorrindo, sabendo que eu não poderia mais fugir, não tinha mais escolha alguma. Só não sei dizer se isso era bom ou ruim. – Bem vindo à “Black Rose”!

Ah sim, esse era o nome da seita a qual os Velmont pertenciam. Mais uma vez eu esperei ansioso pelos dias que estavam por vir. E foi assim que a normalidade e chatice da minha rotina haviam sido viradas de cabeça pra baixo, sido assassinadas brutalmente por aquela garota chamada Brigith Velmont.


“Let the games begin once again!”

Um comentário:

  1. Tenho que admitir que gostei muito mais do começo desse volume do que do primeiro.
    Como diriam umas amigas... Brigith ahaza. lol

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